Já toda a gente decerto ouviu falar na quiromancia - a adivinhação do futuro através da leitura das linhas na palma da mão, pois. Todavia, é apenas uma entre muitas. De facto, exercem-se, há séculos, imensas modalidades de adivinhação, das quais cito algumas deveras pitorescas:
- Dendromancia (adivinhação pela leitura dos troncos de árvores derrubadas);- Oniromancia (adivinhação pela leitura dos sonhos);
- Ornitomancia (adivinhação pela leitura do voo das aves);
- Aeromancia (adivinhação pelo exame do ar - hoje também chamada metereologia);
- Necromancia (adivinhação através de colóquios com os defuntos).
Existe mesmo uma variante de geomancia a todos os títulos notável: consiste em atirar lixo ao chão e interpretar os resultados.
Já em Portugal, a modalidade mais fascinante chama-se acromiomancia. Trata-se de adivinhar o futuro do país através da leitura das movimentações acrobáticas dos ratos. Ratos de trapézio e ratazanas de ministério, entenda-se. É um método de vaticínio, quase me atrevo a dizer, infalível; duma precisão que chega a causar calafrios.
Querem um exemplo magno?
Franco Nogueira, então Ministro dos Negócios Estrangeiros (e dos brilhantes) de Portugal, ao seu diário, em 13 de Novembro de 1966:
«Não há dúvida: Portugal atravessa uma crise e uma encruzilhada histórica. Encontra-se com quase oitenta anos o Presidente do Conselho; a oposição, ainda que dispersa e em muitos casos demagógica, agita-se com vivacidade crescente, embora apresente apenas teses que levam à perda de tudo: a carência dos ministros das Finanças e da Economia, por saúde ou outros motivos, agrava o problema económico, o dos preços, o dos salários, o do crédito, e sem isto não há política militar e política externa que valham; e os Estados Unidos, a União Soviética, outros ainda, mantêm as mandíbulas de sentinela e as garras afiadas à espera do momento em que nos falte o fôlego. É grave a situação; sê-lo-ia em qualquer caso; mas, sem ser desesperada, torna-se mais séria pela ineficiência da administração, pela lentidão do governo, pela descoordenação da política de cada departamento com a dos outros, pelas rivalidades pessoais, pela sobreposição de ambições individuais aos interesses nacionais. Ulisses Cortez está sempre apavorado com qualquer esforço ou emoção que possa causar-lhe outro enfarte. Em todo o Conselho de Ministros, e além do Presidente do Conselho, haverá neste momento quatro ou seis ministros ministros que sentem e acreditam no Ultramar. Desejariam os outros ver-se livres de África, para se devotarem às delícias de uma política europeia. No fundo, o que adoram é o Conselho da Europa, sem entenderem que este é um nicho para instalar políticos aposentados e na terceira idade, e a OCDE, e as Conferências de Ministros europeus do Trabalho, e da Saúde, e dos Transportes, e da Cultura, e assim; e anseiam pelas idas a Paris e a Viena, a Genebra e a Londres, e demais centros europeus de prazer ou turismo. Entregar o país nas mãos dos imperialismos e das multinacionais, e deixá-lo colonizar por uns e outros; perder a independência de decisão, mesmo no que respeita à metrópole; vender o país aos bocados; diluir e perder a independência nacional - tudo isso é indiferente a esses tais desde que, na nova ordem de coisas, mantenham os lugares, o prestígio, os benefícios materiais, a sensação de autoridade, os sinais exteriores de poder. Por todo o lado, no mundo oficial, nota-se uma desorientação básica, confusa, quase um pouco de salve-se quem puder.»
- in "Um Político confessa-se" (Diário: 1960-1968)
Posto isto, façam-me a fineza de reler agora este postal...
O problema do totalitarismo radica no esmagamento das partes por um pseudo-todo, geralmente usurpador e burocrático, a que se chama Estado. A miséria do partidarismo resulta no ensoberbecimento das partes, que passam a considerar-se mais importantes que o Todo. Entre ambos os flagelos, os povos oscilam, rangem -quando não ricocheteiam - e buscam, cega e tropegamente, através dos séculos, desenvolver uma qualquer imunidade que os resgate, duma vez por todas, a essa mórbida astenia. Temo bem que, nessa tumultuosa demanda, o milénio não seja muito maior que o simples dia.
No 25 de Abril de 1974, o furúnculo rebentou, mas vinha-se enchendo de vurmo há vários anos. Suspeito que, à data do seu crepúsculo consular, Salazar retirou-se com mais nojo de muitos que o rodeavam do que da própria oposição. Ao menos estes, na maior parte das eminências parvas, eram putas vendidas ao estrangeiro, mas eram-no de cara descoberta.
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