Falemos então de "feriados"...
Começando pela própria palavra... Do latim "fèriae", onde significava "dias consagrados ao repouso", "festas" ou "regozijo público", não parece ter-se deteriorado muito desde a origem. De facto, as "férias e feriados" ainda hoje são dias consagrados ao repouso, embora nem sempre sejam de festa, nem, tão pouco, esse mesmo repouso, como na antiguidade romana, seja necessariamente em honra da divindade. A verdade é que temos actualmente duas espécies - para alguns, antagónicas ou rivais - de feriados: os feriados religiosos e os feriados civis. Dito por outras palavras, mais justas e assertivas: os feriados genuínos e os pseudo-feriados. Porque, com efeito e sem sombra de dúvida, dizer "feriado religioso" é uma perfeita redundância de termos - é por ser dedicado a instâncias de índole religiosa que o dia devém "feriatus", que nele a comunidade se entrega ao ócio festivo. Da mesma maneira, proferir "feriado civil" soa a falsificação e usurpação do termo. É "feriatus" de fancaria laica e balalaica. E tanto assim é que, enquanto o "feriatus" autêntico subentende uma pausa nas ocupações deste mundo de modo a festejar (ou, no mínimo, a honrar) uma outra dimensão mais livre, feliz e superior (a dimensão divina), já o "pseudo-feriatus" mais não alcança nem almeja que fazer do dia uma jornada de celebração de certas mundaneidades mais ou menos divinizadas (a república, a democracia, o trabalhinho), isto é, não exactamente um dia de pura festa, mas sobretudo de propaganda - de convénio, congresso e feira de falsários, trafulhas e trampolineiros. Não lhe deveriam, pois, chamar feriado, mas simplesmente "desdia", "não-dia", "a-diamento" - que é como quem diz: dia de nada ou coisíssima nenhuma. Ou dia de mentira, já que falso dia. E assim chegamos ao Primeiro de Abril, essa data sempre tão consagrada ao assunto...
Mas antes, recapitulemos os tais "feriados civis"cá do burgo... Num desgraçado lugarejo onde impera o mais ignóbil feudalismo partidocrático e sectofágico, celebra-se que república no dia 5 de Outubro? Num insectódromo olímpico de venalidades, vacuidades e falsos-prestígios onde vigora a ditadura alarve do cacique eleito e telecomandado do momento, celebra-se que liberdade e democracia no dia 25 de Abril? Numa suinicultura de comadres, compadres, nepotes, mastins, pinóquios, esquemas endogâmicos a vapor e castas a diploma, onde viceja a açambarcamento do emprego pelas pseudo-elites e o desemprego, a precaridade ou o exílio para a generalidade da população, festeja-se que Trabalhador no Primeiro de Maio? Num país falido e restejabundo, entregue ao futebol, à telelobotomia, à ignorância ufana e roncante, e, para cúmulo da invertebrância pato-bravosa, à ditadura financeira externa, consagra-se que Independência no primeiro de Dezembro? E, finalmente, como dizia o Almada, num sítio mal frequentado onde Camões morreu de fome e Portugal morre de nojo e vergonha dos seus habitantes a cada dia que passa, exalta-se que Camões, comemora-se que Portugal?
É tudo falso! É tudo postiço! É tudo de aluguer! É tudo, em suma, mentira!...
Por conseguinte, quando agora falam, naquele tom sonso e pastoso que entretanto preside à situacinha, que, a bem do orçamento, urge abolir dois feriados civis e dois feriados religiosos - traduzindo: dois pseudo feriados e dois feriados -, daqui proclamo aos quatro ventos e às inúmeras brisas o seguinte: nos feriados, os genuínos, eles que nem toquem e a Igreja que não vá nisso! (Só de ver as Câncios e os Araújos Pereiras (ou Nogueiras ou lá o que é) desta pocilga aos pinotes e a espumarem da cloaca até é motivo para maior festejo e duplo foguetório!...) Agora, com o exagero inaudito, com a infestação absolutamente obscena de falsos-feriados nada de piedades! - Acabem com eles todos! Ou, mais condignamente, convertam-nos apenas num - o único que se impõe, realiza e justifica. Pois... é isso mesmo que estais a pensar e cuja demonstração aqui ficou patente à exuberância: Qual Primeiro de Maio, qual Primeiro de Dezembro, qual carapuça! Façam (pseudo)feriado do Primeiro de Abril e não se fala mais nisso!...
Afinal, a Mentira é tudo o que, na realidade, resta, triunfa e é celebrado neste país.
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