Na época de Carlos Magno existia uma fórmula jurídica muito curiosa. Intitulava-se "juramento purgatório"., e passo e descrê-la: o acusado, através de um juramento solene, em ritual que geralmente decorria numa igreja, ou sobre as ossadas de um santo, podia libertar-se da acusação. Para o efeito, apresentava-se diante dum juíz acompanhado de um certo número de co-jurados que, com ele, jurassem pela sua inocência e se constituissem garantes da sua inocência. Uma espécie de fiadores de justiça, em suma (tal qual aqueloutros fiadores de crédito, que ainda hoje deparamos no mundo dos negócios, sobretudo bancários). Por conseguinte, o réu, consoante o número de fiadores que apresentasse, tanto mais credível de inocência se tornava. Só para termos uma ideia, conta-se que a rainha Fredegunda, acusada de adultério, terá prestado juramento purgatório acompanhada de trezentos co-jurados. Dependendo da gravidade do crime e da posição social do arguido, tanto maior o número de co-jurados exigíveis. Nesta fase do direito, convém ainda referir, competia ao acusado, presumido culpado, demonstrar a sua inocência.
Vem isto a propósito de quê?
De reminiscências disto no presente, sobretudo entre nós, exportugueses.
Mas antes que especifique em concreto, notem que este "juramento pugatório típico da justiça franca (bárbaros germanos, por contraposição ao direito romano), aconteceu num período em que as regras de prova não estavam devidamente estabelecidas nem desenvolvidas. Até porque a mentalidade júridica franca não confiava "no recurso às testemunhas, às presunções ou aos documentos escritos, que no direito romano contribuíam para esclarecer o juiz", entendendo "ser antes preferível descobrir a verdade graças à eficácia de actos religiosos ou pretendidos como tal". E daí o tal "juramente purgatório", em ambiente sagrado.
Pois bem, no presente, muito por ocasião de casos onde a justiça, tanto quanto nos processos, parece decorrer e transpirar na praça pública, num perfeito entrudo extra-calendárico, assistimos, por um lado a uma reencenação deste "juramento purgatório" - exemplo: uma romaria de co-jurados acorre a Évora, todos eles prontos a apresentarem-se como fiadores pela boa honra e sólido carácter do acusado; e por outro, e em ruidoso contraditório do anterior, deparamos com uma inovação e suplemento que só mesmo um povo dado à pioneirice como o nosso lograria desarrincar, ou seja, o "juramento objurgatório" - exemplo: uma procissão de desconfiadores e in-jurados do réu, protesta e garante a pés juntos a sua culpa, premeditação, contumácia, vício arreigado, total ausência de arrependimento, etc.
Venho acompanhando de longe, entre divertido e perplexo, todo este cortejo carnavalesco. Ainda não consigo vaticinar, com alguma certeza, o resultado final. Mas, entretanto, permito-me uma humilde proposta.
Já que, pelos vistos, estamos em regressão acelerada à barbárie baptizada, sugiro uma outra fórmula da época: o Ordálio.
O Ordálio acontecia sempre que o juramento purgatório não bastasse, ou o acusado não encontrasse co-jurados, ou ainda quando o acusado não fosse um homem livre. Nesses casos, por insuficiência ou ausência de meios humanos adequados à prova de inocência ou culpabilidade, recorria-se ao "julgamento divino". Pedia-se a Deus que interviesse e mostrasse, por algum sinal visível, qual das partes tinha do seu lado a verdade e a justiça. Quer dizer, o acusado subia de instância: do juízo terreno passava ao Celestial.
Entretanto, havia duas espécies distintas de ordálio: o unilateral (em que apenas o acusado era submetido a prova); e o bilateral (em que ambas as partes eram submetidas). O principal ordálio bilateral consistia no duelo judiciário (o queixoso e o acusado batalhavam diante do juiz de modo a demonstrar quem tinha razão. Os plebeus batiam-se a pé; os de mais alta linhagem, a cavalo. A parte vencida, obviamente, não tinha razão.
Quanto aos ordálios unilatrais, haviam três ou quatro modalidades mais usuais:
a) O acusado mergulhava a mão num caldeirão com água a ferver, para dele retirar um objecto (se o mão e braço se curassem no prazo fixado, era inocente; se a ferida apresentava mau aspecto, era culpado);
b) O acusado devia segurar numa das mãos um ferro em brasa e caminhar com ele nove passos (semelhante ao anterior);
c) O acusado, com o pé direito atado à mão esquerda e o pé esquerdo atado à mão direita era lançado a um lago ou a um rio (se se afundava era inocente; se boiava é culpado - a água rejeitava-o por impureza);
d) O acusado tinha que ingurgitar uma grande quantidade de pão e queijo (se após o empanzinamento não se sentisse indisposto, era inocente; caso contrário, era culpado).
Pronto, agora só têm que decidir a que ordálio se deve submeter o arguido - unilateral ou bilateral. Se unilateral, qual das quatro modalidades. Calculo que isto irá gerar mais ruído, acrimónia e tumulto, pelo que antecipo uma cândida sugestão: sorteio na tômbula, pois claro. O mesmo sorteio, aliás, que em tempos recomendei para método eleitoral legislativo e que, muito provavelmente, teria dado bem menores angústias e dissabores à nacinha.
Em todo o caso, sempre alvitro, caso dependesse exclusivamente de mim, porque aprendi com os antigos a não ser impiedoso, determinaria o ordálio bilateral, ou mais concretamente, o duelo judiciário. Assim, o acusado e a acusação, isto é, o arrecadado 44 e o director do Correio da Manhã, montados e armados de acordo à respectiva condição (como estamos em república democrata, é tudo baixa linhagem, pelo que será necessariamente a pé a a pontapé, por mor da religião nacinhal - o Cristianismo Ronaldo), batalharão durante o tempo bastante para apuramento da verdade (até que uma das partes seja ou se confesse vencida) , com limite no pôr do sol. Se até lá, a acusação não conseguir estabelecer o seu ponto, o veredicto será favorável ao acusado.
Pensando bem, estou capaz de fazer um upgrade no meu método de lotaria eleitoral. O ideal mesmo, começo a vislumbrar, era o ordálio bilateral entre os candidatos. Só que devidamente motorizados, a bem da nossa querida Merkla. Por exermplo, o Costa e o Coelho, cada qual ao volante do seu BMW, Mercedes, ou qualquer outro bólide germânico de afeição, chocavam frontalmente aí, digamos, a uns 100 km/h. O que sobrevivesse era declarado, naturalmente, vencedor. Podia passar à eliminatória seguinte, com o candidato sobrevivente de outro ordálio paralelo. Até que apenas sobrasse um, que, automaticamente, era eleito Primeiro-Ministro. Que vos parece? Catita, não?!...
PS: E para prova ainda mais cabal da minha piedade congénita, o candidato Portas seria autorizado, excepcionalmente, a colidir de marcha-atrás.
PS2: Julgo que será dos ordálios que provém a expressão "pôr as mãos no fogo..."
PS3: Ah, e de modo a cumprir com a legalidade camarária, e dado que os duelos decorreriam na capital (na Avenida da Liberdade, como as marchas populares) as matrículas não poderiam ser anteriores a 2000.
O Ordálio acontecia sempre que o juramento purgatório não bastasse, ou o acusado não encontrasse co-jurados, ou ainda quando o acusado não fosse um homem livre. Nesses casos, por insuficiência ou ausência de meios humanos adequados à prova de inocência ou culpabilidade, recorria-se ao "julgamento divino". Pedia-se a Deus que interviesse e mostrasse, por algum sinal visível, qual das partes tinha do seu lado a verdade e a justiça. Quer dizer, o acusado subia de instância: do juízo terreno passava ao Celestial.
Entretanto, havia duas espécies distintas de ordálio: o unilateral (em que apenas o acusado era submetido a prova); e o bilateral (em que ambas as partes eram submetidas). O principal ordálio bilateral consistia no duelo judiciário (o queixoso e o acusado batalhavam diante do juiz de modo a demonstrar quem tinha razão. Os plebeus batiam-se a pé; os de mais alta linhagem, a cavalo. A parte vencida, obviamente, não tinha razão.
Quanto aos ordálios unilatrais, haviam três ou quatro modalidades mais usuais:
a) O acusado mergulhava a mão num caldeirão com água a ferver, para dele retirar um objecto (se o mão e braço se curassem no prazo fixado, era inocente; se a ferida apresentava mau aspecto, era culpado);
b) O acusado devia segurar numa das mãos um ferro em brasa e caminhar com ele nove passos (semelhante ao anterior);
c) O acusado, com o pé direito atado à mão esquerda e o pé esquerdo atado à mão direita era lançado a um lago ou a um rio (se se afundava era inocente; se boiava é culpado - a água rejeitava-o por impureza);
d) O acusado tinha que ingurgitar uma grande quantidade de pão e queijo (se após o empanzinamento não se sentisse indisposto, era inocente; caso contrário, era culpado).
Pronto, agora só têm que decidir a que ordálio se deve submeter o arguido - unilateral ou bilateral. Se unilateral, qual das quatro modalidades. Calculo que isto irá gerar mais ruído, acrimónia e tumulto, pelo que antecipo uma cândida sugestão: sorteio na tômbula, pois claro. O mesmo sorteio, aliás, que em tempos recomendei para método eleitoral legislativo e que, muito provavelmente, teria dado bem menores angústias e dissabores à nacinha.
Em todo o caso, sempre alvitro, caso dependesse exclusivamente de mim, porque aprendi com os antigos a não ser impiedoso, determinaria o ordálio bilateral, ou mais concretamente, o duelo judiciário. Assim, o acusado e a acusação, isto é, o arrecadado 44 e o director do Correio da Manhã, montados e armados de acordo à respectiva condição (como estamos em república democrata, é tudo baixa linhagem, pelo que será necessariamente a pé a a pontapé, por mor da religião nacinhal - o Cristianismo Ronaldo), batalharão durante o tempo bastante para apuramento da verdade (até que uma das partes seja ou se confesse vencida) , com limite no pôr do sol. Se até lá, a acusação não conseguir estabelecer o seu ponto, o veredicto será favorável ao acusado.
Pensando bem, estou capaz de fazer um upgrade no meu método de lotaria eleitoral. O ideal mesmo, começo a vislumbrar, era o ordálio bilateral entre os candidatos. Só que devidamente motorizados, a bem da nossa querida Merkla. Por exermplo, o Costa e o Coelho, cada qual ao volante do seu BMW, Mercedes, ou qualquer outro bólide germânico de afeição, chocavam frontalmente aí, digamos, a uns 100 km/h. O que sobrevivesse era declarado, naturalmente, vencedor. Podia passar à eliminatória seguinte, com o candidato sobrevivente de outro ordálio paralelo. Até que apenas sobrasse um, que, automaticamente, era eleito Primeiro-Ministro. Que vos parece? Catita, não?!...
PS: E para prova ainda mais cabal da minha piedade congénita, o candidato Portas seria autorizado, excepcionalmente, a colidir de marcha-atrás.
PS2: Julgo que será dos ordálios que provém a expressão "pôr as mãos no fogo..."
PS3: Ah, e de modo a cumprir com a legalidade camarária, e dado que os duelos decorreriam na capital (na Avenida da Liberdade, como as marchas populares) as matrículas não poderiam ser anteriores a 2000.
1 comentário:
ehehehe
Também há o teste do pato de madeira e do acusado.
Largam-se na água e o que for ao fundo é culpado
Fazia-se comas bruxas, dizem os Monty Python
Enviar um comentário