segunda-feira, março 31, 2008

Higienezinha básica

Ainda hoje se pode -e deve - colocar a questão:
Qual é mais sábio - aquele que nada sabe mas julga que sabe, ou aquele que nem sabe nem julga saber?

domingo, março 30, 2008

O neo-evangelismo estagnado

As perguntas que as crianças no segredo e terror da escuridão se fazem, em meditando no mito da criação, são basicamente duas:
1. Se Deus criou tudo, quem criou Deus?
2. Se Deus criou tudo, Deus criou o diabo?
São perguntas simples e lógicas que tiveram respostas, mais ou menos lógicas e complexas, ao longo da História.

Mas é curioso que este "antes de Deus", absolutamente misterioso e inexplicável (em qualquer teoria o fundamento é inexplicável, já que é dele que se segrega tudo o resto, como a aranha segrega a teia) tem, pelos vistos, um irmão gémeo no "antes da Evolução". Pelo menos, fazendo fé no pedaço de textículo que se segue:
«A origem da evolução não carece de uma explicação para a origem da vida. As primeiras coisas que evoluíram eram populações de moléculas orgânicas simples, sem vida e desprovidas daquele aparente propósito que vemos nos seres vivos. A evolução começou com reacções químicas vulgares. Mas a herança de características levou à acumulação preferencial dos atributos que favoreciam a sua própria propagação. Evitar substâncias nocivas. Procurar nutrientes. Crescer para o lado com mais sol. Encontrar o melhor caminho. A evolução começou com reacções químicas vulgares. Mas a herança de características levou à acumulação preferencial dos atributos que favoreciam a sua própria propagação. Evitar substâncias nocivas. Procurar nutrientes. Crescer para o lado com mais sol. Encontrar o melhor caminho.»
Pois é, dir-se-ia, que mudam a fábula mas a estrutura mantém-se. Mudam os inquilinos, mas o mobiliário é o mesmo. Ou, como diria o zé povo com justa propriedade, "só mudam as moscas..."

Poderíamos, os mais ingénuos de nós, pensar que a "teoria da Evolução" era uma forma de explicação da vida e do mundo. Que seria essa a sua basilar preocupação, o seu principal objectivo. Mas, afinal, não. O seu objectivo fulcral, o seu alvo essencial, segundo estes apóstolos histriónicos e balalaicos, é constituir-se como alternativa - mais: como sucedâneo obrigatório - à "teoria ou mito da Criação". Ambiciona tomar-lhe, pura e simplesmente, o assento celestial. Dardeja substituí-la no seu trono supino, a fim de que possa ser idolatrada convenientemente. Espremido o circo, é escassa e sórdida a pinga: a "teoria da Evolução" quer ser bíblia e os pios ateístas, bem no fundo, ardem em desidérios pastorais e outros totocalipses croquetes. Cumprindo herança genética, a transcendência cede lugar à transumância. Além duma luta intestina entre anglo-evangelismos - entre um Deus-Lei e uma Lei-Deus (um Deus a quatro patas e um Deus de patas para o ar, ambos em forma de piano)-, que mais é que este ruído de fundo poderá indiciar?
O mesmo herpes mental?... A razão degradada a ração?... O neo-presépio laico em que vaquinhas e burrinhos bafejam e tasquinham a ciência-menina em palhas deitada?...
Uma coisa é certa, as criancinhas agora, no terror e segredo das suas noites, escutando estas vozes sapientas mas calamantes de dentro dos seus armários existenciais, já poderão perguntar:
- Se Darwin criou a evolução, quem criou Darwin?
E já poderão responder, maravilhadas com tamanho progresso:
- A evolução criou Darwin.
Entretanto, é claro que, como revela algures o autor da prédica, não é necessário uma inteligência superior para explicar o mundo. Nem para explicá-lo, nem, tão pouco, para exigir qualquer explicação minimamente séria dele. A prova disso mesmo é a "teoria da evolução". Maior regalo para qualquer inteligência inferior não se conhece. Um verdadeiro ginásio ortopédico para psicaplégicos e dromedários.
Basta, aliás, atentar-se como os próprios apóstolos da "teoria" começam logo por negá-la, completa e liminarmente. Quando, por exemplo, proclamam que "as primeiras coisas que evoluíram eram populações de moléculas orgânicas simples, sem vida e desprovidas daquele aparente propósito que vemos nos seres vivos". Visto com atenção, é exactamente o mesmo que dizer que os actuais "junkies do consumo" já eram as primeiras coisas. Então, ó amibas sofisticadas, se a actualidade já era a originariedade, onde é que houve evolução?
Bem, a não ser que consideremos evolução a capacidade rudimentar entretanto desenvolvida por algumas dessas "populações de moléculas orgânicas simples, sem vida e desprovidas daquele aparente propósito que vemos nos seres vivos" para escreverem blogues. Fraca prova. Pífia mostra.

Blogo-patologias

Bem que eu suspeitava: sou um doente mental. Mas o que mais me chateia até nem é isso - ser doente mental, nestes dias que correm, tendo em atenção os monumentos de sanidade que desfilam nos governos, administrações, caixotes televisivos e demais vazadouros da lucidez, até é capaz de constituir motivo de orgulho. Não, leitores, o problema é que, de todo, não estou sozinho. E como eu sou pouco inclinado a bandos, mesmo de doidos e lunáticos, isso, de certa forma, desgosta-me. Estou a falar de quê? Ora, estou a falar disto, de sarrabiscar num blogue. É uma descoberta recente e mirabolante do Dr. Jerald Block. Num artigo científico no American Journal of Psychiatry, o ilustre psico-tarólogo certifica: «pessoas que enviam excessivos textos e emails podem ter uma doença mental.»
Na verdade, raramente pratico emails, nunca manipulo telemóveis, nem messengers, nem faces não sei quantos, nem ebays, nem nenhuma dessas estupendas maravilhas que estão sempre a cogumelejar para regalo do consumidor. Mas isto dos blogues, só por si, deve indiciar caso muito grave, demente e infeccioso. Ainda mais, quando é público o meu abuso crónico na prosopopeia.
Todavia, declarada a maleita, ressalta logo, tanto quanto a angústia, a questão: terá cura?
Suponho que sim. E não será difícil adivinhar qual seja.
Em vez de endoidecer e doidejar para aqui, defronte do monitor, tenho que me ir desintoxicar diante da televisão, do vídeo, do ecrã do cinema, das montras dos shoping-coisos, das camcorders em viagem, dos best-sellers do dia, da top-music das noites, etc, etc. Dir-me-ão, que essa medicação já os junkies do SMS, do messenger, do Face-não-sei-quantos, do ebay et al fazem e, pelos vistos, não resulta. Bem, fazem eles, mas não faço eu. Pode ser que comigo resulte.
E agora desculpem, mas tenho que ir a correr tomar o Telejornal.

sexta-feira, março 28, 2008

Podridão

A AEY Inc., por via dum contrato de cerca de 300 milhões de dólares adjudicado pelo Pentágono, tornou-se, desde Janeiro, a principal fornecedora de munições para o Exército e polícia afegãos.

O presidente da AEY Inc é um cavalheiro de 22 anos chamado Efraim E. Diveroli; o vice-presidente é um massagista profissional. Não estou a brincar. Nem sei se o vice-presidente tem como encargo principal massajar e relaxar o presidente. O que é certo é que a notícia, toda ela, constitui mostra plenamente elucidativa do assalto ao contribuinte americano que constitui esta "guerra ao terrorismo".
Exactamente a mesma questão que ocorre a qualquer um de nós: Como é que uma empresa destas ganha um contrato destes?
Vão-me dizer alguns que é porque o Efraim é judeu. Bem, ser, ele é. Mas não deve ser apenas por isso. (Lamentavelmente, não sei falar albanês, para decifrar o que raio falava ele ao telefone com não sei quem em Tirana...)

O Nicho

«Crianças vão poder ser semiadoptadas».

Uma boa notícia para os casais homossexuais. Como parece que estão a ter algumas dificuldades legais na adopção, talvez a semiadopção resulte mais facilitada.
As prostitutas têm aquela instituição, "o "Ninho". A esta operação das criancinhas semiadoptáveis podiam chamar "O Nicho". De oportunidade. Uma espécie de Casa Pia descentralizada, privatizada e multidomiciliar. Mercado não falta.

quinta-feira, março 27, 2008

Palavras com raiz - 2. Regra

Do latim "regula", Regra tem como raiz etimológica "rego", que significa guiar, dirigir, fixar os limites ou fronteiras, encaminhar, comandar. Aliás, do mesmo "rego" provém "rex" - rei, soberano, chefe, senhor, protector. Regra e Rei são, portanto, radicalmente aparentados.
Porém, a regra não é exactamente a mesma coisa que a lei. Nem na semântica, nem na história, nem, ainda menos, na etimologia. A regra é anterior, mais vasta e excede a própria lei. Tal qual o Rei, por exemplo, é duma instância anterior e superior ao mero tribunal e à simples polícia. A regra estabelece e fixa caminhos, configura mapas e fronteiras: a lei, mais que reforçá-los ou alterá-los através de códigos escritos, vigia-os, policia-os. Assim, a função principal da regra é orientadora; a da lei é repressiva. A regra rege, a lei obriga.
Se tivessemos que definir a nossa civilização, desde a Antiguidade até hoje, nestes termos, descobriríamos facilmente que o predomínio da regra foi sendo usurpado pelo predomínio da lei. Significa isto que, à medida que foi sendo menos regrada, a sociedade foi-se tornando mais legalizada e policiada. O que não é difícil de entender, basta levarmos em conta o seguinte axioma: "quanto mais desregrada é uma sociedade, mais leis e polícias exige". Ou, dito analogicamente, quanto mais doente está um organismo, mais médicos e enfermeiros precisa; ou quanto pior funciona uma máquina, mais mecânicos, reparações e oficinas reclama.
São palcos por natureza da regra a família, a religião, a escola, o exército, a profissão; são recintos típicos da lei os tribunais, as procuradorias, as polícias e as penitenciárias (incluindo, justamente, nestas os manicómios).
Assim, a regra implica um sistema de policompetências - há uma regência/competência familiar, há uma regência/competência religiosa, há uma regência/competência escolar, uma regência/competência militar e uma regência/competência profissional. Conforme transita por estes domínios, o cidadão, desde o berço à sepultura, aprende, introjecta e cultiva determinadas regras. Regras, essas, que imbricam mais em virtudes, valores e costumes de ordem cultural do que em códigos severos de ordem artificial/legal. Ao contrário, a lei, sobretudo a lei das sociedades onde o legalismo urde a hegemonia social absoluta, impõe uma monocompetência: a lei compete ao Estado. Dito por outras palavras, a regra é administrada por todos, segundo uma hierarquia; a lei é administrada por Um - o Estado Todo poderoso, segundo uma burocracia.
Também, enquanto a finalidade da regra é formar cidadãos autónomos, responsáveis, possuidores e administradores dum auto-domínio, o objectivo da lei, ao inverso, promove cidadãos dependentes, irresponsáveis, sujeitos à administração central e sob vigilância.
É evidente que uma sociedade burocratizada é muito menos livre que uma sociedade hierarquizada. Como é indiscutível que o desregramento constitui apenas o cavalo de Tróia da repressão. E no entanto, pasme-se, são as sociedades burocratizadas, onde o desregramento orquestrado apenas justifica e promove o fortalecimento do aparato repressor e policial, que clamam a liberdade como sua padroeira rainha. O que não admira: sempre foi na boca de escravos que medraram as cantigas.
Entretanto, quando eu digo "nação" refiro um todo organizado hierarquicamente sob um primado da Regra - um Rex; quando eu digo Estado, denuncio um super-esquema burocrático, de dinâmica intrinsecamente totalitária, concentracionária e panta-absorvente, sob o império da lei. O Estado funciona à maneira da aranha-lobo: inocula o seu veneno através da propaganda, dissolve e liquefaz através dele todas as regras, absorve de seguida todos os espaços socio-políticos, convertendo-os numa teia legal que, em corolário, segrega e onde se reproduz.
Somos testemunhas vivas, se bem que desatentas e ofuscadas, de todo este processo. Quando, por exemplo, citando um caso recente e em vias de banalizar-se, o desregramento duma escola é invocado como motivo para intervenção da polícia e dos tribunais, ou seja, quando a corrosão das regras serve de pretexto à ingerência da longa patorra da Lei, está-se a surpreender em flagrante todo esse tortuoso enredo. Note-se como os mesmos -burocratas do aparelho de Estado - que promoveram e instauraram a destruição das regras na escola (tanto quanto na família) vêm depois, em clamores escandalizados e pudibundos, convocar a intervenção urgente e exemplar do Estado. Num ápice deveras conveniente e programado, o problema da falta de regra transforma-se num problema de falta de lei: um défice de civismo dos cidadãos degenera rapidamente em défice de polícia. Não custa muito adivinhar que, brevemente, se instalarão câmaras de vigilância nas salas de aula, como se vêm instalando nas auto-estradas, centros comerciais, aeroportos, estádios, etc. Logo reforçadas a detectores de metais, vigilantes, pulseiras de segurança e sabe o diabo mais o quê. Nada disto é inocente. Não é puro acaso. O desregramento a martelo traficado por liberdade puro néctar em que todos estes bufarinheiros e vendedores da banha-da-lei se desunham não é acidental. Dito ainda com maior precisão, o desregulamento que é - permanente e persistentemente - insuflado na nossa sociedade (e que se traduz na dissolução da família, da religião, da escola, do exército e das profissões ), apenas prepara tudo para a absorção completa pelo Estado. Um Estado - uma hiper-burocracia sociofágica - que, estilhaçadas todos os limites e fronteiras que a Regra estabelecia, numa ultrapassagem permanente e desenfreada de todos os marcos, lateja agora em ímpetos e furores para-nacionais, globais, planetários. Um Estado que propositadamente desregula para depois reprimir e obrigar. Este desregulamento tem no mercado o seu agente catalizador. É um facto. Como podia tê-lo (e já experimentou usá-lo, em tandem) na classe, na crença ou no pedigree. Porque, além do mais, o Estado corporiza essa capacidade maléfica de instrumentalização desmedida puramente materialista, mundana, artificial. Ou seja, desregulada, mecânica, execranda, porque desligada de qualquer vínculo ao sagrado, sem qualquer respeito à História, nenhuma atenção ao Cosmos, nem a mínima consideração pelo indivíduo. Uma mera exorbitância e proliferação de meios sem qualquer princípio nem fim.
Se me pedissem para traduzir numa única palavra esta anti-Regra vulgarmente conhecida por Estado, eu não hesitaria: O Mal. Uma monstruosidade contra a qual o combatente ideal teria que congregar a coragem dum Cristo e a tenacidade dum Hércules.


PS: faltou dizer, além de muitas coisas, que na antiguidade grega a palavra "lei" dizia-se, principalmente, nomos. Já a palavra "regra" dizia-se "metron" (que significa também "medida"). Ora, "to metron" -"haja regra" ou "haja medida" -, era o primeiro mandamento do oráculo de Delfos e, inerentemente, da civilização grega. Que, diga-se, só tinha dois. O segundo era o célebre "conhece-te a ti mesmo", que alumiava Sócrates. O que me autoriza, desde logo, a concluir: uma civilização é tanto mais elevada e avançada quanto menos leis e polícias ostenta. Ou seja, quanto menos desmedida é.

quarta-feira, março 26, 2008

Mas rezemos...

... para que, tão brevemente, não irrompa outro episódio deste calibre no Youtube. Senão, temo bem que todos estes McDonnald's da justiça, depois do linchamento rápido, ainda passem à restauração da pena de morte.

Calendário Venatório 2007/2008

Na época venatória de 2007-2008 é permitida a caça às seguintes espécies cinegéticas: rola, patos (pato-real, marreco, marrequinha, frisada, arrabio, pato-trombeteiro, piadeira, zarro-negrinha e zarro-comum), galeirão-comum, galinha-d’água, pombos (bravo, torcaz, espírito-santo e da rocha), codorniz, tarambola-dourada, galinhola, narcejas (comum e galega), tordos (tordo-comum, tordo-ruivo, tordo-zornal e tordeia), estorninho-malhado, perdiz-vermelha, faisão, coelho-bravo, lebre, raposa, saca-rabos, javali, veado, gamo, corço, muflão, professor, árbitro, contribuinte, dragão e respectiva família.

Os limites diários de abate para as espécies cinegéticas, bem como os respectivos períodos e outros condicionamentos venatórios, serão os constantes dos quadros anexos à presente portaria e que serão afixados num próximo postal.

A bem da Eculogia e do ambiente,

jkelkklkll
Assinatura irreconhecível

Chouriços acabados

Tentem não vomitar ao ler isto:
A anedota que escreve isto -e cuja cintilante existência eu desconhecia até ao aziago dia de hoje -, responde pela graça de Luís Nunes e cognomina-se "médico e administrador de empresas". Atentai no nível da prosa, no fulgor do raciocínio, na lógica do discurso... Um mimo. Se andávamos alarmados com os problemas na fábrica de enchidos, pois agora aqui temos o produto acabado, o chouriço completo. Alucinante perspectiva, ai de nós! Se a visão, pelos meandros da fábrica, já era alarmante, diante da montra da charcutaria torna-se estarrecedora.

terça-feira, março 25, 2008

Um blogue raro

Há pasquins que não o são. Há pasquins que, por não o serem, vale sempre a pena serem lidos. Faz quatro anos que o jovem Corcunda ergue o seu monumento à coerência, à perseverança e à probidade. Mais do que gente que pensa como eu – nasci claramente no milénio errado -, já fico todo satisfeito quando descubro gente que pensa. O Corcunda é desses, dos raros. O tempo o lapidará.

A Mentefacção e a mentecaptura

Imaginemos agora que o Ministério da Educação era tripulado por pessoas sérias e competentes; imaginemos ainda que todos os professores eram excelentes e todos os programas magníficos. Eis a máquina ideal? Quereria isto dizer que teríamos perfeitos enchidos à saída?
Desçamos à realidade, se os caros avestruzes não se importam.
Dum lado, em representação da máquina de ensino, o senhor professor recomenda aos alunos que se abstenham ou moderem no uso convulsivo do telemóvel (por piedade, só falarei deste onto-gadget); do outro, incontáveis canais de televisão, produtores e argumentistas de telenovela, agitadores publicitários aos gritos instigam, instilam e trabalham em permanência - na memória, no subconsciente, na gana, no puré caleidoscópico que faz as vezes de mente do mamífero estudante - imperativos categóricos do estilo: "telefona!, joga!, comunica!, troca mensagens!, concorre!, fotografa!, aproveita!, ganha!, não percas esta oportunidade!, tecla!, retecla!, prime!, consome!, gasta!, compra!, chateia o teu pai!, ensina o teu pai!, fala já à tua namorada!, palra!, grulha!, trina!, gargareja!, mostra o teu temóvel!, passeia o teu telemóvel!, alimenta o teu telemóvel!, pilota o teu telemóvel!, muda o toque do teu telemóvel!, toca píveas no telemóvel!", etc, etc, etc. Pois bem, ó caras aves corredoras, o que é que acham que vai prevalecer? O apelo à contenção, à disciplina do mestre-escola, ou o mandamento ao frenesim epiléptico, ao ceva-bofe dos tele-mestres? Não é elucidativo, a esse respeito, o tal vídeo?...
Abram os olhos, ó cavernícolas. Larguem a droga, amiguinhos! Há um problema muito maior do que a máquina de ensino funcionar mal: é o haver uma máquina de desensino, de deformação e de perversão a funcionar às mil maravilhas. Com total impunidade, tranquilidade, ubiquidade e ininterrupção; mais a bênção completa das autoridades e o enlevo pacóvio e macacóide dos cidadãos. Uma locomotiva que desensina não apenas os filhos, mas também os pais; não apenas os governados, mas também os governantes; não apenas os alunos, mas também os professores. De que adianta mandar uma equipa de pedreiros levantar uma casa, oito horas ao dia, e, ao mesmo tempo, ter um buldózer dia e noite a escavacá-la? Como entulho artístico, como heteroclise, como absurdo, até poderá ter o seu fascínio, não discuto; mas como civilização, garanto-vos, é o suicídio colectivo. Ninguém precisa de nos atacar. Basta-lhes ficar à espera.
Para mais, o máquina da deformação certifica da duplicação obtusa da nossa fogosa irresponsabilidade. Quer dizer, somos irresponsáveis não apenas na medida em que nos recusamos fervorosamente a assumir as nossas próprias responsabilidades, como, mais grave ainda, na crónica obstinação cega em não atribuí-las aos seus reais e merecidos autores. Enfim, somos duplos irresponsáveis porque não nos responsabilizamos nem responsabilizamos os verdadeiros responsáveis.
Bradamos contra a qualidade das mentefacções e das mentefacturas, fingindo não ver toda a mentecapção que funciona, preside e está por detrás. Barafustamos e remodelamos a fachada, sem querer mexer no entulho e no lixo que se acumula lá dentro. E pingamos, languidamente, lágrimas de crocodilo mal morto em olhos de carneiro mal vivo porque as estúpidas das criancinhas, patrocinadas pelos pais e abençoados pelos burrocratas da salsicharia, no fundo, em vez de obedecerem às formidáveis pedagogias e às vetustas tradições, obedecem ao marketing.

segunda-feira, março 24, 2008

Anotações sobre um esquisso de Projecto de Lei

«Quanto mais interdições e proibições existem
mais o povo emprobrece;
quanto mais armas afiadas se possuem
mais a desordem grassa;
quanto mais se desenvolve a inteligência produtiva
mais dela resultam estranhos produtos;
quanto mais se multiplicam as leis e as ordenações
maior número há de ladrões e de bandidos.»
- Lao Tse


A propósito da deseducação que infesta o país, sempre galhardo (e ao contrário de mim, que sou mais do género gralhardo), o Rui Albuquerque elabora. Apresenta um conjunto de 12 ideias para, nas suas palavras, "pôr cobro à bandalheira" instalada.
Algumas merecem-me concordância, outras nem tanto (mais por clara exiguidade do que incorrecção). Tecerei alguns apontamentos que me parecem oportunos, mas sem pretender, de todo, causar melindre ou censura à liberdade plena que o redactor tem para a parturição das ideias que muito bem entende. Nada me merece mais reverência do que as fantasias de cada qual.
Dito isto, vamos ao que interessa.

(Entre aspas, devidamente linkados, os pontos do esboço albuquerquiano que me merecem reparo; em seguida, as minhas anotações.)

a) Ponto 4.:
«proibição efectiva de tabaco, álcool, telemóveis, etc. no espaço da escola e nas suas imediações; cumprimento das normas básicas de educação e etiqueta para com os professores;»
O “etc.” é muito vago. Piercings também? Maquilhagens? E speeds, drunfos, ácidos, seringas, armas brancas, armas pretas, armas automáticas, armas semi-automáticas, pitbulls, gps, leitores de CDs, very-lights? Está tudo subentendido no “etc.,”? Duvido. E não me parece próprio do legislador – a não ser em Portugal – semear o texto da lei com “et ceteras”. Lembra alçapões.


b) Ponto 6:
«Obrigação de uso de farda escolar(...)».
De acordo. Mas acha que a farda é suficiente? Não se estará a esquecer do açaime, do cinto de castidade, do silenciador e das algemas para a carteira. Sim, porque ou se algemam as bestas às respectivas carteiras, ou então equipa-se cada carteira com uma jaula individual. E o equipamento do professor, ó Rui, não estará a negligenciá-lo? Capacete de protecção (ou vicking), no mínimo. Reforçado a escudo, clava, máscara anti-gás e lança-granadas lacrimogéneas, nas escolas de maior risco. No fundo, é uma mera questão de segurança e higiene no trabalho: se um trolha numa obra é obrigado a andar de luvas, arnês e capacete, vamos deixar um professor numa arena de aula completamente desprotegido?

c) Ponto 7:
«Criação de um sistema de incentivos para os melhores alunos, com acesso directo ao sistema gratuito de ensino superior e outro tipo de prémios;»
Novamente a imprecisão vaporosa: “outro tipo de prémios”... Como quais, exactamente? Viagens às Caraíbas? Viagens ao Brasil? Encadernações completas da Gina, em papel couchê, com diálogos, anotação e prefácios por Hayeck & Von Mises? Fins de semana na Disneylândia? Play-stations?...

d) Ponto 8:
«Obrigação de actualização científica e pedagógica dos professores em períodos nunca inferiores a sete anos...»
Temo que esteja a esquecer o essencial: a actualização física e psico-técnica dos briosos e destemidos mestres-escola. Refiro-me, naturalmente, às perícias imprescindíveis na Defesa pessoal, na Luta Livre, no Wrestling, no boxe tailandês, na luta anti-motim, na sobrevivência em ambiente hostil, nos métodos de dissuasão, na reacção à emboscada, no Bê-a-bá da trincheira, na Fuga e Evasão, no tiro instintivo, na ordem unida, enfim, em todas essas técnicas essenciais ao docente contemporâneo. Sem, no mínimo, um bom kung-fu a sustentá-la, é mais que evidente que -hoje em dia - a bagagem cientifico-pedagógica pouco adianta.

e) Ponto 9:
“Avaliações científicas e pedagógicas rigorosas dos professores, através de exames regionais/nacionais...”
Não se compreende como é que exames regionais/nacionais – feitos por quem? Por produtos salsichabundos dum sistema difuncional de produção em série de analfabrutos diplomados? (reconhece o contra-senso?) -, colham o mínimo de eficácia ou real aferição. Exames internacionais é que sim. Nas escolas públicas dos Estados Unidos ou de Inglaterra (no Londonistão), por exemplo. Os que regressassem de lá vivos e não neuraplégicos, seriam automaticamente aprovados, reconduzidos e aumentados.

f) Ponto 10:
«Autonomia completa das direcções gerais das escolas, com base em contratos a prazo»
Contratos?! Porque diabo? Com que interesse? Por alma de quem? O melhor é trabalharem à jorna. Ao dia. E direcções da escola, francamente, para quê? O melhor não será mesmo robotizar todo o processo? Se já se fabricam automóveis, mais fácil não será fabricar condutores e serventes dos mesmos?

g) Ponto 11:
«Extinção das funções «pedagógicas» das Associações de Estudantes, que são, em regra, constituídas por analfabetos funcionais dedicados às «jotas e que agem exclusivamente como sindicatos políticos nos órgãos directivos das escolas em que têm assento;»
Mais uma vez, o caro projecto de legislador peca por escassez. Patina em meias-tintas. Extinguir as “funções pedagógicas” das tais associações não basta. O ideal seria extinguir esses tais analfabetos juntamente com elas. Se acabamos com as funções e deixamos intactos os funcionários, o mais que certo é que eles acabarão por engendrar outras funções alternativas onde se incrustarão de novo. Tire-lhes o assento, que eles arranjam logo uma cadeira. Ou um sofá. Ou continuam a bostificar, agora de pé, de joelhos ou de cócoras. Se apenas liquida o hospedeiro, o parasita transfere-se logo para outra vítima. Dele, e só depois sua.


h) E, finalmente, o ponto 12, assaz deslumbrante:
«Extinção do Ministério da Educação, terminando com o modelo único e centralizado das últimas décadas, passando a gestão completa das escolas para os poderes locais (municípios ou, se existissem, regiões).»

Mais outra medida drástica. Mas também, nitidamente, exígua. Por um lado, poderá até haver uma certa justiça nisso: o Ministério extinguiu a educação; como vingança, extinguimos o Ministério. Porém, o que nos inibirá, na continuação lógica da empreitada, de extinguirmos também os outros ministérios todos? Funcionam tão mal quanto o da educação, padecem superlotamentos parasitários tão magnos e sobrepujantes. Portanto, por um idêntico imperativo justiceiro, extinguimo-los a todos, extinguimos o governo completo, o Estado junto com ele e, a seguir, extinguimo-nos uns aos outros, já que na qualidade de eleitores soberanos só fazemos merda atrás de poia. Ou seja, só reincidimos em instalar irresponsáveis, almocreves, melcatrefes e incompetentes nos cargos de responsabilidade da nação, digo, nacinha. Quer dizer, sistemática e obsessivamente, instalamo-los lá; e depois queixamo-nos que eles lá estão - pior: de que eles de não lá saem, ou, se tanto, lá se revezam. Todavia, se somos nós, por imperativo processual impenitente, por vício, hábito e costume já mecanizados, que entronizamos impostores e irresponsáveis nos lemes da coisa pública como podemos depois, mais que lamentar-nos, escandalizar-nos com o agir errático e irresponsável deles? Não são eles mero corolário fatal e repetente do nosso? Não são eles dignos representantes da nossa própria irresponsabilidade militante, da nossa clamorosa incompetência eleitora? Ora, se somos grosseiramente incompetentes para eleger, como não hão-de ser grosseiramente incompetentes os nossos eleitos para governar? Não me vai dizer que o jogo está viciado, que o processo está pervertido, que, cúmulo das ironias, apregoando a causa, afinal quer extinguir-lhe os efeitos?!...
Suponho, aliás, que pretende extinguir o Ministério pela mesma lógica que estipula a extinção das funções pedagógicas das tais Associações viveiros de «jotas": porque o Ministério é um curral de "jotões séniores e outros passarões". É verdade. Toda a gente sabe. Só que entretanto, no auge da brainstorm que varre associações, varre ministérios e, no mínimo, destelha Estados, o caro pré-legislador, acaba a depositar a gestão das escolas nos braços cândidos, benignos e angelicais dos municípios. Belo!, devemos presumir que, já não direi no seu país, mas no seu planeta, os municípios, ao contrário das infames associações jotas e dos ignóbeis Ministérios, não estão infestados do mesmo tipo de escumalha partidária?...
Olhe, ó Rui, louve-se-lhe o esforço, mas esqueça este momento infeliz. Entregue logo aquilo tudo à Mafia. É mais honesto, mais ímpido e, na volta, até funciona.

A Indústria do Apocalipse



Temos o apocalipse à escolha em três modalidades, qualquer delas tão garantida quanto fantástica:
- Por criptoterrorismo demoníaco;
- Por pandemias prometidas;
- Por climatério global.
Ininterruptamente, os telejornais brandem-nos e aturdem-nos com uma receita destas. O tempo de querermos construir o paraíso na terra já lá vai. Segundo a nova nomenklatura global, a ideia agora é mesmo explorar e desenvolver o inferno, enquanto se assombra a vida aos pardais com o espantalho do apocalipse. A Nova Ordem Mundial é o Caos. Dá mais dinheiro.
Quanto à metodologia, é simples: primeiro, disseminam-se os venenos e pragas ; depois vendem-se os antídotos e bálsamos.
Mas o mais engraçado é a inversão pimpona na charlatonice: tal qual outrora se bufarinhava a banha da cobra -panaceia para todas as maleitas -, agora bombeia-se e asperge-se a panfobia massificada, ou seja, o medo de tudo e mais alguma coisa, em permanente urgência de toda a espécie de medicações e terapias de emergência. Do remédio para todos os males passou-se, assim, ao mal para infinitos remédios.
Aos Mass-media, entretanto, compete a difusão e "dinamização cultural" dos mass-remedia. Importa conduzir o consumidor à sua transfiguração última: a de junkie do apocalipse. Já não apenas servo do medo, mas toxicodependente.

domingo, março 23, 2008

Uberclown



«The French blogosphere is abuzz with outrage and derision over a 24-year-old appointed by Nicolas Sarkozy to keep an eye on what is being said about the president on the World Wide Web.
"Sarkozy's little cop," "Sarkozy's eye on the net," and "KGB Web" are some of the comments and videos posted since Nicolas Princen on Monday joined the president's communications team as an Internet advisor at the Elysee palace.»


Então, aqui vai o meu contributo para a recolha diária do Nicolas:
- "Olha, cher Nicolas, até há pouco tempo, quando nós portugueses nos sentíamos muito deprimidos com os nossos primeiro-ministros ou presidentes, e nem imaginas o quão deprimentes eles conseguem ser, tínhamos uma estratégia de escape e descompressão infalível: punhamo-nos a olhar para alguns países africanos, não todos, mas alguns (bem, na verdade, um: o Zimbawue) e lá nos conseguíamos, ainda que magramente, animar um pouco. Continuávamos tristes mas sempre atenuava ligeiramente os ímpetos suicidários mais prementes. Agora, porém, desde que o teu novo patrão foi eleito, já não temos que remirar para paragens tão fétidas e paludosas. Sim, agora, em qualquer dia da semana ou do mês, num pulinho rápido, num antegozo garantido, basta-nos olhar para França. E, acredita, até já conseguimos sorrir. Tu agradece-lhe da nossa parte, ouviste?! Nem sabes o bem que ele nos faz!..."

sábado, março 22, 2008

O medo que sustenta a treva

«Em verdade te digo: esta mesma noite, antes de o galo cantar, vais negar-me três vezes.»
- Mateus, 26, 34

Neste dia que simboliza a treva, um testemunho ainda sobre o "entusiasmo", pela pena do último grande homérico do nosso tempo: Ernst Jünger.

«Todo o grito de ódio é suspeito, é fraqueza. Só a bravura reconhece a bravura!
Uma última coisa: o êxtase. Este, que é próprio do santo, do grande poeta e do grande amor, é também o apanágio da grande bravura. O entusiasmo arranca a lama viril para além de si própria, tão alto que o sangue ferve e bate contra as artérias, submerge o coração de espuma escaldante. É uma embriaguez acima de toda a embriaguez, um arrebatamento que faz soltar todos os vínculos. É um frenesim sem deferência nem limites, só comparável às forças da natureza. O homem torna-se então semelhante à tempestade que ruge ao mar em fúria, ao ribombar do trovão. Funde-se no Todo, precipita-se para as portas sombrias da morte, como um projéctil para o alvo. E, quando as vagas negras se entrechocam como para o engolir, há muito que perdeu consciência da Grande passagem. É como se a vaga tornasse a cair no seio do mar salgado.»
- in "A Guerra como experiência interior".

Como é óbvio, uma cultura da bravura é o contrário duma cultura do medo. Ou seja, é o contrário da nossa cultura actual. Melhor dizendo, desta anti-cultura. Voltarei a este assunto.

Joguete

O Argumento chinês para a brutalização continuada -e agora aguda - do Tibet deve ser qualquer coisa do estilo: "então, os americanos têm o Iraque, os israelitas Gaza, os Russos a Chechénia e nós temos o Tibete. Cada gandulo no seu recreio."

Entretanto, parece-me que o Dalai-Lama está coberto de razão. A força dos tibetanos está na sua cultura milenar: é ela a sua fortificação principal. Ao abdicarem dela, apenas enfraquecem a sua própria capacidade de resistência e facilitam a repressão do ocupante. A violência só interessa aos chineses. E àqueles que, tendo fomentado e forjado a coisa do exterior, vão depois negociar com os chineses qualquer coisa do estilo: "Ok, tratem lá do Tibete à vontadinha, desde que nos deixem à vontade com Irão."

Tudo isto é uma farsa permanente. E compulsiva.
Pobre Tibete!...

sexta-feira, março 21, 2008

Coleiras é mais apropriado

Pulseiras de segurança para passageiros aéreos, desenvolvidas pela Lamperd. Se passarem as pulseiras a coleiras, subscrevo.

Pastagens do céu


Se julgam que é só o Obama que tem um pastor alucinado a tratar-lhe do "PBX com o Além", é melhor reconsiderarem. Candidato americano que se preze não dispensa o respectivo feiticeiro auricular. Faz parte do estojo de campanha.
A senhora Clinton, por exemplo, pertence à (subentendam aqui uma daquelas músicas macabras e sinistras, de criar suspense, típicas dos filmes de terror...) " Família" (The Family). E o que é "A Família"?
Segundo os entendidos, é «fundamentalismo avant-garde, promovendo poder espiritual nos salões do Poder Americano e do Mundo. Consideram-se a eles mesmos como os "novos-eleitos", e são congressistas, generais e ditadores estrangeiros que se reúnem em "células" confidenciais, para rezarem e planearem uma "liderança guiada por Deus", a ser conseguida não pela força mas por subtil diplomacia. A sua base situa-se numa frondosa quinta sobranceira ao Potomac, em Arlington, na Vírgínia.»
Por seu turno, a assessorar o candidato McCain (além do Reverendo Parsley, que entre outras grandes clarividências fulgurantes, proclama que a "América foi fundada com o intuito fundamental de vir a destruir o Islão"), está o famosérrimo John Hagee, o profeta da Rapture. Em que consiste este celestial arrebatamento e de que forma pode ser catalizado?
Permitam que me repita, mas poupa-me chover no molhado:
Mas noutra cintilante alocução é ainda mais específico:

Portanto, meus amigos, é caso para dizer: Venha o povo e escolha, que ao diabo já é indiferente. It'a a win win, como diz o mesmo.

Entretanto, no meio disto tudo, acho imensa graça à ingenuidade da Zazie e do Carlos Cunha, que ainda não perceberam o elementar, ou seja, que o electropastor Tiago Cavaco arde em frémitos e suspiros de ir tocar panque-roque para o paraíso.

Contra bestas

Um leitor pede-me para comentar a reportagem da “Sábado” cuja capa podemos ver em epígrafe.

Sendo certo que não leio essa revista, nem tenciono quebrar tão sã regra para perscrutar uma tal reportagem, quero todavia tecer alguns considerandos, que espero duma vez por todas esclarecedores, sobre a religião em geral e a Igreja Católica em particular.
Pois bem, sobre as religiões, partilho da honestidade schopenhaueriana, ou seja, considero-as idosas e venerandas senhoras para com as quais devemos usar sempre da maior amabilidade e deferência, mesmo quando, com todos os cuidados e obséquios, pretendemos afastá-las de assuntos que, claramente, não lhes dizem respeito e só lhes causam desnecessário sobressalto e confusão.
Sobre a Igreja, perfilho a claridade nietzschiana, na exacta medida duma citação que ainda há bem pouco aqui fiz: «uma Igreja é antes de tudo um edifício de dominação hierárquica que assegura o plano superior ao espírito e acredita suficientemente no poder do espírito para se proibir o recurso às grosserias da violência; só isso bastaria para fazer dela uma instituição mais nobre do que o Estado.»
Dito isto, quero repetir, sem margem para dúvidas, que não sou católico e desprezo olimpicamente beatos exibicionistas, papa-hóstias de passerelle e demais top-models da virtude. Mas o povo português é católico, pelo menos desde a sua fundação. Ora, eu pertenço ao povo português, não é o povo português que está refém do meu umbigo, nem tem que andar aos caprichos, ganas ou aleives da minha ilustre pessoa, por mais entranhados, berreirados e recorrentes que sejam. Nessa medida, defenderei o catolicismo como defenderia o território caso fosse invadido e vandalizado por estrangeiros. Portugal é católico (não é católico como os espanhóis, Deus nos proteja!, mas é católico), e eu, embora não o sendo a título pessoal, sou-o, por dever de inerência, a título colectivo. Da mesma forma que nunca ninguém me obrigou a ser católico, nem eu admitiria tal coisa, também não admito que alguém, levado por não sei que fornicoques luciferozes, ou agroturismos ideológicos, obrigue todo um país a ser o contrário daquilo que congrega a sua própria história e cultura.
Admito plenamente o direito dum indivíduo a não ser convertido, até porque qualquer conversão à força é uma falsa conversão. Mas se converter à força um indivíduo é inadmissível, mais inadmissível é desconverter à força, à surrelfa e à falsa-fé um povo inteiro.
No entanto, não é difícil perceber tão ogresco e deslavado empreendimento. A lógica do batráquio que sonha arvorar-se bovino é mais que evidente. Basta atentarmos no que essa escumalha mental tem para colocar a substituir a Igreja: o Estado. O sacrossanto e descomunal Estado, nem mais. O omnipresente, omnisciente e omnipotente Estado. Em rigor: a grandessíssima Bosta & Besta do Estado! Quer dizer, depois de ter assassinado e usurpado a Nação, o Estado atira-se agora ao baluarte que resta – à Igreja. Depois de tragar a estrutura física de Portugal, trata de lançar a dentuça venenosa e o bandulho ávido à estrutura moral. Armado em pseudo-nação, o Estado quer agora também assumir-se como pseudo-Igreja. Daí a pseudo-religião laica. E a pseudo-democracia como cobertura de chantilly para o totalitarismo aos molhos. O bife do lombo a engodar a estricnina.
Mas, afinal, o que raio vem a ser o Estado?
Basta pegarmos na definição Nietzschiana de Igreja – “um edifício de dominação hierárquica que assegura o plano superior ao espírito” – pô-la de patas para o ar, às avessas e aí tendes o Estado: “um edifício de dominação hierárquica que assegura o plano inferior do espírito”.
Por conseguinte - e sobre isto não me restam grandes dúvidas -, à Igreja, contra aquilo que lhe é inferior, compete-nos defendê-la. Pois no dia em que ela cair de vez, não restará mais quem nos defenda desta Besta. Ou melhor, destas bestas. Porque o seu nome é Legião.


Posto isto, resta-me desejar uma Feliz Páscoa a todos os leitores e amigos desta casa, cultivem eles a religião, política ou filosofia que muito bem entendam.

quinta-feira, março 20, 2008

Futuricídio


(imagem retirada daqui - Luta entre professora e aluna pela posse de telemóvel)

Através do Vessas, um blogue discreto mas sempre atento, fui dar a ISTO.
Não percam o vídeo, que é por demais eloquente.

Penso que um dos grandes objectivos -plenamente vitoriosos, reconheça-se! - deste governo (como, mais coisa menos prego, dos seus antecessores), tem sido transformar as maternidades em salas de aborto físico e as escolas em salas de aborto mental. De modo a que aqueles que escapem de ser abortados na pré-nascença sejam depois convenientemente abortados pela infância, adolescência e vida fora.
Há muito que este país entrou em IVF - Interrupção Voluntária do Futuro. Ainda por cima, e para cúmulo, sem qualquer acompanhamento médico nem cuidados higiénicos. Completamente abandonado às mãos de bruxas abortadeiras, campeãs de demorragias, em alfurges e vãos de escada.

Palavras com raiz - 1. Entusiasmo

Com este postal, inicio aqui uma rubrica em redor de uma das minhas grandes paixões: as palavras.
Um dos grandes fascínios da Língua Portuguesa é que lá por trás está, muitas vezes, o grego. É o caso da palavra com que inicio esta viagem. "Entusiasmo", de facto, descende do grego "enthousiasmos", depois de passar pelo francês enthousiasme.
Mas vamos à raiz, ao subterrâneo profundo. Aí encontramos "Theos" (deus, divino) precedida do prefixo "en" (dentro; sob o poder de; conforme a; etc), ou seja, en-theos. Na origem grega, "en-theos" significa "inspirado pelos deuses", ou "ser transportado por furor divino". Actualmente, segundo o dicionário da Língua portuguesa, entusiasmo é definido como "estado de arrebatamento das faculdades da alma, que se manifesta na fala, na escrita ou nas obras"; ou admiração viva; ou inspiração.
Se atentarmos numa das obras mães da civilização grega - a Ilíada, de Homero -, verificaremos que, servindo de fio comum a todas as principais peripécias, animando invariavelmente as façanhas dos múltiplos heróis, há um mesmo fenómeno: entusiasmo. Todos aqueles homens extraordinários são "inspirados" e "transportados" pelos deuses. O mundo humano é, assim, um tabuleiro onde o divino se debruça... e intervém. Inspirando. Ou seja, transmitindo e insuflando "spiro" - sopro, ânimo, 'spírito. Certamente que os bravos da guerra de Tróia também transpiram, mas não é a transpiração que os transporta aos elevados feitos, nem é do suor que Homero nos quer legar a crónica. Isto é, nem a transpiração os inspira, aos personagens, nem, tão pouco, ao poeta relator. Naquele tempo ainda não confundiam os efeitos com as causas. Significa isto, entre outras coisas, que o entusiasmo, na sua origem, está nos antípodas do trabalho, do labor meramente humano, do esforço estritamente atlético. Resumindo: o entusiasmo não se treina, não se adquire, não se compra ou injecta: é espontâneo.

Suspeito seriamente que a odisseia do homem é também a viagem das suas palavras. Podemos surpreendê-lo plenamente nelas. São como que o seu espelho fiel e inseparável. Ora, o entusiasmo destes nossos dias não é, como podemos testemunhar a cada passo, o entusiasmo que nos relata Homero e serviu de matriz à civilização grega. Em vez dos deuses temos agora futebolistas, popstars, demagogos histéricos ou nababos exibicionistas. O entusiasmo hodierno é cada vez menos um arrebatamento de alma e cada vez mais um arrebatamento das vísceras, das hormonas, dos nervos e cabelos. Sobretudo, não é viril: é histérico. Mera agitação mecânica. Espasmo induzido. Estupefacção industrializada e colectiva. Pelo que, nem entusiasmo legitimamente se pode chamar. Geralmente, não excede o frenesim animista, a excitação símia, a ululância grupal mais ou menos pavlovizada e animalesca. Até porque o sentimento rei é agora, precisamente, o contrário do entusiasmo, ou seja, é a "coolness". Quer dizer, a frieza raciocinóide, a indiferença ética, o maquinalismo volitivo. Que tem corolários sublimes do calibre daquela morbidez rastejante supimpa, através da qual já conseguimos, na maior das calmas, fazer heróis de psicopatas serial-killers. É claro que podemos sempre - com aquele nosso cinismo estanhado (que tão confortavelmente amorfos nos faz sentir) - larachar que Aquiles, a seu modo, também já era um psicopata serial-killer, um empreiteiro da matança. Bem, mas o herói grego matava no campo de batalha, em duelo individual, contra um seu opositor simétrico, isto é, armado das mesmas armas. Entre isso e as chacinas de desgraçados avulsos por puro capricho egopático, vai uma certa - para não dizer abissal - distância. Portanto, se é ainda uma qualquer nostalgia do campo de batalha que nos visita e obsidia, o quão aviltada e pervertida ela foi!
Falta inspiração ao nosso tempo. Falta-lhe espírito. Grassa uma rarefacção terminante de entusiasmo. E bem abaixo duma putativa necrópole divina, o mundo assemelha-se cada vez mais a um deserto de homens, de seres dotados de alma que um deus possa insuflar. Ao leme de bandulhos defecantes, aos comandos de vegetais em trânsito para ferramenta, o que mais campeia é, no lugar de qualquer hipótese de mística ou genuíno mistério, a mistificação, a babel, o engano e a torpe ilusão. De que, por exemplo, matámos Deus, depois de termos exterminado os deuses. Não temos, nunca tivémos, nem jamais teremos esse poder - o de matar aquilo que nos transcende e metaflui. O que temos não se chama poder: chama-se desgraça. De termos sido pelo Céu abandonados. Por nos termos tornado indignos, inertes, estéreis à própria Vida. Por termos optado pelo tributo ao réptil, pela vassalagem ao verme, em vez da fidelidade ao Alto. Em suma, por termos perdido e vendido a alma com que o Extraordinário nos arrebatava.
Se algo eu, na minha enorme insignificância, gostaria de acreditar é que este blogue é, na medida da inspiração que mais ou menos me visita, fruto de entusiasmo. Pelo menos, o entusiasmo que eu sinto quando mergulho no abismo das minhas próprias raízes. Um abismo que é também um labirinto, para onde se desce e circula ligado ao fio - fino mas inquebrável - das palavras.
Porque não é apenas a vontade que nos ata ao leme (e ao lume): é também o fio da confiança.

Guerra a petróleo

(...)

Leiam o artigo completo que vale a pena

O resumo é simples: «De modo a controlar o terceiro país mais rico em petróleo do planeta, a máquina militar americana está a queimar quantidades imensas de combustível. E, praticamente, quase todo esse combustível é importado para o Iraque.»

terça-feira, março 18, 2008

Fiat Lixo

Primeiro, com a incompetência, negligência e leviandade que se lhes reconhece, os políticos causam a degradação socio-económica do país. Depois, com o seu porfiado, despudorado e impenitente esbulho do erário público e do património dos contribuintes, estimulam e semeiam a desmoralização, a criminalidade e a corrupção. Finalmente, com a maior cara de pau que imaginar se pode, colocam-se convenientemente fora de toda a babélica gesta e, feitos causa primeira inimputável, declaram os seus múltiplos efeitos como culpados uns pelos outros, quais pomos nascidos de frutos: a criminalidade é resultado exclusivo da degradação socio-económica; a degradação socio-económica é consequência absoluta do atraso; o atraso é obra única de gnomos orçamentais; e os gnomos são efeito avassalador de avetustos descuidados e preguiçosos. Entretanto, dois mil anos duma determinada ginástica mental só favorecem a trampolinice. Poderá o cristianismo estar fora de moda, mas nunca as suas psico-estruturas foram tão -e, sobretudo, tão perversa e sordidamente - aproveitadas. Dir-se-ia que, à escala duma micro-liliput, se recicla ad nauseam o episódio da "criação". O Criador da coisa - destituído agora de qualquer mistério e exibindo-se diariamente na infrascendência total, ou seja, no espectáculo permanente - arvora-se, por seu próprio decreto e alta recreação, em imaculado, benigno, impermeável e omnisciente; a coisa, a criatura, o criado é que é um grande filho da puta - estúpido que nem uma porta, teimoso que nem uma mula, bruto que nem um elefante e onde põe a pata fode tudo. A crise é, pois, pura culpa dele, dessa besta. Dele ou do pai, do avó, do quincavô dele, ou de quem quer que tenha sido proto-autor do défice original.
Segundo este neo-génesis de miniatura, ultra-demolaico, Deus não morreu. Apenas se pulverizou em pequeninas partículas absolutamente automáticas, irresponsáveis e impunes. Que vão a votos de quatro em quatro anos.
Ah, e já me esquecia de dizer: se, no Génesis, a Divindade gerava o cosmos, passe o termo, agora, neste neo-génesis, as poeiras divinas produzem o caos. Em vez do Fiat Lux é o Fiat Lixo. A crédito.

Balancé



Mas, afinal, é o petróleo que está a subir ou o dólar que está a descer?

Escândalo ou sacrifício?


Tratemos agora do Eliot em espécie.
Há unanimidade nas vozes: Eliot Spitzer estava na rampa para ser o primeiro judeu na Lua, digo na Presidência dos Estados Unidos da América. Onde não há unanimidade é na eleição dos autores da abortagem do lançamento: dizem uns que foi a Mossad, dizem outros que foi Wall Street assim ou assado, denunciam uns terceiros um infeliz acaso, apontam uns quartos, com o Ildefonso Caguinchas à cabeça, para os extraterrestres pantamórficos e encefalofágicos que mourejam em fase avançada de absorção das elites planetárias.
São, todas elas, belas e prendadas teses, admito, mas vamos, antes de tudo, aos factos conhecidos.
Havia um clube de prostituição luxuriante, especialmente vocacionado para super-ricalhaços, importantões e representantes diurnos do povo. Chamava-se Emperors Club VIP e, ao que tudo indica, era empresariado, na qualidade de Proxeneta-Mor, por um sujeito - com quem o João Miranda não perdia nada em ter umas aulas práticas de anarcocapitalismo - chamado Mark Brener. As tarifas do voluptuoso tabernáculo eram deveras excitantes -um tipo, mais que fornicar uma gaja, saber que está a foder 5000 USD dos otários numa simples hora deve dar uma tusa do caraças -, mas mais interessante ainda para o vertente caso é que o tal Brener era -e é - detentor, além de passaporte americano, de dois passaportes israelitas.
Não é preciso ser um Sherlock Holmes para deduzir o óbvio: o Emperors Club era uma operação coberta da Mossad. Tratava de atrair políticos e empresários, contra os quais, em seguida, agenciava de reunir matérias para futura chantagem e manipulação política. Tranquilizem-se; não é uma especial malfeitoria dos israelitas: é uma táctica típica e ancestral dos serviços secretos de qualquer país minimamente viril. A Mossad só leva vantagem porque, como o elevado proxenetismo e o alto lenocínio são actividades tradicionalmente apetecidas e fomentadas por eleitos, dispõe dum campo de recrutamento, logo à partida, maior e mais facilitado.
Por seu turno, Eliot Spitzer, tinha atrás de si - além dum pai magnate com uma fortuna considerável (realizada nessa outra área económica concessionada à tribo: o imobiliário) -, uma carreira de paladino feroz e incorruptível, nomeadamente contra certos interesses de Wall Street, tanto quanto uma arreigada e apregoada postura pública de zelote da moral e dos bons costumes.
Havia então motivos para uma vingança de Wall Street? É provável que sim. Havia razões para a Mossad o deixar cair? Não se avistam quais. Se o tinha onde queria, para quê delapidar a propriedade, o investimento?
Naturalmente, o leitor não é daqueles ingénuos que acreditam que um político pode ruir por razões de moral pública. Nem a moral pública é coisa que exista, nem a sua mistificação significa mais que uma invariável cortina de fumo. Quando se abate um político, arranja-se um pretexto e abate-se. Mas a razão pela qual é abatido nada tem que ver com o pretexto. Permanece oculta, como oculta fica a mão que move os fios. Portanto, não foi por ir às putas que o Eliot se tramou. Nem ninguém estava minimimente preocupado, a começar na própria esposa, que ele andasse ou não andasse nas putas. Por essa ordem de ideias, então o que não seria quando se descobriu que o correspondente na Casa Branca, James Guckert, que fazia perguntas de encomenda para a administração republicana, era, na verdade, o prostituto gay Jeff Gannon, e que, pior ainda, segundo os próprios registos do Serviço Secreto (que trata dos acessos à Casa Branca), muitas das suas visitas tiveram registos da hora de entrada mas não de saída?... E o que é que aconteceu? Nada. Dois bloggers descobriram a morosca, meteram a boca no trombone, O Gannon foi bugiar e acabou-se. Agora comparem com o escândalo em redor das nódoas do vestido da Monica Lewinsky...
Por conseguinte, não duvidem: alguém abateu o Eliot. Quem?
Eliot Spitzer tinha poder, tinha dinheiro, tinha pedigree, tinha futuro, tinha passado, tinha cuidado, mas tombou. O imenso poder judeu nos Estados Unidos (o omnipotente lobby) não o protegeu? É estranho. Até porque a própria operação da Mossad foi ao ar.
Após meditar no assunto, dei comigo a descrer da própria premissa base de tudo isto - a de que Eliot Spitzer estava na calha para se vir a tornar o primeiro presidente judeu dos Estados Unidos... Ponho-me no lugar dos israelitas. Estaria eu interessado em ter um presidente judeu nos Estados Unidos? Se tenho chusmas de gentios prontos a desempenhar a tarefa com bem maior zelo e diligência, com fanatismo de renegado e fervor de tartufo, para quê arriscar com um alvo vivo e permanente para todas as campanhas de desconfiança e de verberação de geonepotismo, geotribalismo, etnofacciosismo, etc., etc.? Se um gentio desempenha com vantagem o cargo, para quê queimar e sujeitar ao desgaste um congénere? Além de que um judeu acabaria por dar menos garantias de submissão. Basta atentarmos que muitos dos críticos mais contundentes de Israel até são judeus e nem todos o fazem por encomenda. Basta também constatarmos como se encontra muito maior liberdade de expressão crítica ou informativa no próprio Estado de Israel do que na generalidade dos media ocidentais. É claro que, pelo sim pelo não, estavam a tratar de ter o Spitzer na mão, com o devido cordelinho preso aos testículos, mas esse era um cuidado básico, elementar, estrita rotina operativa. Não significava forçosamente uma aposta declarada ou conspirativa. Tudo somado, uma tal exposição futura até acabaria por constituir mais um risco do que uma conquista. A discrição é regra basilar da manipulação; a trama hospeda-se e nidifica na penumbra.
Portanto, não se afigura que o Lobby armazenasse grandes motivos nem para promover Spitzer, nem para derrubá-lo. Nem, tão pouco, me parece que a questão mais interessante seja essa. De facto, parece-me antes outra, a saber, teria o Lobby razões para sacrificá-lo? Lograria alguma vantagem nisso?
Isso, claro, não responde à pergunta essencial de quem o fez desabar. E quem o fez desabar - vou adiantando sem mais rodeios (tirando os extraterrestres arqui-inimigos do Engenheiro Ildefonso, hipótese nunca desprezível) -, ou foi Wall Street, ou foi aquilo que, actualmente, se murmura nos corredores como uma eventual reacção WASP à crescente hegemonia judaica na plutocracia americana, ou seja, uma retaliação do Velho status quo contra o Novo - se é que ambos - Wall Street e o Velho Status - não se interpenetram. Uma guerrilha perversa e fratricida de bastidores criptocráticos, em que a própria Wall Street, que sei eu, poderá servir de campo de batalha?...
No entanto, ao desviar o impacto para um activo menor, parece evidente que o Lobby extraíu claros benefícios. Sobretudo, ao criar na opinião pública uma dupla ilusão: a de que o "presidente patrocinado pelo Lobby judaico" tinha sido torpedeado; e a de que, cumulativamente, a teia israelita saíra fragilizada.
Ora, Eliot Pfizer, digo Spitzer, nunca foi o "candidato do Lobby" e a trama continua intacta. O candidato do Lobby é John McCain e, aposto dobrado contra singelo, vai ser o próximo presidente dos Estados Unidos.

segunda-feira, março 17, 2008

Qual escândalo, qual carapuça!...

Seguidamente, escalpelizarei o mais recente escândalo do Governador de Nova Iorque. Neste primeiro postal, em género; num postal seguinte, em espécie.
Sem mais delongas nem rococós,vamos ao género.
Começo pela interrogação capital: minhas senhoras e meus senhores, onde raio reside o escândalo? Um político de elevada craveira vai às putas e isso é motivo para um tremendo escândalo? Bem, no meu –neste caso – superlativo entender, escândalo - depravado escândalo! vergonhoso escândalo! - é fazer-se escândalo duma banalidade dessas. Zombo? Nem um milímetro! É mesmo da mais elementar conveniência pública que ele o faça. Devia toda a república louvar a Deus e à Providência. Enquanto está a ir às putas, o político (seja ele qual seja e em que parte do globo exerça), não está a ir ao povo. No vertente caso, o Eliot ia às putas à noite, depois de passar o dia a ir ao povo. Não reconhecem a vantagem, não a lobrigam claramente? Então, é bem melhor ir ao povo de dia e às putas à noite, do que ao povo noite e dia. Está bem, o Ildefonso Caguinchas no lugar dele, iria às putas noite e dia e mandaria foder o povo. Pois, talvez assim é que estivesse certo, talvez fosse o ideal, mas o Ildefonso não tem nem nunca teve jeito para a política. Por mais que eu o instigue, teima em descandidatar-se.
Todavia, basta de santimónias. Acabemos com hipocrisias e moralidades esclerosadas. A verdade é que as putas desempenham uma função social deveras importante. Crucial, até diria. Distraem e desviam momentaneamente os políticos das costas do povo. Impedem que o abuso continuado derive em chacina sangrenta, à maneira dos romances de Sade. Ao irem às putas, os políticos concedem, ainda que involuntariamente, uma breve trégua no povo e amortecem, em parte, os aleives e ganas do dia seguinte. Direi mesmo que quanto mais um político for às putas menos agressivo e perigoso se tornará para a colectividade que assola.
Entretanto, há já aí um impertinente na audiência a recalcitrar com não sei que contra-argumento. Qualquer coisa do estilo “ah, pois, mas as putas também são povo. Portanto, os políticos não intervalam, apenas porfiam e refodem!”
Bem, ó demagogo da Brandoa, mesmo que as putas sejam povo, isso não belisca em nada a perfeição imaculada do meu raciocínio. Há toda uma diferença fundamental entre ambos os exercícios. Só mesmo um ceguinho militante para não toscá-la em todo o seu esplendor!... É que, quando os políticos vão ao povo, o povo ainda lhes paga (e regiamente!); mas quando vão às putas, pagam eles. Ora, se as putas são povo, sempre é forma do povo recuperar algum e retirar um módico desforço. Quer dizer, num peculiar sentido até podemos dizer que não são os políticos que vão às putas, mas as putas que vão aos políticos. Ou dito doutro modo, o povo recupera ardilosamente durante a noite parte daquilo que pagou e contribuíu estupidamente durante o dia.
Ressalta ainda, no meio deste curioso novelo, uma questão de representação. Dum lado, estão os políticos, que, por decreto regimental, representam o povo durante o dia; e do outro estão as putas, que, por lei da natureza, representam o povo durante a noite. Assim sendo –e não há como negar que o não seja -, os representantes diurnos do povo espoliam-no sistematicamente para pagarem aos representantes nocturnos dele. Resulta assim a Democracia numa Pornocracia; serve o Parlamento de Câmara Baixa do prostíbulo; presta vassalagem o deputado à puta inteira. Justiça poética? Sem dúvida. Motivo para escândalo? Ora, não me lixem.
A não ser que desatemos em preciosismos e pentelhuras... Em minudências genealógicas. De facto, escândalo, um político ir a uma puta (ou vice-versa), só se for por motivo de incesto, jamais por razão de indecência. Porém - e honestamente -, não percebo com que moral nos vamos chocar por um tal filho regressar ao orifício da respectiva mãe, nós, que passamos os dias a mandá-lo, mental ou expressamente, para lá.

domingo, março 16, 2008

Da entomografia progressiva

«Compreendo mal a sua ambição de fazer nome numa época em que o epígono é de preceito. Impõe-se aqui uma comparação. Napoleão teve, no plano filosófico e literário, rivais que o igualaram: Hegel pela desmesura do seu sistema, Byron pela sua irregularidade, Goethe por uma mediocridade sem precedentes. Nos nossos dias, seria em vão que partiríamos à procura dos equivalentes literários dos aventureiros, dos tiranos deste século. Se, politicamente, demos provas de uma demência antes de nós desconhecida, no domínio do espírito revolvem-se apenas pequenos destinos; nenhum conquistador da pena; nada para além de abortos, de histéricos, casos sem mais nada. Não temos e não teremos nunca, segundo receio, a obra da nossa decadência, um Dom Quixote no Inferno. Quanto mais os tempos se dilatam, mais delgada se torna a literatura. E é como pigmeus que nos precipitamos no Inaudito. (...)»
-E.M. Cioran, "A Tentação de Existir"

Parece-me uma perífrase para uma simples sentença: no século vinte, a realidade, tanto quanto irrisar a ficção, evadiu-se dela.
E o Vinte e Um promete enredos geopolíticos ainda mais delirantes. O que, quase aposto, resultará, por arrasto, em que os literatos, mais que jóqueis da frioleira, devirão objecto de entomólogos. O que, sem sombra de dúvida, até terá a sua beleza... O Saramago ou o Antunes, por exemplo, depositados no Panteão fatalmente, mas não num túmulo: num frasquinho de álcool.

Optimismo revigorante

Já agora, uma breve palavrinha sobre os anúncios que rutilam aí na coluna lateral e lá nos fundos. São da inteira responsabilidade da Google Ad-não sei quantos. Não meto prego nem estopa nisso.
Aquele "Deus ama você", porém, ninguém duvide, é uma clara provocação do Timshel. E já vi que vou ter que recorrer a uma dose reforçada de Nietzsche ou de qualquer outro 605 Forte filosófico.
Quanto ao "Piso radiante eléctrico", claramente o meu preferido, é todo ele um manifesto optimista. Reparem: se o piso - que, por definição e natureza implícita, é calcado e espezinhado por todos, bípedes, quadrúpedes, gastrópodes e até répteis -, está radiante, com que direito ou justificativo poderemos nós não estar, dissidir ou sequer duvidar?...
Com Leibnitz não se brinca. E ainda menos com o Sócrates.

Almoço aqui; jantar, no Hades

Naturalmente, não tenho intenção de acabar com o blogue, nem, tão pouco, de cobrar assinatura mensal aos leitores.
Desde logo, em relação à segunda hipótese, por duas razões óbvias e soberanas: uma de justiça e outra de mercado. Aquela, porque não seria justo cobrar aos leitores para me lerem; justo seria pagar-lhes, e principescamente; esta, porque também não haveria mercado para assinantes: haveria decerto mais pessoas neste mundo dispostas a pagar-me para não escrever do que o contrário.
Já em relação à primeira hipótese, porque, além de orgulhoso, iracundo e demasiadas vezes estúpido, sou tenaz. Não desisto facilmente. Significa isto, entre outras belas coisas, que não aprendo com o erro: fortifico-me nele. Entrincheiro-me aos urros de "venham buscar-me se são capazes!". E quanto mais entraves, obstáculos e armadilhas me estendem, mais desafiado e instigado me sinto. Se me disserem: "está ali uma desfiladeiro cheio de perigos!", não é daí que eu fujo: é por aí que eu vou. Além disso há uma velha luta: no canto direiro, calção branco, 80 quilos, dois testículos, um ligeiramente mais descaído que outro, está o candidato ao título, César Augusto Dragão; no canto esquerdo, calção negro, um peso esmagador e toda uma engrenagem fatal e implacável de milénios, está o campeão mundial invicto e absoluto, o Destino. Vamos no fim do quinto assalto, eu já pareço um Cristo, mas o gajo também não se está a rir. Um dia destes, se me suplicarem muito, eu conto.
Mas em relação ainda à primeira, porque sobreleva uma outra razão superlativa que em cada dia mais se acastela e avoluma: eu não posso acabar com uma coisa que já não apenas é minha nem sou apenas eu. E não, não estou apenas a falar desse promontório da sapiência e da virtude que responde pelo título de Engenheiro-Arquitecto-Diácono & Webmonstro Ildefonso Caguinchas, mas daquele núcleo de indefectíveis leitores desta página, torre de menagem que, ainda que tudo o resto desabasse, me obrigaria, me animaria e me galvanizaria à resistência.
Ora, os leitores prontificaram-se a notificar-me de que não estavam pelos ajustes. Que eu não podia matar uma coisa que já não era apenas minha. Que já não me dizia apenas respeito a mim.
Sou o primeiro a dar-lhes razão. A conceder-lhes esse inalienável direito de co-propriedade. Tanto quanto aquilo que aqui exerço, se algum talento tem, decerto também não é meu, nem, ainda menos, mero alambique do meu umbigo (por mais delirantes que sejam os cenários em que se fantasie). A verdade é que Algo mo emprestou, mo concedeu a prazo. O mesmo Algo que, estou certo, me pedirá um dia sérias contas por ele. Algo que, no mínimo, entre outras, desempenha as terríveis funções de Presidente do Tribunal da minha Consciência.
Concluindo, a questão não era acabar com o blogue nem transformá-lo na sua antítese. A questão era - e é - bem mais comezinha, mas não menos premente. Os leitores, de resto, já a entenderam quase na perfeição, estão a agir em conformidade e, de facto, mais não almeja que a manutenção deste espaço comum ao nível a que nos habituou a todos e donde, nem eu nem vós, concedemos que desça. Dito por outras palavras: não podemos abandonar à sua sorte o tipo do rés-do-chão, esse vulnerável atlas humano que suporta sozinho as colunas de todo este nosso obstinado cosmos.
Perante todos vós, caros leitores e amigos, resta-me, pois, a obrigação acrescida na pena, o tributo sincero dum grande "bem hajam" e uma saudação especial às portas deste desfiladeiro que nos vela a todos: "Bem vindos às Termópilas! O almoço, frugal, é aqui; o jantar, opíparo, esse, será no Hades."

sexta-feira, março 14, 2008

No fio da navalha



Ora bem, temos duas hipóteses:
a) Este blogue acaba;
b) Este blogue passa a ser exclusivo a assinantes (cada qual estipula quanto é que paga/mês) e eu deixo de me baldar na escrita;

Isto, porque parto do princípio que não posso recomendar aos leitores que tenham a amabilidade de clicar na porcaria dos anúncios e, mesmo que pudesse, suponho que isso constituíria um trabalho descomunal e sobre-humano que os deixaria, no mínimo, exaustos e a golfar sangue, suór e lágrimas.

Se dependesse só de mim, nada disto se colocaria. O pior é que não depende. E se em mais de quatro anos eu não cobrei mais que tempo e algum riso, o facto é que a mim outros cobraram bem mais rasteiro tipo de factura.
Caso não tenham percebido, a censura - que dantes era política - agora é económica. E é bem mais soez, cavilosa e opressiva. Tornou-se sistémica, venenosa e encapotada.
Como para bom entendedor meia palavra basta, não me alongarei mais.
Agora é convosco.

quinta-feira, março 13, 2008

Eu, Dragão pecador, me confesso

Nos anteriores pecados mortais, dois em especial aviavam-me em boa velocidade para o inferno: a Ira e o Orgulho. Os restantes nem por isso. Sou um tipo espartano. Era capaz de estar no deserto a comer gafanhotos e a perorar aos calhaus na maior das calmas e descontracções, desde que, claro está, não me chateassem. Porque quando me chateiam está o caldo entornado. E eu chateio-me com uma certa facilidade. Ora, aí, lá rebenta a Ira, e lá desato a pecar desvairadamente, com todas as minhas forças e mais os seiscentos diabos que cismam de surfar nelas. Com o orgulho ainda é pior. Prefiro nem falar nisso.
Resta-me apenas uma dúvida: onde se encaixam as mulheres nesta tabela antiga... Na luxúria? Na gula? Na avareza? Na inveja? Porque, bem vistas as coisas, com essas apetitosas criaturas, acho que cometo, pelo menos, o trio último (e respectivos derivados): sou guloso, ganancioso, voraz, avarento, cobiçoso, unhas-de-fome, invejoso, ciumento, garganeiro, açambarcador e só não cometo a luxúria porque, ao contrário do governador de Nova Iorque, me falta a verba dos contribuintes. Tivesse-a eu em justa quantidade, como, aliás, me era devido e mais que merecido, e o prazer ufano, goivótico com que a derreteria entre vulvas, mamas e nalguedos!...
Mas calma, Dragão, não nos alucinemos.

Vejamos antes que tal fico na nova tabela de crimes...

1.Em relação à "manipulação genética" estou completamente isento de qualquer mácula. Não manipulo. Na juventude manipulava. Mas agora prefiro que me manipulem. Ou abocanhem. Felizmente, a "abocanhação genérica", como diria o meu consócio e Engenheiro, não consta na lista.

2. Com respeito às "experiências científicas com cobaias humanas" também estou imaculado. O meu ramo é mais o das "experiências filosóficas com cobaias humanas" - que são, para que conste, eu próprio, a mulher e os filhos. Confrontam-se geralmente o meu solipsismo e o estoicismo deles. Ocasionalmente, o Kantismo da minha bem amada esposa também se esmera na "Crítica do Dragão Puro". E outras vezes, eu próprio, fora de casa, alterno as "experiências filosóficas" em "experiências estéticas em cobaias vagamente humanas", isto é, corrijo à patada uma quantas focinheiras bestialmente asquerosas de biltres, labregos e badamecos que nem me agradecem.

3. No que concerne à "poluição do meio ambiente" acho que estou em pecado. Além de produzir lixo, não separo. Eles que o separem, o mastiguem, o vendam, o comprem, o idolatrem, façam como bem entenderem. Se as televisões, os ministérios, os jornais e editoras culturais podem emitir lixo a granel, entulho de aluvião, sem qualquer interrupção nem critério, não vejo porque é que eu, simples paisano contribuinte, hei-de estar com essas mesuras e esquisitices. Ao menos sempre tento compensar com um modestíssimo - mas tenaz - contributo para a despoluição blogosférica.

4. Quanto a "causar injustiça social", só se for na qualidade de vítima. Porque, convenhamos, os causadores desta infâmia não conseguiriam pecar sozinhos. As vítimas são suas cúmplices, um belo raio as parta. É uma perspectiva que acaba de me ocorrer, mas que me deixa atordoado e com vontade de pregar uns valentes murros em mim próprio.

5. Já no que refere ao "causar pobreza" também fico ligeiramente confuso. "Causar pobreza" a si próprio também conta? E que tipo de pobreza - material? Mental? S.Francisco de Assis vai ser descanonizado?...

6. De "enriquecimento obsceno" é que estou absolutamente limpo. Nem obsceno, nem pudibundo, nem de qualquer espécie, clube ou categoria. Mais rigorosamente enxuto do que eu será difícil. De modo a não correr sequer o risco de pecar nesse departamento, nem a taludas me habilito ou casinos demando. Nisso, da fortuna, de resto, sou mesmo um perfeito pirata: tesouro ganho é tesouro gasto. Torrado e refundido o mais depressa e reconditamente possível. Legassem-me hoje mesmo uma imensa herança e em menos de nada já eu a teria delapidado com as pobrezinhas.

7. E tomar drogas também não é comigo. Além de não ingeri-las por qualquer dos orifícios proverbiais, em forma de drageia ou supositório, também não as ingurgito, de regular, por olhos nem ouvidos. Cinema é estábulo que não frequento vai para mais de oito ou dez anos e televisão é caixote que raramente vislumbro.
Tudo somado, sou capaz de ter ficado a ganhar com a pecamentosa reforma. Continuo a ir parar ao inferno, mas suspeito que a alma já não vai em correio azul: segue em correio normal (e, com um bocado de sorte, ainda se extravia).
Todavia, se lá chegar, sei bem o que o meu primo das profundezas exclamará:
"Este vem da Terra, rapazes! Tratamento especial. É da família; e já vem bestialmente calejado!..."

quarta-feira, março 12, 2008

Os novos pecados mortíferos



Os novos sete pecados mortais, segundo o Vaticano:
1. Manipulação genética;
2. Experiências científicas em cobaias humanas;
3. Poluição do meio ambiente;
4. Causar injustiça social;
5. Causar pobreza;
6. Enriquecimento obsceno;
7. Tomar drogas.
«Os "pecados do passado" - luxúria, preguiça, inveja, avareza, gula, ira e orgulho - têm uma "certa dimensão individualista», disse Monsenhor Gianfranco Girotti ao Observador Romano, o jornal oficial do Vaticano. Os novos sete pecados mortais, em contrapartida, foram projectados de modo a fazerem os crentes perceber que os seus vícios também têm efeitos sobre os outros.»

Chamo a atenção para um detalhe deveras irónico que assoma da adaptação tanto quanto a justifica : em vez de se tornarem altruístas na virtude, os macacões vaidosos tornaram-se altruístas no vício. Até se derretem todos por fazer mal aos outros.
Entretanto, esta nova tabela de iniquidades, se não despacha a actual humanidade inteira para o inferno, anda lá perto.
Brevemente, analisarei aqui o meu caso pessoal... A ver que tal fico, segundo o novo enquadramento. Assim, à primeira vista, parece-me que até saí favorecido. Uff!, finalmente, uma boa notícia.

Purga é pouco

O actual PSD é uma nulidade. Parece-me um facto evidente. Pode-se pois dizê-lo à vontade e sem grande temor de erro. O que não se pode é dizê-lo como se isso fosse uma catástrofe excepcional, ou seja, como se os anteriores PSDs também não o fossem. Como se alguma vez tivesse existido um PSD que não fosse, mais que essa nulidade, esse sítio mal frequentado, esse antro de malfeitores vorazes a quem substancialmente devemos esta Ribeira dos Milagres que actualmente somos. Aliás, a proeza cíclica e fatal do PSD é colocar no poleiro a única porcaria que ainda é pior e mais malfeitora que ele: o PS. Da última vez, com requintes de maioria absoluta. (Eventualmente o PCP, ou o PP poderiam ainda ser piores, mas faltam-lhes recursos humanos para isso; o BE, em contrapartida, seria excelente pois ocasionaria uma pronta e alegre guerra civil, que é o que isto anda a precisar há muito tempo).
Agora, se o cacique actual da tribo, o tal Menezes, anda a fazer purgas intestinas, sobe já na minha consideração. Viva o Menezes! Purgas, sangrias, razias, desinfestações, desratizações, podas camarárias, linchamentos, chacinas mau-mau, limpezas Tide são soluções - mais que abençoadas. - urgentes. Se pecares, ó Menezes, será sempre por escassez. Como na simples purga, por exemplo. Pressupõe drenar uma coisa que, entre insectos rastejantes e parasitas intestinais, não abunda nem complica: sangue. Ora, a substância da complicação é outra e não se resolve com simples purga. O ideal é mesmo o clister. Todos os dias.

terça-feira, março 11, 2008

Para todos e para ninguém



O Luís, uma agradável surpresa, teceu uns meritórios comentários a um postal meu. Fê-lo nos comentários do Cocanha, onde a Zazie, naqueles ímpetos suicidários que ocasionalmente a visitam, expusera a peça; mas eu, se não se importa, respondo-lhe aqui.

Pois bem, em primeiro lugar a questão literária. Diz o Luís que eu exagero ao considerar o Nietzsche do melhor que a literatura alemã tem. Está no seu pleno direito. Repare que literatura é uma questão essencialmente de gosto e não adianta muito discuti-la. Se me acenar com o Hölderlin, o Kafka ou o Thomas Man não me demove nem um milímetro. E bastava o Frederico ter escrito apenas o Zaratustra, como o Cervantes o D.Quixote, o Swift as Viagens ou Homero a Odisseia. Mas bem mais interessante do que ficarmos para aqui a regatear, escutemos o que diz o próprio Nietzsche da sua prestação "literária":
(Numa carta a Von Stein, em 1882)
«Wagner, uma vez, disse que eu escrevia em latim e não em alemão, o que é verdadeiro e até soa muito bem aos meus ouvidos. Eu não posso ter por qualquer alemão mais que um certo interesse exterior, visto que, se V. considerar o meu nome, verá nele, sem dúvida, a minha origem polaca. Com efeito: os meus antepassados eram nobres dessa nacionalidade e até a mãe de meu avô pertencia a ela. Fiz do meu semi-germanismo uma virtude e esforço-me por dominar a arte do idioma germânico mais do que é possível a um alemão.»
E noutra carta, agora a Erwin Rohde, em 1884, escreve ele:
«A ti, como homo litteratus, quero fazer uma confissão: creio ter levado, com o meu Zarathustra, o idioma alemão à sua perfeição máxima. Depois de Lutero e de Goethe, ficara ainda para dar um terceiro passo. Repara bem e diz-me se alguma vez viste tão unidos no nosso idioma, a força, a flexibilidade e a musicalidade. Lê Goethe, depois de uma página do meu livro, e sentirás que aquele ondulatório que Goethe atava como um desenhador, não lhe era estranho, tão pouco como escultor do idioma. Venço-o, na viril severidade das linhas, ainda que sem cair, como Lutero, na aridez e na secura.
O meu estilo é uma doença, um jogo de simetrias de todas as espécies, e um saltar e zombar destas mesmas simetrias. Chega até à escolha de vogais.
Perdão! Acautelar-me-ei de fazer esta confissão a qualquer outro. Mas tu disseste-me uma vez, e creio que foste o único a fazê-lo, o prazer que encontravas na minha linguagem.»

Como vê, o próprio Nietzsche concorda comigo. Comigo e consigo. Já que o Luís, num postal bastante louvável que publicou no seu blogue até concorda connosco: «o que o torna [ao Nietzsche] possivelmente o maior filósofo e um dos maiores escritores do século XX (porque entre as duas entidades havia nele uma ténue fronteira).» Só não subscreveria a data. No restante abraço-o fraternalmente (até porque não seria mais século, menos século que estragaria a festa).
Posta a literatura, passemos à filosofia.
Basicamente é o epílogo do meu postal. Afirma o Luís que "discorda da atribuição que aí faço a Nietzsche". Na verdade, não a entende. Nessa medida, ela para si não faz sentido. É diferente de discordar. Se um dia a entender, eventualmente até poderá discordar ainda com mais intensidade. E propriedade. Mas até lá não concorda nem discorda: estranha-a. E a função dela, em parte, é mesmo essa: intrigar o caminhante. Entendo, todavia, o seu estranhamento e registo-o com agrado. Até porque o manifesta em moldes perfeitamente aceitáveis, claros, compreensíveis.

Agora, repare: não foi por acaso que eu comecei um postal sobre Nietzsche a falar em Jesus Cristo. Faz parte do enigma. Quer ouvir o resto? Nada como colocar a questão no local devido, ou seja, no abismo: e se eu lhe disser que suspeito seriamente que Jesus era bem mais nietzschiano que paulista? Nietzsche, pelo menos, acreditava nisso.
Além disso, se bem me lembro, distinguiu "cristão" de "cristianismo". Disse que o "primeiro Cristão foi também o último e morreu na cruz". Uma esfinge, este Nietzsche. Será que um dos problemas dele era considerar que a doutrina matava a acção? Que a Fé na Palavra do Justo fora usurpada pela fé nas "luzes" das Estradas de Damasco? Que o fariseu arrependido judaízara a tragédia absolutamente grega da cruz?
O certo é que situar Nietzsche é tão difícil e recôndito quanto situar o Reino de Deus, segundo as palavras de Jesus: «Ninguém poderá afirmar: "ei-lo aqui" ou "ei-lo ali"...» Tal qual Este está em toda a parte e não está em lugar nenhum, aquele escreveu para todos e para ninguém. Quem tiver ouvidos que ouça, quem tiver olhos que veja.
Saúdo-o com estima e despeço-me.