«...Em 18 de Abril de 1928, sendo já presidente da República Carmona e do Conselho Vicente de Freitas, este mandou a Coimbra dois oficiais da guarnição de Viseu para convidar, ou quase obrigar, Salazar a aceitar de novo a pasta das Finanças. Sinel de Cordes não se entendia já com a confusão e o descalabro orçamentais. Pensava-se já, inclusivamente, em recorrer a um empréstimo externo: pedir á Sociedade das Nações em Genebra um empréstimo, mas que esta só aceitava mediante condições vexatórias para a dignidade do País, como era a da fiscalização por funcionários estrangeiros das nossas receitas alfandegárias. Foi só então que Salazar aceitou intervir como médico chamado de urgência junto de um doente grave, conforme já atrás me exprimi...»
Reparem como aquela malta era tacanha. Vejam lá bem que consideravam os empréstimos externos mediante condições fiscalizantes como vexatórias para a dignidade do País! E tudo faziam para evitá-los, os pobres de espírito.
Felizmente, essa gente rústica já pertence ao passado.Agora, benza-nos o deus-mercado, manda-se vir uma Troika com o mesmo à vontade (e quiçá, gulodice) de quem está refastelado, à mesa da marisqueira, a mandar vir uma imperial e um pires de tremoços. Em menos de quarenta anos, já despachámos três e a eructação concomitante seguramente preuncia que não vamos ficar por aqui. Aliás, lembro-me bem (e posso desfiar aqui um rol de citações, se alguém duvidar), ainda o último a chamá-la hesitava e zanzava meio atordoado com ratings (e sabe Deus que angústias financeiras) e já toda a oposição em coro reclamava em altos bravos: "manda vir a Troika, pá! Já cá devia estar há meses! Estamos aqui cheios de sede, ó caramelo!... E Austeridade só da estrangeira, pá, nada de mixórdias nacionais!..."
Depois, chegada a dose, na bandeja do garçon, com que expediente e zelo negociaram aquilo! A troika interna e a troika externa... O acordo se não foi instantâneo, andou lá perto. Nada vexatório, por sinal. Porreiro até. A troika externa ditou, a interna assinou - sim, sim, 70 biliões, óptimo pá, onde é que a gente assina? - e os otários do costume que aguentem. Que sirvam à mesa. Assim é que é democrático, digo, socialista, social-democrático, popular-democrático. Dinheiro para nós, clister económico para eles. Tudo a bem da Santa Finança. E em matéria de esfíncter, o Zé Povinho transforma-se no Homem-Elástico.
Vexame? O vexame é só para simplórios que ainda não descobriram as gratificações do vício. Depois, tal qual a função faz o órgão, o órgão apura a função e ambos, em perfeita sincronia, do vício fazem virtude.
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