Convencemo-nos que são os sistemas políticos, os regimes, que são maléficos, desviantes, insidiosos. Que são eles que corrompem as mentes e os anjos humanos que delas se servem. Que são eles o demoníacos, os vampiros, os monstros abomináveis. Construímos com eles galerias de horrores, expositórios de crueldade e carnificina, sobretudo intra-específica. Cada qual mais horripilante que a anterior, cada qual mais sórdida e inexplicável. Inexpiável também. E, todavia, invariavelmente, concursivas, espécie de olimpíadas da canalhice. É o inferno na Terra ao despique. A cada episódio ou estação no percurso atribuímos títulos míticos e sugestivos: “comunismo”, “fascismo”, “absolutismo”, “despotismo”, “nazismo”, etc. Um panteão de infâmia, enfim, diante do qual nos vamos persignar e ladrar esconjuros.
Como se esse inventário e essa peregrinação bastassem para nos pôr a salvo dessas infecções, nos vacinassem e imunizassem contra toda a monstruosidade deste mundo. Logro infantil, em muitos casos; hipócrita, nos restantes.
Não é que os sistemas políticos e ideologias arregimentadoras - como, por regra, toda a produção humana-, não sejam uma bela e grandessíssima merda. São, e quanto a isso estamos conversados. Por via das dúvidas, até se indica um critério infalível de taxonomia: quanto mais celebradas forem, mais merdosas são e mais infectas, certamente, se tornarão. É fatal. É o toque de Merda ou da Multidão: não doura, como o de Midas; apenas merdifica.
Ora, a multidão, até o bom Jesus o reconheceu, alimenta-se de porcarias, de lixo e do que não presta. O seu omnivorismo bulímico é, quase exclusivamente, coprofágico. Caga e come; come e caga. Qualquer porcaria lhe serve, poque toda a porcaria é sua. Nesse sentido, é auto-suficiente, funciona em circuito-fechado. Segue, canina, o rasto da sua própria bosta. Maior que a sua produção, só o seu apetite. Mas tanto quanto as porcarias que ingere, com que se refastela alarvemente, fedem as porcarias que promove e arrasta. O cortejo de prostitutas, alcoviteiros e masturbadores activos que a parasitam, que a mimoseiam e lustram. A corte histriónica que a segue por toda a parte, sovando latas e pandeiros, bufando apitos e buzinas.
Pois bem, toda e qualquer tentativa de governo, de regime, é um esforço –entusiasta, a princípio; desesperado, a breve trecho; e condenado ao fracasso, por fim -, contra esta amálgama caótica e ruidosa. É, ainda e sempre, o proto-empreendimento cósmico de levar uma ordem ao caos, de impôr uma luz às trevas, um sentido ao absurdo.
Se esquecermos a proveniência, todos os sistemas políticos são excelentes, todos congregam as melhores das intenções e a nata dos virtuosismos teóricos. Enquanto maquetes, cadernos de encargos, projectos arquitectónicos, chegam a ser deslumbrantes. Anunciam destinos risonhos e Porvires que cantam. O pior vem a seguir. Quando chega a hora da execução. Quando se iniciam os cavoucos e se amontoam os andares; quando se apontam pilares e estendem as vigas. Há sempre um detalhe nada insignificante que fica esquecido; há sempre uma questão essencial que passa por irrelevante. Há mesmo teses sobre essa lacuna estrutural: Os mais pessimistas argumentam que tais edifícios não foram projectados para homens, mas sim para semideuses, super-heróis, anjos; ou que o selvagem de bom não tem nada, portanto, não é de contar com ele para qualquer coisa que exceda em muito o canibalismo primordial ou a selva matriz. Os menos pessimistas, por seu turno, queixam-se dos poderes instalados, da classe empoleirada no topo da pilha de bosta, a esbracejar, erudita, com ares de maestro.
A mim, quer-me parecer que a falha é outra. Nem o projecto é absolutamente sobrehumano, nem os maestros excrementofónicos servem de bastante desculpa. É verdade, não me restam grandes dúvidas que os sistemas, sejam eles quais forem, estão ao alcance de pessoas, tão humanas quanto eu ou a Madre Teresa de Calcutá. Os projectistas não deliravam tão forte e agudamente quanto se pensa. As casas talvez não sejam palácios de Sintra, mas também não são casebres assim tão vergonhosos. Não está em causa a sua habitabilidade. O buzílis, o ponto onde a porca torce o rabo, reside, outrossim, não num delírio, mas num esquecimento - desastroso, por sinal. De facto, todos esses arquitectos peregrinos, pais de soluções sublimes, assoberbados de boas intenções e miragens salvíficas, não esqueceram os homens, as pessoas, até os cidadãos. Quanto a isso é má fé acusá-los (pelo menos, aos principais). Não; esqueceram-se foi dos pulhas, dos sacanas, dos FDPês todos que andam à solta por este mundo, desde o princípio dos tempos. Não há sistema que lhes resista, não há regime que os arrume, nem ácido sulfúrico bastante que os dissolva. Matéria inorgânica pura, plástico amorfo e pegajoso, não reciclável, verlam de prevenção, guardiães do marasmo e da balbúrdia rastejabunda.
Seja em que tempo ou região fôr, são sempre os primeiros a aderir ao sistema, a hospedar-se nele para o instaurar como lhes convém. Ou seja, apenas para o minarem, subverterem e arruinarem por dentro. No fim, invariavelmente, o resultado é desolador. De sistema de governo duma determinada população, descamba em mero sistema de reprodução duma determinada classe. Pois, a dos pulhas, sacanas e filhos da puta. Os únicos mamíferos não-vivíparos que se conhece.
Por conseguinte meus amigos, sistemas de governação já temos que chegue. Agora, o que nos fazia mesmo falta era um sistema de saneamento básico. Um que funcionasse. Pela raíz.
3 comentários:
Cuidado que os piores sistemas começam por aí... ehehe os filhos-da-puta nunca podem ser alvo de maior importância que a que têm.
E tu a dares-lhe com os "sistemas". Os sistemas são como as armas: nas mãos de filhos da puta só servem a filha-da-putice!...:O))
Olha o "socialismo" nas mãos do Staline, o "nacional-socialismo" nas do Adolfo, ou a "democracia" nas do Bush!...
Não há sistema que resista. E, para mais, a desculpa do "sistema" já está a ficar gasta. Só come quem quer. Ou quem gosta.
ahahaha mas o que é que eu disse? o que eu disse é que um filho da puta com um sistema torna-se um senhor, carago ":OP
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