domingo, maio 01, 2016

Epitáfio para um Império

Escrevia-o Franco Nogueira em 1 de Agosto de 1967:

«Somos grandes em África. E pequeninos são alguns espíritos na metrópole, que pensam e agem sempre de forma pequenina. São os intelectuais muito sofisticados, muito escrupulosos, muito sabedores, muito evoluídos, muito superiores, que têm profundas e doutrinas sábias e elevadas, e que para resolverem problemas se metem em complexas construções e manobras que sacrificariam os portugueses brancos e pretos - mas quem cuida dessas minúcias? - e que levariam à perda do Ultramar. No fundo, têm outra escala de valores, quando não são simplesmente cabotinos, pedantes intelectualmente, sob a influência dos estrangeiros. No fundo, não sentem a grandeza do Ultramar, têm horizontes bem limitados, e são incapazes de ver em grande e rasgado, e impotentes para terem convicções ou lutarem por uma causa. Para esses, tudo é Europa, e deslumbram-se com as galas da Europa, as reuniões da Europa, com punhos de renda e entreténs de salão. No fundo, repugna-lhes a África: tem muitos negros, e selva, e bicharia, e poeira encarnada, e rios de água barrenta e salobra, e ar quente e húmido. Decerto: a África não é só isso; mas, para esses, é isso. Aqueles tais são uns quadrilheiros da pequena política: e fazem passar os seus problemas e ambições pessoais, ou do seu grupo, adiante dos problemas nacionais.»

- Franco Nogueira, "Um político confessa-se (Diário: 1960-1968)"

O Post-Scriptum ao epitáfio:

«Conseguiram-se coisas hoje inconcebíveis, como a neutralidade na II Grande Guerra Mundial.
Conseguiu-se também, pela primeira vez desde Pombal, pôr fim à tutela inglesa, que fora confirmada com sangue na I Guerra Mundial.
Hoje vemos, com uma dura clareza, como o período da nossa história a que cabe o nome de Salazarismo foi o último em que merecemos o nome de nação independente. Agora, em plena “democracia” e sendo o povo “soberano”, resta-nos ser uma reserva de eucaliptos para uso de uma obscura entidade económica que tem o pseudónimo de CEE”.»
 
- António José Saraiva, in Expresso de 22 de Abril de 1989

7 comentários:

Arrebenta Rb's disse...

O Franco Nogueira já conhecia o Ricciardi Rb? É que o FN faz um retrato dos RB de Portugal. Lol

Vivendi disse...

Há um número que diz muito daquilo que nós fomos.

Mais de 50% da população branca brasileira é descendente de portugueses.*

Salazar sabia que bastaria mais duas ou três gerações e que conseguiria então um resultado próximo à realidade brasileira. Já li um escrito dele em que a sua reflexão ia buscar o exemplo brasileiro (não me recordo foi onde).

*
Se considerar os brancos que se afirmaram de origem brasileira como descendentes remotos de portugueses, 60,03% da população branca do Brasil é de origem portuguesa. Em suma, vivem em Portugal 10 milhões de portugueses e no Brasil 26 milhões de pessoas que se consideram etnicamente portuguesas e outras 41 milhões que são, provavelmente, de remota origem lusitana.

Maria disse...

Precisávamos de ter hoje mais portugueses como este grande Senhor e grande Patriota, A.J.S.. Mais portugueses com a sua inteligência, lucidez e verticalidade para nos fazerem ver a crua e triste realidade a que este regime nos submeteu, que é o exacto oposto daquele que os anti-fascistas e revolucionários, verdadeiros traidores à Pátria, querem-nos impingir à viva força.

A alegria de viver foi-se, a paz social foi-se, o bom ambiente laboral foi-se, a segurança no trabalho foi-se, a sensação indefinível de felicidade foi-se, a certeza da protecção total e absoluta contra qualquer investida inimiga vinda do exterior foi-se. Era este o quotidiano real e genuíno que os portugueses, do mais pobre ao mais rico, durante o Estado Novo. Quem disser o contrário mente. É perante este tremendo drama que este bom Povo vai sobrevivendo triste e amargurado e sem fim à vista. Sem fim à vista? Não! Até um dia. Que se espera e deseja bem próximo. Tudo tem um fim, até a maldade e a traição.

Maria disse...

Franco Nogueira outro grande português e enorme patriota. As palavras que deixou, no pedaço de texto reproduzido, traduzem a mais pura das verdades quanto à mentalidade de certos portugueses. Mais escrevera e mais acertara.

Parabéns pelas suas magníficas últimas crónicas, imperdoàvelmente ainda não lhos tinha dado. Aqui ficam para que conste:)

Unknown disse...

António José Saraiva : preventiva,cuidadosa e deliberadamente " arrumado e esquecido" , alguém que foi , e continua a ser, um referencial para a minha geração.
Aquelas trinta e pouco páginas, "Personalidade Cultural Portuguesa",em "A Cultura em Portugal",deveriam ser "gratuitas e obrigatórias" para todo o frequentador ( não me atrevo a escrever estudante...) dos edificios escolares cá da paróquia...

Ricciardi disse...

Franco Nogueira tinha razão. Ele há gente dessa.

Mas faltou dizer o fundamental. Os ingleses também foram um grande império. Sem ele e com democracia continuaram a ser um grande país.
.
Rb

Anónimo disse...

Hoje, ao ler isto, lembrei-me de si.

http://observador.pt/opiniao/offshores-ultima-conquista-abril/

Phi