Bom dia, tele-leitores! Cá está o vosso repórter preferido. Hoje estamos aqui em plena rua e em pleno dia para uma reportagem mirabolante. Mirabolante, que digo eu, alucinante, isso sim.
À minha frente está o próprio, de toga e lanterna, em fantástica demanda: César Augusto Dragão.
Repórter Flash - Bom dia, Dragão! Então, feito Diógenes, à procura dum homem?
C.A. Dragão - Não sou desses. Se tanto, andaria à procura duma mulher, de várias até. Mas também não é isso. Ainda me chamavam utópico... sob acusação de conspirar para montar o paraíso na Terra.
Repórter Flash - Então, qual o objecto da busca?
C.A. Dragão - Não lhe chames busca, senão, em vez da cidade, antes pareceria que cirandava no google. Na verdade, é uma demanda. Como a daqueles cavaleiros que peregrinavam o Santo Graal.
Repórter Flash - Bem, e tu peregrinas o quê?C.A Dragão - Ando à procura duma Democracia!
Repórter Flash - Aqui, em Portugal??!
C.A Portugal - Exactamente. Daí a toga e a lanterna.
Repórter Flash - Não seria mais adequado um camião TIR carregado com holofotes de aeroporto ou de estádio de futebol?
C.A Dragão - É mais simbólico que operacional, o traje.
Repórter Flash - Bem, e como vai a coisa? Já vislumbraste alguma indício ou pegada da dita cuja?
C.A Dragão - Decidi avançar por partes. Passo a passo. Ou posta a posta, se preferires. Comecei por tentar lobrigar uma coisa chamada "separação de poderes"...
Repórter Flash - E que tal?
C.A Dragão - Nem sinal dela! Pelo contrário, por todo o lado é uma promiscuidade, um sarrabulho que Deus nos acuda!... O executivo, o legislativo e o judiciário anda tudo no mesmo e ao mesmo.
Repórter Flash - Diacho, que salsada de grelos e hortaliças! E depois?
C.A Dragão - Bem, a seguir tentei "a igualdade de todos os cidadãos perante a lei"...
Repórter Flash - Encontraste coisa que se visse?
C.A Dragão - Nem sombras. Se igualdade há, só se for às avessas. Na verdade, grassa a esmo a mais descarada e estanhada das desigualdades, uma ribaldaria das tesas. Impunidade para alguns (criminosos organizados), ultra-severidade para outros (criminosos desorganizados); favorecimentos partidários, sectários, esotéricos; um peso para ricos, outra medida para pobres; exigência para nacionais, carinho para estrangeiros; desprezo para típicos, sobreprotecção para atípicos; sujeição mais da lei às modas e cartazes, do que destas à lei; etc, etc. É um nunca mais acabar de irregularidades manhosas!... Isto mais parece um neo-feudalismo hiper-maquilhado.
Repórter Flash - Horror, ó César! E o passo seguinte?
C.A Dragão - Pois, na prossecução do método, tentei avistar o "governo eleito pela maioria, segundo sufrágio directo, secreto e universal"...
Repórter Flash - E não me digas que também não topaste sinal...
C.A Dragão - Só avisto governos eleitos pela minoria. A maioria nem sequer se digna comparecer às urnas, tal o crédito que a coisa leveda e merece já à generalidade da população. É como ir a um restaurante que só serve bacalhau: com batatas, com grão, à braz, à zé do Pipo ou de cebolada. Mas só bacalhau. Podem escolher em acidente (ou acessório), mas não em essência. Isto é, podem escolher a guarnição da coisa mas não outra coisa. É o mesmo na sua ampla diversidade. Daí o enjoo, o fastio. Pior: o tédio mascavado de náusea. A malta já deita o bacalhau pelos olhos! A coisa chegou ao ponto em que a clientela é convocada já nem sequer para escolher um prato no menu, mas, tão sòmente, para eleger o titular da cozinha: o cozinheiro que há-de confeccionar o bacalhau. Podem mudar de mestre cuca, mas não de ementa.
Repórter Flash - Mas, ao menos, não bispaste um "governo que exerça segundo as necessidades da maioria", ainda que impropriamente eleito, isto é, eleito pela minoria?
C.A Dragão - Pior um pouco. Eleito por uma minoria militante e bipolar, com a monomania do ping-pong, o governo governa-se mais do que governa. Regra geral, passa até a governar contra a maior parte da população, em nome, dizem eles, da "defesa do bem-estar de certas minorias mais delicadas, aberrantes ou meramente exóticas contra a tirania da maioria".
Repórter Flash - Tirania da maioria?!! Mas que raio...
C.A Dragão - Pois. Uma vez terminado o sufrágio, esgota-se a soberania dos eleitores. A reinação confina-se ao dia de enfiar o voto. Depois, nos quatro anos seguintes, enfiam a carapuça, o cinto de castidade, a mordaça e o kit completo de impotentes lamuriantes. No dia da eleição a maioria açambarca todas as virtudes, convoca todos os encómios, e em seu nome proclama-se a legitimidade imaculada da romaria, mas nos restantes 1460 dias da legislatura (como eles lhe chamam) a maioria devém uma choldra desprezível, inconfiável, irresponsável, mal-formada, perigosa e ameaçadora das castas minorias. Uma choldra que é necessário tributar e sobrecarregar, educar e reeducar, vigiar e fiscalizar - uma massa que, em suma, é urgente esmifrar, ordenhar e sacrificar aos privilégios, prebendas e mordomices duma sacrossanta e sumptuosa série de seitas esquemáticas, digo, minorias. A estas ficam reservados todos os direitos, opções e grã-regalos (vulgo descriminações positivas); à maioria, apenas duas alternativas: gemer ou emigrar.
Repórter Flash - Estamos, portanto, perante um regime de governo putativamente eleito pela maioria, mas que exerce tendo como prioridade e ocupação exclusivas o benefício da minoria?
C.A Dragão - Bem tento enxergar o contrário, mas quanto mais alumio, mais tenebroso transparece. Lembra até aquela história da galinha dos ovos de ouro. Exigem que a galinha ponha cada vez mais e alimentam-na cada vez menos. Pelo contrário, envenenam-na, intoxicam-na, depenam-na, sanguessugam-na. Não admira que a galinha já quase não ponha. Em desespero, correm ao crédito internacional: para comprarem novas televisões, ecrãs e plasmas gigantes para a galinha; cursos de formação para a galinha; novas tecnologias para a recolha e processamento do futuro ovo da galinha; uma capoeira automatizada para a galinha; pontes e auto-estradas para os acessos e carros, casas, mobílias, recheios, amantes, reformas chorudas e diversas para os tratadores, treinadores, gestores, investigadores, entertainers, apresentadores, psicólogos, sindicalistas, jornalistas, comentadeiros e, enfim, toda a vasta horda de especialistas da galinha e da palha onde ela se deita. Tudo, em resumo, menos milho. Milho é que não. Só povos obsoletos e obscurantistas, pré-modernos e rústicos, é que dão milho às galinhas. Aqui, entre esta gente, no último relance desta minha lanterna, a galinha já estava pousada num sofá, cacarejando meigamente, com o Júlio César Manchado dum lado e o Carlos Amoral Dias do outro. Psicanalhizavam o galináceo, os dois papagaios. Esquadrinhavam-lhe a vida sexual em busca do trauma que lhe inibe a produção. Há-de ser uma cornucópia um dia destes!...
Repórter Flash - Mas, ao menos, não vislumbras, ao de leve que seja, a tão célebre e cantada liberdade de expressão? Claro, sempre de mão dada com a ausência da famigerada censura?...
C.A Dragão - Bem, liberdade, não direi tanto de expressão, mas de excreção é um facto. Uma avalanche, melhor dizendo. Por outro lado, se liberdade é sinónimo exclusivo de quantidade, então vai para aí uma liberdade de três em pipa. Mas se formos atentar na expressão enquanto valendo alguma coisa, enquanto qualidade alguma, nesse caso, que vantagem há? Se o que eu exprimo não vale nem conta para nada, a minha expressão é, no mínimo, inexpressiva - quer dizer, é uma não-expressão. Uma impressão se tanto. Portanto, quando muito, há liberdade de impressão, excepto nos jornais, rádios e órgãos mediáticos em geral, naturalmente, onde a coisa fia mais fino, e o critério editorial substitui o lápis azul. Entretanto, se a palavra é esvaziada de todo e qualquer valor, de toda e qualquer consequência, se é pura e simplesmente esterilizada, que fruto, interesse ou sentido poderá realizar a emissão da dita? O que acontece é uma inflação desmedida do discurso, donde resulta a bancarrota da opinião. Mais, pois, que o falar-barato, impera o verbo-falido - onde antigamente represava a escassez, devasta agora a saturação. O mesmo espírito que antes se lamentava da dieta forçada, sucumbe doravante ao empanturramento ininterrupto. Todos podem dizer tudo, uma vez que tudo nada vale, nada diz e nada significa. Quanto à famigerada censura, não desapareceu nem, tão pouco, diminuiu: transitou apenas da esfera política para a órbita económica. Sendo menos aparente, tornou-se, não obstante, mais insidiosa e ubíqua. Com sanções bem mais eficazes e vitalícias: teme-se mais hoje o desemprego do que ontem se receava a prisão. E isto não manifesta apenas uma superior pusilanimidade dos actuais. Revela sobretudo do carácter sádico da pena: afinal, o limbo sempre é mais degradante e solitário que o simples calabouço.
Repórter Flash - Portanto, se bem entendo, ó Dragão, todas essas hordas tenebrosas de fascistas, nazis e católicos ultramontanos que conspiram na sombra para acabar com esta maravilhosa democracia estão redondamente iludidos...
C.A Dragão - Essa é a retórica rançosa dos democratas recauchutados da loja dos trezentos, como um tal Pacheco Pereira e outros transexuais ideológicos da mesma estirpe: os perigos iminentes de algo que não há atacar algo que não existe. Por outras palavras, mera trampolinice do parasita - do intelectual lombriga - instalado no âmago da "soberania popular": entreter o hospedeiro, através da munição dispendiosa de pau e saco, e o serviço de guia por controlo remoto no sempiterno safari da caça aos gambozinos. Ou em síntese: Comam a sopa toda senão vem lá o papão!... Sopa de bacalhau, ainda por cima.
Repórter Flash - Horror, ó César! E o passo seguinte?
C.A Dragão - Pois, na prossecução do método, tentei avistar o "governo eleito pela maioria, segundo sufrágio directo, secreto e universal"...
Repórter Flash - E não me digas que também não topaste sinal...
C.A Dragão - Só avisto governos eleitos pela minoria. A maioria nem sequer se digna comparecer às urnas, tal o crédito que a coisa leveda e merece já à generalidade da população. É como ir a um restaurante que só serve bacalhau: com batatas, com grão, à braz, à zé do Pipo ou de cebolada. Mas só bacalhau. Podem escolher em acidente (ou acessório), mas não em essência. Isto é, podem escolher a guarnição da coisa mas não outra coisa. É o mesmo na sua ampla diversidade. Daí o enjoo, o fastio. Pior: o tédio mascavado de náusea. A malta já deita o bacalhau pelos olhos! A coisa chegou ao ponto em que a clientela é convocada já nem sequer para escolher um prato no menu, mas, tão sòmente, para eleger o titular da cozinha: o cozinheiro que há-de confeccionar o bacalhau. Podem mudar de mestre cuca, mas não de ementa.
Repórter Flash - Mas, ao menos, não bispaste um "governo que exerça segundo as necessidades da maioria", ainda que impropriamente eleito, isto é, eleito pela minoria?
C.A Dragão - Pior um pouco. Eleito por uma minoria militante e bipolar, com a monomania do ping-pong, o governo governa-se mais do que governa. Regra geral, passa até a governar contra a maior parte da população, em nome, dizem eles, da "defesa do bem-estar de certas minorias mais delicadas, aberrantes ou meramente exóticas contra a tirania da maioria".
Repórter Flash - Tirania da maioria?!! Mas que raio...
C.A Dragão - Pois. Uma vez terminado o sufrágio, esgota-se a soberania dos eleitores. A reinação confina-se ao dia de enfiar o voto. Depois, nos quatro anos seguintes, enfiam a carapuça, o cinto de castidade, a mordaça e o kit completo de impotentes lamuriantes. No dia da eleição a maioria açambarca todas as virtudes, convoca todos os encómios, e em seu nome proclama-se a legitimidade imaculada da romaria, mas nos restantes 1460 dias da legislatura (como eles lhe chamam) a maioria devém uma choldra desprezível, inconfiável, irresponsável, mal-formada, perigosa e ameaçadora das castas minorias. Uma choldra que é necessário tributar e sobrecarregar, educar e reeducar, vigiar e fiscalizar - uma massa que, em suma, é urgente esmifrar, ordenhar e sacrificar aos privilégios, prebendas e mordomices duma sacrossanta e sumptuosa série de seitas esquemáticas, digo, minorias. A estas ficam reservados todos os direitos, opções e grã-regalos (vulgo descriminações positivas); à maioria, apenas duas alternativas: gemer ou emigrar.
Repórter Flash - Estamos, portanto, perante um regime de governo putativamente eleito pela maioria, mas que exerce tendo como prioridade e ocupação exclusivas o benefício da minoria?
C.A Dragão - Bem tento enxergar o contrário, mas quanto mais alumio, mais tenebroso transparece. Lembra até aquela história da galinha dos ovos de ouro. Exigem que a galinha ponha cada vez mais e alimentam-na cada vez menos. Pelo contrário, envenenam-na, intoxicam-na, depenam-na, sanguessugam-na. Não admira que a galinha já quase não ponha. Em desespero, correm ao crédito internacional: para comprarem novas televisões, ecrãs e plasmas gigantes para a galinha; cursos de formação para a galinha; novas tecnologias para a recolha e processamento do futuro ovo da galinha; uma capoeira automatizada para a galinha; pontes e auto-estradas para os acessos e carros, casas, mobílias, recheios, amantes, reformas chorudas e diversas para os tratadores, treinadores, gestores, investigadores, entertainers, apresentadores, psicólogos, sindicalistas, jornalistas, comentadeiros e, enfim, toda a vasta horda de especialistas da galinha e da palha onde ela se deita. Tudo, em resumo, menos milho. Milho é que não. Só povos obsoletos e obscurantistas, pré-modernos e rústicos, é que dão milho às galinhas. Aqui, entre esta gente, no último relance desta minha lanterna, a galinha já estava pousada num sofá, cacarejando meigamente, com o Júlio César Manchado dum lado e o Carlos Amoral Dias do outro. Psicanalhizavam o galináceo, os dois papagaios. Esquadrinhavam-lhe a vida sexual em busca do trauma que lhe inibe a produção. Há-de ser uma cornucópia um dia destes!...
Repórter Flash - Mas, ao menos, não vislumbras, ao de leve que seja, a tão célebre e cantada liberdade de expressão? Claro, sempre de mão dada com a ausência da famigerada censura?...
C.A Dragão - Bem, liberdade, não direi tanto de expressão, mas de excreção é um facto. Uma avalanche, melhor dizendo. Por outro lado, se liberdade é sinónimo exclusivo de quantidade, então vai para aí uma liberdade de três em pipa. Mas se formos atentar na expressão enquanto valendo alguma coisa, enquanto qualidade alguma, nesse caso, que vantagem há? Se o que eu exprimo não vale nem conta para nada, a minha expressão é, no mínimo, inexpressiva - quer dizer, é uma não-expressão. Uma impressão se tanto. Portanto, quando muito, há liberdade de impressão, excepto nos jornais, rádios e órgãos mediáticos em geral, naturalmente, onde a coisa fia mais fino, e o critério editorial substitui o lápis azul. Entretanto, se a palavra é esvaziada de todo e qualquer valor, de toda e qualquer consequência, se é pura e simplesmente esterilizada, que fruto, interesse ou sentido poderá realizar a emissão da dita? O que acontece é uma inflação desmedida do discurso, donde resulta a bancarrota da opinião. Mais, pois, que o falar-barato, impera o verbo-falido - onde antigamente represava a escassez, devasta agora a saturação. O mesmo espírito que antes se lamentava da dieta forçada, sucumbe doravante ao empanturramento ininterrupto. Todos podem dizer tudo, uma vez que tudo nada vale, nada diz e nada significa. Quanto à famigerada censura, não desapareceu nem, tão pouco, diminuiu: transitou apenas da esfera política para a órbita económica. Sendo menos aparente, tornou-se, não obstante, mais insidiosa e ubíqua. Com sanções bem mais eficazes e vitalícias: teme-se mais hoje o desemprego do que ontem se receava a prisão. E isto não manifesta apenas uma superior pusilanimidade dos actuais. Revela sobretudo do carácter sádico da pena: afinal, o limbo sempre é mais degradante e solitário que o simples calabouço.
Repórter Flash - Portanto, se bem entendo, ó Dragão, todas essas hordas tenebrosas de fascistas, nazis e católicos ultramontanos que conspiram na sombra para acabar com esta maravilhosa democracia estão redondamente iludidos...
C.A Dragão - Essa é a retórica rançosa dos democratas recauchutados da loja dos trezentos, como um tal Pacheco Pereira e outros transexuais ideológicos da mesma estirpe: os perigos iminentes de algo que não há atacar algo que não existe. Por outras palavras, mera trampolinice do parasita - do intelectual lombriga - instalado no âmago da "soberania popular": entreter o hospedeiro, através da munição dispendiosa de pau e saco, e o serviço de guia por controlo remoto no sempiterno safari da caça aos gambozinos. Ou em síntese: Comam a sopa toda senão vem lá o papão!... Sopa de bacalhau, ainda por cima.
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