«O observador imparcial chega a uma conclusão inevitável: o país estaria preparado para a anarquia; para a república é que não estava. Grandes são as virtudes de coesão nacional e de brandura particular do povo português para que essa anarquia que está nas almas não tenha nunca verdadeiramente transbordado para as coisas!
Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos - porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com o seu quanto de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos - de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regimen a que, por contraste com a monarquia que o precedera, se decidiu chamar República.
A monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis da família, a lei da separação da Igreja e do Estado - todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais.
A monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, disse Dias Ferreira, era governado por quadrilhas de ladrões. E a república que veio multiplicou por qualquer coisa - concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) - os escândalos financeiros da monarquia.
A monarquia, desagregando a Nação, e não saindo espontaneamente, criara um estado revolucionário. A república veio e criou dois ou três estados revolucionários. No tempo da monarquia, estava ela, a monarquia, de um lado; do outro estavam, juntos, de simples republicanos a anarquistas, os revolucionários todos. Sobrevinda a república, passaram a ser os republicanos revolucionários entre si, e os monárquicos depostos passaram a ser revolucionários também. A monarquia não conseguira resolver o problema da ordem; a república instituiu a desordem múltipla.
Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos - porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com o seu quanto de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos - de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regimen a que, por contraste com a monarquia que o precedera, se decidiu chamar República.
A monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis da família, a lei da separação da Igreja e do Estado - todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais.
A monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, disse Dias Ferreira, era governado por quadrilhas de ladrões. E a república que veio multiplicou por qualquer coisa - concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) - os escândalos financeiros da monarquia.
A monarquia, desagregando a Nação, e não saindo espontaneamente, criara um estado revolucionário. A república veio e criou dois ou três estados revolucionários. No tempo da monarquia, estava ela, a monarquia, de um lado; do outro estavam, juntos, de simples republicanos a anarquistas, os revolucionários todos. Sobrevinda a república, passaram a ser os republicanos revolucionários entre si, e os monárquicos depostos passaram a ser revolucionários também. A monarquia não conseguira resolver o problema da ordem; a república instituiu a desordem múltipla.
É alguém capaz de indicar um benefício, por leve que seja, que nos tenha advindo da proclamação da República? Não melhorámos em admninistração financeira, não melhorámos em administração geral, não temos mais paz, não temos sequer mais liberdade. Na monarquia era possível insultar por escrito impresso o rei; na república não era possível, porque era perigoso, insultar até verbalmente o sr. Afonso Costa.
O sociólogo pode reconhecer que a vinda da república teve a vantagem de anarquizar o país, de o encher de intranquilidade permanente, e estas cousas podem designar-se como vantagens porque, quebrando a estagnação, podem preparar qualquer reacção que produza uma cousa mais alta e melhor. Mas nem os republicanos pretendiam este resultado nem ele pode surgir senão como reacção contra eles.
E o regimen está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados mentais, nos serve de bandeira nacional - trapo contrário à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português - o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito natural, devem alimentar-se.
Este regimen é uma conspurcação espiritual. A monarquia, ainda que má, tem ao menos de seu o ser decorativa. Será pouco socialmente, será nada, nacionalmente. Mas é alguma coisa em comparação com o nada absoluto que a república veio a ser.»
- Fernando Pessoa, "Da República"Como eu não me canso de dizer, porque a realidade, infelizmente, não se cansa de o patentear, as semelhanças entre a 1ª República (acima descrita por Pessoa) e esta 3ª República em que vamos chafurdando são cada vez mais evidentes.
Semelhanças essas que alguns gostariam de intensificar, lamentando-se certamente de não poderem exercer a discricionaridade do PRP.
ResponderEliminar"(...) o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito natural, devem alimentar-se.(...)"
ResponderEliminarPois agora morrerão à fome, porque de verde só têm o verdete que baba oxidado dos seus ideais.
Cumprimentos, ó inexorável (e inoxidável, bem entendido) Dragão!
São sempre aquelas duas famílias que se sentaram ao acaso na "sala do jogo da pela". Parece que têm umas diferenças. Eu não noto. O que sei é que se revezam... e comem tudo.
ResponderEliminarO texto foi muito bem escolhido.
JSM (Interregno)
Fernando Pessoa sabia bem do que falava!
ResponderEliminarInfelizmente esta camarilha que nos governa conseguiu instigar o Povo a perder as poucas qualidades que tinha: Rectidão, Patriotismo, Valores Morais e principalmente o Respeito.
Cumprimentos de um indefectível monárquico.
Pois são!, mesmo muito evidentes. Também "Uma Campanha Alegre", do Eça, continua, infelizmente, actualíssima.
ResponderEliminarBons sinais para os políticos, que continuam a contar com aquela mesma massa amorfa e acéfala para a qual ainda não foi possível encontrar reagente à altura...Enfim, isto deve ser como o amor, uma questão de química! Os que não partilham da química dessa mole, hoje como ontem, estão completamente forquilhados...alguns até emigram - habitualmente para países onde,independentemente do regime político,se continue a valorizar o cidadão pelas suas qualidades morais e intelectuais. Ainda há países destes, não há? Então, até!, que vou já mas é preparar a trouxa! Tchauzinho!
boa rapaz! excelente. Vou já linkar!
ResponderEliminar(c'um caraçasm até nisto nos entendemos...? sorte a tua eu já estar ocupada ":O))))
Só há uma solução:
ResponderEliminara IV República...
ou por lá o D.Duarte, acompanhado do Mourinho de Primeiro-Ministro e o alberto joão de Ministro dos Negócios Estrangeiros
Caro Dragão,
ResponderEliminarOnde posso encontrar este texto de Fernando Pessoa? Folheei livros e livros de FP naquele feriadozeco de meia-tigela e não consegui encontrá-lo. Obrigada.
Saudações monárquicas!
emv
Caro EMV,
ResponderEliminarEncontrá-lo-á decerto nas "Obras completas de Fernando Pessoa", vol. "Da República (1910-1935)", pp. 149, ed. Ática (a primeira editora do Pessoa, entretanto falida, suponho).
Saudações monárquicas absolutistas (à D.João II) igualmente para si e para todos os monárquicos que me visitam.
Caro Dragão,
ResponderEliminarObrigada pela referência. Vou tentar encontrar esse volume.
A propósito, sou monárquica, e não monárquico, mas sem absolutismos. Se admira D. João II, leia a Biografia que Luís Adão da Fonseca escreveu para a colecção 'Reis de Portugal', que está a ser publicada pelo Círculo de Leitores.
Saudações monárquicas (mas não absolutistas).
EMV
Cara senhora (ou menina), EMV,
ResponderEliminarProstro-me acabrunhado e penitente e vou, descalço e de corda ao pescoço, rogar-lhe perdão por tão tremendo lapso. Já não é a primeira vez. Esta faceta sinistra e confusionista do meu carácter desgosta-me.
O livro em questão, já agora aproveito para acrescentar, não é difícil de encontrar em alfarrabistas (tente as Escadinhas do Duque, a Rua da Trindade ou ao fundo da Calçada do Combro).
Quanto a El Rei D.João II, não é bem eu admirá-lo... é mais devotar-lhe, a ele e ao país que com ele morreu, um dos raros imperativos categóricos que reconheço nesta minha vida: Vingá-los.
Saudações Dragonianas
Parabéns pelo excelente excerto do texto do Pessoa.
ResponderEliminarDe Fernando Pessoa (um dos HERÓIS de Portugal), tudo o que se diga é pouco.
Precisávamos de muitos mais destes Heróis. Fazem-nos, neste momento, uma falta enorme.
Mas o Patriotísmo está fora de moda, por culpa desta cambada que nos desgoverna há 31 anos. E que TUDO tem feito para o ridicularizar e ridicularizar todos aqueles que o possuem no seu íntimo e que tudo fazem para elevar os valores da Pátria ao seu mais elevado patamar.
Mais uma vez parabéns e dê-nos mais do mesmo. Conheço desde há pouco, o seu Blog e fiquei admiradora.
Maria.