«Marcelino de Matos venceu muito; fez que José do Telhado fosse julgado como réu de uma única morte sem premeditação; e como caluniado na maioria dos roubos arguidos. Fez muito ali, onde estavam as testemunhas, os roubados, os feridos, a multidão que o vira, ou só o vira pelos olhos do seu terror!A pena de degredo, na lei portuguesa, só deixou de ser aplicada efectivamente após 1932; e só foi banida definitivamente do Código penal a partir de 1954. Durante séculos, e sobremaneira após a conquista de Ceuta, o degredo tornou-se um instrumento de conveniência do estado relativamente ao emprego de criminosos de delito grave com fins úteis às necessidades do império ultramarino. A percentagem de degredados e respectiva descendência (geralmente miscigenada) das populações europeias e de origem europeia nas nossas antigas possessões ultramarinas era, assim, muito considerável.
José Teixeira foi condenado a degredo perpétuo com trabalhos públicos.»
- Camilo Castelo Branco, in "Memórias do Cárcere"
Por exemplo, em Angola, por volta de 1864, estima-se que cerca de um terço da população branca da colónia era integrada por degredados. Segundo descrições na imprensa e em boletins oficiais da época, podia ler-se:
«Tratava-se de um grupo extremamente heterogéneo: desde o famoso José do telhado, que se internou como comerciante no sertão de Luanda, na década de 1860, ou João Vitor de Silva Brandão "celebérrimo salteador e assassino" da Beira-Alta, condenado a degredo em África, o qual fugiu para o sertão de Benguela, em 1881, até João Chagas, herói da revolta republicana do Porto, em 1891.»
João Pinheiro Chagas, de cuja pena brotou o texto do postal anterior, serve aqui de exemplo paradigmático a muitos títulos. Em primeiro lugar, do facto deveras relevante de, juntamente com os degredados do delito comum, seguirem muitas vezes despachados para as colónias condenados do delito político. Em segundo lugar, o próprio Chagas é uma imagem viva do "português transcontinental": nasceu no Rio de Janeiro, estudou em Lisboa, trabalhou no Porto, foi deportado para Angola, fugiu para o Brasil e voltou a Portugal após ao 5 deOutubro de 1910, chegando a desempenhar (em 1911) as funções de Presidente do Ministério (equivalente ao actual primeiro Ministro). Senhor de uma pena acutilante, não se percebe em que é que isso, todavia, o habilitava para comandar os destinos da governação, mas, também aí, se denota um dos costumes da pátria: qualquer bom parlapié serve de habilitação bastante a todo e qualquer candidato a pastor do povo.
Finalmente, e fazendo fé nos argumentos expressos no texto anteriormente exposto, dir-se-iaque pretende implantar a república porque no fundo padece nostalgias da monarquia a sério. Este paradoxo vivo em Chagas é extensível a todo o empreendimento republicano que culmina no 5 de Outubro. Qual o pretexto superior, o móbil-mor para o reboliço desta gente? Nada mais, nada menos do que a incúria do império ultramarino pelo regime híbrido, culminada na cedência ao Ultimato inglês (que, recorde-se, exigia a cedência de partes do império - sensivelmente, o território das duas Rodésias...). E repare-se que nisto não há apenas uma revolta contra um putativo desleixo: há, sobretudo, um oportunismo surfista de cavalgar a onda popular de indignação anti-britânica (devidamente atiçada pelos jornalistas da época, procurando colar-lhe uma ignóbil conivência do regime neomonárquico). Ora, o posterior triunfo da deriva republicana vai acentuar ainda mais o paradoxo: por um lado, acontece na política metropolitana aquilo que Pessoa, testemunha do evento, lapidou como uma "oligarquia de bestas", com todo o seu arraial estrangeirado de usos, abusos e balbúrdias. Mas, por outro, a nível ultramarino, decorre toda uma actividade febril pelas áfricas em prol da consolidação e expansão do Império. E é de tal ordem esta prioridade, que Portugal embarca na carnificina da 1ª Grande Guerra como expediente político para garantia das colónias no Pós-Guerra. Neste âmbito, aliás, a 1ª República foi revolucionária de um modo frívolo, superficial e bacoco (como, de resto, é sempre esse tipo de transtorno xenofago), mas, bem no fundo, foi ferozmente conservadora: animava-a a pulsão territorial que entre nós mana e prevalece desde os primeiros reis. Quer dizer, na política ultramarina procurava recuperar um elan que de algum modo estaria a perigar com a descaracterização monárquica. Até porque, desde D.João II, era o império que determinava o reino. Como era novamente o império que determinava a República. É entre 1913 e 1915 que Teixeira Pinto consegue o inimaginável: com meios e recursos exíguos, mas uma audácia tipicamente portuguesa em matéria de trópicos, cumulada duma eficácia realista de métodos, pacificou o vespeiro da Guiné (e duma forma particularmente retumbante).. Teixeira Pinto merecerá, com inteira justiça, um postal especialmente comemorativo, mas registe-se, desde já que foi o único cabo de guerra poruguês que mereceu honras de "exterminador colonialista" por parte da futura "historiografia marxista" do PAIGC. Maior louvor e melhor atestado de bravura e grandeza seria difícil!...
Em todo o caso, convém que fique bem claro que entre a realidade e a propaganda republicana mediava uma distância considerável. A monarquia constitucional, com todos os seus problemas - cinco bancarrotas não é para meninos - e todas as suas descaracterizações, não tinha, ainda assim, descurado como se pintava o império. Procurara defender, na medida das suas fracas forças e recursos, o território ultramarino. O falhanço do mapa cor-de-rosa e o ultimato inglês que lhe deu forma foram resultado mais da rapacidade e tradicional traição inglesa (suposto aliado) do que, propriamente, de qualquer incúria metódica do regime. Foi a monarquia que estabeleceiu as fronteiras de Moçambique, derrotando o império Vátua (Mouzinho de Albuquerque e o célebre episódio de Chaimite); foi a mesma monarquia que desbravou e estabeleceu as marcas em Angola - depois do desastre do Vau do Pemba, em 1904, o exécito português voltará ao Cuamato, em 1907, agora com Alves Roçadas e vingará a derrota de três anos antes. E a forma como os portugueses surpreendem e impressionam fortemente os seus ferozes adversários merece destaque: não foi com canhões nem metrelhadoras, que isso os outros já conheciam e estavam prevenidos: foi com cargas brutais de baioneta calada. E foi como se os lusos combatentes descessem ao método tradicional dos africanos e os batessem, homericamente, sem próteses tecnologicas, em duelo limpo, no seu próprio campo. Quem tenha experiência de guerra em África sabe como o efeito psicológico é determinante.
Tudo isto para referir apenas o óbvio incontornável: a defesa intransigente, concertada e perseverante do ultramar português é uma tradição arreigada de séculos na história de Portugal, que irmana no mesmo desígnio fundamental regimes tão díspares como as duas Monarquias, a primeira República e o Estado Novo. Em todos esses períodos sobressai uma constante: o primado territorial sempre prevaleceu sobre o critério mental.
Ora, o que acontece em 25 de Abril de 1974 é a rotura completa não apenas com um regime (como se quis e ainda se insufla fazer crer) mas com a história inteira duma nação e, ao fim e ao cabo, com a estrutura existencial dessa nação e respectivo povo. Sucede a inversão da regra paradigmática que tinha presidido a séculos: o critério mental (agora ideológico) sobrepunha-se ditatorialmente ao primado territorial. A "revolução dos Cravos" não consistia, assim, num empreendimento anti-fascismo, mas numa empreitada anti-Portugal. Uma empreitada levada a cabo por moços de frete, em procuração voraz (e, em larga medida, acéfala) de interesses alógenos. Desse modo, a nação entregou partes seculares e exorbitantes de território (e respectivas populações) ao repasto internacional, ao mesmo tempo que se rendia, no resquício restante, à ocupação das armas/ideias estrangeiras, em prol da perpétua submissão. Para cúmulo, o critério mental impõe-se como primado despótico precisamente quando ele próprio prima pela completa ausência, ou seja, quando o que preside e avassala é o mais completo descritério mental de sempre.
Falar em traição peca por muito escasso. É algo bem mais abaixo, que coloca grande quantidade destes nossos supostos compatriotas numa confraternização amena e prazenteira com os vermes, as lesmas e demais invertebrados que militam na podridão.
Subitamente, o alambique não desatou apenas a pingar o 8. Descobriu-se, alarve e cobardemente, que oito já era oitenta, senão mesmo oitocentos. É nisso que vamos.
Já não se trata de qualquer nível de paradoxo. Não há no 25 de Abril ponta de portuguesismo. E não sobressai apenas o triunfo, como lapidou António José Saraiva, do instinto das tripas. É uma descida colectiva à abjecção, ao abismo... Mais mesmo que a nanificação a uma Liliput, uma regressão a colónia de micróbios... Uma abjecção que, entretanto, se banalizou, se normalizou, se tornou "moral". Que se exibe, que se ostenta, que se arrota. Em grupo, em bando, em súcia, preferencialmente. Que nestes 40 anos apenas se entranha e propaga. E de que as redes sociais, e a internet em geral, se tornaram, sòmente, na última montra.
Nada disto reclama (ou sequer permite) explicação: reclama apenas camisa de forças.
PS: Permitam-me agora um intervalo por força emética, e já retomo a questão da heterogeneidade endémica do nosso império, à qual o caso dos degredos apenas serviu de intróito
Finalmente, e fazendo fé nos argumentos expressos no texto anteriormente exposto, dir-se-iaque pretende implantar a república porque no fundo padece nostalgias da monarquia a sério. Este paradoxo vivo em Chagas é extensível a todo o empreendimento republicano que culmina no 5 de Outubro. Qual o pretexto superior, o móbil-mor para o reboliço desta gente? Nada mais, nada menos do que a incúria do império ultramarino pelo regime híbrido, culminada na cedência ao Ultimato inglês (que, recorde-se, exigia a cedência de partes do império - sensivelmente, o território das duas Rodésias...). E repare-se que nisto não há apenas uma revolta contra um putativo desleixo: há, sobretudo, um oportunismo surfista de cavalgar a onda popular de indignação anti-britânica (devidamente atiçada pelos jornalistas da época, procurando colar-lhe uma ignóbil conivência do regime neomonárquico). Ora, o posterior triunfo da deriva republicana vai acentuar ainda mais o paradoxo: por um lado, acontece na política metropolitana aquilo que Pessoa, testemunha do evento, lapidou como uma "oligarquia de bestas", com todo o seu arraial estrangeirado de usos, abusos e balbúrdias. Mas, por outro, a nível ultramarino, decorre toda uma actividade febril pelas áfricas em prol da consolidação e expansão do Império. E é de tal ordem esta prioridade, que Portugal embarca na carnificina da 1ª Grande Guerra como expediente político para garantia das colónias no Pós-Guerra. Neste âmbito, aliás, a 1ª República foi revolucionária de um modo frívolo, superficial e bacoco (como, de resto, é sempre esse tipo de transtorno xenofago), mas, bem no fundo, foi ferozmente conservadora: animava-a a pulsão territorial que entre nós mana e prevalece desde os primeiros reis. Quer dizer, na política ultramarina procurava recuperar um elan que de algum modo estaria a perigar com a descaracterização monárquica. Até porque, desde D.João II, era o império que determinava o reino. Como era novamente o império que determinava a República. É entre 1913 e 1915 que Teixeira Pinto consegue o inimaginável: com meios e recursos exíguos, mas uma audácia tipicamente portuguesa em matéria de trópicos, cumulada duma eficácia realista de métodos, pacificou o vespeiro da Guiné (e duma forma particularmente retumbante).. Teixeira Pinto merecerá, com inteira justiça, um postal especialmente comemorativo, mas registe-se, desde já que foi o único cabo de guerra poruguês que mereceu honras de "exterminador colonialista" por parte da futura "historiografia marxista" do PAIGC. Maior louvor e melhor atestado de bravura e grandeza seria difícil!...
Em todo o caso, convém que fique bem claro que entre a realidade e a propaganda republicana mediava uma distância considerável. A monarquia constitucional, com todos os seus problemas - cinco bancarrotas não é para meninos - e todas as suas descaracterizações, não tinha, ainda assim, descurado como se pintava o império. Procurara defender, na medida das suas fracas forças e recursos, o território ultramarino. O falhanço do mapa cor-de-rosa e o ultimato inglês que lhe deu forma foram resultado mais da rapacidade e tradicional traição inglesa (suposto aliado) do que, propriamente, de qualquer incúria metódica do regime. Foi a monarquia que estabeleceiu as fronteiras de Moçambique, derrotando o império Vátua (Mouzinho de Albuquerque e o célebre episódio de Chaimite); foi a mesma monarquia que desbravou e estabeleceu as marcas em Angola - depois do desastre do Vau do Pemba, em 1904, o exécito português voltará ao Cuamato, em 1907, agora com Alves Roçadas e vingará a derrota de três anos antes. E a forma como os portugueses surpreendem e impressionam fortemente os seus ferozes adversários merece destaque: não foi com canhões nem metrelhadoras, que isso os outros já conheciam e estavam prevenidos: foi com cargas brutais de baioneta calada. E foi como se os lusos combatentes descessem ao método tradicional dos africanos e os batessem, homericamente, sem próteses tecnologicas, em duelo limpo, no seu próprio campo. Quem tenha experiência de guerra em África sabe como o efeito psicológico é determinante.
Tudo isto para referir apenas o óbvio incontornável: a defesa intransigente, concertada e perseverante do ultramar português é uma tradição arreigada de séculos na história de Portugal, que irmana no mesmo desígnio fundamental regimes tão díspares como as duas Monarquias, a primeira República e o Estado Novo. Em todos esses períodos sobressai uma constante: o primado territorial sempre prevaleceu sobre o critério mental.
Ora, o que acontece em 25 de Abril de 1974 é a rotura completa não apenas com um regime (como se quis e ainda se insufla fazer crer) mas com a história inteira duma nação e, ao fim e ao cabo, com a estrutura existencial dessa nação e respectivo povo. Sucede a inversão da regra paradigmática que tinha presidido a séculos: o critério mental (agora ideológico) sobrepunha-se ditatorialmente ao primado territorial. A "revolução dos Cravos" não consistia, assim, num empreendimento anti-fascismo, mas numa empreitada anti-Portugal. Uma empreitada levada a cabo por moços de frete, em procuração voraz (e, em larga medida, acéfala) de interesses alógenos. Desse modo, a nação entregou partes seculares e exorbitantes de território (e respectivas populações) ao repasto internacional, ao mesmo tempo que se rendia, no resquício restante, à ocupação das armas/ideias estrangeiras, em prol da perpétua submissão. Para cúmulo, o critério mental impõe-se como primado despótico precisamente quando ele próprio prima pela completa ausência, ou seja, quando o que preside e avassala é o mais completo descritério mental de sempre.
Falar em traição peca por muito escasso. É algo bem mais abaixo, que coloca grande quantidade destes nossos supostos compatriotas numa confraternização amena e prazenteira com os vermes, as lesmas e demais invertebrados que militam na podridão.
Subitamente, o alambique não desatou apenas a pingar o 8. Descobriu-se, alarve e cobardemente, que oito já era oitenta, senão mesmo oitocentos. É nisso que vamos.
Já não se trata de qualquer nível de paradoxo. Não há no 25 de Abril ponta de portuguesismo. E não sobressai apenas o triunfo, como lapidou António José Saraiva, do instinto das tripas. É uma descida colectiva à abjecção, ao abismo... Mais mesmo que a nanificação a uma Liliput, uma regressão a colónia de micróbios... Uma abjecção que, entretanto, se banalizou, se normalizou, se tornou "moral". Que se exibe, que se ostenta, que se arrota. Em grupo, em bando, em súcia, preferencialmente. Que nestes 40 anos apenas se entranha e propaga. E de que as redes sociais, e a internet em geral, se tornaram, sòmente, na última montra.
Nada disto reclama (ou sequer permite) explicação: reclama apenas camisa de forças.
PS: Permitam-me agora um intervalo por força emética, e já retomo a questão da heterogeneidade endémica do nosso império, à qual o caso dos degredos apenas serviu de intróito
10 comentários:
Os seus textos banalizam o termo "Antológico".
Cpmts.
"o primado territorial sempre prevaleceu sobre o critério mental."
Grande reflexão.
Pena que muitos do que estiveram ao comando não entendessem assim.
Pior que as províncias ultramarinas considero que o Brasil foi a maior atrocidade que os iluminados conseguiram cometer contra esta pobre e secular nação.
Quem conhecer minimamente o Brasil saberá do que estou a falar.
Hoje Portugal e o Brasil estão muito longe da sua matriz espiritual e como tal não são mais que uma completa aberração após várias tentativas (frustradas) de impor e construir uma sociedade onde antes havia uma comunidade alicerçada na ordem natural e divina.
Sobre a África ultramarina foi como uma espécie de sonho que acabou em pesadelo.
Quando estava a conquistar lentamente uma forma orgânica perante o mundo mais depressa foi então condenada ao desaparecimento, da pior forma, a aniquilação.
Ou serei eu ou será o adiantado da madrugada, ou o prezado Dragão toma aí o Manuel Pinheiro pelo João Pinheiro.
Não é o caro nem a hora avançada: é esta besta que sou eu que enfiou o Pinheiro Velho no mesmo saco do Pinheiro Novo. A esta hora está o velho a rogar-me merecidas pragas lá do Além e a dar saltos na sepultura.
Fez muito bem em avisar. Já tratei da ablação necessária. Com alguma pena, reconheço, tive que sacrificar a beleza à história.
:)
Cumpts.
Esta rapaziada avançada do tudo e do seu contrário ao serviço da antiga URSS agora em reconstituição como EUSSR depois disso tudo só pensa numa única coisa:Fazer o Sobado de Lisboa recorrendo a "Dívida" numa de todos iguais, todos diferentes e claro em que uns têm que receber menos para outros receberem mais...
Para eles não é traição é virtude...
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