Depois da perspectiva genérica, no postal anterior, passemos agora a uma visão específica, do nosso caso peculiar - presente e português.
Antes do 25 de Abril havia um repressão de critério essencialmente político. Censura nos mass-media, vigilância policial especialmente direccionada para a detecção, controlo e inibição de actividades contrárias ao interesse do estado e à integridade da nação. Pelo menos, era esta a justificação dada pelo próprio regime. Admitamos que tudo isto era mau, porque contrário à liberdade de expressão, de reunião, de eleição, mutilador de direitos, potenciador de arbitrariedades policiais, etc, etc. Todo o aparelho repressor tinha como objecto principal o Partido Comunista, encarado pelas autoridades de então como uma quinta coluna soviética, agente activo de desordem e desagregação social, bem como de traição nacional. Hoje em dia o Partido comunista é muito patriótico, benemérico e parlamentar, mas na época punha de facto bombas e agitava venenosamente a vários níveis. Quer dizer, cumpria efectivamente uma agenda externa. Como hoje outros, eleitos para o próprio governo, e ao leme do próprio estado, cumprem. Em resumo, a repressão política do anterior regime afectava seriamente um minoria da população ( a grande maioria tratava da sua vida sem que os fornicoques políticos coartados a incomodassem muito. Em havendo futebol, comida, praia, música, farmácia e amigos a quem pedir uns favores, ontem como hoje, a malta não se ofende muito. Barafusta e resmunga sempre, mas isso não é defeito, é feitio. Quanto ao queixume, à queixinha e à queixice, aí, já se trata duma segunda natureza. Há muito de judeu imperfeito no português: todos lhe devem e ninguém lhe paga. Se todos lhe pagassem, seria o judeu perfeito. Alguns lá vão conseguindo, mas enfim, ficam longe de constituir regra).
Passemos aos nossos dias. Hoje, essa repressão política do antanho, nos seus aspectos mais sombrios e ostensivos, não existe. Em parte porque se dantes tinhamos autocratas vitalícios, agora temo-los apenas quadrianuais (nem tudo é mau, como vêm: imaginem estes de agora vitalícios...). Os piores conseguem, na melhor das hipótese, o dobro, mas nada mais que isso. Durante os consulados devoristas, estes novos autocratas temporários (até a autocracia se tornou precária entre nós) aceitam que os critiquem. Vivem razoavelmente confortáveis com isso. Basicamente, porque se estão nas tintas; o essencial é outro e remete para o mero enriquecimento pessoal e partidário. Assim, as forças que são apeadas e os seus apaniguados - profissionais, voluntários ou meramente úteis -, podem criticar o governo, o estado e o próprio rumo da nacinha. E geralmente fazem-no com invariável furor, indignação e probidade aos molhos (na oposição ficam subitamente curados de toda e qualquer amnésia moral). Dispõem para o efeito de jornais, televisões e ciber-veículos a preceito. Respondem os que estão aboletados no erário com idêntico arraial. De tal modo, que a liberdade de expressão se divide, religiosamente, entre os que fazem a denúncia fustigante e os que fazem a apologia épica do governo. Ou dito com maior rigor, os que ladram, e os que ronronam. Quando o governo muda, os da denúncia passam à apologia, e os da apologia passam para a denúncia (excepto, bem entendido, aquela minoria à esquerda em perene denúncia, mas que é mais um sedimento, uma borra do próprio sistema político do que propriamente uma força genuinamente opositora) . Pois bem, pergunta retórica: é livre a expressão de toda esta malta? Se é enfeudada, avassalada, ferozmente parcial e prostituta, como pode ser livre? A não ser que servidão sabuja, sectarismo manhoso e clientelismo frenético constituam a fórmula hodierna de liberdade, não vejo como. Ou então, presumo que me expliquem de imediato todos estes realistas encartados, liberdade de expressão é poder propalar livremente, com carteira profissional e púlpito gratificado, todas as minhas taras, ausências, vícios e faltas de carácter. Sobretudo, é poder mentir, aldrabar, retorcer, perverter e cavilar sem qualquer freio ou penalidade. Ah, pronto, sendo assim, não discuto: temos imensa liberdade de expressão. E nem é preciso ir aos órgãos de informação generalistas, basta ir aos desportivos.
Quanto à liberdade de imprensa, que já ficou em boa medida descrita no parágrafo anterior, acresce ainda que agora não se sofre mais a censura prévia, mas também não é preciso. A coisa vai a reboque e a toque de caixa de critérios patrimoniais e, à bica destes, de critérios ou filtros editoriais. Cumprem-se agendas pré-determinadas, obedece-se a roteiros de campanha, promovem-se encomendas e ladra-se a quem desagrada ao dono. Quanto ao resto, publica-se ou difunde-se um conjunto de notícias fornecidas pela mesma agência. Todos os jornais apresentam as mesmas notícias, todos as televisões emitem telejornais idênticos. Não sei o que é a liberdade, mas uniformidade não é, decerto, um seu sinónimo.
Em resumo, antigamente a liberdade de expressão não existia ou mal existia porque havia repressão política; hoje não existe ou mal existe porque é falsificada, traficada e contrafeita por pressão, expressão e, em último caso, repressão económica. Do ponto de vista iluminado destas cavalgaduras que nos montam, há liberdade de expressão porque está consagrada na Constituição. Tão consagrada como habitação condigna para todos, justiça igual para todos e outras maravilhas que tais e é o que se vê. A realidade não funciona por decreto.
E quanto à liberdade de expressão, ficamos entendidos. No postal seguinte analisaremos o novo tipo de repressão que se abateu sobre todos nós: A repressão económica em larga escala...
Temos um estado, a funcionar num esquema de extorção, para pagar o circo e os afilhados, uns jornalistas, que só escrevem o que lhes deixam os repectivos directores, que por sua vez obedecem ao patrão, e se por qual motivo, um qualquer cidadão,que saia da manada e da área do corretês, fazem-lhe a cama em três tempos. Basta uma insinuação nos merdia e o infeliz está condenado e liquidado, socialmente, profissionalmente e nalguns casos pessoalmente. Os moços de recados acusam nas primeiras páginas, e as desculpas, quando as dão do engano, são feitas num quadrado, numa página a que ninguém liga. São assim os povos labregos.
ResponderEliminarPara entender a dimensão da liberdade entre o antes e o depois de 1974 basta procurar em que época encontramos os intelectuais.
ResponderEliminarQuem quiser o contraditório que traga então uma lista de intelectuais formatados no tempo Abrileiro.
-> Já há mais de dez anos (comecei nos fóruns clix e sapo) que venho divulgando algo que, embora seja politicamente incorrecto, é, no entanto, óbvio:
ResponderEliminar- Promover a Monoparentalidade - sem 'beliscar' a Parentalidade Tradicional (e vice-versa) - é EVOLUÇÃO NATURAL DAS SOCIEDADES TRADICIONALMENTE MONOGÂMICAS..
{ver blogs http://tabusexo.blogspot.com/ e http://existeestedireito.blogspot.pt/}
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-> O assunto tarda em sair para o debate público... todavia, no entanto... aqui o je não vai deixar de continuar a insistir!