"Ninguém sabe como nasceu, nem como chegou ao mundo. Apareceu junto das margens douradas do rio Acrapas, na bela cidade de Agrigento, um pouco depois do tempo em que Xerxes bateu o mar com cadeias. A tradição conta apenas que o seu antepassado se chamava Empédocles: ninguém o conheceu. Deve sem dúvida entender-se por isso que era filho de si próprio, como convém a um Deus."
Empédocles foi um daqueles filósofos pré-socráticos de quem nos ficaram alguns fragmentos e muitas lendas. Crê-se que gastou grande parte da sua existência em divagações pelas proximidades do Monte Etna e lhe deu conclusão lançando-se na goela ígnea e fumegante do vulcão. A digestão do sábio pela montanha acesa terá decorrido sem problemas de maior, excepto uma sandália que o vulcão cuspiu, engasgado (ou repugnado, não se sabe bem), para servir de relíquia aos adeptos, segundo Schwob, e de lembrança aos vindouros, segundo outros.
Os vulcões, como devem compreender, não são todos iguais. Ao contrário dos católicos ou dos protestantes, enfim, dos civilizados ocidentais, que, segundo alguns entendidos, parece que o são, tirados a papel químico uns dos outros, os vulcões não. Há-os de variadas espécies, individualidades e idiossincrasias. Há vulcões, como o Etna, onde filósofos vivos, animados de uma tão súbita quão irresistível vertigem, se lançam; há vulcões, como o Vesúvio, que se lançam sobre cidades, na esperança de aí degustarem, por entre tanta gente morta, algum filósofo vivo. E há ainda uma terceira espécie, a mais bizarra e rara de todas: a dos vulcões, que deglutem (ou mascam alarvemente) filósofos mortos. São os, por assim dizer, vulcões dos filósofos mortos. Andam pelo mundo disfarçados de homens, como os deuses de antigamente, mas na verdade são vulcões - montanhas ruidosas e cuspideiras. Sabemos que estamos perante um deles quando verificamos que a erudição, em toda a linha, cede lugar à erupção. E quando, mais que pelo rumor cavo da caldeirada mineral, do guisado hermético de pedregulhos ou do estrépito típico da montanha em trabalho de parto, somos assombrados pela chuva pródiga de objectos mirabolantes e outros meteoros refugados. Sim, porque na emulação frenética do Etna de outrora com a sandália de Empédocles, também estes vulcões dos filósofos mortos regurgitam agora, regularmente, pequenos souvenires balísticos. Aqui, pasmemos, os culotes rendados de Hume; ali, com seiscentos diabos, o relógio e a camisa de noite de Kant; mais acolá, fitemos perplexos, a peruca de Descartes; lá ao fundo, ó maravilha!, o imaculado bispote de Tomás de Aquino; logo adiante, cuidado com a cabeça!, a capa de Super-Homem e o martelo de Nietzsche. Como impedir a multidão de se aglomerar, boquiaberta, na expectativa da precipitação iminente da farda castanha de Heidegger ou das jardineiras coçadas de Wittgenstein?...
Snobavam-nos os italianos por terem o Vesúvio, o Stromboli, o Etna, o Marsili, o Vulcano e mais não sei quantos e nós só termos os Capelinhos? Zombavam da nossa pelintrice açoreana? Melhor farão, doravante, em cobrir-se de inveja, raiva e vergonha. Eles têm esses todos, pois têm, mas em três milénios só vomitaram uma sandália; nós temos o Arroja e todos os dias é um guarda-roupa completo (mais toda a parafernália anexa, marroquinaria e ferramentas, a preços de ocasião!) Nele, Deus no-lo guarde e abençoe por muitos e largos anos, cada erupção não é apenas uma erupção: é uma autêntica passerelle!...
Por isso mesmo, digo e repito: as erupções do nosso Arroja, em matéria filosófica, são um espectáculo, mais que bizarro ou perigoso, pitoresco. E bem mais que merecedoras de análise, correcção ou crítica de quem passa, são dignas de turismo.
Quinhentas vezes mais estrombólico que o Stromboli nos melhores dias, portugueses, um património fenomenal destes nem pensar em destruí-lo, descaracterizá-lo ou minimamente ocultá-lo à avidez basbaque dos estranjas! Divulguem-no, isso sim! Promovam-no! Façam dele um ex libris blogonacinhal! Construam-lhe hotéis, miradouros e, vá lá, com muita delicadeza, um novo oráculo de Delfos à volta. De modo a que a Nova-Pitonisa possa entrar em transe sibilino, inalando os vapores clepto-sepulcrais e necromantes do vulcão. Pois neste, no Arroja, ao contrário do outro, como dizia o Eça, não é a bicha - lá, do eremitério das fezes - que reverbera, anima e ventriloqueja: é Apolo.
Snobavam-nos os italianos por terem o Vesúvio, o Stromboli, o Etna, o Marsili, o Vulcano e mais não sei quantos e nós só termos os Capelinhos? Zombavam da nossa pelintrice açoreana? Melhor farão, doravante, em cobrir-se de inveja, raiva e vergonha. Eles têm esses todos, pois têm, mas em três milénios só vomitaram uma sandália; nós temos o Arroja e todos os dias é um guarda-roupa completo (mais toda a parafernália anexa, marroquinaria e ferramentas, a preços de ocasião!) Nele, Deus no-lo guarde e abençoe por muitos e largos anos, cada erupção não é apenas uma erupção: é uma autêntica passerelle!...
Por isso mesmo, digo e repito: as erupções do nosso Arroja, em matéria filosófica, são um espectáculo, mais que bizarro ou perigoso, pitoresco. E bem mais que merecedoras de análise, correcção ou crítica de quem passa, são dignas de turismo.
Quinhentas vezes mais estrombólico que o Stromboli nos melhores dias, portugueses, um património fenomenal destes nem pensar em destruí-lo, descaracterizá-lo ou minimamente ocultá-lo à avidez basbaque dos estranjas! Divulguem-no, isso sim! Promovam-no! Façam dele um ex libris blogonacinhal! Construam-lhe hotéis, miradouros e, vá lá, com muita delicadeza, um novo oráculo de Delfos à volta. De modo a que a Nova-Pitonisa possa entrar em transe sibilino, inalando os vapores clepto-sepulcrais e necromantes do vulcão. Pois neste, no Arroja, ao contrário do outro, como dizia o Eça, não é a bicha - lá, do eremitério das fezes - que reverbera, anima e ventriloqueja: é Apolo.
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