Durante o seu longo consulado, Oliveira Salazar teve que enfrentar não apenas vários levantamentos militares e tentativas de golpe de estado, como, inclusivamente, um atentado pessoal. Em 1937, um grupo de táxistas (da Cooperativa Palhinhas de Lisboa), com alcunhas pitorescas como "O Fininho", "o Porta-Aviões", "O Fome Seca", e o "Pimenta", entre outros, conjurou-se, em forma de troup anarquista, para fazer explodir o terrível ditador. Na qualdidade de cérebro da organização, o "Fininho", acolitado por um tal Emídio Santana, técnico de explosivos e mestre endoutrinador da pequena seita, presidiu ao empreendimento. Confeccionado o infernal engenho, definiram o local e hora para a experiência e passaram à acção. Armadilharam o colector, à porta da mansão na Avenida Barbosa du Bocage, nº 96, em cuja capela privada, Salazar costumava assistir missa, aos domingos. Por um sistema expedito de detonação artesanal (através de puxão de corda) os conjurados aguardaram a sua odiada presa. E assim, no dia 4 de Julho de 1937, quando o presidente do Conselho saía do carro e se dirigia para a porta da mansão, onde o aguardava, como de costume, o proprietário da mesma em cortesia, o "Pimenta" accionou o detonador que ocasionou, de imediato, uma violenta explosão. Abriu-se uma cratera aos pés de Salazar, cobrindo-o com certa quantidade de caliça e detritos, mas não lhe causando qualquer dano. Imperturbável, o fundador do Estado-Novo, sacudiu o pó do fato, comentando para os seus embasbacadas amigos, enquanto prosseguia, contornando a cratera: "Bem, vamos lá à missa!"...
Em 13 de Abril de 1961 ocorre aquilo que, para muito boa gente, é uma espécie de "ensaio geral" da tragicomédia de Abril de1974. Nas palavras de Jaime Nogueira Pinto «os conjurados são membros da classe dirigente, do governo, altas patentes militares e políticos em desfavor que se identificam com uma "ala liberal" do tempo. (...) Também no seu desfecho a "crise" será abafada; nenhum dos conjurados terá sanções de prisão ou procedimento disciplinar e um dos principais, Costa Gomes, vai conseguir através de um curioso mea culpa fazer perdoar e esquecer o seu envolvimento na intentona».
Acrescente-se que no 13 de Abril, além da confrontação entre as duas linhas existentes no regime, a nível político e militar, de integracionistas e separatistas, aparecem como personagens-chave em cada um dos grupos, Kaúlza de Arriaga e Costa Gomes, cuja rivalidade crescente e luta de influência, no seio das Forças Armadas, acabará com o desforço do segundo, ao mandar prender, na noite de 28 de Setembro de 1974, o homem que muito contribuira para o malogro dos seus planos 13 anos antes.» (in O Fim do Estado-Novo e As Origens do 25 de Abril)
Façamos um curta visita aos bastidores da tentiva de golpada. Havia uma clara concertação de fenómenos:
o Bafo histórico americano a massajar as nucas e as mioleiras destemidas dos conjurados, o rompimento simultâneo das hostilidades terroristas em Angola e a presunção que a idade já avançada de Salazar lhe diminuiria as faculdades e a firmeza. À testa de ponte da excursão palaciana, destacavam-se Botelho Moniz, Almeida Fernandes e Costa Gomes, respectivamente Ministro da Defesa, Ministro do Exército e Sub-Secretário de Estado do Exército.
O objectivo dos conspiradores consistia, sucintamente, em derrubar Salazar (o que requereram junto do Presidente da República, Américo Thomaz), ao mesmo tempo que tentavam sublevar unidades militares, no que o papel de Costa Gomes foi, imaginem, fulcral e sobreactivo. No decurso de várias manobras e contra-manobras (que prescindo de enumerar, para não descambar em telenovela), o plano acaba desarticulado pela destituição dos principais conjurados e pela sua rápida substituição por gente de confiança. É depois deste episódio soturno que ocorre o tal "Para Angola e em força!"... Um outro curioso pormenor é que o principal cérebro do golpe, Costa Gomes, inaugurando toda uma metodologia ronceira, nunca se expõe nem destaca, permanecendo sempre na sombra, urdindo e cavilando duma distância "segura". O bom Caius Detritus é assim.
Curioso também é a nota que Franco Nogueira tece no seu diário no rescaldo do golpe (note-se que Franco Nogueira ainda não é Ministro dos Negócios Estrangeiros nesta altura; sê-lo-á no decurso da remodelação subsequente):
«Lisboa, 13 de Abril - «"Para Angola, rapidamente e em força", foi um grito de Salazar que ressoou pelo país. Parece claro que Botelho Moniz preparava um largo golpe. Corre que Marcello Caetano seria o elemento civil principal. Que estará por detrás de tudo isto? Ramada Curto diz na rádio que não se muda de general a meio da batalha. Clima emocional e de grande tensão.
Lisboa, 14 de Abril - Todo o país está vergastado por um temporal político que deve ser raro na sua história. Compreendem-se agora melhor os tumultos, os morticínios, o terrorismo que lavram no Norte de Angola desde há um mês. Há um propósityo internacional claro, deliberado, de fazer ajoelhar o governo de Lisboa e de vergar, pelo medo e pelo desvario, o povo português. Se esta pressão se mantém, e apesar do gesto de Oliveira Salazar, por quanto tempo será suportável esta atmosfera? Firmeza, tenacidade, espírito de sacrifício e luta são coisas que desconhecemos entre nós.»
Figuras determinantes no desmantelamento da aventura e cruciais no apoio a Salazar: Américo Thomaz e Kaúlza de Arriaga, bem como algumas figuras de proa da instituição militar o Almirante Quintanilha, generais Mira Delgado, Francisco Chagas e Machado de Barros, entre outros. Pormenor anedótico: o próprio Marechal Craveiro Lopes adere ao abrilismo precoce. Juntamente, diga-se já agora, com um crânio predestinado e orador empolgante que ganhará notoriedade histórica 13 anos adiante, na qualidade de camarada Vasco, o primeiro-ministro da Revolucinha.
Punições que se vissem, não houve. Costa Gomes lá prosseguiu o seu perâmbulo burocrático na corporação. Em 1970, é comandante militar de Angola, (onde aproveita muitos dos louros devidos a Bettencourt Rodrigues pela vitória no leste, contra o MPLA) e em 1972 é mesmo nomeado para Chefe do Estado-Maior general das Forças Armadas. Por quem? Pelo governo de Marcello Caetano.
«Outras ascensões de conjurados (além de Costa Gomes) do 13 de Abril se verificam depois da morte de Salazar, o que levou mesmo alguns especialistas de bastidores a admitir que o próprio Marcello Caetano tenha de algum modo sido contactado pelos conspiradores de 1961. Uma convergência de circunstâncias tornou verosímil a hipótese. Marcello, nessa data, andava amuado com o velho diatdor. E, por outro lado, a intentona de carácter reformista precisava, para concretizar-se, do prestígio de um político de carreira, conhecedor do sistema e desafecto de Salazar. (...) Quando já em 1973-74 se vier a falar do apoio que Marcello Caetano buscava em Costa Gomes para se defender dos ultras encabeçados por Kaúlza, está-se a confirmar um pressentimento que si non é vero é bene trovatto.»
- Jaime Nogueira Pinto, O Fim do Estado-Novo e as Origens do 25 de Abril"
Sintomática também a passagem do diário de Franco Nogueira, em 12 de Setembro de 1968, logo após o colapso de Salazar.
«Dias seguidos entre os hospital de Benfica e o Ministério. Muitos acalentam ilusões, e acaso confiam num milagre; por mim, penso que o chefe do governo, ainda que se salve, chegou ao fim da sua vida política. Sinto-me inteiramente afeito à ideia. Em qualquer caso, parece-me óbvio que está desencadeada a luta pelo poder. E muitas misérias tem revelado este momento, e não são poucas as manobras infantis, e grotescas. Há quem elabore listas de nomes para um futuro governo; segundo um rumor, Marcello Caetano teria reunido no linhó um grupo para fazer o ponto da situação; e velhos políticos estariam desavindos. Por todo o lado, são as tricas e nicas, as insídias, as acusações perversas, os aleives, a destruição deste, a eliminação daquele, num escadeirar geral que deixa tudo esbarrondado. (...) Para mim, uma preocupação, e uma só: o Ultramar. Sintom-me mais que pessimista,»
E tinha plenas razões para isso. A liquidação geral ia começar.
Já Marcello Caetano, para quem manifestava tanto apetite pelo Poder, não deixa de ser, no mínimo, anacrónico, tanto e tão seráfico despreendimento logo na hora em que a nação mais precisava que dele fizesse algum uso. Mentes menos benévolas até poderão ser levadas a suspeitar, como diz aquela anedota antiga do concurso de onanistas: parece que se terá afogado nos treinos. Ou ensaios, já que a coisa parece ter sido mais da ordem do teatro.
O problema das vaidades (e aprendizes de feiticeiro) é que são facilmente manipuláveis. Por peritos na coisa.
PS: Bettencourt Rodrigues, o nosso melhor general a sério, de combate (de certa forma o nosso De Lattre de Tassigny) foi passado à reserva, pela Junta de Salvação Nacional, em 14 de Maio de 1974. Menos de um mês depois do 25 de Abril. Para aqueles que acham que o 25 de Abril até era uma coisa boa, que posteriormente terá sido pervertido por comunas maus, aconselho vivamente que repensem a existência do Pai Natal.. Sempre faz mais sentido e ainda tem alguma utilidade para os infantis avulsos.
Acrescente-se que no 13 de Abril, além da confrontação entre as duas linhas existentes no regime, a nível político e militar, de integracionistas e separatistas, aparecem como personagens-chave em cada um dos grupos, Kaúlza de Arriaga e Costa Gomes, cuja rivalidade crescente e luta de influência, no seio das Forças Armadas, acabará com o desforço do segundo, ao mandar prender, na noite de 28 de Setembro de 1974, o homem que muito contribuira para o malogro dos seus planos 13 anos antes.» (in O Fim do Estado-Novo e As Origens do 25 de Abril)
Façamos um curta visita aos bastidores da tentiva de golpada. Havia uma clara concertação de fenómenos:
o Bafo histórico americano a massajar as nucas e as mioleiras destemidas dos conjurados, o rompimento simultâneo das hostilidades terroristas em Angola e a presunção que a idade já avançada de Salazar lhe diminuiria as faculdades e a firmeza. À testa de ponte da excursão palaciana, destacavam-se Botelho Moniz, Almeida Fernandes e Costa Gomes, respectivamente Ministro da Defesa, Ministro do Exército e Sub-Secretário de Estado do Exército.
O objectivo dos conspiradores consistia, sucintamente, em derrubar Salazar (o que requereram junto do Presidente da República, Américo Thomaz), ao mesmo tempo que tentavam sublevar unidades militares, no que o papel de Costa Gomes foi, imaginem, fulcral e sobreactivo. No decurso de várias manobras e contra-manobras (que prescindo de enumerar, para não descambar em telenovela), o plano acaba desarticulado pela destituição dos principais conjurados e pela sua rápida substituição por gente de confiança. É depois deste episódio soturno que ocorre o tal "Para Angola e em força!"... Um outro curioso pormenor é que o principal cérebro do golpe, Costa Gomes, inaugurando toda uma metodologia ronceira, nunca se expõe nem destaca, permanecendo sempre na sombra, urdindo e cavilando duma distância "segura". O bom Caius Detritus é assim.
Curioso também é a nota que Franco Nogueira tece no seu diário no rescaldo do golpe (note-se que Franco Nogueira ainda não é Ministro dos Negócios Estrangeiros nesta altura; sê-lo-á no decurso da remodelação subsequente):
«Lisboa, 13 de Abril - «"Para Angola, rapidamente e em força", foi um grito de Salazar que ressoou pelo país. Parece claro que Botelho Moniz preparava um largo golpe. Corre que Marcello Caetano seria o elemento civil principal. Que estará por detrás de tudo isto? Ramada Curto diz na rádio que não se muda de general a meio da batalha. Clima emocional e de grande tensão.
Lisboa, 14 de Abril - Todo o país está vergastado por um temporal político que deve ser raro na sua história. Compreendem-se agora melhor os tumultos, os morticínios, o terrorismo que lavram no Norte de Angola desde há um mês. Há um propósityo internacional claro, deliberado, de fazer ajoelhar o governo de Lisboa e de vergar, pelo medo e pelo desvario, o povo português. Se esta pressão se mantém, e apesar do gesto de Oliveira Salazar, por quanto tempo será suportável esta atmosfera? Firmeza, tenacidade, espírito de sacrifício e luta são coisas que desconhecemos entre nós.»
Figuras determinantes no desmantelamento da aventura e cruciais no apoio a Salazar: Américo Thomaz e Kaúlza de Arriaga, bem como algumas figuras de proa da instituição militar o Almirante Quintanilha, generais Mira Delgado, Francisco Chagas e Machado de Barros, entre outros. Pormenor anedótico: o próprio Marechal Craveiro Lopes adere ao abrilismo precoce. Juntamente, diga-se já agora, com um crânio predestinado e orador empolgante que ganhará notoriedade histórica 13 anos adiante, na qualidade de camarada Vasco, o primeiro-ministro da Revolucinha.
Punições que se vissem, não houve. Costa Gomes lá prosseguiu o seu perâmbulo burocrático na corporação. Em 1970, é comandante militar de Angola, (onde aproveita muitos dos louros devidos a Bettencourt Rodrigues pela vitória no leste, contra o MPLA) e em 1972 é mesmo nomeado para Chefe do Estado-Maior general das Forças Armadas. Por quem? Pelo governo de Marcello Caetano.
«Outras ascensões de conjurados (além de Costa Gomes) do 13 de Abril se verificam depois da morte de Salazar, o que levou mesmo alguns especialistas de bastidores a admitir que o próprio Marcello Caetano tenha de algum modo sido contactado pelos conspiradores de 1961. Uma convergência de circunstâncias tornou verosímil a hipótese. Marcello, nessa data, andava amuado com o velho diatdor. E, por outro lado, a intentona de carácter reformista precisava, para concretizar-se, do prestígio de um político de carreira, conhecedor do sistema e desafecto de Salazar. (...) Quando já em 1973-74 se vier a falar do apoio que Marcello Caetano buscava em Costa Gomes para se defender dos ultras encabeçados por Kaúlza, está-se a confirmar um pressentimento que si non é vero é bene trovatto.»
- Jaime Nogueira Pinto, O Fim do Estado-Novo e as Origens do 25 de Abril"
Sintomática também a passagem do diário de Franco Nogueira, em 12 de Setembro de 1968, logo após o colapso de Salazar.
«Dias seguidos entre os hospital de Benfica e o Ministério. Muitos acalentam ilusões, e acaso confiam num milagre; por mim, penso que o chefe do governo, ainda que se salve, chegou ao fim da sua vida política. Sinto-me inteiramente afeito à ideia. Em qualquer caso, parece-me óbvio que está desencadeada a luta pelo poder. E muitas misérias tem revelado este momento, e não são poucas as manobras infantis, e grotescas. Há quem elabore listas de nomes para um futuro governo; segundo um rumor, Marcello Caetano teria reunido no linhó um grupo para fazer o ponto da situação; e velhos políticos estariam desavindos. Por todo o lado, são as tricas e nicas, as insídias, as acusações perversas, os aleives, a destruição deste, a eliminação daquele, num escadeirar geral que deixa tudo esbarrondado. (...) Para mim, uma preocupação, e uma só: o Ultramar. Sintom-me mais que pessimista,»
E tinha plenas razões para isso. A liquidação geral ia começar.
Já Marcello Caetano, para quem manifestava tanto apetite pelo Poder, não deixa de ser, no mínimo, anacrónico, tanto e tão seráfico despreendimento logo na hora em que a nação mais precisava que dele fizesse algum uso. Mentes menos benévolas até poderão ser levadas a suspeitar, como diz aquela anedota antiga do concurso de onanistas: parece que se terá afogado nos treinos. Ou ensaios, já que a coisa parece ter sido mais da ordem do teatro.
O problema das vaidades (e aprendizes de feiticeiro) é que são facilmente manipuláveis. Por peritos na coisa.
PS: Bettencourt Rodrigues, o nosso melhor general a sério, de combate (de certa forma o nosso De Lattre de Tassigny) foi passado à reserva, pela Junta de Salvação Nacional, em 14 de Maio de 1974. Menos de um mês depois do 25 de Abril. Para aqueles que acham que o 25 de Abril até era uma coisa boa, que posteriormente terá sido pervertido por comunas maus, aconselho vivamente que repensem a existência do Pai Natal.. Sempre faz mais sentido e ainda tem alguma utilidade para os infantis avulsos.
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