A síntese com mais piada sobre toda esta coisa do Charlie-hebdo, li-a numa caixa de comentários. Passo a transcrever :
«...não simpatizo com terroristas , acho até que pena de morte é bem aplicada , a começar nos da ETA , mas também não simpatizo com comportamentos temerários. Se o toureiro leva uma cornada ? Problema dele, meu não .»
- Marina.
Inspirado nesta musa (que em possuindo uma beleza equivalente à inteligência constituirá decerto uma ameaça séria ao trânsito das nossas cidades, vilas e aldeias), e em tributo à mesma, é o que se segue:
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Algures numa praça de toiros, por alturas da festa brava. Dois aficcioonados conversam e, escutando a sua conversa, vamos sabendo das peripécias no recinto.
- Então hoje não veio o Pedrito de Portugal?
- Não. Houve uma alteração de última hora.. Hoje é um toureiro exótico, mas muito temerário: o Carlitos de França.
- Hum...Franceses a cortar orelhas a a touros, nem sei bem porquê, mas não me soa bem... Ouvi dizer que eles são bons é a cortar cabeças a pessoas. E à máquina...
- Não, mas este é kosher. Vais ver que é jeitoso.
- Olha, atenção, já vão anunciar o touro.
(Voz, nos altifalantes:
- Com quatrocentos quilos de dinamite, da ganadaria Obibama Saudi & Filhos, o Islamofaxo!)
- Ouviste, pá? O Islamofaxo! Uma autêntica besta do apocalipse, segundo os relatos! Parece que causou uma verdadeira chacina entre vacas e colegas de ganadaria, lá no pasto!.. Até campinos marcharam de enfiada! E jornalistas, quantos apanhou! Aí entornou-se o caldo..
- Pois foi. Li a notícia nos jornais. Tiveram que isolá-lo, porque estava a dar um prejuízo do caraças aos criadores!
- Lá vem ele! Olha só como desembesta!... Aquele peão por um triz não entrava em órbita!...
- Irra, e é zurdo.Aposto que corneia baixo e investe de esguelha!...
- Um rematado velhacote, digo-te eu!
- Mas o Carlitos não tem medo. Repara como ele vai sarrabiscando a areia. Como se nada fosse. Sangue frio tem ele, lá isso!...
- Ah, mas ei-lo que cita!...
(Ouve-se a voz de Carlitos na arena, provocando a besta : "eh toro beau, vite, vien ici!..." O touro, porém, não lhe liga. Resfolega com ruído, e fita, cheio de ódio, para lá das barreiras...)
- Humm... Acho que o quadrúpede não sabe francês. Repara está mais interessado em escavacar as tábuas. Isto com toureiros franceses não resulta, é o que eu temia: sem tradutor não vamos lá! Nem nas nossas redes sociais o francês tem qualquer uso, quanto mais nas taurinas!... Se ainda fosse inglês, mesmo técnico, vá que não fosse...
- Lá está tu com o teu pessimismo. Isto ainda se compõe. Basta ele picar o bicho. Uma ou duas bandarilhas e o bovino entende logo.
- Sim, sim, dizes tu... Agora até saltou as tábuas e foi marrar nos cabrestos para os curros! Contas antigas por resolver, certamente!...
(Novamente, a voz de Carlitos: Eh, mas qu'est que tu fais, pedaço d'âne?! Revien! n 'est pas gentil ça, quoi!... Sacre bleau!...Quel brut!...)
- Se bem percebo o franciú, está a chamar burro ao toiro. Não, com franceses nada feito. Se ele convoca um asno, como quer que lhe responda um touro?! E ainda por cima está de avental, em vez do traje de luces. E aquele barrete!... não lembra ao diabo. Ou então foi mesmo ao diabo que lembrou, porque o conjunto é um bocado patibular: Mais parece um açougueiro que um matador. É mais que natural que a alimária o despreze. Olha!...E afinal a muleta é um compasso!...
- Eh pá, se calhar começo a dar-te razão... Um perfeito talhante! Disse-me um tipo da organização, que os franceses preferem o traje de Lumiéres ao de Luces. Embora aquilo mais lembre as trevas, de facto. Mas enfim... O Tony Carreira também de lá veio e olha o êxito que ele agora tem
- Com mil diabos, que faz ele agora, o Avec?
- Ora, já percebeu que a alimária não entende a língua de Rabelais e, pelos visto, agora, está a tentar citá-lo com linguagem gestual. Mas com carinhas de cu, boquinhas e pilinhas isto não vai. O touro só entende de manguito para cima!...
- Eh pá, já começa a ser penoso. Que cretino! Nem o pai morre nem a gente almoça.
(Subitamente, Carlitos pára de gesticular e fazer caretas, e grita: Maomé, ó Maomé!..." Instala-se um grande silêncio nos até aí tumultuados curros. Carlitos insiste: Maomé, vien, gros-merdoso!... Ouve-se um galope atroador e o quebrar das portadas por onde irrompe um Islamofaxo escumante, visivelmente disposto à mais urgente das carnificinas...)
- Está furioso, o cornúpeto. Isto anima-se. Eu é que não me metia à frente daquilo!...
- Nem eu. Mas o Carlitos não arreda. Ah, valente!... parece que afinal temos homem!
- Olha-me esta, até nem toureia mal de todo, o galicoiso. Reparaste naquela chicuelina?... Olha, e agora o molinete!.... OLé!
- Estou a ficar pasmado...
(Começa a tocar musica na praça, mas, de repente, grande bruá nas bancadas!...)
- Meu Deus!, foi colhido, o Carlitos! Foi colhido, que horror!... Coitado do Carlitos!...
- Não são de fiar, estes zurdos. Bem que avisei. O Islamofaxo acertou-lhe com uma cornada a rodar!
- Foi na ilharga, chiça, e leva-o ao espeto!
- Não, não foi nada na ilharga: foi na liberdade de expressão.
- Tens a certeza? Pareceu-me na ilharga.
- Estou-te a dizer e acabo de confirmar com os binóculos: em cheio na liberdade de expressão.
- Bem, ao menos não foi no abono de família.
- Sim, graças a Deus! Até porque na liberdade de expressão já estava o buraco feito.
- Pois, não costuma ser grave. No máximo uma semana e já consegue fazer progresso à vontade. Até lá, remedeia-se com um tubo.