O US Government Accountability Office (GAO), espécie de Tribunal de Contas lá do sítio, sendo que o sítio é o mais recente paraíso terreal da Toinolândia, verificou - sem grande perplexidade, presumo -, que mais de 1.000 milhões de dólares (793,5 milhões de euros) de ajudas federais às vítimas dos furacões Katrina e Rita no sul dos Estados Unidos (2005), foram fraudulentamente desviados para outros fins. Só para fazermos uma pequena ideia, fins, esses, tão nobres e essenciais como «bilhetes da liga de futebol norte-americana, férias nos trópicos, vídeos pornográficos, champanhe, noitadas em clubes de stripe-tease», massagens ($400) , tatuagens ($450), anéis de noivado ($1.100) , além de outros mimos monásticos como estadias em condóminos junto à praia, em Panama City(a $375/dia) ou apartamentos em New York (a $438/dia).
Sinceramente, não entendo o aparente escândalo de tudo isto. Então os fundos não eram destinadas a necessidades essenciais das pessoas, pessoas essas, ainda por cima, em grandes apuros e sobressaltos? Num país do terceiro mundo, de pretos, monhés, hispânicos ou coisas assim, está bem que as necessidades essenciais sejam comida, bebida, abrigo e vestuário. Mas no Paraíso terreal, no paradigma da organização e da democracia ao cimo do planeta, no farol galáctico de todas as liberdades mais uma, nada mais legítimo, lógico e justo que o emergency-service inclua férias nos trópicos, vídeos pornográficos, strip-tease, massagens, tatuagens e anéis de noivado, tudo isto, claro está, de preferência, servido em quartos luxuosos com acesso directo à praia. Afinal, as pessoas precisam de convalescer do horror porque passaram, ou acabaram de presenciar na televisão. Não raramente, quem assiste de longe, sem poder fazer nada, ainda sofre mais. Além disso, convém nunca esquecer, estamos a falar do país mais rico, poderoso, sofisticado e organizado do mundo. Mesmo numa república de bananas como Portugal, ninguém admitiria ser evacuado de qualquer calamidade se o kit de ajuda básico não incluísse telemóvel, TV cabo e playstation para as crianças. Fará agora naquela Perfeitopólis superlativa!...
O relatório completo do GAO pode ser lido aqui. Não percam. É de rir até às lágrimas.
Termino, fazendo completamente minhas as palavras sempre sábias, experientes e lapidares de H.L.Mencken:
«Na minha perspectiva, Os Estados Unidos são, incomparavelemente, o maior espectáculo do mundo. Um espectáculo que exclui todo o tipo de palhaçadas que rapidamente me entediam - o cerimonial monárquico, o malabarismo fastidioso da haute politique ou a atitude séria perante a política, por exemplo -, pondo antes o ênfase no tipo de situações que me divertem incessantemente: as discussões brejeiras dos demagogos, as deliciosas e engenhosas manigâncias dos mestres da pulhice, a perseguição a bruxas e hereges, as tentativas desesperadas dos homens inferiores para treparem até ao Céu. Temos entre nós, em constante actividade, bobos que se destacam dos de qualquer outro grande país, do mesmo modo que Jack Dempsey se destaca de um paralítico; não apenas vinte ou trinta, mas verdadeiras manadas deles. Aquilo que noutro país cristão qualquer está irremediavelmente votado a um tédio incurável - coisas que, pela sua natureza, parecem desprovidas de toda a piada -, é aqui elevado a um patamar de bufonaria que nos faz rir a bandeiras despregadas.»
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