«A usura é justamente detestada, porque o seu lucro provém do próprio dinheiro em si e não da causa e finalidade para que o dinheiro foi inventado. Pois o dinheiro foi concebido com o propósito de troca; porém, o juro aumenta a quantidade de dinheiro por si mesmo (e é daqui que nasce o ditado grego: "os filhos assemelham-se aos pais, tal qual o juro é dinheiro que nasce de dinheiro); consequentemente,de todas as formas de enriquecimento esta é a mais contrária à natureza.»
- Aristóteles, "Política"
«Nenhum servo pode servir a dois senhores: ou há-se aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.»
- N.T., Lucas, XVI:13
«Num dos momentos em que mais comeu e bebeu na Rue Laffitte, Heine considerava os cinco irmãos (Rothschild) grandes revolucionários: Não tinham eles usurpado as últimas pretensões do feudalismo? Não tinham abolido a importância estagnada e hirta da propriedade rural? Não a tinham substituído pelo domínio do dinheiro, pelo capital e títulos, que qualquer pessoa podia possuir em qualquer altura? Não eram estes os instrumentos de governação mais flexíveis, justos e produtivos que jamais tinham sido inventados? (...)
(...)
(...)
«Lytton Strachey, considerando a Rainha Vitória "excessivamente rica", mesmo entre monarcas reinantes, calculava o valor máximo da sua fortuna em cinco milhões de libras. Pobre Vitória. Um ramo da família (Rothschild) podia, sem esforço, fazer compras no valor da fotuna inteira de Sua Majestade, de um momento para o outro. Isto ia ser demonstrado pela compra do canal do Suez. (...)
Mas é preciso mais do que uma fortuna para criar o mito que celebrizou o nome Rothschild. É preciso, acima de tudo, um ar convincente da própria celebridade. Depois de Aix, os cinco irmãos ficaram inabalavelmente convencidos de que o direito divino dos soberanos tinha sido destronado pelo direito divino do dinheiro, e de que Amschel, Nathan, Salomão, Kalmann e James eram dinheiro.»
- Frederic Morton, "The Rothschilds" (biografia oficial da família)
- Frederic Morton, "The Rothschilds" (biografia oficial da família)
O que sucedeu e vem sucedendo na chamada modernidade é que o feudalismo terra-tenente da idade média vai sendo transposto e remobilado, só que, doravante, radicando não já na terra e numa divindade supra-humana, mas na riqueza monetária e na sua nova pseudo-divindade infra-terrena: o dinheiro. Assim, enquanto a relação de soberania antiga decorria dum dever (a graça de Deus) e manifestava-se em harmonia com uma "ordem natural" das coisas, a actual sustenta-se na sublimação de um mero Ter, que se reproduz duma forma que se opõe e obra contra a própria natureza. O Poder reduz-se, inerentemente, a uma posse. O poderoso é intrinsecamente o possidente. O próprio mundo já não experimenta um regime, mas, bem mais sinistramente, uma possessão. E a teogonia revive e recria-se na forma de novo olimpo a boiar num caos fervilhante sempiterno: o Mercado.
Já a sua forma criptocrática de exercerem apenas remete para uma realidade efectiva: afinal, a mão invisível não é senão a extremidade operativa de um braço e respectivo corpo igualmente ocultos, que pilotam, com implacável gana, por detrás do palco financeiro e dos seus títeres políticos.
Os gregos antigos, que a sabiam toda, ao deus dos Infernos (Hades) chamavam também o deus das riquezas (Pluto), porque a riqueza encontrava-se à guarda das profundezas subterrâneas. Esta plutocracia que nos conduz a um local muito obscuro radica todo a sua essência nessa subterraneidade simbólica...e infernal. Ao contrário do esforço para o céu e para a luz, que a catedral gótica, da Idade Média, representa, as novas catedrais financeiras mergulham, cada vez mais fundo, na treva das minas de metais preciosos ou industriais, dos poços de petróleo, dos labirintos lovekraftianos dos tráficos, dos matadouros intra-específicos por amor das reservas de matérias primas, das manipulações de vária ordem - das económicas às mediáticas, das históricas às biológicas - das reversões e subversões morais, físicas e mentais.
O texto de Aristóteles em epígrafe ganha tanto mais sentido quanto a análise mais detalhada do próprio termo, no grego clássico, para designar "usura" - "tokos" -, o desvela. Da raiz "tiktw", que significa "dar à luz", "gerar", "pôr ovos", "produzir", "tokos" quer dizer "parto", "renovo", "fruto", "interesse" e "juro". Esta ambiguidade da palavra grega é característica da língua mãe do nosso pensamento e da nossa civilização. Basta relembrar, por exemplo, que "pharmacon" significa "remédio" e, igualmente, "veneno". Daí, também, que a ética Aristotélica se esmere, sobremaneira, na demanda da "justa medida"; quer contra o "excesso", quer contra a "falta".
Ora, o "parto" do dinheiro é um parto, uma gestação contra-natura, ou dito, à maneira grega, um para-fysis (dá-se o caso que tenho o texto em grego à minha frente); ou seja, enquanto fruto da inteligência humana (noos), não manifesta um fruto natural, mas um fruto que atenta contra a própria árvore, isto é, que opera contra a própria inteligência - um para-noos. Ou, traduzido para português, uma para-nóia.
O domínio que sucede, assim, à metafísica não esprime uma qualquer pseudo-emancipação da física, como certa propaganda intoxicante estima de propalar, mas antes uma mutilação, uma agressão estritamente oportunista, um processo contra-físico - uma parafísica, ou seja, a trama de uma pura artificialidade contra a natureza e contra Deus (passe a redundância). O materialismo usurário (e aqui não se trata apenas da usura financeira como igualmente da usura física de todas as coisas) camuflado de "ciência moderna" mais não reflecte que isso mesmo. Estamos no campo da exploração e rentabilização financeira dos recursos naturais, muito mais que na sua genuína investigação e compreensão. O verdadeiro conhecimento, o genuíno saber são banidos, degradados e desprezados a título de obstáculo, empecilho e escrúpulo obsoleto, retrógrado e obscurantista ao bom andamento dos negócios. Nas caldeiras do apetite instantâneo a ferver, não há tempo a perder com lições e avisos do passado, nem, tão pouco, prudências ou cuidados com as consequências no futuro. Antepassados são para esquecer, vindouros são para ignorar.
Não estranhamente, esta paranóia montada numa parafísica encontra o seu expoente mais revelador naquilo que sempre constituiu o cerne da relação do homem com a natureza, ou da cria com a mãe: alimento. O que nos desembarca noutra palavra grega muito a propósito: sitos - trigo, pão, alimento. A obra contra a inteligência e contra a natureza é igualmente um obra contra o alimento (do corpo e da alma: o pão e a esperança), isto é, a paranóia e a parafísica segregam, sintetizam e nutrem não o alimento natural do homem (um sitos), mas um para-sitos; ou, dito em português, um parasita da humanidade. A usura é uma actividade meramente parasita. A civilização greco-cristã desenvolveu uma ténia descomunal que, à medida que foi crescendo e proliferando, foi ascendendo dos intestinos ao próprio cérebro.
Um tríptico, talvez pintado por Francis Bacon, de Victor Rothschild debruçado sobre a vida sexual do percevejo, a técnica amorosa da aranha e a procriação entre as sanguessugas seria um quadro que simbolizaria tão bem o percurso triunfal da nodernidade pós-cartesiana, quanto a escola de Atenas, por Rafael, ilustra para a eternidade o caminho do pensamento humano, desde Homero até à catedral de Chartres.
Já a sua forma criptocrática de exercerem apenas remete para uma realidade efectiva: afinal, a mão invisível não é senão a extremidade operativa de um braço e respectivo corpo igualmente ocultos, que pilotam, com implacável gana, por detrás do palco financeiro e dos seus títeres políticos.
Os gregos antigos, que a sabiam toda, ao deus dos Infernos (Hades) chamavam também o deus das riquezas (Pluto), porque a riqueza encontrava-se à guarda das profundezas subterrâneas. Esta plutocracia que nos conduz a um local muito obscuro radica todo a sua essência nessa subterraneidade simbólica...e infernal. Ao contrário do esforço para o céu e para a luz, que a catedral gótica, da Idade Média, representa, as novas catedrais financeiras mergulham, cada vez mais fundo, na treva das minas de metais preciosos ou industriais, dos poços de petróleo, dos labirintos lovekraftianos dos tráficos, dos matadouros intra-específicos por amor das reservas de matérias primas, das manipulações de vária ordem - das económicas às mediáticas, das históricas às biológicas - das reversões e subversões morais, físicas e mentais.
O texto de Aristóteles em epígrafe ganha tanto mais sentido quanto a análise mais detalhada do próprio termo, no grego clássico, para designar "usura" - "tokos" -, o desvela. Da raiz "tiktw", que significa "dar à luz", "gerar", "pôr ovos", "produzir", "tokos" quer dizer "parto", "renovo", "fruto", "interesse" e "juro". Esta ambiguidade da palavra grega é característica da língua mãe do nosso pensamento e da nossa civilização. Basta relembrar, por exemplo, que "pharmacon" significa "remédio" e, igualmente, "veneno". Daí, também, que a ética Aristotélica se esmere, sobremaneira, na demanda da "justa medida"; quer contra o "excesso", quer contra a "falta".
Ora, o "parto" do dinheiro é um parto, uma gestação contra-natura, ou dito, à maneira grega, um para-fysis (dá-se o caso que tenho o texto em grego à minha frente); ou seja, enquanto fruto da inteligência humana (noos), não manifesta um fruto natural, mas um fruto que atenta contra a própria árvore, isto é, que opera contra a própria inteligência - um para-noos. Ou, traduzido para português, uma para-nóia.
O domínio que sucede, assim, à metafísica não esprime uma qualquer pseudo-emancipação da física, como certa propaganda intoxicante estima de propalar, mas antes uma mutilação, uma agressão estritamente oportunista, um processo contra-físico - uma parafísica, ou seja, a trama de uma pura artificialidade contra a natureza e contra Deus (passe a redundância). O materialismo usurário (e aqui não se trata apenas da usura financeira como igualmente da usura física de todas as coisas) camuflado de "ciência moderna" mais não reflecte que isso mesmo. Estamos no campo da exploração e rentabilização financeira dos recursos naturais, muito mais que na sua genuína investigação e compreensão. O verdadeiro conhecimento, o genuíno saber são banidos, degradados e desprezados a título de obstáculo, empecilho e escrúpulo obsoleto, retrógrado e obscurantista ao bom andamento dos negócios. Nas caldeiras do apetite instantâneo a ferver, não há tempo a perder com lições e avisos do passado, nem, tão pouco, prudências ou cuidados com as consequências no futuro. Antepassados são para esquecer, vindouros são para ignorar.
Não estranhamente, esta paranóia montada numa parafísica encontra o seu expoente mais revelador naquilo que sempre constituiu o cerne da relação do homem com a natureza, ou da cria com a mãe: alimento. O que nos desembarca noutra palavra grega muito a propósito: sitos - trigo, pão, alimento. A obra contra a inteligência e contra a natureza é igualmente um obra contra o alimento (do corpo e da alma: o pão e a esperança), isto é, a paranóia e a parafísica segregam, sintetizam e nutrem não o alimento natural do homem (um sitos), mas um para-sitos; ou, dito em português, um parasita da humanidade. A usura é uma actividade meramente parasita. A civilização greco-cristã desenvolveu uma ténia descomunal que, à medida que foi crescendo e proliferando, foi ascendendo dos intestinos ao próprio cérebro.
Um tríptico, talvez pintado por Francis Bacon, de Victor Rothschild debruçado sobre a vida sexual do percevejo, a técnica amorosa da aranha e a procriação entre as sanguessugas seria um quadro que simbolizaria tão bem o percurso triunfal da nodernidade pós-cartesiana, quanto a escola de Atenas, por Rafael, ilustra para a eternidade o caminho do pensamento humano, desde Homero até à catedral de Chartres.
Nota: é preciso compreender que' sendo uma coisa desprovida de movimento próprio, sendo pois inerte e artificial e não um ser vivo, não é natural que o dinheiro procrie. É nesse sentido que Aristóteles define a sua reprodução como contra-natura. Trata-se, em bom rigor, duma monstruosidade, dum malefício. É claro que num manicómio, quando os dementes assumem a administração e a clínica, adivinhem, na melhor das hipóteses, onde estão fechados os médicos e enfermeiros...
11 comentários:
Excelente.
Só uma nota- o tríptico do Bacon representa as Euménides. é o alfa e omega da questão.
Muito bom mesmo.
Vale a pena evocar também Jesus Cristo quando este se manifestou de forma violenta contra a Usura, o famoso episódio no templo com os cambistas.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jesus_expulsando_os_vendilh%C3%B5es
S. Tomás de Aquino, ao longo da Idade Média, também condenou a usura. Essas condenações compartilham a característica de condenar qualquer cobrança de juros, sob o nome comum de usura, qualquer que seja a taxa praticada. Em 1745, o Papa Benedito XIV promulgou a encíclica “Vix Pervenit” condenando a usura. Santo Tomás de Aquino tinha a usura como pecado contra a própria justiça. A usura, segundo a Igreja, estaria ligada, ainda, à avareza e à preguiça, condutas estas que são claramente contrárias ao que se espera de um bom cristão.
http://www.napec.org/vida-crista/a-usura-a-luz-da-biblia/
Reflicta, Dragão:
Um país que tem uma escala de produção de 100% mas que deve 449,5%. É isto o nosso Portugalito abrileiro.
http://expresso.sapo.pt/divida-total-de-portugal-cresceu-843-mil-milhoes-de-euros-desde-2009=f853553
Uma boa análise, de escalpelo afiado a cortar fundo. Mas ultimamente tem-me fugido a atenção para o outro lado desta moeda: a propaganda incessante da liberdade, onde estes melros investem largas somas. Algum "retorno", como eles dizem, lhes dará.
Mas, claro, bem visto isso da liberdade é só para quem pode. Por exemplo, está aqui uma boa história: http://pando.com/2015/02/07/how-the-aclu-ron-paul-and-a-former-eff-director-helped-jail-a-cia-whistleblower/
O bocado acerca do funeral presidencial do agente, como golpe de propaganda para cortar o pio aos atrevidos, é muito interessante.
Zazie.
Eu sei disso. O tríptico está ali apenas a título ilustrativo do estilo do Bacon.
«...sendo pois inerte e artificial e não um ser vivo, não é natural que o dinheiro procrie.»
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1ºEmprestar bens é permitir que outrém possa beneficiar daquilo que não tem por certo e determinado tempo.
2ºEmprestar dinheiro é permitir que alguém possa beneficiar daquilo que ele pode comprar.
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No 1º caso pressupõe restituição dos mesmos bens. No 2º caso pressupõe a restituição do mesmo montante.
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Se introduzirmos o conceito remuneração do empréstimo obtemos a noção do juro. Empresto-te mediante um juro, que deve ser (1)justo e (2)proporcional ao tempo da coisa emprestada com atenção à (3)durabilidade do bem emprestado, (4)desgaste etc.
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A usura é um desvio daqueles 4 factores. Foi e é proibida. E bem. Por isso existem taxas de referencia de bancos centrais, e leis anti-usura e nalguns países limites legais aos spreads praticados.
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As distinções aristotélicas podiam ter sentido naqueles tempos. Nos actuais não fazem qualquer sentido.
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Quando se conseguiu juntar pessoas que tinham o seu dinheiro debaixo dos colchões, à mercê dos ladrões, e se abre a possibilidade de colocarem as massas em lugar seguro e até remunerado como nos dias actuais, fica o dono do cofre com uma pipa de massa nas suas instalações. Não é massa dele. É massa de quem lá a colocou à guarda.
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O que fez com ela?
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Empresta-a a quem dela necessita. Não raras vezes a quem dela não necessita.
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Até há bancos que se dedicam a financiar os mais pobres que querem empreender. Dizem que só financiam as mulheres das familias pobres. Os homens não devolvem devidamente a coisa emprestada. Emborcam-no em vinho, asseguram. E têm razão. Para quem conheçe as africas percebe bem isto. São as mulheres que dão o litro. São bancos que recebem depósitos e transformam esses depositos em investimentos que terceiros utilizam como bem entendem.
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E depois há bancos especializados, bancos genéricos, bancos de fomento, bancos de investimentos, leasings, factorings, Capital de Risco...
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É no juntar recursos (dinheiro da populaça) que permite usar os dinheiros de uns para investimentos ou consumos de outros.
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Nem mais, nem menos. O dinheiro não se procria sozinho, principalmente se estiver parado. Precisa de alguém que o use e de alguém que lhe dê bom uso.
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Rb
O problema era a venda do Tempo. O tempo a Deus pertence.
S. Tomás de Aquino alterou algumas coisas da questão e a procriação das notas foi tida como trabalho.
Mais tarde mitifica-se o trabalho e a Liberdade e essa é que é outra história...
claro como agua. excelente.
Para-sitos pois. Que pena tenho de não ter aprendido línguas clássicas...
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