terça-feira, junho 23, 2015

Entretanto

Do que os livros me ensinaram e a vida me confirmou, há duas verdades aristotélicas que nunca vi desmentidas. 1. Que mesmo as estirpes da natureza não resistem à degeneração:  a aristocracia não é hereditária (a génios, duas ou três gerações depois, sucedem imbecis e monstros)  2. Que os seres humanos não nascem todos iguais - todos nascem com intelecto passivo, mas nem todos nascem com intelecto activo. Ora, o intelecto activo não se adquire nem por instrução, nem por compra ou imitação: ou se recebe da natureza (e de Quem lá reina) , ou não se tem. Em não se tendo, não significa que as pessoas não são racionais, fiquem tranquilos. Podem até sê-lo, e geralmente escorrem mesmo razão (e sobretudo razinha) por todos os poros. Não, significa apenas que não têm acesso à faculdade da inteligência. Ficam assim incapazes de intuir princípios e causas e de, por conseguinte, compreender ou elaborar explicações genuínas. Geralmente, movem-se apenas no território dos meios, promovendo certos meios a princípios e outros a fins. A crença no dinheiro como princípio e fim de todas as coisas nasce dessa incapacidade mental - dessa ininteligência congénita, cultural e vitalícia dos crentes. 
Isto, para grande desconsolo dos tempos actuais, não é nada democrático. Mas a natureza também não o é. E o que seria assombroso era que algo não democrático produzisse fenómenos democráticos.
Por isso, aliás, é que esta malta entende que deve corrigir a natureza com decretos e leis de vária e nova espécie. Sobretudo a partir da idade moderna, tem sido um fartote. A esse processo milenar de antropofactura, chamou Aristóteles o mundo da techne (em contraposição à fusis), ou seja, o mundo artificial por contraponto ao mundo natural. Aquilo a que chamamos  civilização (nas suas várias camadas, modelos ou ciclos históricos) manifesta a sofisticação e elaboração crescente dessa artificialidade. Mas mesmo no seu estágio último, que vivemos, a democracia real não existe: acontece apenas enquanto aparência sedutora e anestesiante. Por detrás, e com poder efectivo, vigora a plutocracia mais desapiedada e desalmada de que há memória. Quer dizer, é irrelevante o que quer que se apregoe no domínio político, uma vez que este se encontra completamente subjugado pelo domínio económico. A ideia de que a economia sempre presidiu à história (e predeterminou a política) é uma superstição que une os marxistas de ontem aos ultracapitalistas de hoje. Qualquer aberração procura legitimizar-se com a perpetuidade. Ora, num tempo em que passado e futuro são banidos em nome dum perpétuo presente, fácil se torna a quem neste tiraniza proclamar-se como eterno. No "Novo testamento" há aquela curiosa passagem onde se diz que "não pode o homem servir a dois senhores" - ou serve ao Eterno ou serve ao vil mundano. Pois bem, parece que ultimamente ficou resolvido este dilema antigo: o vil tornou-se eterno. A pseudo-eternidade usurpou o lugar da verdadeira. E agora a questão já nem na inversa se coloca: não é "não podes servir ao Dinheiro e a deus"; é "Ou serves ao Dinheiro ou não serves e vais para o lixo". O que terá o seu quê de paradoxo, porque bem medido dá qualquer coisa como "Ou serves ao Lixo ou vais para o lixo".
Mas, questão incandescente: como foi possível esta ascenção do lixo ao trono do espírito humano?
Os animistas primitivos, lá pelas áfricas, eram capazes de idolatrar coisas inanimadas, como pedrinhas ou conchas. A pretexto dessas coisas influírem na vida e no destino das pessoas. Não obstante, o fenómeno sempre se envolvia nalguma panache simbólica Estes novos animistas, também idolatram coisas inertes, papéis, pedrinhas, metais, líquidos crudelíssimos... Só que a influência na vida e no destino das pessoas já não é apenas do domíinio da religião: é total, abrasivo, imposto, na ponta da espingarda e do decreto. Os feiticeiros não auguram e diagnosticam apenas: obrigam os indígenas a cumprir rigorosamente os delírios visionários. Simbolismo nenhum: a coisa é literal, bruta, javarda. Constata-se assim que se por um lado, o material, a humanidade evoluiu astronomicamente, por outro, o espiritual,  regride, em boa velocidade, aos estágios pré-históricos do feiticismo tribal. Dir-se-ia até que quanto mais progride numa direcção, mais regride na outra. Aquela distopia do Planeta dos macacos está ali ao virar da esquina. Só que depiladíssimos e perfumados. Fora isso é a papel químico.

12 comentários:

Anónimo disse...

O dragão afirma que marxistas e ultraliberais estão unidos pela "ideia/superstição" de que a economia determina a história, e, no entanto, neste seu texto encontra-se a defesa (inconsciente?) dessa mesma "ideia/superstição", pois estabelece uma relação entre o progresso material e uma regressão espiritual, que se caracterizaria pela idolatria do dinheiro e pelo feiticismo. Pois é, se eu não soubesse que tinha sido o dragão a expressar tais ideias, diria que estava na presença de um marxista, já que o que Marx defendeu foi, precisamente, a ideia de que há relação entre a vida material ou prática dos homens e a sua consciência e mundo espiritual, para além de também ter considerado que no capitalismo se verifica uma espécie de feiticismo (ou reificação) das mercadorias, que mais não é do que um resultado da alienação do trabalho.
Mais: quando o dragão diz que a democracia real (material?) não existe, pois o domínio político está subjugado pelo económico, e afirma que quem de facto detém o poder são os plutocratas, está a subscrever a ideia marxista (mas não ultraliberal) segundo a qual vivemos numa democracia burguesa, isto é, numa democracia em que o poder é detido e exercido pela classe dirigente burguesa e não pelo povo, o que é a expressão da alienação politica.
Agora, onde o dragão se engana é em pensar que um deus verdadeiro e eterno foi substituído por um deus falso e mundano, pois da mesma forma que o Capital/Mamom é, hoje, a entidade suprema e omnipotente devido ao facto de as relações de produção oporem capitalistas e trabalhadores, no passado feudal e esclavagista deus era o Senhor pois as relações de produção opunham senhores (e o seu poder) aos servos/escravos. Assim, em ambos os casos o deus eterno e verdadeiro consiste apenas na sacralização do poder temporal/mundano presente, e nessa medida desaparecendo este desaparece também o deus que simboliza tais relações de poder. Ou, como diria Marx, a desalienação religiosa só acontece quando se realizar a desalienção económica.
Mas, diga-se, o cristianismo até teve um papel importante na destruição deste tipo de deus ditador e esclavagista, pois segundo reza o evangelho Jesus não veio para ser servido mas sim para servir, o que revela uma ruptura com a concepção tradicional de deus, com a concepção que estabelecia uma correspondência entre a ordem social e uma suposta ordem "natural" (ou divina) das coisas. É que no tempo do Aristóteles, e para este mesmo, a escravatura era uma coisa natural, e essa distinção que ele faz entre o intelecto activo e passivo é, provavelmente, mais uma expressão da diferença social entre aqueles que mandam e aqueles que obedecem, diferença que se explica histórica e sociologicamente e não naturalmente. Por outro lado, não deixa de ser estranho ver o dragão lamentar-se acerca da degradação espiritual, mas ao mesmo tempo reduzir a espiritualidade, mais ou menos passiva ou activa, a um fenómeno da natureza. É caso para dizer que se para o materialismo histórico marxista a existência social determina a consciência, para o materialismo naturalista e inconsciente do dragão a existência natural determina a espiritualidade, ficando esta reduzida a um epifenómeno da ordem natural das coisas.

dragão disse...

Meu caro, está a distorcer à bruta.

Não estabeleço relações nenhumas: constato factos. Evidências. Ululantes.

A plutocracia já presidiu ao império Romano, ainda os marxistas nem girinavam nos testículos do diabo.

Se o "materialismo do Dragão" (como vossência delira) é decorrente do "intelecto activo" então não é materialismo nenhum. Porque o que preside, ordena e anima a natureza não é a matéria bruta. Aliás, segundo Aristóteles, está fora dela e não se lhe mistura. E seja ela, a matéria, em estado de nudez asselvajada, ou mascarada com cosméticas histórico-sociológicas. "Sociologia", então, é cá uma destas pepineiras!...

Em todo o caso, o que eu penso do burguês é público, notório e tem aqui registo perseverante (e coerente) ao longo dos últimos 12 anos. Considero-o um estado de espírito, mais que um estado social. E causa-me o mesmo desprezo que causava a Stendhal, Nietzsche, Dostoievski, Heidegger, Junger, Céline e vários outros marxistas ferrenhos. Aristóteles, como deveria saber, não teve essa oportunidade, porque o burguês no tempo dele ainda não tinha sido golfado no mundo.
Basta até relembraras maiores produções burguesas ods úlytimos quinhentos trezentos anos, para ficarmos à beira do vómito: revolução francesa, revolução insdustrial, 2 guerras mundiais, globalização, por aí fora.

Não obstante, embora destituído de completo senso, eu agradeço-lhe o esforço do comentário.




dragão disse...

E tome lá sobre o "burguês", porque, pelos vistos, além de não ter lido Aristóteles, também nunca leu o Dragão...

http://dragoscopio.blogspot.pt/2007/05/morte-vida.html

http://dragoscopio.blogspot.pt/2005/01/dicionrio-shelltox-concise-do-drago_11.html

Anónimo disse...

Evidências? Factos? Como os que afirmam que as pessoas não nascem iguais? Claro que não nascem se estamos a pensar na diferença sexual, na cor do cabelo, dos olhos ou da pele, isto é, em diferenças físicas. Agora, no que diz respeito à inteligência individual o "evidente" (e vai entre aspas porque, como diria o referido Nietzsche, "não há factos, só interpretações") é que ela está mais dependente do meio cultural e social onde se desenvolve do que da natureza, ou de um "dom" da natureza. A não ser que se acredite que o Tarzan é ser humano real.
Depois, a verdade é que o dragão não se limitou a apontar "factos", mas estabeleceu, de facto, relações entre "factos". Entre o "facto" de que se verifica uma decadência espiritual e o "facto" de que a humanidade progrediu materialmente. E daí a sua rejeição do capitalismo burguês (ou do seu estado de espírito), porque uma coisa - as relações económicas capitalistas e o seu ideal do lucro- é acompanhada pela (ou está relacionada com a) outra - a regressão espiritual. Agora, os exemplos que o dragão deu para rejeitar o tal estado de espírito burguês não deixam de ser curiosos, pois podia-se ficar a pensar que foi com a burguesia que surgiram as guerras e os impérios globais e que no passado feudal ou esclavagista os povos viviam em paz e harmonia. Basta lembrar que o império romano se estendeu por 3 continentes, e que a decadência do mundo grego (e das suas cidades-estado) se iniciou com a construção do império alexandrino.
Quanto ao Aristóteles, sim, é verdade que no topo da sua hierarquia metafísica está o Acto puro (deus) sem nada de potencial ou material, e que é essa coisa abstracta que preside, ordena e anima o mundo, mas "paradoxalmente" preside, ordena e anima o mundo sem ter qualquer conhecimento deste e é pensamento que só se pensa a si mesmo (pois caso contrário tinha algo de potencial), e paradoxalmente é também uma substância sem qualquer matéria, quando, segundo o próprio Aristóteles, todas as substâncias são um composto de matéria e forma (hilemorfismo). Mais: para Aristóteles tanto a matéria como as formas são eternas, e existem independentemente da "presidência" do Acto puro, até porque as substâncias são tudo aquilo que existe por si mesmo e não num outro, o que é o caso dos acidentes. Isto para dizer que há muitas incoerências no hilemorfismo aristotélico (ainda que ele seja o maior filósofo da Idade Antiga), e que quem o tenha lido apercebe-se delas e das suas dificuldades com o conceito de substância, que umas vezes consiste nas coisas particulares (substâncias primeiras) e outras vezes diz respeito também aos géneros (substâncias segundas).

marina disse...

bolas, q o intelecto passivo racional academico quem interpreta melhor marx pode ser muito enfadonho :)

dragão disse...

«Evidências? Factos? Como os que afirmam que as pessoas não nascem iguais? Claro que não nascem se estamos a pensar na diferença sexual, na cor do cabelo, dos olhos ou da pele, isto é, em diferenças físicas.»

Negativo, ó meu excelente amigo.

Quais físicas, quais nada! Diferenças cognitivas (para ser modernaço) e espirituais. Na mesma família, entre irmãos, com a mesma educação, fruindo de idênticas condições, vossência constata indivíduos com noções éticas inatas e prevalecentes, e indívíduos com más tendências e até psicopatas. Mesmo entre gémeos acontece aquela história do "gémeo bom e do gémeo mau". A explicação do mundo pelo mazdeísmo persa, curiosmente, até decorre, em boa medida, deste antagonismo entre "dois gémeos"...
E quem diz na mesma família, diz na mesma raça, na mesma classe e até na mesma seita.
Vou mais longe e sugiro-lhe o Fedro do senhor Platão: há um conflito entre animalidade e espiritualidade na alma dos homens. Ou pelo menos nalguns, aqueles que o meu primo do Apocalipse entende dignos de tentativa de OPA hostil. Em muitos, reconheço, esse conflito não existe, porque, pura e sismplesmente, impera o despotismo absoluto da besta.Ou, nos melhores casos, vá lá, uma ditadura esclarecida. E repare, digo-lhe isto, sem qualquer embrulho religioso - mera observação fenomenológica. Estudo de campo. Ultimamente, então, a coisa vem-se adensando.

Materialmente, ou seja, ao nível dos meios, a humanidade tem multiplicado as suas capacidades e proliferado os seus engenhos. Já aquele coro famoso a Antígona referia isso há dois milénios e meio atrás. Mas no âmbito do espírito, ou seja, da compreensão de elevados princípios e justos fins, é o que se vê. Eu não perco muito tempo com jornais e televisões (nem já com a internet), mas parece que a ração diária é abaixo de cão. Ora, será porque é cada vez mais materialista, egoísta e gananciosa que a humanidade está cada vez mais estúpida e bestial?
Experimente só comer porcarias de empreitada. Acaba transformado num gebo pançudo e disforme. Se acontece ao seu corpo, não acontece ao seu espírito? Há alguma relação entre ingurgitar que nem um suíno e acabar transformado num? Admito que sim. Mas deixo ao critério do leitor.

(cont)

dragão disse...

Mas voltemos atrás. Objectar-me-á que não está (a humanidade, cada vez mais estúpida); que, bem pelo contrário, está cada vez mais esperta, clarividente e esclarecida. O que justificará, alvitro, através dessa sua injunçãozinha da consciência às condições materiais objectivas (do processo histórico-social). Ampliando estas, o apêndice vai de arrasto. Pois, mas é sobre isso e a negação rotunda disso que versa o postal.
Agora eu esperaria que me apodasse de elitista, fascista ou qualquer dessas hierarquibolias de arremesso. Mas não. Curiosamente, apontou-me "marxismo inconsciente", ou, dito de uma forma mais pitoresca, em vez dum lapso freudiano, um lapso marxistóide. E no entanto, logo adiante, o caro amigo, refere sem rebuço "a decadência espiritual e civilizacional" por mim consignada. Ora a ideia de "decadência" choca frontalmente com a ideia do progressismo decorrente dos iluministas e constitue o largo principal onde se reunem os pensadores da direita de fins do século XIX (Spengler, Burckhardt, et al). De resto, todos eles, profundos críticos da democracia liberal e do optimismo materialeiro que esta chocalha em digressão. Optimismo, esse, na essência, partilhado pelas seitas marxistas, anelantes apenas de se apropriarem dele na forma de elites sociais, quer dizer, elites artificiais, ou dito aristotelicamente, tecno-elites. Lá está, não elites decorrentes da natureza, mas da história. Tudo bem pesado até nos transporta a uma ilacção óbvia: os marxistas são uma espécie de "tecnocratas da história" (ou proxenetas, se quisermos entrar mesmo em rigores). Daí aliás a relação de amor/ódio que mantêm com o seu gémeo rival a cavalo no Mercado. Há quem diga que brotaram do mesmo útero... E como o maniqueimo actual, juntamente com o antigo provêm da mesma matriz persa...não sei, não.

Quanto a Aristóteles, tenho uma história engraçada: um belo dia, uma assistente qualquer da faculdade de Letras explicou aos desgraçados o "primeiro motor imóvel" do seguinte modo: (sic) "deu um piparote no mundo e pronto, pôs o relógio a funcionar". A criatura (claramente destituída de intelecto activo) estava a confundir o Deus de Aristóteles com o Deus de Descartes. Portanto, estava, ela sim, aos coices à Filosofia (sendo ao mesmo tempo remunerada para isso com dinheiro dos contribuintes). Mas a sua ignorância era tão mais integral e confrangedora que nem entendia que "mundo" não é conceito que se use para Aristóteles. Para os gregos ainda não havia "mundo": havia o Cosmos. E para Aristóteles, como para a cultura grega, ao contrário de Descartes e da sua descendência moderna, o cosmos não é de ordem mecânica, maquinal, mas sim um "zoon", ou seja, um "organismo vivo". É através do cosmos e da sua inteligência que Aristóteles chega a Deus. É que Aristóteles não se arvorava a arrogância (muito moderna) de corrigir (e sobretudo deitar na cama procustiana) o Cosmos, mas antes de compreendê-lo. Os antípodas disto vamos encontrá-lo em Marx.
Sabe o que significa "mundo"? Significa um cosmos asséptico, esterilizado, lavadinho. Um cosmos em ambiente hospitalar. De sala de operações.

É sempre um prazer desconversar consigo. O ser diz-se de múltiplas formas.

Anónimo disse...

Caro Dragão,


as ideias que mudaram a Ciência surgiram antes de Segunda Guerra Mundial.

Desde então a Ciência não evolui. O que temos é a aplicação prática e o aprimoramento. Mas as grandes alterações de «paradigma» cessaram. Não temos há muitas décadas um Albert Einstein, um Newton ou um Carl Jung.

Agora pergunto-lhe, o que mudou na Academia no Ocidente?

As bases teóricas da Genética, Física Nuclear, Medicina Moderna, Química Orgânica, etc., tudo isso surgiu antes da década de 50.

Já reparou que a Arquitectura «morreu» também nessa época? A Europa perdeu os impérios?

Depois da Segunda Guerra, a Alemanha nunca mais recuperou o esplendor cultural e científico que havia. A Espanha nunca mais voltou a ter um Ramon y Cajal ou um Ortega y Gasset. Acabaram os grandes compositores. Os grandes pintores. Temos uma Joana de Vasconcelos, aquilo é arte?

Mataram a Europa Cristã com duas guerras!

E com isso mataram a nossa Civilização.

Pergunto... quem foi?

dragão disse...

Bem, não sei se mataram. Eu, pelo menos, ainda estou vivo.

E há um aforismo que pratico: não estarei vencido enquanto não estiver convencido.

Só nos vencem quando nos convencerem. Por isso é que o esforço brutal é precisamente esse convencerem-nos para nos vencerem irremediavelmente. Temos uma máquina do lixo à escala mundial a debitar noite e dia.

Mas é justo o que aponta. Tenciono digressionar sobre isso a propósito da questão estética. Está no forno.

Anónimo disse...

Se, segundo o dragão, o conceito "mundo" não faz qualquer sentido na filosofia de Aristóteles, então não é só a assistente de Letras que é ignorante, mas sim todos os professores, tradutores e mesmo filósofos que insistem em dizer que Aristóteles estabeleceu uma distinção entre o mundo sublunar e o mundo supralunar. Mas, claro, é certo que o Aristóteles concebia o "mundo" (perdão, cosmos) como um "organismo vivo" e não de uma forma mecânica, e por isso mesmo a Física aristotélica é uma física qualitativa e não quantitativa. Agora, afirmar que Aristóteles não procurou corrigir o Cosmos, mas apenas compreendê-lo, tem o seu fundo de verdade (mas também de falsidade), pois, como eu já apontei, para ele a escravatura era uma realidade natural, perfeitamente compreensivel e justificada, e consequentemente não tinha de ser corrigida, nem alterada. E isto, de facto, está mesmo nos antípodas de Marx, que, como é sabido, defendia o fim da exploração "natural" do homem pelo homem, e revela, por outro lado, que a compreensão aristotélica da realidade social está cheia de preconceitos ideológicos próprios do seu tempo. E isto não se verifica apenas neste domínio, mas também na sua cosmologia geocêntrica e na sua física onde estão presentes vários antropomorfismos e algumas ideias próprias de um realismo ingénuo. E, nesta medida, pode-se dizer que a compreensão aristotélica do cosmos tem muito de correcção e imposição.
No que diz respeito ao seu "marxismo inconsciente" e "materialismo inconsciente", como é evidente eu não estava a querer dizer que o dragão era um progressista ou optimista como o Marx, limitei-me a constatar que você estabeleceu uma relação entre a evolução material e a evolução espiritual, independentemente dos seus juízos de valor acerca das duas evoluções (uma caracterizada pelo progresso e outra pela decadência, segundo as suas palavras). E goste-se, ou não, isto é uma visão materialista e marxista da realidade, ainda que o optimismo seja substituído pelo pessimismo. O que é curioso nesta questão é que quem agora parece querer corrigir e impôr as suas ideias (conservadoras, fascistas, elitistas, reaccionárias, "whatever") ao "cosmos", não se conformando com o desenvolvimento "natural" da história, é o dragão, enquanto o Marx se limita a analisar esse mesmo desenvolvimento e a prever um fim da história com a superação do capitalismo.
Porque, vamos lá ver, aquilo que para o dragão são os altos princípios e os justos fins não é determinado por qualquer natureza selvagem e amoral, nem é eterno, e quem, como o dragão, aprecia Heidegger (apoiante do nazismo, eu sei), não devia ter posições tão ontoteológicas e entificadoras do ser, mas devia procurar superar as diversas metafísicas da presença. Como diria o Heidegger, o ser tem uma história, que é a história do seu esquecimento (e presentificação) e que culminou no mundo tecnológico, e não há nada a fazer contra isso a não ser esperar um último deus que nos possa salvar. Porque, parafraseando Holderlin e Heidegger, "onde está o perigo está a salvação".

marina disse...

bem , eh evidente q se estamos rodeados de coisas para cuidar e dar atençao nao temos tempo para as coisas do espirito... e eh uma visao materialista , a do Dragao , pq ? pode ser espiritualista , non ? se ele pega na materia e no espirito , nos dois , vocemece pega so num dos lados da correlaçao para o rotular , por ?
e , god , tem de fazer um esforço para sair do literal . sem imaginaçao nao vai lah.

dragão disse...

O poder sintético é um inequívoco sinal de inteligência. Marina, sou um admirador sincero do seu intelecto activo! Além disso, é consabido que os dragões se sentem atraídos por tesouros. (Não estou apenas a ronronar-lhe: estou a prestar-lhe justiça.)

Agora nós, caro e precioso leitor (muito raramente sou visitado por interessados nestes assuntos abstrusos...)

Ganhou direito a uma postalzito onde tentarei dilucidar sobre esses seus reparos (sempre bem vindos, note bem)...

Apenas duas notas,em corrida:

A fulaninha em questão não carecia que eu lhe passasse qualquer certificação de ignorância e ainda menos de tartufice. Ela, bem como tantos desses que refere, desembaraçam-se bem sozinhos.
Mas tem razão: eu não devia referir isso por duas razões maiores: sei nada (e cada vez sei menos) como ensinou o fundador da confraria; e,ultimamente, pior um pouco, uma vez que me vi despromovido a puto inculto por antigos aficcionados.

Quanto à questão do "mundo", o melhor é ir colocá-la a Aristóteles. Como é que faz? Uma vez que a máquina do tempo ainda não foi inventada, vossência não pode tratar materialmente do caso, como gostaria, bem sei. E é pena. Mas olhe, tente ir em espírito, em imaginação (se o Heidegger deu um grande valor à poesia - ele que se livre de aparecer por estas bandas, senão leva tratos de polé! -, o Kant não deu menos à imaginação, como bem sabe). Está ali o Aristóteles... vá, pergunte-lhe: "o mundo?" Ele não responde. encara-o como a um esquimó...ou um kimbundo. Tente em latim: "mundus"! Não tem melhor sorte. Já calculava. Se não fala grego é um bárbaro. O heleno encara-o com olímpico e justo desprezo.
Primeira amarga descoberta: "mundo" é um barbarismo. A segunda e a terceira podemnos abreviar: é um termo com que se traduziu "cosmos"; como se traduziu "physis" por "natureza". Mas estará bem traduzido? O "mundos" é o "cosmos"? É uma má tradução. "Universus" é outra, ainda mais problemática. Como "natureza" não traduz integralmente "physis". leia o Heidegger, com muito vagar e atenção, da "Introdução à Metafísica" que ele explica-lhe bem isso. A mim, pelo menos, explicou.
O facto de se usarem vulgarmente não implica nem autoriza (bem pelo contrário) que se utilizem ao nível erudito. Ou que se utilizem sem a devida salvaguarda e especificação. Ora, se leu apenas tradutores e comentadores de Aristóteles, não leu Aristóteles. É tão simples quanto isso.
Pode discutir comigo. Mas recomendar-lhe-ia que discutisse antes com ele. Olhe que é dos poucos com quem vale realmente a pena discutir.