«Examinando a situação espanhola, Salazar deixou cair: "Franco, como eu, chegou ao fim. Que problema terrível vai ter a Espanha com a sucessão! Nós aqui, não. O Chefe do Estado escolhe-me um sucessor, e o caso liquidou. Se ele se fará ou não obedecer, esse é outro aspecto.»
- Franco Nogueira, "Um político confessa-se (Diário: 1960-1968)"Infelizmente, Salazar errou onde mais nos convinha (que não errasse) e acertou onde menos nos interessava (que acertasse).
Entretanto, vale a pena relembrar a descrição que o próprio Marcelo Caetano faz da sua investidura pelo Presidente da República (e em entrevista inaugural com este).
«Não ocultava a minha discordância de certas orientações governativas. E relativamente ao problema ultramarino, embora convencido de que o Dr. Salazar agira como as circunstâncias exigiam, não sabia o que pensava o País. Se assumisse a chefia do Governo, procuraria que as eleições gerais a realizar em 1969 fossem o mais correctas possível para que, se as ganhasse, ganhasse bem. Seria a oportunidade de deixar a Nação exprimir o seu ponto de vista quanto ao Ultramar. Se a votação fosse favorável à política de defesa que estava em curso muito bem... Se não...
- Se não, as Forças Armadas intervirão, interrompeu o Presidente da República.Soube depois que os chefes militares consultados haviam aceito o meu nome, mas com reservas. Alguém havia posto a correr um papel confidencial em que transmitira, anos antes, ao Dr. Salazar a opinião que, sobre uma possível evolução constitucional do Ultramar português, ele me pedira por intermédio do então Ministro Adriano Moreira. Nesse papel (cujo conteúdo merecera adesão dos antigos Ministros Francisco Machado e Vasco Lopes Alves, salvo erro) preconizava-se a criação de uma federação de Estados, em que, juntamente com a Metrópole e no mesmo plano, entrassem as províncias ultramarinas. Uns "Estados Portugueses Unidos" que eu admitia, no início da década de 60, constituíssem solução aceitável para a Organização das Nações Unidas de modo a evitar a hostilidade internacional contra Portugal. O papel não teve seguimento, nada se fez então. Mas, para muita gente, uma tal ideia era antipatriótica por atentar contra o dogma sacrossanto da integração, em que então encarnava o ideal nacional. As Forças Armadas, através dos seus chefes, punham, pois, ao Presidente da República, como condição para aceitarem o novo Chefe de Governo, que não só se mantivesse a política de defesa do Ultramar como se evitasse qualquer veleidade de experimentar uma solução federativa.
O Chefe do Estado transmitiu-me estas únicas condições. Ficou bem claro que se fosse mal sucedido no meu propósito de obter em 1969 um voto do eleitorado favorável à defesa do Ultramar, eu cederia o Poder às Forças Armadas.»
- in "Depoimento"Portanto, devaneio interessante, o de Marcelo Caetano, em auscultar o que pensava um País que estava habituado a que Salazar pensasse por ele. E projecções algo optimistas, as de Américo Tomaz, se pensarmos que, não só Caetano mas também ele próprio, haveriam de entregar o poder às tais Forças Armadas. E, ainda por cima, ironia das ironias, para procederem exactamente ao inverso daquilo que ele augurava.
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