«Mencionei um dia ao Xá o nome daqueles que, nos Estados Unidos,, estavam encarregados de tratar da sua saída e da sua substituição.Estive até presente numa reunião em que um dos assuntos aprecisados foi: "Como é que vamos actuar para obrigar o Xá a partir e por quem o vamos substituir?"O Xá não me quis acreditar. Disse-me:"Acredito em tudo o que me diz, menos nesse ponto. ~Mas Alteza, porque é que não me acredita também quanto a esse ponto? - Porque seria tão estúpido substituir-me! Eu sou o melhor defendor do Ocidente nesta região do mundo. Possuo o melhor exército. Sou eu quem detém o maior Poder." Acrescentou: "Seria tão absurdo que não posso acreditar!" Após algum silêncio em que reflecti sobre o que lhe ia responder, disse-lhe: "E se os americanos estão enganados?"Foi o que se passou. Os americanos tomaram a sua decidão. Como sempre, tinham uma visão do país correspondente à dos iranianos com quem conviviam: os que saíam de Harvard, de Stanford ou da Sorbonne e que representavam menos de um por cento da população. (...)A percepção ocidental do regime do Xá passava com demasiada frequência pelo espelho deformado da S.A.V.A.K, que, para muitos, era uma espécie de super-Gestapo mais a KGB, multiplicado por dez! - o que era falso. A prova foi a sua incapacidade de prever os acontecimentos e, depois, de os enfrentar.»- A. Marenches, in "No Segredo dos Deuses"
Existe um visível paralelismo entre a queda do regime do Xá da Pérsia e a do Estado Novo. O mesmo enquadramento que Marenches refere a propósito da Pérsia podia ser dito a respeito de Portugal. A começar pelo "redutio ad oppressio" . O Xá é reduzido à SAVAK, o Estado Novo é reduzido à PIDE/DGS. Depois realça o facto de não serem, ambos, regimes anti-ocidentais, comunistas, ou similares. Bem pelo contrário, são regimes pró-ocidentais, anti-comunistas, claramente aliados da Europa e dos americanos. Todavia, são regimes que não praticam o "credo democrático". E esse devém o pretexto da ordem para accionar a "primavera". O resultado desta na Pérsia, como em Portugal, como em todos os outros locais onde tem desarvorado, é o caos. E logo a seguir a ascensão ao Poder de forças fundamentalistas, sejam da religião muçulmana ou comunista. Ainda recentemente, no Egipto, outro aliado americano, o presidente Mubarak, foi tratado segundo os mesmos preceitos. A subsequente elevação da Irmandade Islâmica ao Poder reproduz fielmente tanto o caso Persa quanto o Português.
Ora, é patente que estamos perante uma linha de fenómenos equivalentes. A diferença entre eles não reside nem na metodologia nem na ordem da causa/efeito mas, simplesmente, na panóplia de meios empregues (que vai aumentando consoante o tempo e as evoluções tecnológicas). Na Lisboa de 74, como na Teerão de 79 a internet ainda não actuava. A CIA ainda não estava tão consideravelmente reforçada por NEDs , OSFs e propagadores da peste quejandos. Mas é significativo que, numa primeira fase, quer Lisboa, quer Teerão são induzidos e pressionados a "aberturas". Ao mesmo tempo, os "pressionadores democratas" investem dólares às camionetes em liberais, dissidentes e, sobretudo, na minagem do exército). Depois, o curso lógico e a dinâmica dos acontecimentos, isto é, da epidemia, sobrepõe-se.
Paul Veyne explica o bizarro fenómeno nos seguintes termos:
Paul Veyne explica o bizarro fenómeno nos seguintes termos:
«A elastecidade natural, ou vontade de poder, explica um paradoxo conhecido pelo nome de efeito de Tocqueville: as revoluções rebentam quando um regime opressor começa a liberalizar-se. De facto, as sublevações não são semelhantes a uma marmita que, à força de ferver, faz saltar a tampa; é, pelo contrário, um ligeiro levantamento da tampa, devido a qualquer causa estranha, que faz a marmita entrar em ebulição, o que acaba por derrubar a tampa.»(in "Acreditavam os Gregos nos seus Mitos")
Inúmeras e recorrentes réplicas depois, qual é ainda a dificuldade em perceber a "primavera Portuguesa" de Abril de 1974?
Não fez Marcello como o Xá da Pérsia - não tentaram ambos liberalizar e suavizar o regime (não porque isso obedecesse a uma qualquer premência natural interna, mas por cedência a causas estranhas, como seja a insídia velhaca e premeditada de supostos aliados, tanto por indução/ameaça directa, como por manobra indirecta, sob a máscara da "Comunidade Internacional"?... O que mais não ocasionou senão o descontrolo do surto interno na tentativa ingénua (e suicida) de aplacar o externo.
O "efeito de Tocqueville" tem sido uma constante nas actuais revoluções/sublevações confeccionadas pelas bestas do costume. O movimento é duplo: por um lado aumenta-se a temperatura dentro da marmita; por outro, engoda-se a tampa para que se se levante ligeiramente. A partir do momento que o regime cede à "liberalização" já sabemos qual vai ser o resultado final. Mesmo na Paris de 1789, ou na Moscovo de 1917, foi assim. O que acontece agora é que o efeito é, externa e artificialmente, provocado e empolado. Como, em parte, nessas outras datas também o foi.
4 comentários:
As portas do templo de Janus raramente fecham.
A pacífica república encontra sempre, inexplicavelmente, irracionalmente, implacáveis inimigos. Dizem.
Até parece que alguém tem algo a lucrar com isso.
Não devemos ter estes pensamentos. Os donos não gostam.
Um outro republicano, mais pobre e admitidamente mais bruto e mal jeitoso na produção de consentimento, alegou que "o Partido reforça-se depurando-se".
Se tivesse um MBA, podia fazer uma tese correlacionando no tempo inimigos da república contra território e PIB da dita.
Mas desviemos o olhar destes factos comezinhos, e rejubilemos no maravilhoso manto de liberdade com que a Santa da república generosamente nos cobre, e do qual nos canta os louvores apenas a toda a hora. Aleluia.
Um indício de que as questões levantadas pelo Draco vão ao cerne da questão tem apenas duas palavras: Arábia Saudita.
Alguém quer comparar o Irão durante o regime do Xá com o que se passa no regime saudita? E no entanto, nestes ninguém toca. Nem com uma flor...
Miguel D
Tanto quanto me recordo o Xá Pahlavi foi amigo de Portugal e esteve do nosso lado na questão das colónias e de Goa.
Há uns anos morreu mais um Pahlavi. Vão morrendo em mortes duvidosas, diz-se que esta família é como os Kennedy, têm maldição...
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