segunda-feira, outubro 31, 2005

Só pra dar um recado...

Passei só para dizer, ó Dragão, que continuo ocupado com aquele livro que me emprestaste. Aquele, o calhamaço. Continuo sem entender patavina daqueles gatafunhos, mas, por isso mesmo, decidi fazer como os intelectuais e outra rataria que tal: passei a corrigi-lo. Já corrigi o título... Agora chama-se “Crítica da Razão Puta”.
A seguir vou dar uns retoques no nome do autor. Imanuel é um bocado foleiro, pimba, não achas?...
O Armindo manda dizer que a Teresa esteve lá na tasca e perguntou por ti. Ele achou-a nervosa, rosada e com a barriga alterada.
Agora tenho que ir. ‘Tou a começar a gramar filosofia!...
Dá aí cumprimentos ao clã!...

Nano-Micro-Pintelho Causa: Uma Barbie portuguesa


Decorre no Porto, segundo escutei nas tele-notícias (e podeis confirmar aqui), uma exposição comemorativa da boneca Barbie.
Num ápice, fulminado por um ímpeto clarividente, ocorreram-me uma catrefa de nano-micro-pintelho-causas sublimes, cada qual mais urgente que a anterior...
Em primeiro lugar, na minha qualidade de secretério-geral da LDCPN (Liga para a Defesa e Conservação da Pintelheira Nacional), vou escrever desde já, em chocada reclamação, aos autores/mentores/e fabricantes da boneca, ou seja, à Mattel, contra o facto da dita cuja vir desprovida de pelos púbicos, vulgo pintelhos, o que induz em erro e gera um péssimo paradigma na tenra mioleira das crianças. Com tais exemplos nefastos, não admira que mais tarde se escalvem e descabelem onde menos devem. Esta, como devem calcular, é uma questão transcendente, de importância capital. Daquelas que pode gerar uma indignação capaz de culminar em atentados bombistas. Fiquem atentos: Um abaixo signatado circulará em breve. Escusam de lê-lo (até porque o vosso entendimento da palavra escrita é muito precário); basta assinarem e vociferarem nas ruas, quando for superiormente determinado (entenda-se: quando eu disser).
Em segundo lugar, passo a expor a catrefa de nano-micro-pintelho causas propriamente ditas.
Todas elas, registem desde já, orbitam à volta dum conceito fulcral: a adequação da Barbie ao nosso eco-sistema, ou dito por outras palavras, uma Barbie para os portugueses. Uma Barbie que nos espelhe, e não uma que nos aculture e colonize. Vá comer Mcdonnald’s para a puta que a pariu!
Note-se que quando eu digo portugueses refiro-me, como devem calcular, àqueles múltiplos infelizes sem meios de fortuna ou prebendas de tribo ou seita, que lhes permitam ser outra coisa qualquer. Aqueles que, proscritos das gordurosas elites e respectiva macacada satélite, se encontram destituídos da possibilidades de adopção, por mimetismo, de outra nacionalidade ou cultura e flanar ao alto em conformidade, pilotando ora múltiplos tachos, ora fantásticos jobs, ora resmas de sabujos acólitos e plateias de acéfalos babosos. Para estes está muito bem a Barbie com Ferrari, a Barbie Bond-Girl e outras opulências que tais. Mas para aquel’outros que refiro, os tais portugueses sem escapatória, que estão mesmo condenados a ser portugueses, 24 horas por dia, trinta dias por mês e 12 meses por ano, repito, sem fantasias, sem carnavais, sem devaneios nem partido, não existe puta de Barbie nenhuma e isso, além de trágico, é inadmissível. Num tempo em que hordas de coca-bichinhos exaltados espiolham a eito à cata de discriminações hediondas, eis aqui uma colossal, daquelas dignas de registo e merecedoras, senão dum Laiv Aid 9, pelo menos duma marcha decidida a pôr cerco ao parlamento. Nem quero imaginar quando os U2 souberem disto.
Porque, embora não pareça e a sua transparência proverbial dificulte as coisas, esta gente também é gente. Os portugueses, por incrível que pareça, existem carnalmente; não são apenas dígitos estatísticos. Cada vez menos, é certo, também têm filhos e estas crianças precisam de crescer com modelos que os preparem e instruam no seu futuro; carecem, como de pão para a boca, de moldes-guias para a sua imaginação, cenários que, ao mesmo tempo, as predisponham e conformem com os seus horizontes existenciais. Há cuidados paliativos mínimos a ter com certas doenças crónicas, dolorosas e incuráveis... São crianças que nascem já de pernas partidas, ou atrofiadas, e que, durante toda a sua vida vão ser atropeladas e violadas por profissão e princípio. Num mundo inóspito, cínico e grotesco, que se entretém a decorar com elas cadeiras de rodas mentais, um resquício de caridade, pelo menos durante os breves anos da infância, não fica mal a ninguém. Um pequeno simulacro que seja, que diabo!... A forma como estes tetraplégicos sociais reptam desde o berço até à sepultura, apanhando traulitada e escarro gorduroso pelo meio, devia merecer-nos alguma atenção, para além daquela que geralmente usamos e que consiste em, sempre que possível, acertarmo-lhes a cabeça.
Há crueldades e requintes de malvadez que são absolutamente desnecessários. Pior mesmo do que aquilo para que os reservamos na idade adulta e pela vida fora, é o deboche de infestá-los de ilusões e fantasias parvas nos verdes anos. A sucessão de choques e desilusões, de abismos e desesperos para que isso os prepara e adestra não tem classificação e só releva dum sadismo nojento, volutábrico, digno de hienas canibais.
Por isso, enquanto os portugueses não deixam de procriar de vez, poupando assim a sua descendência a agruras e tribulações horripilantes, o mínimo de atenção que o Mercado lhes deve, já que mais ninguém se preocupa, é disponibilizar-lhes brinquedos para os filhos que ajudem a conformá-los e não a deformá-los mais do que aquilo que já nascem. Que, em vez de os iludirem com asas que nunca terão e jamais lhes germinarão miraculosamente dos costados, os mentalizem para a paulada inexorável nos mesmos, bem como para as muletas e cadeiras de rodas que o futuro lhes reserva com generosidade imarcescível.
Em resumo: Queremos uma Barbie para as crianças portuguesas. Uma Barbie que respeite a sua cultura, as suas idiossincrasias e, sobretudo, que as conforme com o seu futuro, servindo como lenitivo antecipado à sua vida adulta (omito qui, por caridade, o adjectivo “desgraçada”). Lenitivo, aperitivo e incentivo, claro está.
Esta é a nano-micro-pintelho-causa para que vos convoco e cujo manifesto seguirá de imediato para a Mattel.
Resumir-se-á a exigir, sem mais delongas nem turpilóquios, o fabrico e distribuição no nosso país dos seguintes modelos da lendária boneca:
1. A Barbie Desempregada
2. A Barbie Operadora de telemarketing
3. A Barbie Acompanhante
4. A Barbie Massagista
5. A Barbie Sem-Abrigo
6. A Barbie toxicodependente
7. A Barbie Figurante

As Barbies e os respectivos Kens, bem entendido. Ah, e com pintelhos, nunca esquecendo. A Barbie! O Ken, esse, pode continuar a vir capado. É um pormenor de grande realismo e uma lição indispensável ao futuro dos nossos pequenotes.

Tenho dito.

domingo, outubro 30, 2005

Consolação dos aflitos

Legenda: O candidato-em-Si
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«Felizes os que lacrimijam, porque serão enfraldados".
- Anónimo
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A Tuna-Coro evangélico-dos-Neoliberais-neoconinhas-e-barnabus-dos-Últimos-Dias confessa-se órfã e desgostosa com o cenário anunciado das próximas eleições presidenciais. A fazer fé nas declarações preliminares, parece que só existem candidatos confessos do modelo social. Uma lástima! Não há nenhum sociopata que se candidate.
Carpem, pois, os nosso pequenos barnabus, a sua triste sina de abandonados e liquefazem-se numa dacriúria insulapada.
Então?..., ânimo, rapazes! Uma pausa na puerilidade compulsiva, por instantes. Tentai, ao menos, um breve relance para lá dos muros do orfanato. Que diabo, lembrai-vos que o que os candidatos das eleições juram antes corresponde invariavelmente ao contrário que vão fazer depois. É uma lei da coirofísica nacional, tão exacta como os axiomas mais inexpugnáveis da matemática e da geometria. Portanto, este prelúdio tenebroso só garante o amanhã canoro que se aproxima. Na verdade -alegrai-vos!- estamos perante cinco sociopatas da melhor lavra; cinco sénior-killers anelantes de desgraçar ainda mais os desgraçadinhos e mimar ainda mais os mimosos; uma mancheia de ogres antropofóbicos decidos a fazer mal às pessoas, sobretudo às detentoras de passaporte português que, por alturas de 2006, ainda não tenham emigrado.
E tranquilizai-vos duplamente, pobres crianças: não só os mostrengos celerados tratarão com ferina e exemplar crueza a sociedade, como, detalhe crucial, em nada melindrarão do essencial do seu primo e nosso Estado leviatã, pelo que os vossos sagrados empregos e derivadas mordomias jamais periclitarão ou ficarão minimamente em risco. Todos eles.
-"Eia! Viva! Oba! O dragão salvou-nos o dia!...", podeis gritar à vontade. Desoprimir o espírito faz bem à saúde. Mas nada de agradecimentos supérfluos: as más acções não carecem agradecimento. Menos ainda com os vossos valiosíssimos links (a punheta de audiências nunca me preencheu as fantasias). Quando muito, aceitarei uma medalha de liberdadeiro-mirim honorário. Dessas com que condecorais os amiguinhos.
Cumprimentos ao papá!...
O candidato poeta
O candidato Loução
O candidato Jerónimo
O candidato Soares
O candidato Silva

Pandemias



Dizem que vem para aí uma pandemia para nos afligir. Como se já não bastasse esta pandemocracia que nos consome...

sexta-feira, outubro 28, 2005

A Ectosofia



A explicação cínica e retórica de que é assim porque sempre foi assim, pode parecer imbuída de mundana sapiência e comprovada experimentação, mas não convence. O "não pensar mais nisso" é só mais um capítulo, deveras prestigiado, do "não-pensar". Este, por seu turno, constitui-se como departamento proeminente do "Não Querer Saber", o qual, por sua vez, agrega e combina o "não querer eu saber" e o "não querer que se saiba", e decorre duma certa conveniência superlativamente mundana, mas completamente acósmica. Quanto à melhor forma do "eu não saber", ou pelo menos a mais praticada, reside na convicção e conversão permanente ao "não existir" do que não se quer saber, nem que se saiba –não estar presente, não ter conhecimento –, ou, mesmo que remotamente exista, "não ser do nosso conhecimento". Parece uma charada, mas não é. Basta acender-se a televisão, e ei-lo que jorra, profuso, recorrente, entre debates e telejornais.
Aliás, é tanto menos charada quanto o próprio percurso Ocidental pós-Helénico se pode efectivamente traduzir como uma fuga à pergunta e, consequentemente, à demanda em que consiste a "sabedoria". Se atentarmos no conceito de "filósofo" grego e no conceito de "sábio" actual, a diferença é, por si só, amplamente esclarecedora. Dum lado o "amor a"; do outro a "posse de": O filósofo antigo é aquele que ama, que acompanha, que aspira e busca a sabedoria; o sábio actual – Globtrotter, erudito, expert, doutorado, premiado, carreirista, capelão, autoritário, burguês –, ao contrário, é aquele que domina, que possui, que debita. Debitar, refira-se, no preciso sentido em que, a cada instante, lavra o nosso débito e aumenta o seu crédito, enfim, trafica e transacciona o seu saber (o seu produto ou mercadoria). Cremos piamente nele –creditamo-lo; e ele debita-nos o seu saber –cobra-nos, quer dizer, salda e põe cobro a todas e quaisquer dúvidas, angústias ou reminiscências. Em suma: um turbo-sofista ou dinociente. A coisa não anda longe da banha ou unguento milagrosos, lendárias panaceias à mão de semear. Tudo o que há para saber, que é possível e conveniente saber em dado momento, ele sabe, explica. Não para que se compreenda, estime ou contribua para qualquer melhoria significativa do nosso espírito, mas para que não se pense mais nisso, ou mais exactamente, para que se continue a não pensar nisso. Pertence também ao corpo de massagistas da Opinião Pública. Anseia e esforça-se por um tempo de antena ou espaço na notícia. Congrega, como qualquer estupefaciente moderno, uma mescla explosiva de propriedades anestésicas e aceleradoras. Um narco-paroxíntico, em suma. Caso, por algum azar enigmático, ainda não nos encontremos debaixo dos seus efeitos, depara-se-nos, então, um mundo de pródiga bizarria onde o pensamento, no seu simulacro autorizado, se treina em ginásios especializados na musculação de espíritos. O quadro é de tal ordem – os ditos espíritos, suados para a alta competição, tão indistintos das pernas –, que, depois de o vermos, sobrevem a náusea fatal daquele que preferia nunca ter visto. A quadrupedia, substancialmente vantajosa em se tratando de correria, está pois na moda, sendo agora mental. O treino e perseverante adestramento não descansa mesmo enquanto as sublimes performances e recordes que as promissoras desmultiplicações dos octópedes e miriápodes não forem alcançadas. Esta dromopedia mental, levada a cabo por cérebros herculíneos à desfilada por pistas olímpicas, reflecte na íntegra essa "ectosofia" que redunda, sem dó nem piedade, na "paranóia". Simultaneamente, é o pensamento-força, obra de músculo que se impõe ao pensamento-ideia, acto de espírito. É o triunfo do pensamento latejante, culturista, anabolizado; e o descrédito em toda a linha desse anacronismo simbolizante, famélico, descarnado, quixotesco. Concluindo: a fuga à pergunta, o exílio da sabedoria descambam fatalmente num pensamento prótese, catalizador, turbo-compressor, só que, na verdade, um pensamento fora de si, desiquilibrado – não do homem para o Homem, mas do mundo para o mundo –e, a limite, do mundo contra o ser do Homem. De resto, a crise actual já nem configura a adaptação do Cosmos ao homem, mas antes deste ao seu próprio mundo. Criado o monstro Frankenstein, este, animado do espírito do criador, ainda desponta e já descobre, lamenta e se propõe corrigir a monstruosidade daquele que o criou. A besta artificial fará, assim, ao homem, o que o homem fez ao cosmos. Lembra a "athé" grega, a lei implacável da retribuição cósmica: o mal que alguém desencadeia é o mal que lhe há-de caber em sorte; o excesso autocorrige-se. O mal é sempre o mal de si próprio.

quinta-feira, outubro 27, 2005

Epistemologias e antipistemologias

Lá está, caro PedroMS, todas as formas de saber têm os seus méritos: é preciso é delimitar com rigor os seus campos de aplicação. A ciência aos vírus, a filosofia aos grandes enigmas metafísicos e a prosápia dos comentaristas... bem, essa é tão bacorejante, tão lorpa, que só se vislumbra mesmo um destino possível: as pessoas.
Muitas vezes esquece-se que, mais que com ciências e filosofias, a humanidade, por estes nossos dias, atarefa-se, moureja e desunha-se com o aperfeiçoamento duma Teoria do Desconhecimento. A Antipistemologia, permita-me o neologismo. Não me espantarei até se a Ignorância devier forma de religião Global. Há indícios alarmantes, tendências avassaladoras, de que a liberalização dos mercados corresponde, nas mentes, à liberalização da asneira. Não é por acaso que o asno sempre foi o companheiro inseparável do almocreve.

Fetichismos ou Dois Pingos de (falta de) vergonha

Ao contrário de ti, meu caro Timshel, o único cartaz do BE (Bosta de Esquerda) que me distraíria momentaneamente da náusea geral que aquilo, todo aquele folclore hipócrita de esquerda Beta, me causa, seria um, de preferência mega-outdoor luminoso, com a Joana Amaral Dias em cinto-de-ligas, ou cat-woman, ou, o que ainda seria melhor, toda nuinha e apenas com um mini-avental. Mas nada de palavras a acompanhar, sobretudo nada de palavras!... Aí, nessas rigorosas circunstâncias, confesso, por instantes era capaz de mergulhar em idílios.
Estou certo que os pobres reformados, que tanto te preocupam, concordam comigo. A escolherem, entre mentiras, aldrabices e contos do vigário para engazupar otários, dum lado, e uma gaja boa bem embrulhada, do outro, nem hesitavam. E já que a barriga está condenada à fominha, hoje e sempre, ao menos que se aproveite a vista para tirar a barriga de misérias.
Sobre essa velha diálise rico mau/pobrezinho bom, deixa ainda que te diga: é uma falsa questão. Na verdade, só existem ricos (ou pobres, se preferires): uns em acto e outros em potência. Se reparares bem, os potencialmente ricos (a que chamas pobres) lutam por actualizar-se. Já os potencialmente pobres (a que chamas ricos), pelo contrário, batem-se denodadamente para obsolescerem o mais possível. Por conseguinte, eu não iria por aí. A não ser que tivesse uma galochas muto altas, tipo pescador.
Enfim, serve tudo isto para rematar que para esse peditório já dei. Os ricos, actuais e potenciais, quero que se fodam! Bem como os pobres.
Já o mesmo não posso dizer em relação à bela Joana. Aí, reconheço, até nem me importava de ser eu a poupar-lhe essa trabalheira. É o que dá em ser um Dragão, além da Triste-Figura, também Pinga-Amor.
JJJQYYYYYY
PS: Podes argumentar que as reformadas não concordariam comigo e que eu sou um porco machista, sexista e filho da puta. Além de camionista TIR, claro está. Tens razão. Mas, que queres, é mais forte do que eu.
Em todo o caso, enquanto houver telenovelas, as pobres reformadas não se queixam. Quer dizer, queixam-se, mas mesmo que fossem ricas queixar-se-iam sempre.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Tempo de Antena - II. Confraria Hermética dos Gambosinos

INÍCIO DO ANO LECTIVO

Solidária com as grandiosas festividades que, mais uma vez, assinalam o regresso às aulas, aos comas alcoólicos e aos bocejos por todas as egrégias universidades da nossa república, a Confraria Hermética dos Gambosinos, desde já, alerta a população estudantil e mentecaptos em geral para os gloriosos empreendimentos que se propõe levar a cabo:
Assim, depois da tão celebrada descoberta do caminho Marítimo para a Índia, da conquista de Lisboa aos Mouros e do não menos empolgante massacre de Custer em Litle Big Horn, onde nos divertimos a valer, a nossa Confraria, sempre filantrópica e benfazeja, tomada de brios, propõe-se, este ano, nada menos que organizar a recepção ao caloiro, para o que conseguiu de antemão -e em exclusivo! - a participação gratuita duma comissão docente extremamente sincera e folgazã.
Ao contrário dos usados e vezados bailes de máscaras, esta temporada -alegrai-vos, ó doutores do amanhã! -, muito por via do inexcedível brio evidenciado pelo pelotão docente, há que confessá-lo, tudo se processará no maior dos desvelos e harmonias.
O presidente da ilustre Academia de Rilhafoles - e respectivas concubinas- presidirá ao primeiro dia das festividades.


Recepção ao caloiro. Ensaio geral.

Da injustiça


«As pessoas cometem injustiça quando pensam que a acção se pode cometer e ser cometida por elas; ou porque entendem que o seu acto não será descoberto ou, se o for, que ficará impune; ou então porque se este for punido, a punição será menor que o lucro que esperam para si mesmos ou para aqueles de quem cuidam.(...) Quem sobretudo pensa que pode cometer injustiça impunemente são os dotados de eloquência, os homens de acção, os que têm grande experiência de processos, se tiverem muitos amigos e forem ricos. É sobretudo quando se encontram nas condições referidas que eles pensam poder cometer a injustiça; ou então, quando têm amigos, servos ou cúmplices que satisfazem essas condições; pois graças a esses meios eles podem agir sem ser descobertos nem punidos. »

- Aristóteles, "Retórica"

Bem a propósito, até pela efeméride peregrina que hoje se inaugura, acodem duas ou três questões insignificantes: dispomos de um sistema de administração da justiça, ou de uma rede esquemática de gestão da injustiça?
Se, em tese, a justiça devia ser cega, entre nós ela, a um certo nível, varia entre ser vesga ou zarolha?
A justiça vai nua?

Perguntas de Algibeira -II

«Porque é que são blogues colectivos, a emular autênticos coros de seita evangélica miscigenada de bancada par(a)lamentar, os que mais clamam pela santíssima "individualidade"?

Perguntas de Algibeira - I



Porque é que são blogues colectivos, verdadeiras neo-UCPês*, os que mais peroram contra o colectivismo e se indignam contra a colecta?

*UCP- Unidade Colectiva de Produção (as famigeradas cooperativas agrícolas do alentejo, durante a reforma Agarr..., perdão, Agrária).

terça-feira, outubro 25, 2005

E lá se vai a vida exemplar, o mérito e o livre arbítrio para as urtigas...

«Quem, por outro lado, tão impiamente delirará, que diga que Deus não pode converter ao bem as más vontades dos homens que quiser, quando quiser e onde quiser? (...)
Somente a graça separa os eleitos dos condenados, aos quais uma mesma causa, o pecado original, havia confundido numa só massa de perdição. (...)
Deus executou o seu desígnio por meio da própria vontade da criatura através da qual fez o que a ele não lhe agradou; usando bem mesmo dos males, como sumamente bom, para condenação daqueles que predestinou justamente ao castigo e para salvação dos que bondosamente predestinou à graça.»

- Santo Agostinho, "Enquiridion" (98,25-100,26)

Bizarrias de um santo? Doutrina da igreja? Uma bota para oTimshel descalçar? Sacanice do Dragão?... Todas elas?
O ciber-ouvinte escolha a resposta certa e envie, em envelope fechado, para onde muito bem entender, que ninguém lhe vai oferecer nada por causa disso.

O grande mistério

«Portugal pede ajuda para cumprir plano» (de combate à gripe das aves)

Quando os dois guarda-redes do aviário adoeceram, deviam ter logo percebido que se tratava dum surto particularmente agressivo e perigoso de gripe das aves. Agora, e fazendo fé nas medidas anunciadas, como as autoridades vão conseguir sequestrar e abater os seis milhões de putativos galináceos infecciosos permanece envolto em grande mistério.
Se tiverem falta de ideias, eu posso apresentar algumas sugestões.

segunda-feira, outubro 24, 2005

Transilvice



«Manifesto de Soares: recusa do «situacionismo» é ideia chave.»

A confirmar-se, não deixa de ser uma excelente notícia. Já podemos descontrair e dormir sossegados: o Conde Drácula vai combater os zombis e os vampiros.

E até tem o seu quê de empolgante: quando pensávamos que ele, finalmente, ia recolher ao esquife, ei-lo prestes a sair para mais uma tournée.

domingo, outubro 23, 2005

A Pluto-anóia, ou o Carácter dos Ricos


«Os caracteres que decorrem da riqueza estão à vista de todos. Os que os possuem são soberbos e orgulhosos, porque de certa maneira estão afectados pela posse das riquezas (estão na mesma disposição daqueles que possuem todos os bens; a riqueza, com efeito, funciona como uma medida de valor das outras coisas, porque tudo parece poder comprar-se com dinheiro). São também efeminados e petulantes; efeminados, porque vivem no luxo e fazem ostentação da sua felicidade; petulantes e até grosseiros porque estão habituados a que toda a gente se ocupe dos seus desejos e os admirem, e também porque crêem que os outros desejam o que eles têm. (...)
Também se acham dignos de governar, porque julgam possuir tudo aquilo por que vale a pena governar. Em suma, o carácter de um rico é o de um idiota* felizardo.
Os caracteres dos novos-ricos diferem dos antigos no seguinte: os novos-ricos além de terem todos os vícios dos outros, ainda os têm em maior grau e com maiores defeitos (é que no novo-rico há como que uma ausência de educação no tocante à riqueza).»

Aristóteles, "Retórica"

* Aristóteles usa, no original grego, a expressão: "Anohéton eudaimonos". "Anohetón", traduz a negação ou privação de "noesis", ou seja, "a-noesis". Ora, se noesis" significa "inteligência", tal qual "nous" significa "espírito", este "a-nohéton" pode traduzir-se por "sem inteligência", ou "sem espírito", donde que existem várias opções ao "idiota" por mim empregue. Cito algumas: "doido", "débil mental", "imbecil", mentecapto", "demente", etc, etc. O leitor use aquela que mais lhe agradar. Todas elas preservam fidelidade ao texto e àquilo que o autor nos quis legar.

sexta-feira, outubro 21, 2005

Tempo de Antena - I. - A LDCPN (Liga para a Defesa e Conservação da Pintelheira Nacional)


Leitores angustiados escreveram-me epístolas lancinantes. A enormíssima preocupação que os dilacera e mergulha num stress inaudito resume-se ao seguinte: estará este blogue asselvajado, ferrabrás e iconoclasta em risco de se transformar em mais uma sala (ou salão) de chat?
De maneira nenhuma, meus amigos! Essa dúvida até me ofende. Só por cima do meu cadáver, ou nem por cima dele, porque mesmo falecido este invólucro atlético onde pontificam músculos de aço inoxidável e miolos turbilhonantes, e vice-versa, perdurará, ainda e sempre, o meu fantasma; e esse, podeis confiar, não o permitiria nunca. Armaria poltergeists de todo o tamanho, assombrações e tumultos de tal ordem, que até o furacão –aliás, furacona – Wilma (não sei se Flinstone) havia de parecer um redemoinhozito soprador de palhas. É como vos digo, boa gente: as caixas de comentários deste tugúrio, que são lendárias pela sua brancura, higiene e privacidade, e fazem público alarde disso, voltam já de seguida a esse recato tumular, vasto e silencioso, verdadeira nave de catedral, a que os ilustres e raros peregrinos deste apocalipse se habituaram e onde se recolhem, não raras vezes, em profunda e devota meditação. Ora, para que não restem dúvidas quanto a isso, estamos de volta às grandes questões da humanidade, àquelas causas beneméritas, inebriantes, por que vale a pena lutar, dirimir e perder o sono.
Desta vez, é mesmo aquela que - pela sua acção devastadora e esfoliante no bem mais precioso da pátria-, me atormenta especialmente não só a mim, mas, sobretudo, ao meu amigo e confrade neste blogue, Sua Abécula Lampiónica, o Caguinchas. Refiro-me à Alopecia púbica feminina.
Vou apenas sorver um gole de trotil para aclarar os fagotes e prossigo já de seguida, com a pertinácia e clarividência que me caracterizam...
Leitores, muito se tem verberado a mutilação genital ou excisão, mas, lamentavelmente –direi mais: criminosamente! -, esquece-se a mutilação (ou extermínio) capilar, variante suavizada mas igualmente hórrida de vulvo-escalpe; ou, dito eruditamente, alopecia púbica. É deplorável. Sobretudo porque enquanto aquela, a excisão, decorre entre populações longínquas, alienígenas, regidas por costumes arcaicos, pré-cognitivos, cafrealinos, esta, a alopecia púbica, processa-se e alastra como verdadeira praga mesmo debaixo do nosso naríz, escalvando sem dó nem piedade –e a um ritmo alucinante, Príapo nos valha-, as donzelas casadoiras da nossa própria sociedade. Não restem dúvidas: De todas as americanices que molestam o mundo, esta é talvez a pior.
E se no meu entender a situação é da maior gravidade, no entender do Caguinchas ela é calamitosa, senão mesmo um presságio óbvio de que o fim do mundo está próximo. Em aceitando os seus pressupostos – a saber: mulher que barbeia a cona não é fiável; se um cabeça rapada é neonazi, uma cona rapada é neoquê? -, corremos o risco de mergulhar em idêntico estado de aflição convulsa (isto se, avassalados de justa ira, assanhados e envespecidos, não corrermos de pronto às avenidas, em marchas de protesto e motins tonitruantes, cravejando de pedradas as montras e os polícias de serviço).
As desgraças, porém, possuem faculdades multiplicativas. Esta não foge à regra. Assim, como se já não bastasse a escanhoadela completa a que submetem o entrepernas, as fulanas, seduzidas e mentecaptizadas por propagandas cavilosas e modas malfazejas, ainda se dão aos trabalhos e requintes de enfeitá-lo com todo o sortido de ferragens, bijuterias, tatuagens e, quiçá, semáforos luminosos. Nunca os vi, mas já não me surpreende que existam. E se me vierem dizer que durante a época natalícia há flausinas que imitam as ruas da baixa, nem duvido. Pois é, antigamente - e chamavam-lhes desumanos, tenebrosos, medievais, ogres de barba azul por causa disso-, revestiam as donzelas com cintos de castidade fechados a cadeado; agora, se preciso for, são as próprias que desfilam com aloquetes dependurados do martirizado grelo e é o cúmulo da modernice. Bué da fixe. Se o progresso é isto, eu vou ali e já venho. O Caguinchas, esse, menos dado a estoicismos, solta impropérios e abalroa com a cabeça as inocentes paredes. Calma, Caguinchas, não sejas bota de elástico!...
Hão-de, não obstante, Vosselências, convir que o caso não é para menos. Agrava o caso singular do meu amigo a tragédia de já por duas vezes se ter esfolado em não sei que símbolos góticos, além de ter desenvolvido uma afta renitente na língua à conta dum apetrecho geralmente à venda nas lojas de ferragens, mas que a galdéria ostentava perigosamente num socalco inoportuno, plantado algures entre os grandes e os pequenos lábios da sua armadíssima coisa. Daí que ele pergunte, e com toda a razão, que raio de mundo é este? Eu, que também já senti na pele sensível dos testículos as sevícias intempestivas desses adereços de masmorra ou ganadaria, junto-me, dolorido, à interrogação – que cabrão de mundo é este?! Se alguém souber a resposta, é favor escrever para o email em anexo e partilhar connosco a solução de tão descomunal enigma.
Com efeito, como se já não fosse suficientemente desolador o quadro duma vagina escalvada, - o que, assim de repente, pode degenerar em erros grosseiros de paralaxe e angústias subsequentes do estilo "mas estou a entrar pela porta da rua ou da garagem ?"-, a macabra paisagem é ainda piorada e complicada por um conjunto de ratoeiras arrepiantes claramente predispostas ao estropiamento e escoriação do piston em trânsito. É caso para perguntar: se as gajas teimam em armadilhar a cona, não recomenda a prudência que nós, machos viris, tratemos de couraçar o caralho?... Por outro lado, se a ideia era assustarem-nos, congratulem-se, ó megeras: estais a consegui-lo. A perspectiva de lacerar, agrafar ou lapidar o garboso membro (de encontro a sabe Deus que joalharias ou retrosarias de emboscada ao paraíso) não constitui especial idílio para qualquer garanhão em seu perfeito juízo, ainda que faminto de dois dias. Mal por mal, antes o querubim, ou serafim, ou joaquim armado com a espada ardente, de porteiro ao Eden e às cóleras de Jeová! Vê-se à distância e um gajo não perde tempo nem gasta devaneios.
Dantes, meus amigos, era a gonorreia, vulgo escantamento. Escorria-se pus e ia-se à zaragatoa. Depois apareceu a Sida, esse flagelo. Agora, para cúmulo, além dessas duas, é também o tétano. Progressos, se existem, só se for nos riscos que um cavaleiro corre: Outrora, os pregos ferrugentos armavam-nos ciladas aos pés e respectivas solas; doravante, ascenderam na vida, treparam pelas pernas acima e já nos ameaçam a cabeça da pichota. Se isto é que é progresso, mais valia voltarmos para as árvores!...
Por este andar, não me restam muitas dúvidas: em vez da camisa-de-vénus, temos que passar a usar uma armadura medieval no nosso próprio aríete. Quer dizer, em vez de camisa, o melhor mesmo é vestirmos samarra – samarra-de-marte, por assim dizer, já que a tarefa amorosa, em cada dia que passa, se aproxima mais do exercício mavórtico. Não tarda, um tipo para ir para a cama com uma gaja tem que equipar-se e aparelhar-se feito sapador da Grande Guerra, pronto a abrir caminho por entre o arame farpado. É justo: Quem com ferro fode, com ferro tem que ser fodido. Com portões, fossos e levadiças tais não se brinca.
Entretanto, eu –e o Caguinchas, a meu conselho-, já tomámos medidas preventivas: vamos passar a andar sempre munidos do detector de metais e de perucas-pintelheira. Como é que o esquema funciona? É simples: primeiro, com a maior descrição, sondamos a gaja com o detector. Se apitar, nada feito, está minada; se não apitar, avançamos para a segunda fase. Uma vez nesta, à medida que a boazona se despe, procedemos à sondagem manual do entrepernas, logo seguida de confirmação por reconhecimento visual. Caso se constate, sem sombra de pintelho, que padece de alopecia púbica, usamos da fórmula Caguinchiana (nestas coisas sempre um ás) e ordenamos-lhe, em tom imperioso: "Ouve, querida, quando acabares de despir a roupa, fazes favor, pega lá o adereço e vai vestir a cona!" Sim, porque a gaja quer-se pelada, mas a cona da gaja não. E dispensem-se de me vir dizer que é uma violência fassista, porque com tanta mama, lábio e rabo postiço que por aí anda, um chinó púbico não escandaliza nem diminui ninguém.
Posto isto, partindo do princípio que não estou a falar para as paredes e vós não sois apenas uns cabrões duns tijolos ou calhaus incrustados em argamassa, penso que está dito o suficiente para vos despertar dessa alienação e lobotomia em que, geral e alegremente, flanais. Políticas, futebóis, paneleiragens, economices, religiões, enfim, todas essas telenovelas com que vos injectam, só servem para vos distrair do que realmente interessa, daquilo que faz mover e perpetuar o mundo. Largai a droga! A pandemia já está entre nós!
Escutai, ó alienados:
Chega de discutir pintelhices. Defendamos a pintelheira nacional!


A Liga para a Defesa e Conservação da Pintelheira Nacional (LDCPN) está em marcha.
Donativos e mensagens de solidariedade ou adesão através do email em anexo (em cima, lado direito).

Também já à venda o kit Draguinchas "Foder em Segurança" (composto de samarra-de-Marte em cota metálica de titânio com escamas autolubrificadas, detector de metais Garrett e chinó púbico em várias cores, espessuras e penteados – loiro, moreno, ruivo, carapinha, frondoso, arrelvado, matagal, floresta virgem, etc).

Lembre-se: Se conduzir, não beba; e se foder, não arrisque! O álcool mata. A droga também. Mas a cona calva e armadilhada, essa, valha-nos Deus, estropia.

Dragão & Caguinchas


PS: Quem tiver quaisquer dúvidas acerca da superioridade e excelência da nossa causa, é favor atentar na mostra cabal e sublime que passamos a expor. Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras. Depende da imagem. Esta julgamos que vale mesmo mais que dez mil...

quinta-feira, outubro 20, 2005

Mais Crimes exemplares

«Sou um professor de instrução primária. Há dez anos que sou professor na Escola Primária de Tenancingo, Zac. Inúmeras crianças passaram pelas carteiras da minha aula. Creio ser um bom mestre. Pensava-o até chegar esse tal Pancho Contreras. Não me ligava nenhuma e não aprendia nada, porque não queria. Os castigos, morais ou corporais, não surtiam o mínimo efeito. Olhava para mim com insolência. Eu suplicava. Punha-o fora da aula. Nada feito. Os outros míudos começaram a fazer pouco de mim. Perdi toda a autoridade e o sono e o apetite, até ao dia em que, não aguentando mais, o enforquei na árvore do pátio, para servir de exemplo.»

«Ficha 342
Nome do doente: Agrasot, Luíza
Idade: 24 anos
Nascida em Veracruz, Ver.
Diagnóstico: Erupção cutânea, provavelmente de origem polibacilar.
Tratamento: 2.000.000 unidades de penicilina
Resultado: Nulo.
Observações: Caso único. Recalcitrante. Sem precedentes.
A partir do décimo-quinto dia senti-me vencido. O diagnóstico era perfeitamente claro. Impossível ter a menor dúvida. Perante o fracasso da penicilina, tentei em vão toda a espécie de medicamentos, não sabia o que fazer. Dei voltas ao miolo dia e noite, durante semanas e semanas, até que lhe administrei uma dose de cianeto de potássio. A paciência –mesmo com os pacientes – tem limites.»

«Tentar convencê-lo para quê? Era um sectário da pior espécie, como se se julgasse Deus-Pai. Tinha o cérebro entupido. Abri-o de um só golpe, para lhe ensinar a discutir. Quem não sabe que se cale.»

«Matei-a para não a apoquentar.»

- Max Aub, "Crimes exemplares"

quarta-feira, outubro 19, 2005

Subsídio para uma velha questão...

Os homens amam a guerra. As mulheres amam os guerreiros.

Haja respeito pelo povo!...


Ó Dragão, pára lá de discutir o sexo dos anjos e ‘bora mas é discutir o sexo que interessa: o das gajas!
‘Da-se, até já me dói a cabeça com tanto palavrão de cinco mérreis!...

A conversa de gigantes



«Galileu acreditou que as teorias matemáticas de onde deduzia as observações representavam a realidade permanente, a substância subjacente dos fenómenos. A natureza era matemática. Esta ideia devia-a, em parte, ao platonismo que havia estado em voga em Itália, sobretudo em Florência, desde o século XV. »
A.C.Crombie, "História da Ciência – De Stº Agostinho a Galileu"


Para Aristóteles, a Fysis (correspondente grego à "natureza" latina e medieval) era de ordem orgânica, ou seja, manifestava um cosmos entendido como "zoon", ser vivo.

Com a Ciência moderna, o organismo degenerou em esquema. Nem sequer sistema, mas multiplicidade, aglomerado de esquemas. Cada ciência tem o seu, sendo certo que a Ciência se pulverizou numa miríade de ciênciazinhas, cada qual às voltas com o seu pequeno osso. A sabedoria antiga, que demandava a plenitude, deu lugar ao saber às fatias, galeria-labirinto de guichés e chafaricas. Uma burrocracia de anõezinhos, moços de frete e malabaristas do conceito. Um circo de barraca armada no Largo da Contingência, para os operários do Bairro da Indústria e para as rameiras do Beco do Progresso. Um rilhafoles completo onde os internados se babam e deslumbram, fixados alhures nas virtualidades mágicas e incomunicáveis da sua monomania.

Entretanto, sobra-nos uma pergunta, talvez mesmo um enigma:
O cerne do pensamento Ocidental residirá nessa discussão entre Platão e Aristóteles que, por entre ruídos, burburinhos e notas de rodapé, atravessa os séculos?

Aurea mediocritas

«São pouco viris, e por isso as suas mulheres se virilizam. Pois só aquele que é suficientemente viril pode libertar a feminilidade na mulher.
E eis a pior hipocrisia que jamais encontrei entre eles: mesmo aqueles que comandam simulam as virtudes dos que obedecem. (...)
A virtude, para eles, é o que torna modesto e dócil: assim, fazem do lobo um cão, e do homem o melhor animal doméstico do homem.
"Instalámo-nos no justo meio termo" - eis o que me diz o seu esgar de satisfação - "a igual distância entre o gladiador moribundo e o porco refocilando no seu prazer".
Mas isto é mediocridade, mesmo quando se lhe chama justo meio termo.»

- Nietzsche, "Assim Falava Zaratustra"

Humanismo

O Humanismo é um vedetismo.

terça-feira, outubro 18, 2005

A desintoxicação do Timshel - III. A Egoclastia

«O amor-próprio é coisa fácil; resultante do instinto de conservação, os próprios animais o conheceriam se fossem um nada pervertidos. O que é mais difícil, aquilo de que só o homem é capaz, é o ódio por si próprio. Depois de o ter expulsado do Paraíso, este ódio fez o que pôde para aumentar a distância que o separa do mundo, para o manter desperto entre os instantes, no vazio que se intercala entre eles. É deste ódio por si próprio que emerge a consciência, é nele, por conseguinte, que devemos buscar o ponto de partida do fenómeno humano. Odeio-me: sou homem. Ser consciente é estar separado de si, é odiar-se. Este ódio trabalha-nos desde a raiz, ao mesmo tempo que fornece a seiva à Árvore da Ciência.
Eis o homem afastado do mundo e distante de si próprio. Só por abuso o classificaríamos entre os seres vivos, tão superficial é o seu contacto com a vida; o seu contacto com a morte não o é menos. Sem ter conseguido descobrir o seu lugar certo entre uma e outra, fez batota desde os primeiros passos: um intruso, um falso ser vivo, um falso mortal, um impostor. A consciência, essa não-participação no que é, essa faculdade de não coincidir com nada, não fora prevista na economia da criação. O homem sabe-o, mas não tem nem a coragem de a assumir até ao fim e perecer, nem a de a repudiar para se salvar. Estranho à sua natureza, sozinho no meio de si próprio, desligado desta terra e do além, não aceita por completo nenhuma realidade: como o faria se não passa de semi-real? Um ser sem existência.
Cada passo que dá na direcção do espírito equivale a uma falta para com a vida. Para se aparentar de novo às coisas, porque não põe fim à carga da consciência? Mas o estado de irreflexão (em que o seu sentimento de culpa cessaria), está separado dele por esse ódio a si próprio de que não quer nem pode desfazer-se. Afastando-se da linha dos seres, dos caminhos batidos da salvação, inova sem tréguas para alimentar a sua reputação de animal interessante.
À consciência, fenómeno provisório entre todos, cabe ao homem impeli-la até ao ponto de explosão e desfazer-se em pedaços com ela. Destruindo-se, erguer-se-á até à sua essência e cumprirá a sua missão: tornar-se o seu próprio inimigo. Se a vida falsificou a matéria; o homem, esse, falsificou a vida. A sua experiência terá continuadores? Não parece implicar uma posteridade: tudo deixa adivinhar que o homem é a última fantasia que a natureza se permitiu. »

- E.M.Cioran, "Raivas e Resignações"

Termina aqui a nossa digressão por Cioran. Por agora.

A desintoxicação do Timshel - II. S.Paulo

«Nunca o acusaremos o bastante por ter feito do cristianismo uma religião deselegante, por nele ter introduzido as tradições mais detestáveis do Antigo Testamento: a intolerância, a brutalidade, o provincianismo. Com que indiscrição interfere em coisas que não lhe dizem respeito, de que nada entende! As suas considerações sobre a virgindade, a abstinência e o casamento são muito simplesmente de causar náuseas. Responsável pelos nossos preconceitos em religião e moral, fixou as normas da estupidez e multiplicou todas essas restrições que ainda hoje paralisam os nossos instintos.
Dos antigos profetas não tem nem o lirismo nem o tom elegíaco e cósmico, mas apenas o espírito sectário, e tudo aquilo que neles era mau gosto, tagarelice, divagações destinadas aos cidadãos. Os costumes interessam-no sobremaneira. Logo que começa a falar disso, vemo-lo vibrar de maldade. Obcecado pela cidade, pela que quer destruir e pela que quer edificar, dá menos atenção às relações entre o homem e Deus do que às dos homens entre si. Examinemos de perto as famosas Epístolas: não descobriremos um só momento de cansaço e de delicadeza, de recolhimento e de distinção; tudo nelas é furor, ofegar, histeria de má qualidade, incompreensão perante o conhecimento, perante a solidão do conhecimento. Intermediários por todo o lado, laços de parentesco, um espírito de família; Pai, Mãe, Filhos, Anjos, Santos; nem o menor vestígio de intelectualidade, de conceito definido, de alguém que quer compreender. Pecados, recompensas, contabilidade dos vícios e das virtudes. Uma religião sem interrogações: um deboche de antropomorfismo. (...)
A plebe quer ser sufocada por invectivas, ameaças e revelações, por declarações estrondosas: gosta dos faladores. S.Paulo foi um falador - o mais inspirado, o mais dotado, o mais habilidoso da antiguidade. Ainda sentimos os ecos de todo o ruído que fez. Sabia subir ao palco e declamar as suas iras. Não introduziu ele mo mundo greco-romano um tom de feira? Os sábios do seu tempo recomendavam o silêncio, a resignação, o abandono, coisas impraticáveis; mais hábil, S.Paulo trouxe, pelo seu lado, receitas aliciantes: das que salvam a canalha e desmoralizam os espíritos delicados. A sua vingança sobre Atenas foi completa. Se tivesse triunfado na cidade, talvez os seus ódios se tivessem moderado. Nunca um fracasso teve consequências tão pesadas. E se somos pagãos mutilados, fulminados, crucificados, pagãos trespassados por uma vulgaridade profunda, inesquecível, uma vulgaridade de dopis mil anos, é a esse fracasso que o devemos. (...)
Quando já não sei quem destacar, abro as Epístola e em breve me sinto descansado. Ali está o meu homem. Põe-me em transe, faz-me tremer. Para o odiar de perto, como seu contemporâneo, faço tábua rasa de vinte séculos, e sigo-o nas suas digressões; os seus sucessos desencorajam-me, os suplícios que lhe infligem enchem-me de satisfação. Viro contra ele o frenesim que ele me comunica: infelizmente não era assim que o Império agia!
Uma civilização apodrecida pactua com o seu mal, ama o vírus que a corrói, deixa de se respeitar, permite que um S.Paulo circule... Fazendo-o, confessa-se vencida, carunchosa, acabada. O cheiro da carne podre atrai e excita os apóstolos, coveiros cheios de cobiça e loquacidade.(...)
O paganismo tratou-os com ironia, arma inofensiva, demasiado nobre para vencer uma horda insensível às subtilezas. »
-E.M.Cioran, "Raivas e Resignações"

segunda-feira, outubro 17, 2005

A desintoxicação do Timshel - I. O futuro do Cepticismo

«A ingenuidade, o optimismo, a generosidade – encontramo-los entre os botânicos, os especialistas das ciências puras, os exploradores, e nunca entre os políticos, os historiadores ou os padres. Os primeiros dispensam os seus semelhantes; os segundos tornam-nos objecto das suas actividades ou das suas investigações. Só ficamos azedos na vizinhança do homem. Os que lhe consagram os seus pensamentos, o examinam ou querem auxiliar, acabam, mais tarde ou mais cedo, por o desprezar e por lhe ter horror. Psicólogo por excelência, o padre é o exemplar humano mais desenganado, mais incapaz, por motivos profissionais, de conceder o menor crédito ao seu próximo; daí o seu ar entendido, a sua astúcia, a sua fingida doçura e o seu cinismo profundo. De entre eles, os que, em número verdadeiramente ínfimo, escorregaram em direcção à santidade, não teriam podido alcançá-la se tivessem observado de mais perto as suas ovelhas: foram espíritos desvairados, maus padres, incapazes de viverem com a curiosidade – e como parasitas – do pecado original.
Para nos curarmos de todas as ilusões acerca do homem, teríamos que possuir a ciência, a experiência secular do confessionário. A igreja está tão velha e tão desenganada que já não pode crer na salvação de ninguém nem comprazer-se na intolerância. Depois de se ter havido com uma multidão incomensurável de adeptos fervorosos e de suspeitos, acabaria por os penetrar e se cansar deles, por detestar os seus escrúpulos, os seus tormentos, as suas confissões. Dois mil anos no segredo das almas! Era demais, até para a Igreja! Miraculosamente preservada até aqui da tentação do fastio, cede-lhe por fim: as consciências cujo encargo lhe pertencia importunam-na e enfadam-na. Nenhuma das nossas misérias, nenhuma das nossas infâmias desperta já o seu interesse: gastámos a sua piedade e a sua curiosidade. Como sabe muito a nosso respeito, desdenha-nos, deixa-nos andar, procurar noutro lado... Já os fanáticos a abandonam. Em breve, será ela o último refúgio do cepticismo.»

- E.M. Cioran, "A Tentação de Existir" (trad. port. da Relógio d'Água)

Lógica informal

Por alturas "da celebração dos 60 anos da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), em Roma," Robert Mugabe, vilipendiou, também ele, os dois faróis da Comunidade LGTB (Liberais Gaios Transtornados e Barnabus): o metrossexual Blair e o narcocriptossexual Bush. Apodou-os de nefastos, vejam lá bem.

Isto merece-nos algumas considerações.

1. O senhor Mugabe a discursar numa organização internacional para a Agricultura e Alimentação equivale a um açougueiro do mercado negro a perorar num congresso da Protectora dos Animais.
2. Quando um pária se põe a vituperar dois biltres, não há grandes morais a extrair da história.
3. Não obstante, este momento hilariante duma besta quadrada vai servir às mil maravilhas como arma de arremesso à Comunidade LGTB (Liberais Gaios Transtornados e Barnabus). Quase que apostava em como tais maraus, mal saibam deste episódio rocambolesco, hão-de correr a esgrimir, todos ufanos, o seguinte silogismo:
O pária Mugabe é um refinado e reconhecido bandido,
O pária Mugabe critica São Tony Blair e São George Bush;
Logo, todos os que criticam Blair e Bush são iguais a Mugabe.


Se bem que rudimentar, não deixa de ser um esboço para um esquema inibidor de mentecaptos. E, por incrível que pareça, não deixa de ter as suas clientelas.

Nobelice Oblige


Os nossos liberais super-credíveis mai-los respectivos satélites, ou vice-versa, andam para aí com uma grande azia. Por causa do mais recente Nobel da Literatura, cospem.
Ora, dado que não percebiam coisa que se visse de economia, política, filosofia, moral e religião, ciências naturais, ciências físico-químicas, astrofísca, geografia, sociologia, enfim, assim à primeira vista, de nada excepto "inglês", já muito boa gente, algo intrigada, se vinha interrogando sobre a misteriosa área de especialização daqueles verbosos eruditos. Ninguém se atrevia a imaginar sequer que a não tivessem.
Pois agora, finalmente, já se sabe. E não é aquariofilia, astrologia, cartomancia, espiritismo, ágoro-pecuária, moda, nem arranjos florais, como algumas línguas mais viperinas já alvitravam. Não senhor, é literatura. Nem mais: literatura (inglesa, claro está). Diacho!, não fosse eles terem açambarcado toda a inteligência disponível no mercado, teríamos desde logo desconfiado. Até porque todo um lirismo ultrafantasista, - inquilino ora do rococó tardio, ora do paralelipipedismo litográfico -, que, mais que porejava, escorria do seu inesgotável palanfrório, há muito o indiciava. Chiça, que asnos que fomos!...
Só que, vencido este enigma antigo, eis que novas perplexidades nos assaltam. Quando julgávamos que o Nobel atribuído a um anglo-saxónico, - um ariano bom, por conseguinte-, os deixaria eufóricos e clamando vitória, eis que nada disso sucede e, pelo contrário, barricados e trancafiados na sua indiscutível perícia na matéria, desancam a cacete o pobr’inf’liz. Bradam, para quem os queira ouvir, que é um despautério reiterado. Parece que a criatura, à semelhança de outras, terá emitido opiniões pouco lisongeiras para essas duas figuras santas da humanidade: o senhor Blair e o iluminado Bush. Daí, como é natural, decorre necessariamente que o prémio nobel da literatura foi indecentemente atríbuido a este cavalheiro, apesar de inglês, porque o mesmo terá opiniões políticas diferentes das dos nossos catedráticos literários de plantão.
Eu, confesso, de literatura não percebo nada. Deste tal Harold Pinter, não só nunca o li como desconhecia olimpicamente a sua existência na Terra. Por via do prémio ora embolsado, juro-vos que terei o maior cuidado, nos restantes dias da minha vida, em não perder o meu precioso tempo a lê-lo. São hábitos arreigados de higiene mental, queiram desculpar-me. Mas, não obstante, do alto da minha ignorância, sempre julguei que o Nobel da Literatura premiava a obra literária, quer dizer, as peças, romances ou poemas que o homenzinho terá, senão escrito, pelo menos assinado e publicado, como tantos outros, em seu nome. Afinal, parece que não; parece, isso sim, segundo os nossos sabões vigilantes, que distingue as opiniões políticas.
Seja. Aceitemo-lo. Nesse caso, não será ilógico deduzir que distinguirá as opiniões políticas que coincidem com quem paga o prémio; com quem se dá ao trabalho benemérito de desembolsar dez milhões de coroas suecas. Sorte a do Pinter que concordava com os gajos; azar o dos eruditos liberdadeiros que, pelos vistos, discordavam amotinados e contestam, ainda agora, na maior algazarra. A azia, essa, é perfeitamente compreensível: Afinal, o valor de mercado das opiniões do Pinter (reles escritor, não me custa concordar) ultrapassa o milhão de euros, enquanto a deles, superlativos mestres, tal qual a minha, não vale um tostão furado. E isso é de arrasar a vesícula a qualquer um, não é?...
Todavia, pensando bem, é bem provável que tudo isto não passe dum breve mal entendido. Como todos os sábios, os nossos peritos tendem a ser distraídos. Ter-se-ão precipitado. Não se aperceberam ainda dum pormenor fundamental, que uma visita a este blogue de referência (e de erudição não menos acurada) prontamente resolverá... Não resisto e adianto mesmo um pedacinho da iguaria:
«O dramaturgo britânico Harold Pinter venceu o Prémio Nobel da Literatura, tornando-se o 13º judeu a ganhar o Nobel nesta categoria, sucedendo à escritora judia austríaca Elfriede Jelinek, vencedora do prémio em 2004
Como podem constatar, ó inadvertidos, para o Nobel da Literatura, mais determinante ainda que a opinião política, é o pedigree, a raça. Dizei-me agora que isto não é o verdadeiro dois em um: a hóstia e simultaneamente o alka-seltzer.
Quem é amigo, quem é?...

sábado, outubro 15, 2005

Questões


Haverá um novo-riquismo cultural? Poderemos falar numa pato-braveza ideológica, com todos os tiques e donaires foleiros inerentes aos demais possidónios?
O mundo ocidental mergulha, cada vez mais, num analfabetismo moral?
Existe um pensamento pimba, senão mesmo uma filosofística?...
A verdade mirrou a uma mera contabilidade de audiências?
Depois da "morte de Deus", é a "morte da consciência"?
Degeneramos, a galope, no "mundo às avessas"?

quinta-feira, outubro 13, 2005

Consultório Íntimo do Dragão -II. A Toina, esse enigma psicossexual

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Como a correspondência anda vergonhosamente atrasada e as ameaças reiteradas de tribunal me forçam a cumprir o contrato, a joint-venture entre o "Dragoscópio" e a Revista Maria vai prosseguir, hoje e aqui, com mais uma episódio do "Consultório Íntimo do Dragão". Sem mais delongas, vamos ao que interessa.
Sopeiras e cabeleireiras do meu país, sobretudo licenciadas ou em vias disso, o vosso sexólogo predilecto está de volta!...

«Durante um ano, namorei com um rapaz bonito e encantador. Por isso, nunca liguei às advertências da minha família e às opiniões das amigas. Um dia, encontrei-o aos beijos e apalpões a outra mulher. Não consigo perdoar-lhe e o ódio tomou conta dos meus sentimentos. Só penso em vingar-me.»
A.L. – Lisboa


Francamente, ó cara A.L., que destempero o seu! Vingar-se? Ódio? A menina devia pensar era numa peregrinação a Fátima a dar graças à Virgem e ao Altíssimo. Pegue num cajado, calce umas sapatilhas confortáveis, abasteça-se de pó talco, uma mochila, boné generoso, colete reflector e vá, vá depressa, agradecer o milagre. Já viu a sorte que teve? Então encontra o namorado abraçado a outra mulher e ainda se queixa? Mas está maluca, ou quê?! Isso é caso mas é para rejúbilo, para celebração pela noite fora! Devia era apaparicá-lo, que diabo! Perguntar-lhe, com ternura, se não queria um lanchinho, uma cervejinha, um chocolate, enfim: um miminho desses. Ajudá-lo até na introdução urgente, se fosse caso disso. Por alturas de aperto, dá sempre jeito uma mãozinha sobressalente. Então se o encontrasse atracado a um marmanjão qualquer, de bigodaça farfalhuda, que é o mais usual destes dias, ficava o quê? Ufana? Toda contente? Dava-lhe uma festa?... Guarde lá o ódio estapafúrdio, ó criatura ingrata e despropositada. Acenda velinhas, caia de joelhos e reze, louve a Deus nas alturas! E quanto às suas amigas, mais as respectivas opiniões, delegue no seu valente rapaz o assunto. Em resumo: acabe lá com o absurdo; deixe-se de cenas: faça-lhe é bifes em sangue, gemadas fortificantes, abacate com fartura, que coisa rara merece estima!...
.....//.....

«Namoro com um rapaz há três anos e, ultimamente, começo a ter dúvidas sobre a nossa relação. Quando fazemos amor, ele não me excita e tenho de fingir tudo. Devo resolver esta situação, mas não sei como. Devo falar com ele?»
L.M. - Santarém

Sim, é capaz de não ser má ideia. Tentem conversar. Já que foder não parece estar a dar bom resultado... Aliás, para gajas neuróticas (a grande maioria da gadeza urbana e suburbana, com instrução acima do 10º ano), "discutir a relação" constitui o mais infalível dos preliminares. Pelam-se e derretem-se; ficam literalmente a pingar. Uma boa "discussãozinha da relação" e dispensa-se de todo qualquer lubrificante auxiliar. Mesmo no rabinho. Experimente, ó A.M. e vai ver que nunca mais quer outra coisa. Discutir, entenda-se. Além do mais, é um fenómeno que a própria tradição já certifica: sempre que foder o corpo não resulta, nada como experimentar foder o juízo. Tente, tente... Foda-lhe bem o juízo e, quem sabe, ele não aprende a foder-lhe bem o canastro. Só se perdem as que caem no chão.
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«Estou casada há nove anos e raramente consigo ter relações sexuais com o meu marido. Já fui a muitos médicos e, com a minha idade quero resolver este problema, até porque pretendo realizar o desejo de ter um filho. Ouvi falar em vaginismo, o que é?»
A.P. – Santarém

Talvez realize esses legítimos anseios se começar a ir menos aos médicos e mais ao seu marido. É mesmo uma hipótese bastante plausível. Por regra, os médicos são muito manhosos e dificilmente caem na asneira de engravidar as pacientes. É um facto que a cara amiga não especifica lá muito bem que paternidade almeja para o desejado rebento... Mas se, por um qualquer ímpeto extravagante, é do marido que a pretende, faça como lhe digo: invista menos nos clínicos e mais no pobre cornúpeto. Quanto ao vaginismo, segundo ouvi dizer, consiste numa variação aberrante de vampirismo: uma patologia, de contornos mórbidos, delirantes, que, em vez da tradicional sugadela de pescoço, opta pela beberagem do fluxo menstrual. A génese destes vampiros alarves está ainda por determinar.
.....//....

«Há dias uma amiga disse-me que posso engravidar quer o sexo seja vaginal, oral ou anal? É verdade?»
L.M. – Lisboa


Verdade?! Verdadinha absoluta, estimada menina! Essa sua amiga, Deus a guarde, manifesta erudição na matéria. Mas também alguma parcialidade, convenhamos. Esqueceu-se de informá-la dum detalhe nada despiciendo, ou seja, que o sexo manual não é menos perigoso e arriscado que os três referidos. Basta que, após a ejaculação do feliz ordenhado, a menina, por um qualquer ímpeto ou mania arreigados, leve as mãos à boca, à vulva ou ao recto e, pronto, lá tem o caldo entornado (para onde não deve) e encomenda de França a caminho. Aliás, nesse estado, convém também não escarafunchar no nariz, pois uma inspiração mais fogosa pode resultar em gravidez fatal. Portanto, para sermos rigorosos e completos, se bem que não exaustivos, convém a cara amiga capacitar-se (e precaver-se) de que pode engravidar por sexo vaginal, anal, oral, manual e nasal. Todavia, se acicatados por um qualquer capricho científico quisermos mesmo ser exaustivos, então é de todo aconselhável que, na panóplia de contraceptivos que leva para manobras, a menina nunca esqueça uns bons tampões para os ouvidos. É que, caso não saiba, essa é a via pela qual mais se engravida neste país. Até porque, note bem: emprenhar pelos ouvidos é tão simples ou tão fácil, que até os homens conseguem.
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Dragão, Sexólogo Ikea, Doutor Honoris Causa pela Universidade de Reiquejávi

quarta-feira, outubro 12, 2005

Galactus ou Do Conhecimento & Tecnologia



Vossa Excelência tem ar de quem percebe do assunto, pelo menos mais que eu, que não percebo patavina. Por isso quando afirma, com toda a segurança, que "os problemas ambientais derivados das nossas necessidades energéticas resolvem-se com investimentos no CONHECIMENTO e na TECNOLOGIA", sinto-me quase inclinado a segui-lo cheio de fé. Não obstante, tropeço no quase. Tanto quanto a ignorância, é a casmurrice a trabalhar-me, bem vê. Finco-me, pois, que nem lapa, dum modo talvez simplório mas pertinaz, a rochedos e falésias milenares, omnipresentes, imarcescíveis, cuja origem remonta à inspiração de artistas como Caim e, desde então, não mais deixou de operar prodígios edificantes, bem como influenciar profetas e estadistas. Vejo-me assim constrangido a confessar-lhe, com mágoa: bem gostaria de segui-lo nessa sua tecno-utopia futura, mas todo este passado obtuso, rochoso, feito de sedimentos e cristalizações, impede-mo, o grande filho da puta! Refém das suas (dele, cabrão de passado) artimanhas, não me resta outra alternativa senão continuar a achar, até prova em contrário, que "os problemas ambientais derivados das nossas necessidades energéticas", esses bandalhos, só têm resolução possível, senão mesmo urgente, através de uns simpáticos, beneméritos e despreconceituados extraterrestres que apareçam por aí, num belo dia destes, armados até aos dentes (ou o que quer que faça neles as vezes da dentadura) de raios da morte, megarazorlaserbombs (ou equivalente), canhões de antimatéria Zeta, buracos negros telecomandados e demais arsenal alienígena de reconciliação (pelo menos com o Criador) acelerada e transgaláctica, e acabem duma vez por todas com elas (as nossas necessidadedes energéticas e os problemas daí derivados, pois claro). É mesmo a isto, a um fenómeno supino e benigno desta envergadura, que eu chamo, com propriedade, parece-me, "Conhecimento e tecnologia". Decorre o mesmo duma verdade fundamental: Qualquer espécie mais avançada que a nossa logo que nos conheça não hesita em usar em nós toda a sua tecnologia. E nós, que passamos a vida a experimentar, sem dó nem piedade, o nosso conhecimento e tecnologia uns nos outros, não nos podemos queixar, pois não? Pelo contrário, será da mais elementar justiça que agradeçamos (de antemão, porque a posteriori será difícil), tão gentil agasalho. Afinal, sempre nos prestam um serviço gratuito, urgente, limpo e, ainda por cima, poupam-nos um ror de investimentos.
Ou dito por outras palavras: os nossos problemas ambientais derivados das nossas necessidades energéticas" resolver-se-ão automaticamente no dia em que surgir algo ou alguém com necessidades energéticas substancialmente maiores que as nossas.
Bem, e tudo isto pesado, depois de muitas voltas, parece-me que, afinal, até concordamos no essencial: ambos apostamos no Conhecimento & Tecnologia, essa excelente empresa. A diferença é que enquanto Vª Excª receita que se invista - ou seja, que se malbarate o dinheiro dos contribuintes otários – no Conhecimento e Tecnologia humanos, eu, para lhe ser sincero, tenho mais fé na isenção e - sobretudo!- na pontaria dos extraterrestres. Há-de, Vª Excª, com toda a sua ciência esotérica, perdoar-me este meu obstinado exotismo .
Deste seu leitor atento,
Dragão

terça-feira, outubro 11, 2005

A tese do Escaravelho


O escaravelho-das-bolas, aliás besouro esterqueiro ou escaravelho-sagrado, eruditamente catalogado como geotrupes stercorarius, é, ao que parece, um insecto coleóptero grande, 10 a 25 mm de comprimento, com cor negra ou quase negra, e o corpo revestido por quitina espessa e coriácea. Também sei, se não me falha a memória, que as patas anteriores possuem espinhos que lhe permitem escavar as tocas, geralmente situadas debaixo do esterco. Dedicam, estes valentes animaizinhos, a globalidade da existência a construírem bolas de excremento, que empurram com ávara e gulosa devoção, pois não apenas se servem delas para alimento, como também, pasme-se, para reprodução. Com efeito, inebriados em só a Natureza sabe que fantasias, utilizam-nas, sucessivamente, como matriz e berçário, quer dizer, depositam nelas os ovos e incubam nelas a prole.
A um escaravelho-das-bolas, também conhecido no Brasil por Rola-Bosta, não se explicam coisas, muito menos fenómenos ou sequer fábulas (pequenas histórias de intuito moralizador): A quitina espessa e coriácea não o permitiria. Contempla-se apenas, o cornúpeto hexápode, em todo o seu esplendor coleccionante. Admira-se no seu afã agenciador, na sua saga estivadora, na sua carreira bizarra. Surpreende-se em toda a sua pujança micro-hercúlea. Não podemos mesmo deixar de louvar o seu carácter laborioso, industrial. A esfericidade, não obstante fétida, da sua obsessão. São, de resto, tantos e tão espantosos os nanoprodígios, que chega a correr-se o risco de parecer insignificante uma elementar divergência de opinião, ou mais exactamente: de perspectiva. Precisamente aquela que vai do homem ao insecto e que se traduz neste irrisório detalhe: é que enquanto para nós aquilo que ele, nanopaquiderme, rola à frente da nanotromba com frenesim de buldózer, não passa dum minúsculo berlinde de bosta, para ele, tudo o indica, quiçá por um complexo sistema de compensações, congrega e esgota a substância (e a ficção) de todo o seu mundo.
Foi isto que me ocorreu escrever, depois de ler esta pérola aromática.
O que eu, já agora, recomendava ao autor é que, ao menos, abrisse três covinhas no chão da tese e convidasse uns amiguinhos, também dispépticos e coriáceos, para a jogatana no quintal. Na sua ideia de Portugal não cabe decerto um império, mas, que diabo, sempre dá para jogar ao bilas, ou nem isso?...

segunda-feira, outubro 10, 2005

A Oligarquia dos Piores


«As únicas duas fórmulas governativas que podem dar glória e grandeza a uma nação são a monarquia absoluta e a república aristocrática. Sendo a tendência de toda a sociedade a de ser uma oligarquia, ou uma colecção de oligarquias, só podem ser verdadeiramente grandes dois tipos de sistema social – o que destrua todas as oligarquias e o que "organize" a oligarquia. Ora, só o poder pessoal, à D. João II, pode esmagar as oligarquias; e só a República aristocrática, oligarquia dos melhores, pode, aceitando o defeito fundamental dos melhores, triunfar dele por dentro. A república aristocrática é o sistema mais perfeito, porque é o mais estável dos dois. A monarquia absoluta depende de um homem; a república aristocrática é já uma instituição.
Todos os outros sistemas de governo são maus. A chamada "democracia" é apenas uma oligarquia complexa, ou uma complexidade de oligarquias. A monarquia constitucional é má porque é a média entre o que morreu e o que não pode existir.
A sociedade, verdadeiramente, não é composta de homens, mas de agrupamentos; é, portanto, uma potencialidade de oligarquias.»
- Fernando Pessoa, "Ultimatum e Páginas de Sociologia Política"


Ao Portugal actual chamemos Mortugal. Isto, se quisermos ser realistas. Para os mais sonhadores, talvez Hortugal esteja mais a contento: já não é um jardim à beira-mar plantado, mas ainda pode ser uma horta. Nabos e hortaliças, pelo menos, não faltam.
Pois bem, neste Mortugal em que jazemos, os piores julgam-se os melhores, são ovacionados por microturbas mentecaptas, e reinam em conformidade. Em vez duma República aristocrática temos, por conseguinte, uma república cacocrática ou "democracia dos alguidares". Em vez de glória e grandeza, temos baixaria e corrupção. A pergunta que eu, entretanto, gostava de deixar a todos os autoproclamados patriotas é, no essencial, a seguinte:
Será possível, sem recurso à magia negra, fazer duma oligarquia dos piores uma oligarquia dos melhores? Isto é, na terminologia Pessoana, será possível, a não ser por artes taumatúrgicas, converter uma oligarquia caótica numa agremiação organizada? Um cancro num cérebro? Um monstro rastejante num Zeus Olímpico?...
Relembro que isto ainda não é uma república das bananas, apenas e somente, porque é uma república dos macacos e, assim sendo, não há bananas que resistam.

A Lady Di do Minho

A Fátima Felgueiras, espécie de Lady Di do lugar homónimo, está ali, na televisão, em apoteose, a ralhar com a pátria. Connosco, gente de pouca fé. Enquanto não parte, em tournée, a devolver a luz a cegos, a marcha a paralíticos e a saúde a leprosos, do alto do olimpo, não se contenta de posar laureada: transige em pregar-nos moral, digna-se aspergir-nos com um sermão edificante. Para assombro dos incréus e galhofa dos vindouros, graças ao milagre da multiplicação dos votos, o patíbulo virou pódio, e o pódio deveio púlpito.
Há-de haver muito boa gente escandalizada, rilhando dentes, fincando unhas, rosnando, quiçá, impropérios. Lamento, mas não é o meu caso. Por mim, tento ver a coisa pelo lado positivo. Contemplo toda esta choldra infinita e agradeço humildemente a Deus Nosso Senhor que ela se tenha contentado em concorrer a uma mera Câmara Municipal e não à Presidência da República.

domingo, outubro 09, 2005

A Novipropaganda


Suspeito bem que depois destas eleições a propaganda eleitoral nunca mais venha a ser a mesma. Palpita-me que, para instrução e sedução das massas, os candidatos deixem de usar a riqueza do curriculum vitae e passem a exibir, com garbo campeão, a sujidade do registo criminal.

sexta-feira, outubro 07, 2005

Aeromoças

O Dragão convidou-me a comentar o seguinte provérnio, ou prubérvio, ou boca foleira, ou lá o que é:
«Os homens só saem de casa quando as mulheres lhes põem as malas à porta.»
Isto não tem muito que se lhe diga, ó Dragão. Aliás, nem tem nada que saber. Corrija-se que quem costuma fazer isso não são as mulheres, mas mais as gajas, as lambisgóias metidas a cabra. A mim, até posso confessá-lo, aconteceu-me uma vez. Com uma gaja que eu tinha por conta, ali para as bandas de Campo de Ourique.
Ia pois eu a chegar a casa, c’uma certa pressa nesse fim de semana por causa da transmissão do Glorioso na TV, quando dou com a bagagem toda alinhada no patamar e um bilhetinho que nem me dei ao trabalho de ler. Aquilo caiu-me mal. Por diversas razões. Primeiro, porque não sou nenhum cachorro ou galo-inácio para ser enxotado; segundo, porque o mínimo exigível para estes louco-outs é um pré-aviso, se não está na lei devia estar; terceiro e, aí sim, uma chatice, pior: uma violência, porque a televisão estava lá dentro e o jogo quase a começar. Ainda por cima com os lagartos, sendo que eu já vinha fodido de não ter arranjado bilhete (na altura, para a banheira de Alvalade, ainda não estava lá o sanitário completo). Além de homem, sou benfiquista – dupla responsabilidade, portanto. Não pensei mais, quer dizer, nem pensei. Mandei uma patada na porta, galguei feito tigre o corredor e, já dentro do quarto, mandei igualmente com o lambe-lambe que ela tinha em cima pela janela do segundo andar, pena não morar mais alto. A seguir, pelo mesmo caminho, enviei os secadores, os batons, os rimeis, os perfumes, um balde inteiro de bijuterias e pechisbeques, as entranhas completas dum guarda-vestidos, cinquenta pares de sapatos, outras tantas malas e marroquinaria diversa. Para encerrar, enquanto ela bazava porta fora, a descabelar-se aos guinchos, atrás daquela tralha toda, municiei-me de várias cervejolas e lá me sentei de plantão à jogatana. O resultado exacto já não me lembro, mas duas horas depois eu, além de convicto da putice benemérita da mãe do árbitro, o que lhe telemanifestei em grandes urros por inúmeras vezes, não tinha igualmente quaisquer dúvidas quanto à sua paneleirice congénita, e militante. Ora, logo por azar, estava eu todo envinagrado, nesta justa indignação, a acabar de partir a pontapés a mesinha da sala e várias cadeiras avulsas, reentra-me a gaja a barafustar, aos gritos, ainda por cima, detalhe fatal, vestida de verde. Caralho, agora que vejo em replay mental ainda me dão as ganas!...Foda-se, um homem não é cachorro, nem galo-inácio, e muito menos um santo.
Saí de casa, sim senhora, nessa mesma hora. E ela também. Mas eu fui o único que saiu pela porta.
Moral da história: as mulheres, na cama, até nem são nada más; mas a voar são um desastre.

Passem bem.

PORTUGAL



«Contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor.»
-Mateus, 9,36

«"Qual dos dois preferis que vos solte?" Eles responderam: "Barrabás!"»
- Mateus, 27,21

A turba prefere sempre os infames. Por vaidade e narcisismo. Até porque odeia figadalmente refectir sobre as coisas ou, ainda mais, quem a incite a isso: ambiciona sobretudo -e desmesuradamente- reflectir-se nelas. E neles.

O ónus


Tendo em atenção o estado - abaixo de cão, de bosta e pouco acima de polícia - a que este país chegou, sinto-me tentado, tentadíssimo, a concordar com a inversão do ónus de prova. Mas duma forma radical e verdadeiramente proba. É que, dos dez milhões de portugueses que o habitam, ao nosso martirizado país, entre os que o flagelaram e os que permitiram que se flagelasse, estou plenamente convicto que seria da maior justiça converter a presunção de inocência na presunção de filha-da-putice. Para todos! Do Minho ao Algarve. A esmo!...

quinta-feira, outubro 06, 2005

Abaixo a homofobia!


Eu quero aqui declarar, com a maior solenidade (estou neste momento hirto, em sentido, com a mão direita sobre a "Odisseia"), que declino quaisquer responsabilidades na deriva homofóbica ( e sabe-se lá que restante iceberg submerso detrás desse lúgubre espigão) do Timshel.
Mais assevero, um raio me parta já aqui se não é verdade, que, pelo contrário, depois de cair da mota abaixo*, siderado por um flash súbito, vi a luz. Suponho que era um camião e vinha chupado, o filho da puta. Mas quando acordei na cama do hospital, apaparicado por um rancho de enfermeiras trinantes, apercebi-me do quão errado e maltrapilho vagueara estes anos todos.
Assim sendo, quero arrepiar caminho, a ver se, já não digo a alma, mas ao menos a reputação se salva (e, já agora, a ver se me arranjam também um tachito nas artes – numa telenovela, por exemplo; parece que não se ganha mal).
Sou, por conseguinte, e desde essa tão aparatosa quão providencial queda, apoiante incondicional, frenético e ululante, de todo o folclore gay, quer dizer, todas as legítimas aspirações e reivindicações dessa boa gente, Deus e a Constituição a guarde. E para ressarcir das épocas sinistras em que lhes devotei chacota e zurzidela impiedosas, vou até mais longe: não só os apoio nas suas demandas actuais, como os aplaudo e canonizo em toda a linha, patrocinando de antemão todas e quaisquer bizarrias futuras. Que, de resto, se adivinham e cumprem cadeia de necessidade exemplaríssima. Bem como excelsa. Ou não estivéssemos a falar de pessoas que têm que ser indemnizadas por séculos de bárbaras discriminações e brutalidades, ora essa! Chega, basta, caixote com os tabus opressores!
Diabos me levem, se não se há-de fazer justiça a estas pobres criaturas!
E não é apenas dum legítimo, festivo e basilesco matrimónio que os defraudam. É também no direito de adopção de criancinhas –adopção, claro está, nos moldes gay, ou seja, homos tomam a seu cargo meninos, lésbicas educam familiarmente meninas. E ainda há trogloditas, cavernícolas e demais pitecantropos que acham bem, que se soneguem assim os direitos às pessoas. Num país de amplas liberdades, o serviço de direitos é mínimo, digno do tempo da Maria Caxuxa!
Irra, quero afirmar aqui, alto e bom som, que é uma vergonha que, por esta altura do campeonato, em pleno terceiro milénio, tais direitos elementares ainda não lhes tenham sido outorgados, benzidos e consagrados. De papel reconhecido e abono de família bonificado. E com retroactivos. É inadmissível!...Só mesmo num país do quarto mundo, numa Cochinchina ou Patagónia!
Fôssemos uma nação evoluída, avançada, e a esta hora já estaríamos a discutir, isso sim, o direito, também ele inalienável, dos pobrezinhos ao incesto. Ou dito de outra forma: depois do direito justíssimo de se casarem e adoptarem filhos, o direito, também ele justo, lógico e decorrente, de os educarem. Nos seus sofisticados princípios, valores e tradições.

Abaixo a homofobia! Pim.
* - A expressão "cair da mota abaixo", lego-a ao desvelo clínico do Homem-Prontuário.

quarta-feira, outubro 05, 2005

Da República

«O observador imparcial chega a uma conclusão inevitável: o país estaria preparado para a anarquia; para a república é que não estava. Grandes são as virtudes de coesão nacional e de brandura particular do povo português para que essa anarquia que está nas almas não tenha nunca verdadeiramente transbordado para as coisas!
Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos - porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com o seu quanto de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos - de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regimen a que, por contraste com a monarquia que o precedera, se decidiu chamar República.
A monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis da família, a lei da separação da Igreja e do Estado - todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais.
A monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, disse Dias Ferreira, era governado por quadrilhas de ladrões. E a república que veio multiplicou por qualquer coisa - concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) - os escândalos financeiros da monarquia.
A monarquia, desagregando a Nação, e não saindo espontaneamente, criara um estado revolucionário. A república veio e criou dois ou três estados revolucionários. No tempo da monarquia, estava ela, a monarquia, de um lado; do outro estavam, juntos, de simples republicanos a anarquistas, os revolucionários todos. Sobrevinda a república, passaram a ser os republicanos revolucionários entre si, e os monárquicos depostos passaram a ser revolucionários também. A monarquia não conseguira resolver o problema da ordem; a república instituiu a desordem múltipla.
É alguém capaz de indicar um benefício, por leve que seja, que nos tenha advindo da proclamação da República? Não melhorámos em admninistração financeira, não melhorámos em administração geral, não temos mais paz, não temos sequer mais liberdade. Na monarquia era possível insultar por escrito impresso o rei; na república não era possível, porque era perigoso, insultar até verbalmente o sr. Afonso Costa.
O sociólogo pode reconhecer que a vinda da república teve a vantagem de anarquizar o país, de o encher de intranquilidade permanente, e estas cousas podem designar-se como vantagens porque, quebrando a estagnação, podem preparar qualquer reacção que produza uma cousa mais alta e melhor. Mas nem os republicanos pretendiam este resultado nem ele pode surgir senão como reacção contra eles.
E o regimen está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados mentais, nos serve de bandeira nacional - trapo contrário à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português - o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito natural, devem alimentar-se.
Este regimen é uma conspurcação espiritual. A monarquia, ainda que má, tem ao menos de seu o ser decorativa. Será pouco socialmente, será nada, nacionalmente. Mas é alguma coisa em comparação com o nada absoluto que a república veio a ser.»
- Fernando Pessoa, "Da República"

Como eu não me canso de dizer, porque a realidade, infelizmente, não se cansa de o patentear, as semelhanças entre a 1ª República (acima descrita por Pessoa) e esta 3ª República em que vamos chafurdando são cada vez mais evidentes.

segunda-feira, outubro 03, 2005

domingo, outubro 02, 2005

Certame de prosadeiras


Já não é primeira vez que deparo com esta consideração peremptória: "A Agustina é a maior prosadora portuguesa viva".
Vou-me esquecer, por instantes, que a malta de direita se agarra à Agustina, como os sinistros se agarram ao Saramago ou coisa parecida. Em época de naufrágio, qualquer tronco ou armário esventrado, desde que bóie, serve.
Parto também do princípio que ao dizer-se "prosadora" se excluem os "prosadores" da compita. O Vilhena, ao que sei, ainda respira. Devo referir igualmente, e a bem da verdade, que desconheço os dados biométricos da senhora –altura, peso, diâmetro, volume encefálico; pelo que não consigo abalizar com rigor se é de facto a mais alta, a mais pesada, ou até a mais veloz. A mais bela sei que não é de certeza, pois o conjunto lembra inequivocamente um estafermo das berças. Terá o espírito dum Platão, mas não ultrapassa a elegância da porteira labrusca no físico. Ironia divina? Quiçá.
Por outro lado, espicaça-me a dúvida: como se medirá uma prosadora? – À página? À linha? À metáfora? Ao capítulo? Ao romance? Ao prémio? Se é ao prémio, em que é que o certame das prosadoras se distingue dos canídeos com pedigree?... Enfim, perplexidades, mil e uma.
Em todo o caso, mentiria se não dissesse que considero de protuberante ligeireza, senão mesmo deplorável miopia, tão taxativo galardão: A Agustina a maior prosadora portuguesa viva? Estão-se a esquecer, no mínimo, da Rita Ferro ou da Helena Sacadura Cabral, que diabo!... Uma atoarda dessas só é compreensível em quem nunca leu "Querida menopausa".
Mas não me mal interpretem: o problema da Agustina não é escrever mal –aliás, nem bem, tão pouco. O problema da Agustina, acreditem, é escrever romances.