A última vez que o termo "ocidental" foi utilizado com plena propriedade foi pela pena dum poeta do século XVI. "Ocidental praia lusitana", lapidou ele. E, de facto, Portugal é o "ocidente" da Europa; e a civilização mediterrânia teve na aventura marítima portuguesa o seu ultimo avatar. Com a singularidade de se ter transposto do "mar fechado" (ou familiar/doméstico), para o oceano aberto (ignoto e selvagem). Essa é também a sua face negra: a viagem ao abismo, ao indefinido/desconhecido/indeterminado. Entenda-se a "viagem para lá do ocidente"; e sendo que Ocidente, geograficamente, significa o local onde o sol se põe e a luz morre, então, infere-se, a "viagem à treva, à noite". Não é por acaso que, por exemplo, uma das grandes obras literárias do século vinte se intitula "Viagem ao Fim da Noite". A América simboliza isso mesmo: o anoitecer da Europa. O mergulho nas trevas. Ao contrário do que a propaganda "iluminista" pretende impingir à martelada, a Idade das Trevas não equivale à Idade Média: a idade da treva inauguram-na eles. Ao seu mais recente estágio degradante chamam "Ocidente".
Todavia, tal qual o exemplo de Alexandre, o Grande (paradigma de todos os impérios) a odisseia portuguesa não segue na direcção oeste: demanda leste (toda a vida e tudo o que é vital, aliás, experimentam essa tendência - procuram a luz natural). Como os altares das igrejas, ou a boca da lareira e, sempre que possível, a própria fachada das casas. No caso português ainda é mais premente: do oeste sopra o vento, vem a humidade e a neblina, que tudo corroem e apodrecem.
Chamemos-lhe assim: o "Caminho da Corrupção". Acontece aos seres vivos, como acontece às ideias e às edificações artificiais que os seres humanos implantam, convertendo ou subvertendo aquilo que cobiçam na Natureza. Este caminho, como o sol ao longo do dia (a tal metáfora da Esfinge perante Édipo), progride do nascimento à morte, do oriente ao ocidente, passando pelo auge do meio-dia - a plena luz, o vigor pleno. O fim do caminho dum homem, quando o cadáver se decompõe, não é um espectáculo bonito de se ver. Por isso o escondemos em sepulturas, ou o abreviamos por incineração. Aquilo que, por definição e verdade ôntica, se chama "Civilização" é, originariamente, a Hélade e estabelece-se segundo dois vectores: por oposição à barbárie (numa analogia entre o cosmos e o caos); por comunidade de uma língua, o grego. Se queremos um corpo essencial para atribuir, dum modo genérico, a civilização: helenismo. O cristianismo, por exemplo, e porque é muito importante no decurso subsequente da cultura clássica europeia, é um helenismo. O que seja o helenismo é assunto vastíssimo e com muitas implicações e afluxos orientais, ao longo dos séculos e da própria posição de charneira e entreposto que os gregos sempre mantiveram (afinal, os povos indo-europeus vieram de leste como o sol, antes de se fixarem mais a oeste) na geografia e na história. Delfos é o umbigo do mundo antigo, ou melhor dizendo, da civilização. Uma ilha do Mediterrâneo. Como Ítaca.
Toda a matéria é corruptível. Esta é uma lei básica da física e universalmente verificável. Então a "matéria da civilização" também é corruptível? Como para todas as coisas, existe a matéria e existe o espírito. Ora, se o espírito duma coisa, seja um homem, seja uma civilização, se encerra ou conforma à respectiva matéria, então esta, necessariamente, arrastará aquele no seu vórtice decadente. Este pequeno parágrafo que ora termino traduz a essência do pulsar helénico, a grande questão da civilização. E registe-se que questão não significa sòmente pergunta: significa também demanda. Busca. Da verdade.
Saltemos de chofre para o século vinte. Para o novo "grau zero" da História. Nos escombros da Europa pós Segunda Grande Guerra. A grande apoteose "iluminista". Pouco importa agora se os carniceiros vencedores eram melhores ou piores que os carniceiros derrotados. Nestas coisas da estrita matéria só mesmo os vermes finais para espiolharem as minúcias. O facto é que assistimos a um culminar de vários fenómenos. Um dos mais determinantes: o estabelecimento duma espécie de absolutismo da matéria, isto é, a implantação massiva da crença que só a matéria existe, só a razão conta e apenas o conhecimento científico é digno. Fazendo fé nisto, teremos então uma "civilização do lixo". Não há mesmo como contornar: se apenas a matéria conta, então a finalidade - a causa última - duma cultura destas é o lixo. Por mais espampanante, luxuriosa e sofisticada que seja a forma com que se embale essa matéria, nos seus diversos artifícios, o destino fatal é a ETAR do cosmos. Daí à lixeira a boiar no espaço e os gritos aflitos de imberbes lixados, clamando que lhes querem lixar o futuro é o hospício em que vamos. Em que estado fica o helenismo, isto é, a civilização, no meio disto tudo? Bem, se não está morto, cheira já pelo menos dum modo extremamente esquisito. E pestilento.
Haver cultura é haver um espírito que transcende e ultrapassa as limitações óbvias da matéria. Se só existisse a matéria nunca teria havido civilização. Se se decreta a matéria absoluta estabelece-se o fim da civilização. Proibe-se o pensamento pleno; confina-se a milenar demanda a um parque de diversões infantilizadas culminado num circo de monstros e abortos escandalosos.
Nunca, em milénios, antes de 1946, existiu uma "civilização ocidental". Este "ocidental" emerge a partir duma zona geográfica fictícia estabelecida segundo uma Cortina de conveniência. Macaqueia a civilização original na medida em que se contrapõe a uma "barbárie": a barbárie socialista soviética. O Ocidente é aquilo que não está fechado a Leste; e que partilha não uma língua, mas essencialmente uma moeda franca: o dólar, todo poderoso. E resume-se a pouco mais, na vida mental mais elevada, do que esguichar um anti-comunismo de alguidar por infantilizados crónicos no carrocel do mira gaitas e toca píveas. A realidade é que o que triunfou da Segunda Guerra foi um materialismo desenfreado que, velozmente, se cindiu em dois: um materialismo benigno, ou capitalista; e o materialismo maligno, ou socialista. Assim taxado, visto do lado de cá; o contrário, se visto de lá. Pelo menos até a famosa Queda do Muro. A partir daí, restou apenas o dito "Ocidental", que se arvorou campeão, superlativo, perpétuo, absoluto e receptáculo sacrossanto e definitivo de toda a civilização, passada ou futura.
Todavia, tivesse acontecido ao contrário e a diferença não seria assim tão grande. O facto é que nenhum deles, a Leste ou Oeste, garantia grande saúde ou cuidado com a civilização, entenda-se a tradição e cultura helénicas. Ambos apenas constituíam fórmulas particularmente hostis e simiescas de aviltamento, contrafacção, perversão e, enfim, corrupção acelerada da "matéria dessa civilização", dado que nenhum do seu espírito cultivando. Em rigor, duas formas virulentas de barbárie a armar à civilização. A barbárie ocidental em confronto com a barbárie de leste. Vamos agora naquela parte em que a Barbárie Ocidental, onde quer que tripudie e barbarize, fá-lo travestida de "civilização" e em nome de combater as diversas (e não raro imaginárias) barbáries que infestam o mundo. A barbárie russa, a barbárie árabe, a barbárie persa, a barbárie chinesa, a barbárie sérvia, etc... Enfim, todo um planeta reduzido a mero geo-talho de conveniência. O triunfo roncante, nesta fase, não do mundo civilizado, mas do mundo às avessas.
12 comentários:
> A América simboliza isso mesmo: o anoitecer da Europa.
Século XIX: Europa fora das Américas - doutrina Monroe, cada macaco no seu hemisfério, etc. Século encerrado a correr Espanha de Cuba com um casus belli do aviário do camarada Hearst.
Século XX: Europa fora de África - com a ajuda preciosa dos soviéticos (se não existissem haviam de ser inventados, humm, espera ...), mas também não se coibiam as iniciativas próprias, como no Suez, em Angola, etc. Doutrina Monroe cancelada.
Século XXI: Europa fora da Ásia - rega-se a Ucrânia de gasolina, deita-se fogo, e toma lá Alemanha, que a energia e recursos russos não são para vocês, cavem batatas.
Como dizia o outro, perigosos como inimigos e fatais como amigos ...
Post Espectacular!
Mais uma vez o Dragão fez chama!
Muito bem.
Hoje parece difícil de acreditar, mas por volta de 1900 muito boa gente antevia um conflito gigantesco entre a Europa e a América. Até em Inglaterra.
O génio da América foi destruir a Europa, subcontratando a maior parte da empreitada.
Tenho uma teoria sobre a relevância do protestantismo (a América foi e continua a ser a manifestação do protestantismo no mundo). É o advento do utilitarismo contra o antigo mundo do sul da Europa: Roma, Itália, Bizancio e Grécia. Ou como diz o Caro Draco, o mundo do Mediterrâneo.
Miguel D
Caro Miguel D,
Não me parece que a América seja já algum bastião do Protestantismo. Foi-o, de facto, há cerca de cem anos atrás. Mas - tirando o "Bible Belt" cada vez mais diminuto - parece-me cada vez mais óbvio que a religião "oficial" dos States é o Judaísmo e o Guito (serão ambos sinónimos?)
De resto, o catolicismo espalha-se cada vez mais pela América. Trazido pelos emigrantes da América Latina. E é óbvio que esses não se vão converter ao protestantismo.
Caro Ronan,
sem pretender contrariar os factos que assinala, já reparou que o protestantismo evangélico (o calvinismo, em geral) sempre foi um cripto-judaísmo? E que o estado actual do catolicismo, sobretudo depois do Vaticano II, também exala dum modo esquisito? É como eu, em larga medida, os defino: vão à missa ao domingo e à bruxa, na quarta-feira. E ao Mercado, de joelhos, todos os dias. Entre nós, um ror deles, até familiares meus, excelentes pessoas, tanto quanto ucranicólatras instantâneos também são sionistas furiosos.
Por outro lado, os emigrantes da américa latina não se vão converter ao evangelismo, decerto. E os filhos? E todos eles: vão-se converter ao Guito? No culminar da penosa e penitente peregrinação... :O)
Não me parece que os "neo-yankees hispânicos" se convertam ao protestantismo. É que a maioria deles raramente deixa de ser pé-rapado. E o protestantismo não gosta muito de pobres. São amaldiçoados por Deus, dizem eles (os protestantes).
De resto, concordo com quase tudo o que escreveu. Mas mesmo assim prefiro o catolicismo ao resto das demências protestantes. É que o cristianismo católico pelo menos permite a criação artística e às vezes até dá origem a uns bonecos engraçados.
Os protestantes, nem bonecos têm. É só mesmo o culto do guito.
Muito bem!!!
A falsa Lenda Espanhola (e também Ibérica) tem muito que se lhe diga.
Foi só terem castrado o México pela metade que foi um extermínio de índios digno de um verdadeiro holocausto para a tal conquista do Oeste e celebrado por Hollywood à posterior como um grande feito.
Pois, Ronan, Deus o oiça!...
Quanto a mim, não é sequer uma questão de preferir os católicos: sou culturalmente católico (e helénico por inerência e herança). O meu problema são as forças corrosivas dentro da própria Igreja e a falta de tino nesta. No momento de aflição e desnorte é suposto o pastor valer ao rebanho. Ora, se o pastor, em vez de guiar com firmeza, anda aos caprichos das ovelhas, leva-me a temer o pior.
De resto, de há uns anos a esta parte, há um ataque cerrado à Igreja. Eu, com as minhas fracas posses, lá tento acudir o melhor que posso e sei. Embora me sinta um bocado, nesta matéria, como o Quixote.
É claro que se vão converter ao Guito. E com os muçulmanos por cá, é semelhante.
O único erro de cálculo, ou contradição mais delicada e complicada de gerir para os gerentes desta trampa, é que mesmo convertidos, continuam a professar certas causas chatas como aquela começada em P e acabada em alestina, graças à ponte que esses génios criaram entre islamismo e esquerdismo.
Já vi por aí falar em partidos islâmicos. Cá por mim, acho muito bem. Entre a sharia e a anal-ia, bom... Digamos que os cristãos das Hespanhas não pereceram com setecentos anos de dominação muçulmana. Já Sodoma e Gomorra...
Caro Ronan,
Quando falei em "protestantismo" deveria ter falado, porventura, em impulso protestante, talvez fosse mais exacto.
Ou seja, vejo-o como algo humano, comum a todos os povos e épocas, mas que no "protestantismo" (e outros ismos mais antigos) é elevado a bem supremo.
E que se traduz numa visão da vida reduzida a um conjunto de cálculos de deve e haver que reduzem tudo a metal.
Eu vejo-o cada vez mais forte no mundo, e nos EUA então... Todas as actividades humanas (política, artes, humanidades, e até entram pelas "ciências"!) submetem-se a essa lógica. O que são os televangelistas das clínicas do transgenderismo, recrutando clientela que fica amarrada tratamentos permanentes desde a puberdade até irem desta para melhor, se não o último e mais edificante exemplo? E não é só fazerem-no; é fazerem-no e exigirem aos outros que o aplaudam como o mais justo e belo que é concebível.
E olhe que, quantos aos demais latinos que para lá emigram, o Brasil e resto da América Latina (como todos nós) vão bem lançados nesse caminho.
Miguel D
«...O génio da América foi destruir a Europa...»
Caro Miguel D, não é a América que quer destruir a Europa mas sim o regime da Inglaterra que através do seu Estado Profundo controla os Estados Unidos da América do Norte (EUA).
Ailás, antes de terem inventado o país dos Ianques, já os Ingleses se entretinham em despoletar guerras no Continente Europeu e não só, sendo as mais recentes e de grande dimensão a 1ª e 2ª Guerra-Mundial.
Sr.º Dragão, parabéns, que venham mais publicações.
Para terminar deixo aqui um pequeno vídeo de um discurso proferido pela Sr.ª Deputada, Rita Matias, do Partido Chega (CH), onde mais uma vez mente de forma descarada:
https://www.tiktok.com/@ritamariamatias_ch/video/7293210150939200801
O vídeo começa a dizer mal do Comunismo e com uma estátua de José Estaline, só é pena que se esqueceu de dizer que foi sob a sua liderança que a União Soviética (nome oficial pelo qual era conhecida a Rússia naquela época) tornou-se numa potência mundial a nível económico, militar, científico, industrial, com elevados índices de bem-estar social, emprego, e desenvolvimento integral, superando Países como os EUA e o regime da Inglaterra.
Depois fala na Escola de Frankfurt e no «marxismo cultural», mas esqueceu-se de dizer que a tal Escola de Frankfurt era um apêndice da Agência Central de Inteligência («CIA» pela sua sigla em Inglês) onde alguns dos seus elementos eram agentes da «CIA» e que o «marxismo cultural» - que de Marxismo nada tem - é simplesmente a doutrina liberal/maçónica e a destruição ou deturpação do Comunismo e do Marxismo.
Depois enche a boca várias vezes com a palavra «Ocidente», apresenta-o como vítima, quando na verdade o tal «Ocidente», uma invenção dos Anglo-Sionistas, é que é precisamente o principal inimigo da Europa, da família, das sociedades, da Tradição e da Civilização Europeia, e principal promotor de teorias raciais, do pós-colonialismo, de género, do controlo populacional, etc.
Enfim, mentiras atrás de mentiras, já chateia, felizmente ainda existe Internet um pouco livre, e quem tiver dúvidas que pesquise, agora até nem é preciso ter o prazer de ler livros, interpretar o que lá está, e pensar, está tudo na «Web».
Post-Scriptum: Recomendo a leitura deste artigo «A Civilização Judaico-Cristã não existe», por Alexandre Dugin.
Faltou a ligação para o artigo: https://www.geopolitika.ru/es/article/la-civilizacion-judeocristiana-no-existe
Enviar um comentário