Nos anteriores pecados mortais, dois em especial aviavam-me em boa velocidade para o inferno: a Ira e o Orgulho. Os restantes nem por isso. Sou um tipo espartano. Era capaz de estar no deserto a comer gafanhotos e a perorar aos calhaus na maior das calmas e descontracções, desde que, claro está, não me chateassem. Porque quando me chateiam está o caldo entornado. E eu chateio-me com uma certa facilidade. Ora, aí, lá rebenta a Ira, e lá desato a pecar desvairadamente, com todas as minhas forças e mais os seiscentos diabos que cismam de surfar nelas. Com o orgulho ainda é pior. Prefiro nem falar nisso.
Resta-me apenas uma dúvida: onde se encaixam as mulheres nesta tabela antiga... Na luxúria? Na gula? Na avareza? Na inveja? Porque, bem vistas as coisas, com essas apetitosas criaturas, acho que cometo, pelo menos, o trio último (e respectivos derivados): sou guloso, ganancioso, voraz, avarento, cobiçoso, unhas-de-fome, invejoso, ciumento, garganeiro, açambarcador e só não cometo a luxúria porque, ao contrário do governador de Nova Iorque, me falta a verba dos contribuintes. Tivesse-a eu em justa quantidade, como, aliás, me era devido e mais que merecido, e o prazer ufano, goivótico com que a derreteria entre vulvas, mamas e nalguedos!...
Mas calma, Dragão, não nos alucinemos.Vejamos antes que tal fico na nova tabela de crimes...
1.Em relação à "manipulação genética" estou completamente isento de qualquer mácula. Não manipulo. Na juventude manipulava. Mas agora prefiro que me manipulem. Ou abocanhem. Felizmente, a "abocanhação genérica", como diria o meu consócio e Engenheiro, não consta na lista.
2. Com respeito às "experiências científicas com cobaias humanas" também estou imaculado. O meu ramo é mais o das "experiências filosóficas com cobaias humanas" - que são, para que conste, eu próprio, a mulher e os filhos. Confrontam-se geralmente o meu solipsismo e o estoicismo deles. Ocasionalmente, o Kantismo da minha bem amada esposa também se esmera na "Crítica do Dragão Puro". E outras vezes, eu próprio, fora de casa, alterno as "experiências filosóficas" em "experiências estéticas em cobaias vagamente humanas", isto é, corrijo à patada uma quantas focinheiras bestialmente asquerosas de biltres, labregos e badamecos que nem me agradecem.
3. No que concerne à "poluição do meio ambiente" acho que estou em pecado. Além de produzir lixo, não separo. Eles que o separem, o mastiguem, o vendam, o comprem, o idolatrem, façam como bem entenderem. Se as televisões, os ministérios, os jornais e editoras culturais podem emitir lixo a granel, entulho de aluvião, sem qualquer interrupção nem critério, não vejo porque é que eu, simples paisano contribuinte, hei-de estar com essas mesuras e esquisitices. Ao menos sempre tento compensar com um modestíssimo - mas tenaz - contributo para a despoluição blogosférica.
4. Quanto a "causar injustiça social", só se for na qualidade de vítima. Porque, convenhamos, os causadores desta infâmia não conseguiriam pecar sozinhos. As vítimas são suas cúmplices, um belo raio as parta. É uma perspectiva que acaba de me ocorrer, mas que me deixa atordoado e com vontade de pregar uns valentes murros em mim próprio.
5. Já no que refere ao "causar pobreza" também fico ligeiramente confuso. "Causar pobreza" a si próprio também conta? E que tipo de pobreza - material? Mental? S.Francisco de Assis vai ser descanonizado?...
6. De "enriquecimento obsceno" é que estou absolutamente limpo. Nem obsceno, nem pudibundo, nem de qualquer espécie, clube ou categoria. Mais rigorosamente enxuto do que eu será difícil. De modo a não correr sequer o risco de pecar nesse departamento, nem a taludas me habilito ou casinos demando. Nisso, da fortuna, de resto, sou mesmo um perfeito pirata: tesouro ganho é tesouro gasto. Torrado e refundido o mais depressa e reconditamente possível. Legassem-me hoje mesmo uma imensa herança e em menos de nada já eu a teria delapidado com as pobrezinhas.
7. E tomar drogas também não é comigo. Além de não ingeri-las por qualquer dos orifícios proverbiais, em forma de drageia ou supositório, também não as ingurgito, de regular, por olhos nem ouvidos. Cinema é estábulo que não frequento vai para mais de oito ou dez anos e televisão é caixote que raramente vislumbro.
Tudo somado, sou capaz de ter ficado a ganhar com a pecamentosa reforma. Continuo a ir parar ao inferno, mas suspeito que a alma já não vai em correio azul: segue em correio normal (e, com um bocado de sorte, ainda se extravia).
Todavia, se lá chegar, sei bem o que o meu primo das profundezas exclamará:
"Este vem da Terra, rapazes! Tratamento especial. É da família; e já vem bestialmente calejado!..."
"só não cometo a luxúria porque, ao contrário do governador de Nova Iorque, me falta a verba dos contribuintes"
ResponderEliminarlooooooool
dragão, se dependesse de mim mandava erigirem-te uma estátua
nunca esta ditosa pátria de labregos (na qual humildemente me incluo) pariu uma tal luminária
Felizmente para os fiéis católicos, basta dar uma "rezada", contribuir com uma esmolinha e estará perdoado. ;O)
ResponderEliminarTextículo catita, sim senhor.
ResponderEliminarCaro Dragão
ResponderEliminarFique tranquilo, ninguém vai parar ao inferno. E não é uma questão de sorte. Ela só existe, porque o saber é uma eterna criança...
Já não me lembro que foi que aconselhou os políticos a não levarem os cães com eles para o céu, porque ao contrário do que muitos julgam, este rege-se pela benevolência e não pela competência. Caso fosse pela competência, os políticos ficavam à porta e entravam os cães (gatos, canários, periquitos, melões...ops, dragões, jaguares, peixes, cavalos marinhos... (que falta fazem aos políticos, devia ser mascote obrigatória), tartarugas, etc, etc, etc.
Só um Dragão podia escrever este texto hilariante e profundamente verdadeiro.
ResponderEliminarUm abraço
Este cardeal não deve muito à inteligência. Isto bem analisado cabe tudo nos outros 7. Lamento pela má notícia.
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