O meu Dicionário Shelltox Concise gerou acesa polémica acerca do termo "Bragança". Um digníssimo leitor insurgiu-se contra a definição dada. Protesta veementemente e discorda em absoluto. Congratulo-me. Execro unanimismos.
Sendo, não obstante, um fenómeno raro (o que muito me surpreende), ganha foros de preciosidade merecedora de destaque e honras de primeira página. Assim, em honra deste leitor destemido, a quem nunca poderei expressar toda a minha devida gratidão, passo a publicar as merecidíssimas invectivas com que me brindou e as (não direi farpas, porque as não merece) mas enfim, labaredas com que o distingo.
Meu caro Velho do Restelo,
Diz VªExcª:
“Escreves uma atoarda daquelas e queres ser tratado com paninhos quentes?Recebido com trouxas de ovos e copinhos de vinho fino?”
Digo-lhe eu:
Não exijo tanto. Contentava-me com uma cervejita e um pires de caracóis.
Diz Vª.Excª:
”Respeita a Dinastia que restaurou Portugal.”
Digo-lhe eu:
Prefiro honrar aquelas que o fundaram e engrandeceram. Mais que aquela que o “restaurou”, quer dizer, digeriu.
Diz VªExcª:
“Não repitas o pior da historiografia jacobina do sec.XIX.”
E eu digo-lhe:
Amén. Mas, Jacobino, eu?? E, já agora, porque não comunista? Ou então anarquista, libertino, luciferiano!...
Diz Vª.Excª:
“Tens capacidade para mais”.
E eu digo-lhe:
Pois tenho. Todos temos. A asneira, ao contrário da sabedoria, não respeita limites e galopa à rédea solta.
Diz VªExcª:
” Lê o Padre António Vieira e vais perceber”.
E eu digo-lhe:
Já li. E não percebi. Talvez fosse da tradução.
Diz Vª Excª:
“O sebastianismo é muito mais que uma fria manhã de nevoeiro”.
E eu digo-lhe:
Na meteorologia, lamento mas não posso acompanhá-lo; falta-me a erudição científica. Teremos que contentar-nos com a filosofia.
Diz VªExcª:
“Quando pensares nos Bragança lembra-te de Teófilo Braga, Carmona, Américo Tomás, Craveiro Lopes, Ramalho Eanes, Spínola, Costa Gomes, Jorge Sampaio”
E eu digo-lhe:
Precisamente. É esse o problema. Quando penso nos Bragança, lembro-me logo do Teófilo, do Carmona, do Américo, do Craveiro, do Ramalho, do Spínola , do Gomes, do Soares e, sobretudo, do –todo ele very british constitucionalista –Sampaio! E desata-me logo aquela horripilante terminologia (que tanto parece afligir VªExcª) –do usurpador e mentecapto – a badalar-me na cabeça.
Repete Vª Excª, (enfaticamente):
“És capaz de fazer melhor”
E eu digo-lhe:
Talvez. Mas a questão que agora me preocupa é: e VªExcª, será?
Diz VªExcª:
“Mas reconhece que não é assim que se começa uma conversa civilizada”.
E eu digo-lhe:
Reconheço. Para arranjar sarilhos com um Dragão, nada melhor que apodá-lo de “pequeno burguês” “viúva do Afonso Costa” e “jacobino”. É infalível. Convém é não descurar o arcaboiço e equipar-se, à cautela, com um bom fato de amianto.
Diz VªExcª:
“Lê uma boa História de Portugal”
E eu digo-lhe:
Queira, VªExcª, recomendar-me uma apropriada, não vão aquelas que já li serem das más. Em todo o caso, devo presumir que a idade ainda não o bafejou com os anos e experiência de vida suficiente para entender que o termo “boa História” é um oxímoro. Recomendar a alguém uma “boa História” é como recomendar-lhe um “bom veneno”. Se recebeu os anos, então sugiro-lhe que reclame, pois defraudaram-no no que concerne à inteligência.
Insiste VªExcª (benévolo):
“Lê António Vieira, tira as teias de aranha do escafandro”
E eu digo-lhe:
Subentendo que uma coisa, no seu soberano entender, implica a outra. Ao ler a criatura, as teias, por arte mágica, desaparecem. Hei-de experimentar, sob esse ângulo. Confesso que me espicaçou a curiosidade. É só o tempo de comprar um escafandro.
Diz VªExcª:
“Pensa antes de publicares os “clichés” jacobinos”
E eu digo-lhe:
É só antes disso que devo pensar? Porque se assim for, então nunca me será possível tão gratificante experiência (pensar, quero eu dizer).
Diz VªExcª:
“Por favor não digas que és monárquico.”
E eu digo-lhe:
Tem, VªExcª, toda a razão. Não digo. Até porque se ser monárquico é cantar o fado, ser proxeneta do apelido, decorar casas, orquestrar matrimónios, ter bigodes ou tudo isso que pela actualidade se pavoneia e amostra, eu estou nos antípodas. Fujo para o mar alto. De resto, basta atentar na bandeira que levo desfraldada no mastro grande. Não é verde rubra nem azul branca. E se acrescentarmos que - ao contrário de tantas outras (monárquicas e republicanas) que por aí fora se avistam -, não está ali por mera decoração ou folclore, pior um pouco.
Diz VªExcª:
“Ou se é monárquico, ou não. Não se fica a meio da viagem.”
E eu digo-lhe:
Devo, então, presumir que o monarcofilia é em tudo semelhante ao maniqueísmo e ao leninismo? Seja como for, acredito em VªExcª. Por isso mesmo reforço a ideia prévia: viagem tão turística não parece a mais recomendável ao meu batel. Este, horror do mundo, ronda por mares bem mais tenebrosos: da desforra, da aventura e da defenestração. E o cabrão do burguês é que as paga!...
Diz VªExcª:
“Um monárquico tem dois deveres de obediência: um institucional para com a Coroa (enquanto instituição) e um pessoal para com o Rei.Falhaste os dois.”
Digo-lhe eu:
Como não sou monárquico, no que até acaba de me passar atestado, lastimo muito, mas não falhei nenhum. Oxalá Vª Excª possa dizer o mesmo. Deveres de obediência, contudo, tenho mais que dois: para com Deus, com a minha pátria, com os meus irmãos e com a minha honra. E, juntamente com esses todos, para com o par de testículos com que Deus me enviou a este mundo.
Termino, se mo permite, com um aforismo que acaba de me ocorrer:
Portugal, meu caro amigo, o que precisa realmente é de ser refundado, que refodido já ele anda há muito!
Faça Vocelência por não refodê-lo mais do que ele já está e terá em mim um amigo para toda a vida.
Sem ironia, foi um prazer esgrimir consigo.
Será sempre bem vindo a bordo, mas temo bem que as tempestades e as carnificinas lhe melindrem as vísceras, senão lhe transtornarem de vez a mioleira.Além disso, pela sua graça, intuo que é daqueles que não ama o mar, prefere ficar a resmungar no cais e a agoirar naufrágios e abismos.
Não obstante, aceito o abraço de Vª Excª e devolvo-lho à maneira dos dragões. Que Deus lhe conceda boa fortuna.
Dragão
Meu caro Velho do Restelo,
Diz VªExcª:
“Escreves uma atoarda daquelas e queres ser tratado com paninhos quentes?Recebido com trouxas de ovos e copinhos de vinho fino?”
Digo-lhe eu:
Não exijo tanto. Contentava-me com uma cervejita e um pires de caracóis.
Diz Vª.Excª:
”Respeita a Dinastia que restaurou Portugal.”
Digo-lhe eu:
Prefiro honrar aquelas que o fundaram e engrandeceram. Mais que aquela que o “restaurou”, quer dizer, digeriu.
Diz VªExcª:
“Não repitas o pior da historiografia jacobina do sec.XIX.”
E eu digo-lhe:
Amén. Mas, Jacobino, eu?? E, já agora, porque não comunista? Ou então anarquista, libertino, luciferiano!...
Diz Vª.Excª:
“Tens capacidade para mais”.
E eu digo-lhe:
Pois tenho. Todos temos. A asneira, ao contrário da sabedoria, não respeita limites e galopa à rédea solta.
Diz VªExcª:
” Lê o Padre António Vieira e vais perceber”.
E eu digo-lhe:
Já li. E não percebi. Talvez fosse da tradução.
Diz Vª Excª:
“O sebastianismo é muito mais que uma fria manhã de nevoeiro”.
E eu digo-lhe:
Na meteorologia, lamento mas não posso acompanhá-lo; falta-me a erudição científica. Teremos que contentar-nos com a filosofia.
Diz VªExcª:
“Quando pensares nos Bragança lembra-te de Teófilo Braga, Carmona, Américo Tomás, Craveiro Lopes, Ramalho Eanes, Spínola, Costa Gomes, Jorge Sampaio”
E eu digo-lhe:
Precisamente. É esse o problema. Quando penso nos Bragança, lembro-me logo do Teófilo, do Carmona, do Américo, do Craveiro, do Ramalho, do Spínola , do Gomes, do Soares e, sobretudo, do –todo ele very british constitucionalista –Sampaio! E desata-me logo aquela horripilante terminologia (que tanto parece afligir VªExcª) –do usurpador e mentecapto – a badalar-me na cabeça.
Repete Vª Excª, (enfaticamente):
“És capaz de fazer melhor”
E eu digo-lhe:
Talvez. Mas a questão que agora me preocupa é: e VªExcª, será?
Diz VªExcª:
“Mas reconhece que não é assim que se começa uma conversa civilizada”.
E eu digo-lhe:
Reconheço. Para arranjar sarilhos com um Dragão, nada melhor que apodá-lo de “pequeno burguês” “viúva do Afonso Costa” e “jacobino”. É infalível. Convém é não descurar o arcaboiço e equipar-se, à cautela, com um bom fato de amianto.
Diz VªExcª:
“Lê uma boa História de Portugal”
E eu digo-lhe:
Queira, VªExcª, recomendar-me uma apropriada, não vão aquelas que já li serem das más. Em todo o caso, devo presumir que a idade ainda não o bafejou com os anos e experiência de vida suficiente para entender que o termo “boa História” é um oxímoro. Recomendar a alguém uma “boa História” é como recomendar-lhe um “bom veneno”. Se recebeu os anos, então sugiro-lhe que reclame, pois defraudaram-no no que concerne à inteligência.
Insiste VªExcª (benévolo):
“Lê António Vieira, tira as teias de aranha do escafandro”
E eu digo-lhe:
Subentendo que uma coisa, no seu soberano entender, implica a outra. Ao ler a criatura, as teias, por arte mágica, desaparecem. Hei-de experimentar, sob esse ângulo. Confesso que me espicaçou a curiosidade. É só o tempo de comprar um escafandro.
Diz VªExcª:
“Pensa antes de publicares os “clichés” jacobinos”
E eu digo-lhe:
É só antes disso que devo pensar? Porque se assim for, então nunca me será possível tão gratificante experiência (pensar, quero eu dizer).
Diz VªExcª:
“Por favor não digas que és monárquico.”
E eu digo-lhe:
Tem, VªExcª, toda a razão. Não digo. Até porque se ser monárquico é cantar o fado, ser proxeneta do apelido, decorar casas, orquestrar matrimónios, ter bigodes ou tudo isso que pela actualidade se pavoneia e amostra, eu estou nos antípodas. Fujo para o mar alto. De resto, basta atentar na bandeira que levo desfraldada no mastro grande. Não é verde rubra nem azul branca. E se acrescentarmos que - ao contrário de tantas outras (monárquicas e republicanas) que por aí fora se avistam -, não está ali por mera decoração ou folclore, pior um pouco.
Diz VªExcª:
“Ou se é monárquico, ou não. Não se fica a meio da viagem.”
E eu digo-lhe:
Devo, então, presumir que o monarcofilia é em tudo semelhante ao maniqueísmo e ao leninismo? Seja como for, acredito em VªExcª. Por isso mesmo reforço a ideia prévia: viagem tão turística não parece a mais recomendável ao meu batel. Este, horror do mundo, ronda por mares bem mais tenebrosos: da desforra, da aventura e da defenestração. E o cabrão do burguês é que as paga!...
Diz VªExcª:
“Um monárquico tem dois deveres de obediência: um institucional para com a Coroa (enquanto instituição) e um pessoal para com o Rei.Falhaste os dois.”
Digo-lhe eu:
Como não sou monárquico, no que até acaba de me passar atestado, lastimo muito, mas não falhei nenhum. Oxalá Vª Excª possa dizer o mesmo. Deveres de obediência, contudo, tenho mais que dois: para com Deus, com a minha pátria, com os meus irmãos e com a minha honra. E, juntamente com esses todos, para com o par de testículos com que Deus me enviou a este mundo.
Termino, se mo permite, com um aforismo que acaba de me ocorrer:
Portugal, meu caro amigo, o que precisa realmente é de ser refundado, que refodido já ele anda há muito!
Faça Vocelência por não refodê-lo mais do que ele já está e terá em mim um amigo para toda a vida.
Sem ironia, foi um prazer esgrimir consigo.
Será sempre bem vindo a bordo, mas temo bem que as tempestades e as carnificinas lhe melindrem as vísceras, senão lhe transtornarem de vez a mioleira.Além disso, pela sua graça, intuo que é daqueles que não ama o mar, prefere ficar a resmungar no cais e a agoirar naufrágios e abismos.
Não obstante, aceito o abraço de Vª Excª e devolvo-lho à maneira dos dragões. Que Deus lhe conceda boa fortuna.
Dragão
4 comentários:
é... eu também prefiro reizinhos a "plesidentes" mas isto de ser monárquico em Portugal é um esforço muito conceptual...
diria mesmo mais: muito conceptual...
":O))))
Este Dragão, às vezes, transcende-se! Eu que me tomo por um blasé do catano, pelo-me por estes refogados de palavras e argumentos, com os condimentos todos qb.
E fazem-me lembrar os retoques de Eça no rebusco da Cidade e as Serras. A boa literatura sempre me associou a degustação de uma boa comida. Coisas do espírito que assentam nos intra-muros do estômago e deslizam no palato como os esquis pela neve da montanha: fresca e rápida como uma vertigem.
Enfim, deixo aqui uma passagem roubada algures do relato de José Fernandes, heterónomo envergonhado de Eça:
"Para amolecer tão duro granito só uma doçura divina. Eis pois esperança da terra novamente posta num Messias!... Um decerto desceu outrora dos grandes céus; e, para mostrar bem que mandado trazia, penetrou mansamente no mundo pela porta dum curral. Mas a sua passagem entre os homens foi tão curta! Um meigo sermão numa montanha, ao fim duma tarde meiga; uma repreensão moderada aos Fariseus que então redigiam o Boulevard; algumas vergastadas nos Efrains vendilhões; e logo, através da porta da morte, a fuga radiosa para o Paraíso! Esse adorável filho de Deus teve demasiada pressa em recolher a casa de seu Pai! E os homens a quem ele incumbira a continuação da sua obra, envolvidos logo pelas influências dos Efrains, dos Trèves, da gente do Boulevard, bem depressa esqueceram a lição da Montanha e do lago de Tiberíade – e eis que pôr seu turno revestem a púrpura, e são Bispos, e são Papas, e se aliam à opressão, e reinam com ela, e edificam a duração do seu Reino sobre a miséria dos sem-pão e dos sem lar! Assim tem de ser recomeçada a obra da Redenção. Jesus, ou Guatama, ou Cristna, ou outro desses filhos que Deus pôr vezes escolhe no seio duma Virgem, nos quietos vergéis da Ásia, deverá novamente descer à terra de servidão. Virá ele, o desejado? Porventura já algum grave rei do Oriente despertou, e olhou a estrela, e tomou a mirra nas suas mãos reais, e montou pensativamente sobre o seu dromedário? Já pôr esses arredores da dura Cidade, de noite, enquanto Caifás e Madalena ceiam lagosta no Paillard, andou um Anjo, atento, num vôo lento, escolhendo um curral? Já de longe, sem moço que os tanja, na gostosa pressa dum divino encontro, vem trotando a vaca, trotando o burrinho?
-Tu sabes, Jacinto?
Não, Jacinto não sabia – e queria acender o charuto. Forneci um fósforo ao meu Príncipe. Ainda rondamos no terraço, espalhando pelo ar outras idéias sólidas que no ar se desfaziam. Depois penetrávamos na Basílica – quando um Sacristão nédio, de barrete de veludo, cerrou fortemente a porta, e um Padre passou, enterrando na algibeira, com um cansado gesto final e como para sempre, o seu velho Breviário.” "
Voilà! Parabéns pela polémica exposta.
Caro Dragão
Sei que andas a fazer um dicionário e resolvi contribuir com umas entradas para te ajudar nesse meritório esforço de revisionar a história e a lígua portuguesas.Algumas vão repetidas.Se fazes favor escolhe as melhores.
Dragão-Criatura mitológica que cospe fogo e aleivosias contra a Dinastia de Bragança.
Dragão-Malaca-Casteleiro-com-chiste.
Dragão-Criatura mitológica que publica na primeira página só o que lhe convém, de modo a alterar o sentido à prosa do contraditor.
Dragão-Criatura mitológica que faz juízos de intenção a partir de meias frases do contraditor.
Dragão-Criatura mitológica que faz uma afirmação na primeira réplica e o seu contrário na segunda.
Dragão-Criatura mitológica que leu o Padre António Vieira (e não percebeu).
Dragão-Criatura mitológica que leu a historiografia jacobina do sec.XIX (e percebeu).
Dragão-Criatura mitológica que matou S.Jorge.
Não me agradeças, não te preocupes com direitos de autor, e se precisares de mais, diz.
Um abraço do
velho do restelo
Caro Velho do Restelo,
Quando chegar á letra "D", lá depositarei o seu contributo.
Optarei, desde já lhe digo, por:
"Dragão -criatura mitológica que cospe fogo e aleivosias contra a dinastia de Bragança" e acrescentarei: "que mais não merece"."
Entretanto, convinha que culturalmente viajasse um pouco mais e não se catrafincasse, Vª Excª sim, a clichés de muito mau gosto. Essa do Jacobino não lembra ao diabo.
Enfim, em esgrima, cada qual usa aquilo que conhece, domina, ou que lhe está ao nível.
Eu estou de florete; Vª Excº avança, ululando, de moca em riste. Opõe a cachaporra ao dicionário. Esperava de si mais cavalheirismo. Mas, por outro lado, tendo em atenção a causa por que pleiteia, já vou com sorte se não me atirar pedras.
Devolvo-lhe o abraço.
Dragão
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