terça-feira, junho 07, 2011

Punheta de bacalhau

«O estado mental do homem que crê na eficácia social directa das revoluções é exactamente o mesmo do do homem que crê na realidade dos milagres.»
- Fernando Pessoa




É o chamado "preconceito revolucionário", segundo o grande escritor português. Pois bem, entre nós,actualmente, a coisa voa ainda mais baixo: não é necessária uma revolução, basta um fulano. O milagre é assim, tanto mais retumbante: acredita-se, piamente, que pelo mesmo processo com que se guindou fulano, trampolina-se sicrano e tem-se uma revolução completa. Pior: na maior parte das vezes, os mesmos que levantaram fulano, alcandoram agora sicrano. E só não são exactamente os mesmos, porque eles próprios, a cada milagre que segregam, estão piores do que antes. Mais cínicos, mais vácuos, mais vis, mais inócuos, resignados e impotentes. Mais troca-tintas, em suma.



Mas é verdade que produzem um milagre. Só que é efémero. Dura pouco mais que um dia e uma noite. Tão meteoricamente como surge,às primeiras badaladas da realidade, a linda princesa retorna a sopeira, e a soberba carruagem, mai-los esplendorosos corceis, regressam à abóbora e ratinhos de sótão donde nunca deviam ter saído. Pela análise da pegada, quando não da chinela, o pagode taumaturgo descobre então em cada sicrano um novo fulano que urge remover com transida urgência. Andamos nisto há trinta e sete anos. Não há nisto, fora o sarcasmo, um milímetro de exagero. Tem sido exactamente assim.



Trata-se dum engano crónico? Não existe isso de "engano crónico". Um erro obstinado dessa natureza não é engano crónico: é vício. Parafilia, eventualmente. De que espécie?



Pois. Bela questão. Assim à primeira vista, o fenómeno como que recria a teogonia clássica: grávida do celeste fulano, que a monta desabridamente, a população desata em ânsias de parir um sicrano que a liberte. Mas isso é só à superfície, na fachada. Lá bem no fundo, a perversão é outra. Porque o povo eleitor, com toda a sua soberania de impotente, mantém com Fulano uma relação de facto, só que é ao espelho. Excita-se nele. Excita-se com ele (e consigo). É desse comércio onânico que germina e brota, de jacto, Sicrano. Não é, pois, nem filho do Céu, nem da Vontade popular. É do mero aleive, do vício. Por outras palavras: nem filho do pai nem da puta - apenas dum regime exclusivo e intensivo... de punheta.

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