Dantes, no tempo do faxismo, nas trevas da longa noite, que bem me lembro, vi com estes que a terra há-de comer, ninguém me contou, era o Benfica – o clube do regime, marca de exportação, condição de cidadania, esteio da família, totem dum povo, entusiasmo da horda, embaixadeza da pátria avulso. Agora, e cada vez mais, é o Benfica, o Sporting, o FêCêPê, o Real Madrid, o Barcelona, não já clubes de futebol, mas espécie de seitas mau-mau, futemafias, histerismo troglodita, frenesim ululante. Outrora, por causa do Benfica batiam nas mulheres e na prole menos expedita; agora são capazes de matar ao calhas – bons chefes de família alimentam fantasias de hecatombe e extermínio.
Dantes, no tempo do faxismo, era a Senhora de Fátima, o ópio do povo. Lá continua, que Deus a guarde. Sim, mas reforçada (salvo o devido respeito) pelo pastor Tadeu, pelo bispo-empresário e secretário-geral Edir Macedo, pelo professor Karamba, pelo pequeno rabi e o compadre imã, pelo grande astrólogo Mané e toda uma chusma de videntes, cartomantes, mães-de santo e padres de vão de escada (ateus incluídos) feitos carraças dum povo rafeiro. Quer dizer, ao ópio do povo, adicionou-se o haxixe do povo, a marijuana do povo, o LSD, as anfetaminas, a cocaína, a morfina, o ecstasy e o vinho a martelo do povo. Grande povo, nação valente, que além de fumar, alcançou a ampla conquista, o inalienável direito de também se charrar, injectar, encharcar, tripar, snifar com uma variedade inaudita de droguinha religiosa da boa. Alleluia!...
Dantes, no tempo do faxismo, era o Império Ultramarino e os pretos tadinhos que eram explorados, escravizados, vilipendiados e oprimidos pelo colono infestante e a metrópole sanguessuga. Agora é o Império Intramarino, onde a maioria da população, mentecaptizada por todo o sortido de antolhos, ecrãs, mamãs e arreios de andar à nora, foi despromovida a pretos, enquanto uma minoria endogâmica de luminosos e outros caga-lumes doutores se diverte e recreia a colonizar os restantes, sob a supervisão embevecida dos tutores da estranja. Agora, por conseguinte, é a própria metrópole que, um tanto ou quanto esquizofrenicamente, se divide entre micrometrópole e neocolónia. Ambas dando corpo ao Sacro Império da Mediocridade.
Dantes, no tempo do faxismo, era o fado e a Dona Amália, estátua em vida, garganta do inefável chunga, enlevo das emigrâncias. Agora, além do fado, é o pimba, e o pop, e o hip-hop, e o rap, e a martelada das discotecas. E são chusmas de vedetas, chupetas, marretas, artistas, fadistas, herpetobatas* e palhaços de vida fácil, a chocalhar piada ao quilo e graçola a metro!
Dantes, no tempo do faxismo, era o Salazar, o António que não mudava de botas. Agora são os filhos, enteados, bastardos e netos do Salazar. Todos por inseminação balnear. Eu explico: parece que os espermatozóides libertados pelo feroz ditador, aquando de casuais e solitárias práticas, saíram pela retrete, viajaram pelo esgoto e acabaram, após peripécias várias ao sabor do capricho das correntezas, nas praias do Algarve e sul de Espanha, onde, ainda vigorosos, pujantes e perfunctórios, fertilizaram os úteros em molho incauto das mães dos filhos que nos (des)governam. Só que estes, mais espertalhões e cosmopolitas, mudam de sapatos todos os dias, de carros todos os anos e de casa, ideologia, sexo e, sobretudo, patrono, então, é melhor nem falar.
Dantes, no tempo do faxismo, estavamos orgulhosamente sós. Havia a censura, o lápis azul, o exame prévio. Havia a Pide, a Mocidade e a Legião. Agora estamos vaidosamente totós, de mão estendida, cuzinho em saldo e vaselina a jeito. Há o critério editorial, a mixordice jornalística, a ordem unida da notícia. Há o Tide, detergente mental logocida, em drageia ou supositório; as telenovelas da TVI e a Chusma xenolatra, de grunhofone em riste, a acelerar e telefonar por tudo quanto é estrada, ponte e caminho, e a abrir estradas, portagens e autódromos por tudo quanto é sítio!
Digo com franqueza: nunca tive uma visão idílica do antigamente, ainda menos em termos de política interna. Mas quanto mais anos usufruo das delícias deste admirável regime novo, para grande assombro de todas as minhas células, mais virtuoso e digno o outro me parece. A única monstruosidade aberrante que jamais lhe conseguirei perdoar, foi essa, reptiliana e lorpa, de, em tão má e porca hora, ter defecado um aborto - invertebrado e pífio - destes!...
Para estes pulcros da lábia, imaculados da concepção, era uma vergonha ter colónias que nem colónias eram, mas não é uma vergonha - pelo contrário, é uma gloriosa conquista - ser uma colónia.
Simulacro de gente, país postiço, alminhas de pechisbeque - aviltamento compulsivo de navegadores, ferrabrases e poetas a asnos sublimes, putas eruditas e punheteiros do currículo!...
* Herpetobatas - o contrário de acrobatas; funâmbulos da rasteirice, ginastas da abjecção.
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