quinta-feira, dezembro 22, 2022

Por detrás da folhagem




 Ainda a propósito do timão... Num dos primeiros textos fundadores da civilização que ora se extingue, Hesíodo, nos "Trabalhos e os Dias", de entre os seus preceitos para lavrar a terra, determina:

«De loureiro ou ulmeiro deve ser construído o timão do arado, para que não o corroam os vermes» (...)

Ao reler isto com mais atenção,  não deixei de me surpreender com as qualidades do loureiro. Do ulmeiro já sabia: tradicionalmente,  com a sua madeira deveras tenaz e duradoura, faziam-se as quilhas dos barcos (ou as tábuas dos açougueiros). Ora, do loureiro, são geralmente conhecidos o uso culinário das suas folhas, bem como a simbologia da coroa elaborada com as mesmas - sinal de glória e triunfo nos jogos olímpicos, ou, posteriormente, nos mais diversos certames e concursos. Afinal, não é por acaso que o loureiro é a árvore de Apolo (o grande juiz de atletas, poetas e seus derivados). A própria palavra laurear carrega esse significado original. Pois, registo doravante que também a sua madeira aufere de qualidades nobres, senão mesmo formidáveis. Resistir à corrupção é seguramente uma delas. Teríamos muito a aprender com os loureiros e os ulmeiros (que resistem a séculos de submersão e lutas com as tempestades; ou com os facalhões e cutelos dos magarefes). Entenderíamos que, às vezes, a maior nobreza e  valentia vem de par com a humildade e a perseverança. Claro, isto se tivéssemos a humildade de estudar, tanto nos livros como na natureza; enfim, se tivéssemos a modéstia  de prestar atenção ao que realmente importa, e não apenas, e em exclusivo, a fumos e alaridos com que nos entretêm e nos distraem do essencial.

Não obstante, eu, que tinha o loureiro na conta duma árvore de certo modo frívola e vaidosa, vejo-me na contingência de ter que afinar a opinião. Ainda mais porque tenho um espécime desses aqui na propriedade. Dum vigor e duma vitalidade que pede meças a eucaliptos e acácias (esses invasores dos antípodas). Já por várias vezes o cortei. E ele torna a irromper, com a frondosidade redobrada. Acho que anda há anos a tentar explicar-me qualquer coisa. Hoje, finalmente, suspeito que o entendi.

2 comentários:

Vivendi disse...

E ainda temos o loureiro prensado!

Figueiredo disse...

Permita-me fugir ao assunto do seu artigo, mas no Brasil aquilo está prestes a pegar fogo.

Aparentemente está a tomar forma uma União Cívico-Militar.

Deixo aqui mais uma interessante análise de Alain Soral sobre a situação Brasileira:

https://www.youtube.com/watch?v=QwdiZqixa8g