sábado, dezembro 31, 2005

Desejo megalómano para 2006


Escrever aqui no blogue, em directo e ao vivo, sem rede nem corrector ortográfico -um princípio suicida de que não abdico! - uma epopeia histórico-romanesca para a qual anuncio desde já o título: «As maravilhosas aventuras de Vlad "O Empalador" ou Do Empalamento como uma das Belas-artes».

É a minha vingança - pessoal, fria e refinada -, por ter extraviado, algures nas entranhas maléficas deste filho-da-puta do meu computador, o V episódio da sequela "Estética do Massacre". Nada menos que o "Especial de Natal". Um momento épico inolvidável (e, pelos vistos, após infinitas buscas, irrecuperável...)

No que toca a infâmia nesta espelunca, vocês, seus pacóvios, ainda não viram nada!...

Então, "Feliz Kwanzaa", ó jovens!... (O Dragão na vanguarda multicultural)


Desconhecia em absoluto esta treta denominada "Kwanzaa". Mas alguém, no seu perfeito juízo, com os alqueires bem medidos, sabia de tal bacorice?...
Pois parece que é coisa importante. Tão importante, que até o presidente Bush, esse príncipe do planeta, se dignou contemplá-la com uma "presidential Message" (natalícia?) de felicitações. Tudo indica que no rescaldo da terrível controvérsia que abalou a América - Merry Christmas Versus Happy Holidays - o casal Bush, certamente aconselhado por aqueles augustos serafins sábios que volitam em redor, descalçou a bota multicultural cantando "Happy Kwanzaa".
Quem não achou muita graça à laracha multiculturalista (deveras peregrina, havemos de reconhecer) foi Ann Coulter. E explica detalhadamente porquê. Desta vez, sem exemplo, até pela inusitada e abençoada trégua na tradicional surrapa que usualmente destila, nós agradecemos.
Do artigo, transcrevo alguns trechos, mas recomendo a leitura integral...

«It is a fact that Kwanzaa was invented in 1966 by a black radical FBI stooge, Ron Karenga, aka Dr. Maulana Karenga. Karenga was a founder of United Slaves, a violent nationalist rival to the Black Panthers and a dupe of the FBI.
In what was probably ultimately a foolish gamble, during the madness of the '60s the FBI encouraged the most extreme black nationalist organizations in order to discredit and split the left. The more preposterous the organization, the better. Karenga's United Slaves was perfect. In the annals of the American '60s, Karenga was the Father Gapon, stooge of the czarist police.
(...)
Kwanzaa itself is a lunatic blend of schmaltzy '60s rhetoric, black racism and Marxism. Indeed, the seven "principles" of Kwanzaa praise collectivism in every possible arena of life -- economics, work, personality, even litter removal. ("Kuumba: Everyone should strive to improve the community and make it more beautiful.") It takes a village to raise a police snitch.
When Karenga was asked to distinguish Kawaida, the philosophy underlying Kwanzaa, from "classical Marxism," he essentially explained that under Kawaida, we also hate whites. While taking the "best of early Chinese and Cuban socialism" -- which one assumes would exclude the forced abortions, imprisonment for homosexuals and forced labor -- Kawaida practitioners believe one's racial identity "determines life conditions, life chances and self-understanding." There's an inclusive philosophy for you.
(Sing to "Jingle Bells")
Kwanzaa bells, dashikis sell

Whitey has to pay;
Burning, shooting, oh what fun
On this made-up holiday! »

Resta-nos agora ficar à espera. Que, depois dos gangs, do rap e do hip-hop -enfim, de todos esses monumentos culturais que atiram com a teoria darwiniana para as urtigas -, também o "kwanzaa" se digne comparecer entre nós. Talvez para o ano, quem sabe, quando a polémica "Feliz Natal/Boas festas", patrocinada pelas amibas mentais do costume, com certeza estourar entre nós. Só é pena o Gorge Sampaio já não ser presidente. Senão, o quão baboso e prazenteiro se esmeraria, de microfone festivo em riste, a desejar "um Santo Kwanzaa" a todos os black-barbies cá da paróquia.
Bem, não melga ele, mas há-de verrumar, com geminado vácuo, outro qualquer igual a ele.

sexta-feira, dezembro 30, 2005

O Neo-Labirintismo



«CIA: embaixada dos EUA nega prisão secreta em Creta».

Mentem com quantos dentes têm (e são muitos, de crocodilo). Está mais que visto, só ceguinhos é que não querem ver: vinte e tal séculos depois, reactivaram o Labirinto. A esta hora andam uns árabes nus, espavoridos, a correr à frente do Minotauro. Uma vergonha!...

Ecce Draco!...


No máximo, acho piada à astrologia. Lá deve ter a sua ciência, pois conta-se que Fernando Pessoa, através dela, conseguiu prever o ano, o mês e o dia da sua morte. Só terá errado ligeiramente na hora.
Astrologia por astrologia, no entanto, considero a chinesa mais interessante que a zodiacal. Pelo menos a descrição do meu signo chinês assenta-me melhor. Adivinhem lá qual é o meu signo chinês?...
Entretanto, para quem quiser saber qual é o seu, nada como uma visita a este site, dotado dum motor de busca horoscópico todo catita.
Como prenda de Ano-Novo (em especial às minhas leitoras que reclamaram um macho a nu) aqui fica um retrato em pêlo -o mais fiel e despido que li até hoje, reconheço -, da minha personalidade, segundo o horóscopo chinês. Retirada destoutro sítio. E regalem-se, ó belezuras!... (um excelente 2006 para todas!)...

«O poderoso e magnífico dragão do folclore mítico nunca cessa de encantar ou agitar a imaginação. Diz-se que algumas das suas qualidades são mágicas, ilusórias ou não, estão contidas naqueles que nascem sob o seu signo.
A pessoa do dragão é magnânime, cheia do vitalidade e de força. A vida para ele, é uma chama de cores. Egoísta, excêntrico, dogmático, terrivelmente exigente e pouco razoável, no entanto sempre com uma grande faixa de admiradores. Orgulhoso, aristocrático e muito directo, o nativo do dragão estabelece os seus ideais cedo na vida e exige os mesmos padrões elevados e perfeição da outra pessoa que viva com ele.
No Oriente, o dragão simboliza o imperador ou o grande macho. Representa o poder; aqueles que nascem no ano do dragão são conhecidos por desgastar os chifres do destino. Uma criança do dragão tenderá a agir de acordo com responsabilidades importantes mesmo se for o mais novo na família. Frequentemente, as crianças mais velhas do dragão podem tratar os seus irmãos mais novos com mais autoridade do que os pais.
O dragão é uma bateria carregada de energia. A sua impetuosidade, ânsia e zelo quase religioso podem arder como o próprio fogo que o dragão deita pela boca. Tem o potencial para realizar coisas grandes, quem é afortunado como o dragão gosta de executar as coisas em grande escala. Entretanto, a menos que contenha o seu entusiasmo prematuro, pode queimar-se e terminar tudo como um sopro do fumo. É fanático por se tornar o mais responsável sobre uma missão. O que quer que o dragão seja , bom ou mau, nunca deixará de fazer os cabeçalhos. O chineses chamam-no o guardião da riqueza e do poder. É um signo próspero. Mas o dragão também é o signo mais favorável à megalomania.
O dragão poderoso é difícil de contestar, por vezes é mesmo impossível. Tende a intimidar todos aqueles que o ousam desafiar. Um dragão irritado, pode ser como um grande lobo mau à sua porta. A sua vontade e o seu sopro deitarão rápida e facilmente a sua casa abaixo. Mas o dragão também é fiel apesar do seu temperamento forte e de suas maneiras dogmáticas. O dragão pode pôr de lado ressentimentos domésticos e vir prontamente salvar quem dele precisar. Entretanto, a sua família pode também contar com severos sermões caso ele pense ser necessário. O dragão raramente mede as palavras. Fala como um Imperador. Embora possa ter as virtudes do discurso e da democracia livre - por vezes não o cumpre. Sente-se acima da lei e não pratica sempre o que prega.
Às vezes ser civil ou comum, afecta e provoca uma tensão terrível no dragão. Tornar-se-ia áspero, rude e totalmente descontrolado quando provocado. Mas não tente dar-lhe para trás da mesma maneira. Caso contrário, não trabalhará, a menos que aconteça você ser um outro dragão e decidir fazer uma batalha. Então nós podemos todos sentar-nos ao redor e prestar atenção aos fogos magníficos que eles farão, pois os festivais de fogo de artificio comparados parecerem velas num bolo de aniversário.
Apesar do seu vulcão de emoções, o dragão não pode ser considerado sentimental, sensível ou muito romântico. Gosta do amor e da adulação por princípios obrigatórios. Mas apesar de teimoso e por vezes irracional ele também consegue perdoar quando menos se espera. E como as coisas devem ser retribuídas, ele também espera que lhe perdoem os seus erros. Pode mesmo negligenciar desculpar-se às vezes, o que pode parecer mal, mas o dragão não tem realmente tempo nenhum para se explicar ou para ser incomodado; quer apenas continuar com o seu trabalho.
Enquanto o dragão puder ser forte e decisivo, ele não será demasiado exigente. Adapta-se facilmente a regulamentos complicados. É frequentemente demasiado confiante e iludido pelas suas visões maravilhosas - negligenciando assim falta de atenção às possíveis manobras que poderão cair sobre ele. Em vez de cheirar ao redor por esquemas habilidosos, prefere mergulhar na batalha, recusando frequentemente recuar mesmo estando de caras com a probabilidade de sair a perder. Demasiado orgulhoso, ele não pede ajuda; demasiado certo, mantém raramente qualquer coisa na reserva. Demasiado atento em ir para a frente, esquece-se de proteger a sua parte traseira e flancos. Demasiado correcto, recusa mentir.
É vital para a pessoa do dragão, ter uma finalidade ou uma missão especial na sua vida . Não é saudável nem justo para ele não ter nada para fazer. Deve sempre ter uma causa para poder lutar ; um objectivo a alcançar, uma emenda para o que está mal. Se não, como pode manter essa chama interna de fogo? Sem os seus projectos preferidos e outros esquemas impossíveis, o dragão é como uma locomotiva sem combustível.
Apesar das suas falhas serem tão numerosas como as suas virtudes, o lustro do dragão brilha em todos. Não é vitima, nem pede favores. Pode resmungar muito, mas não consegue resistir em dar ajuda a quem precisa ou ir em seu socorro quando você está com problemas. Isto não acontece porque sente compaixão ou interesse genuíno; acontece porque o dragão tem um sentido profundo do dever.
O dragão esgotará todos os recursos antes que admita a sua falha. Um extrovertido e um amante da natureza, estas pessoas serão uns desportistas activos, agente de viagens e um excelente orador.
As circunstâncias do exacto momento na altura do nascimento do dragão afectará bastante a sua vida . Uma criança nascida durante uma tempestade conduzirá a uma vida tempestuosa e perigosa não só pelo perigo em si como por experiências espectaculares. Uma pessoa nascida no dia em que o mar (o seu repouso ancestral) estivesse calmo e o céu limpo, terá uma existência protegida e uma natureza mais amigável.
O dragão não é um gastador, mas também não é um miserável. É generoso com o dinheiro mas nunca se preocupa demasiado com o balanço da sua conta no banco a menos que aconteça ter uma combinação forte com os signos de realização de dinheiro
Nada poderá mantê-lo em baixo por muito tempo, e mesmo quando tem uma série de problemas, tentará sair deles o mais rapidamente do que qualquer um será capaz de o fazer
Para um signo que nunca aceita a derrota, o dragão providencia a sua pior oposição. Quando está convencido que está certo resultará uma situação desastrosa. Pomposo e auto-destrutivo? Não propriamente. É que esta pessoa tem de seguir completamente os seus planos - independentemente das consequências. Afinal, ele foi posto sobre a terra para levantar padrões para alturas superlativas e por mais que você tente mudar o seu percurso de acção ou o tente afastar do problema, mais determinado ele se torna. Vive para além da sua reputação por continuar no seu percurso mesmo quando este se torna insuportável.
O dragão será uma pessoa aberta - você pode lê-lo como um livro. É difícil para ele fingir emoções que não sente e raramente se incomoda de tentar. Não tem segredos, e não pode manter um segredo por muito tempo. Mesmo quando jura não dizer uma palavra, você pode ser estar certo que quando ele começar a ficar irritado e as faíscas começarem a sair, o segredo que prometeu manter irá voar com as palavras. Então mas ele não prometeu segredo? Que segredo? Como é que se pode incomodar o dragão com uma coisa tão trivial como esta?
Os seus sentimentos são genuínos e vêm sempre directos do coração. Quando declara a alguém o seu amor, pode estar certo de que ele é sincero.
Se pertencer à variedade mais áspera dos dragões, poderia ser demasiado abrasivo. As suas maneiras directas e bruscas podem gerar inimigos. Mas de forma geral, inspirará acção. Deve atender pessoalmente às coisas que quer feitas de imediato em vez de escrever ou de negociar ao telefone. A sua presença e magnetismo influenciarão as pessoas sobre a sua maneira de pensar. Consegue motivar todos aqueles com quem tiver contacto. Ele não necessita de nenhuma motivação, porque é mais do que capaz de gerar o seu próprio momento.
Nunca será difícil para você confiar num dragão. Ele demonstra apesar de tudo muita responsabilidade. Ele raramente tem dúvidas sobre o que é capaz de fazer. Com o seu natural espírito pioneiro, os seus feitos serão estupendamente bem sucedidos. Ele tem que atingir o limite máximo para poder olhar para ele próprio. Aguente a respiração, cruze os dedos e reze para que ele tenha bons travões.»

Ecce Draco!...

Mas registem: não é fácil, não é mesmo nada fácil, ser dragão num cabrão dum mundo destes. Por onde quer que vá, para onde quer que se vire, um gajo tem que pisar com mil cuidados, usar de mil acrobacias... para não esmagar os anõezinhos!...

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Ganância capitalista

Pronto, parece que a pedofilia já foi legalizada no Canadá. No mínimo, é um atentado às receitas turísticas da Tailândia. Estes países ricalhaços não podem ver um remediado a desenrascar-se que não queiram logo abarbatar-lhe o filão. Gananciosos!...

Aforismo do dia

«Os optimistas asseguram que vivemos no melhor dos mundos possíveis. Não há como os pessimistas para temer que isto seja verdade.»
- J.B.Cabell

Hermenêutica das estatísticas


Segundo o JN e de acordo com o INE, «os portugueses auferem vencimentos inferiores, produzem menos e procuram menos o dentista do que os espanhóis, mas têm mais carros, comem mais batatas e recorrem mais ao telemóvel do que os vizinhos.»
Estava capaz de apostar que se instaurou uma convicção inexpugnável entre a malta: a de que quanto menos se fizer, melhor se vive. E a realidade, por estranho que pareça, até o confirma plenamente, ao fenómeno. Ter-se-á Portugal transformado num imenso Entroncamento? Abóboras gigantes não faltam, nabos descomunais também não, mas a coisa só espanta eventuais turistas e peregrinos de Fátima oriundos de outra galáxia. Para os aborígenes, entre os quais me incluo e barafusto, tudo isto é vulgaríssimo.
Por outro lado, a lógica das estatísticas tem muito que se lhe diga. Lá voltamos à velha história: Se eu comer dois frangos e Fulano de Tal se alambazar com dezoito, estatisticamente ambos comemos dez. Não há volta a dar-lhe. Da mesma forma, se dois espanhóis comerem, respectivamente, cinco e 11 frangos, a estatística atesta na perfeição que ambos comeram oito. Daí à conclusão que em Portugal se comem mais frangos que em Espanha é um instante.
Mas, como até um mongolóide com instrução rudimentar computará, afirmar que em Portugal se comem mais frangos que em Espanha é diferente de proclamar que os portugueses comem mais frangos que os espanhóis. Mistifica; porque, assim de chofre, induz que a generalidade dos portugueses come mais frango que a generalidade dos espanhóis. Pura fantasia, falácia de alto coturno! De facto, com rigor, o que deveria dizer-se era que alguns portugueses, eventualmente uma elite comilona, trinca mais que o escol equivalente do lado espanhol. E, já agora, abocanha muito mais que os portugueses que menos comem, quiçá a grande maioria dos lusos otários, sendo ainda que estes perdem também, por goleada, para os seus congéneres espanhóis – do lado de lá a frugalidade discreta, do lado de cá a anorexia forçada; e, regra geral, hereditária.
Transpondo, então, para o estudo em epígrafe, as deduções são óbvias: há portugueses que açambarcam empregos, cargos e mordomias. Esse é mesmo, se não me engano, um dos fundamentos do estado, da sociedade e da democracia. Mas mesmo que essa não fosse uma banalidade que salta à vista de qualquer transeunte não comatoso, as estatísticas demonstrá-lo-iam sem margem para dúvidas. Senão, atente-se:
Um tipo que tem vários cargos ou empregos, necessariamente tende a ter também igual número de carros, de amantes para passear nos carros, de viagens e mariscadas onde se refastelar com as/os amantes. É uma reacção em cadeia, pois é; ou efeito dominó, se preferirem. Concomitantemente, as férias, período essencial para tais folguedos, obedecem a matemáticas similares: se um gajo com um emprego, em regra, tem direito a vinte dias úteis de férias por ano, ou coisa que o valha, um outro mamífero que aufira de dois empregos tem direito a quarenta; e um papa-tachos de grande envergadura, com dez cargos/empregos em simultâneo e outros em stand-by, goza, pelo menos, duzentos dias em cada ano, fora os feriados, domingos e baixas por doença fictícia. Quer dizer, um tipo com dez empregos, pura e simplesmente não trabalha nem produz. Ou seja, quanto mais cargos/empregos tem, menos faz. Sendo certo que quanto menos faz, melhor vive, mais considerado, condecorado e invejado é, o que nos recambia ao início desta prosa e ao fenómeno português. Entre nós só trabalha e produz alguma coisa quem não tem nada de inútil ou supérfluo para fazer.
Falando com franqueza, não sei se as viagens, o marisco e as amantes são abordados pelo estudo –melhor dizendo, não sei se são estatisticáveis -, mas, ainda que não sejam, são inerentes à função, estão implícitos: Os portugueses de escol adoram coleccionar cargos e empregos sobretudo para multiplicarem as férias, os almoços e as/os amantes, (bem como os carros, claro está, meio superlativo de exibirem o seu estatuto e atraírem clientela e candidaturas).
Postas estas dilucidações prévias, o que nos revela, concretamente, a estatística? Informa-nos, tão somente, que o açambarcamento é muito maior em Portugal do que em Espanha. O locupletanço, o venha-a-nós, o deita-a-unha campeia por cá duma forma bem mais vigorosa e exuberante. Até porque o açambarcador frenético constitui um polo dinamizador por excelência: ao aboletar-se com múltiplos cargos, mune-se implicitamente de múltiplas viagens, séquitos, residências, amantes e, como é evidente, carros para isso tudo - para cada cargo, para os familiares, os secretários, as amantes, os filhos das amantes, os pais, etc, etc. Assim, contado por alto, cada potentado destes promove, alimenta e renova constantemente toda uma frota, entre o GT e o Turbo-Diesel, fora os TT, as lanchas e as motas de água. É, não tenho qualquer dúvida, graças a eles que estamos à frente de Espanha no sector assaz estratégico da porchâmbulia, mercedâmbulia e demais ambulâncias invejáveis.
Mas não é só no sector motambulatório, por assim dizer, que estes taumaturgos arrasam. Também na improdutividade, como já anteriormente apontámos, o seu contributo é inestimável: ocupadíssimos, ainda e sempre, com as férias, as viagens, os almoços, as/os amantes e a condução da imensa frota, sobra-lhes pouco tempo para trabalhar e ainda menos para produzir o que quer que seja, tirando estas proezas estatísticas que tanto nos destacam e engrandecem. De resto, seria injusto, senão mesmo desumano, exigir-lhes mais.
É preciso não esquecer que, sendo eles o escol, a elite, a jet-seita, estabelecem também padrões, paradigmas orientadores, axiomas educativos de todos os outros, imensos, miméticos, que orbitam abaixo e em redor. Portanto, não é só pelo que fazem não fazendo que lhes deve ser atribuído elevado mérito, mas, além disso, pelo que estimulam e congregam os outros a fazer que fazem... e, com o beneplácito da Banca, a fazer que têm.
Que têm, primeiro que tudo, carro, naturalmente; depois, tunning para o carro; em seguida, casa, mobília para a casa, bibelôs, carpetes, cortinados, electrodomésticos e hi-fis; finalmente, viagens a resorts tropicais ou estâncias de esqui e, eventualmente, caravanas ou barcos para atrelar ao carro. Tudo isto enquanto tiverem emprego.
Entretanto, à medida que aqueles que já têm múltiplos cargos e empregos açambarcam, por simpatia e sorvedouro, cada vez mais cargos e empregos, aqueles que têm apenas um, caso não consigam multiplicá-lo em tempo útil, tendem a resvalar para a insolvência (por sobre-endividamento) ou para o desemprego (por deslocalização). E aqui desponta o segundo pilar estruturante da improdutividade nacional. Com efeito, confinada à cada vez mais reduzida faixa entre o sobre-emprego e o desemprego, toda a produção assenta sobre os ombros dos mono-empregados que lutam desesperadamente por pagar todas as prestações mensais ao banco e, simultaneamente, por manter os cartões de crédito à tona, de modo a não morrerem por inanição simples. Se subtrairmos destes mono-empregados os funcionários do Estado entrincheirados que nem lapas no quadro permanente e na catalepsia funcional, sobra uma quantidade residual de efectivos laboriosos. Os resultados não podiam ser mais deslumbrantes: A produzir menos que nós, talvez Angola, onde os sobre-empregados são ainda mais açambarcadores e os desempregados ainda mais numerosos. E quem diz Angola, diz o geral da África negra, com a qual, pelos vistos, estamos em competição.
Quanto ao facto, também ele estatístico, de os portugueses irem menos ao dentista que os espanhóis, frutifica do mesmo encadeamento de causas e princípios. A elite dos sobre-empregados só vai ao dentista no estrangeiro (qualquer pretexto é um bom pretexto para viajar); os desempregados não têm dinheiro para ir ao dentista; e os mono-empregados pedem crédito ao banco para tratarem das cáries e, sobretudo, para mandarem aparelhar de andaimes ortopédicos a heteróclita dentuça da filharada. (Se bem que também se avistem por aí marmanjões e marmanjonas já feitos com a cremalheira enfeixada em idênticos propósitos...)
As batatas? São a guarnição do hamburguer.
Apenas o telemóvel constitui um caso à parte. Dos sobre-empregados aos desempregados, mono-empregados a até arrumadores toxicodependentes, ubicou-se*. Tornou-se infestante, endémico, omnipresente. Já vigora, qual prótese nuclear, vitalícia, até nos enxovais. Antes mesmo de apresentarem a chucha ao recém-nascido, os papás subministram-lhe o telemóvel... recém-nascido, que digo eu?, ainda mal embrioneia na barriga materna e já o jovem casal discute nokias e motorollas. A sociologia, a psicologia, a psiquiatria, são exíguas para explicar este fenómeno -simultaneamente fetiche - nacional. Só mesmo quando a biogenética conseguir vasculhar os redutos mais profundos do luso-ADN e porventura descobrir um qualquer cromossoma T é que o mistério será desvendado. Por mim, aposto num cromossoma TT -tele-toino ou toto-toino -, e fico à espera que o futuro me dê razão. O presente, pelo menos, não me contradiz.
As estatísticas nunca mentem. É preciso é saber decifrá-las.
* - verbo que acabo de inventar e significa: "tornar-se ubíquo".

terça-feira, dezembro 27, 2005

Postais perdidos - I. Marlboro Country

(Esta rubrica pretende apenas editar postais que, por um motivo ou outro, ficaram esquecidos nos "drafts" aqui do blogue. Vale como uma espécie de arqueoblogia e também como barómetro da efemeridade (ou não) dos escritos.)

A América, os acólitos expressam-no bem, é fast. É rápida, é flash, é sempre a aviar! É, sobretudo, o Fast-Empire: não só da fast-food, mas também da literatura-fast, os fast-poetas - poetas lucky luck que sacam mais rápido que a própria sombra -, da arte-fast, da genialidade motorizada, turbo descomprimida, sempre a assapar!
A América passa a correr. Para onde vai ela? Quer recuperar as voltas de atraso, as circunvoluções cerebrais. Julga que por correr muito e, aparentemente, mais depressa, corre melhor. Imagina que por publicar muitos livros, cada vez mais rápidos e acelerados, produzidos por fábricas incansáveis, por cadeias de montagem esfuziantes, publica grande obras, clássicos imortais. Monumentos essenciais para as gerações vindouras. Homero, Sófocles, Aristóteles, Cervantes, Dostoievski, Bach, Bethoven e dez mil outros pobres diabos, estremecem e desaparecem, pálidos e envergonhados, diante da grandeza genial da cultura americana. Os ferraris da Big Aple, do Village, de Hollywood, não poupam ninguém. Vão mais longe: reescrevem-nos, corrigem-nos, adaptam-nos ao cinema.
Mas o basbaque americanólatra tem razão. É certo que na cultura "pop" os americanos bateram todos. Mas esquece-se, regra geral, de completar: não é só a música - neles, tudo é pop, tudo é norteado pelo "best-seller", pela "chart", pelo "Top of the records", pelo "campeonato de bilheteiras". Dos supositórios, às sinfonias, passando pelos sabonetes e os políticos, é tudo para consumo das massas. Para usar e deitar fora. É suposto dar lucro. E para que isso não falhe, não depende de gostos ou escrutínios: molda-os, decreta-os e impinge-os previamente, à medida da droga que trafica. Mas, acima de tudo, porque é fast, a cultura americana, subentende a renovação contínua, a produção permanente, múltipla, desenfreada. É instantânea, melhor dizendo; como os pudins e as papas. Não é comida para o espírito, mas ração para a tripa. E mesmo aí, dispensa a digestão. Mal se ingere, logo se defeca. Morfa-se rapidamente, de pé, encostado ao balcão. E caga-se mais depressa ainda, em andamento, como a bosta dos solípedes atrelados. É preciso que não ocupe espaço, que mantenha apenas vivo, aceso, o apetite. Interessa mais que vicie e muito pouco que eduque. Quanto maior a dependência física, menor a espiritual. Em vez de apreciadores, forja consumidores, junkies, mentecaptos.
A cultura americana subentende otários, basbaques, mirones parolos e saloios planetários, como os cafres de antigamente, que se deslumbravam com pechisbeques brilhantes e contas coloridas. Pressupõe vazadouros, aterros sanitários mentais, psicolixeiras. É para entreter, para amenizar a canga e suavizar o curral.
É cultura de manada, de cow-boys a conduzirem a manada, ao pasto, ao abate.

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Dois aforismos muito a propósito

«Só porque sou um homem de letras, não se deve supor que nunca tentei ganhar a minha vida honestamente.»
- G.B.Shaw

«Precisei de quinze anos até descobrir que não tinha talento para escrever. Mas já não pude parar: tinha-me tornado célebre.»
- Robert Benchley

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Pausa Natalícia

E agora uma pausa natalícia. Durante os próximos três dias não baterei em ninguém, por respeito ao nascimento do menino Jesus.
Tréguas ao mundo e glória ao mistério que é a Vida.

Votos sinceros de um Bom Natal para todos os que visitam e não visitam esta espelunca.

Meus e do Caguinchas. (Eu escrevi o texto, ele tratou do cartão...)

Remate a um poste

Rescaldo do postal anterior, onde aprendi umas coisas... Passo, em breve síntese, a enumerá-las:

Naturalmente, o Marenches é um mitómano, um delirante e um mentiroso relapso e contumaz.
Nas universidades portuguesas, ao tempo de Abril redentor, não existiam professores comunistas porque a Zazie nunca os lá viu. Dá-se o deplorável caso que, ao contrário de hoje, naquele tempo os ditos cujos não desfilavam com foices e martelos à lapela, nem coletes reflectores ao anoitecer. Os comunistas que eventualmente houvessem, como toda a gente sabe, ou estavam exilados na União Soviética ou desterrados no Tarrafal, a ser brutalizados e a resistir heroicamente às sevícias. Da mesma forma, todas aqueles milhares de comunistas e afins que, a partir do dia 26 de Abril de 1974 trataram de tomar conta do país, saneando liceus e faculdades, repartições, jornais e ministérios a seu bel-prazer, eram comunistas instântaneos, com a inefável bênção e patrocínio da Farinha Amparo, e nada tinham que ver com os comunistas de cristal, os tais da clandestinidade, os fantasmagóricos, os míticos.
O mesmo se passa com os oficiais milicianos. O José e a Zazie, profundos conhecedores da Instituição militar, derivado a várias comissões no Ultramar, garantem que jamais comunistas por lá clandestinizaram. Muito menos com frequência universitária. Até porque, como é público e notório, o Partido Comunista não dispõe de quaisquer quadros ou intelectuais e resume-se a um chusma heteróclita e iletrada de serralheiros, trolhas e campónios alentejanos. Nem hoje, nem nunca. Aliás, o PCP não passou dum mito urbano.
Por outro lado, temos que agradecer a profunda perspicácia do Manuel Maria Múrias que, em três penadas, arruinou com a reputação profissional da antiga Polícia de Defesa do Estado. Cruzando-se com eles na pildra, achou-os fraquíssimos. Provavelmente era da alimentação e do room service. Já ele, indómito e sereno, permanecia, apesar das vicissitudes, um promontório de isenção, cultura e presença de espírito. Eu, para ser franco, no lugar deles, também tentava parecer o mais desgraçado e insignificante possível. É claro que o Múrias, compreensivelmente, esperava deles façanhas mirabolantes, roncos inolvidáveis, histórias do arco-da-velha: que saíssem a voar, envoltos em capas cintilantes, ou escavassem túneis à velocidade da luz, quem sabe. Ou que discutissem com ele noções sublimes e peregrinas de geopolítica esotérica. Imperdoável, de facto! Uns trastes!... nem sequer eram uns doutores, imagine-se! Faltava-lhes chá. E berço para tomarem a ínclita beberagem mais os respectivos scones. Sei dum sítio perfeito para o Múrias enfiar as lamúrias...
Em contrapartida, os comunistas ainda hoje os consideram perigosíssimos, eficientérrimos, diabólicos, aos PIDES. Qualquer coisa entre o drácula e o lobisomem. Uma gestapo infernal, ubíqua, torcionaríssima. Por isso, por terem defrontado tamanha fera iracunda, eles, esses mártires revolucionários, foram tão bravos, tão heróicos, tão campeões do antifascismo. Em suma, isto, a tese, a verdadezinha, é ao gosto do freguês.
É escolherem a que mais vos convém. E irem para o diabo mais ela!...

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Confidencialidades

Alexandre de Marenches é uma das mais míticas figuras dos Serviços de Informações Ocidentais do século XX. Director do S.D.E.C.E. (Serviço de Documentação Externa e Contra-Espionagem), entenda-se Serviços Secretos Franceses, desde 1946 até 1981, concedeu uma discreta entrevista em 1985 a Christine Ockrent, onde revela alguns detalhes curiosos da geopolítica mundial, entre os quais alguns que nos dizem particular respeito a nós, portugueses, e que passo a transcrever...

«(...) Um dos principais azares de Savimbi e da resistência angolana é o regime de Angola ser financiado em grande parte pelos rendimentos petrolíferos da Gulf Oil, a companhia americana que explora o petróleo no enclave de Cabinda.
Tínhamos fotografias que mostravam os engenheiros da Gulf Oil, em Cabinda, a embarcarem num avião militar cubano protegido por soldados comunistas cubanos armados. É um consórcio petrolífero americano de que fazem parte certos membros distintos da Trilateral, que ajuda a conservar no poder o governo mestiço pró-soviético de Angola...
É uma das contradições da história de um conflito importante. O dinheiro vem à frente de tudo para certos capitalistas que acreditam só no oiro. Ignoram a guerra revolucionária. Não a querem conhecer. (...)
O.- Em 1974, tinha informações sobre o que se preparava em Portugal, ou foi apanhado desprevenido pela revolução dos Cravos?
M. - A fraqueza dos regimes autocráticos ou ditatoriais reside no facto de eles assentarem sobre uma só pessoa, em geral na do fundador. Foi por isso que Hitler e Mussolini, chefes carismáticos muito populares em dado momento, não conseguiram dar continuidade aos seus sistemas, abstraindo das vicissitudes dos seus destinos, porque lhes faltava o elemento essencial que constitui uma filosofia, uma religião. O comunismo soviético tirou o modelo das grandes religiões. Tem, salvo o devido respeito, um papa, um colégio de cardeais, o Politburo, a assembleia dos arcebispos e bispos, o comité central e os seus secretariados especializados. tem também o K.G.B. que se assemelha "mutatis mutandis" à Santa Inquisição e que tem como uma das tarefas principais, se não a principal -não o esqueçamos - estar atento aos divisionismos que surjam e que podem degenerar em sismas. Como já aconteceu. É preciso compreender bem que a semelhança com a organização da Igreja católica é surpreendente.
Poderíamos acrescentar que tem igualmente os seus missionários e os seus mártires. A grande diferença é que a Igreja deles não tem Deus e estão perdidos por uma razão bem simpes. Vê-se que todas as Igrejas tiveram a prudência de não prometer a verdadeira felicidade senão depois da morte. Eles estão perdidos por terem prometido a felicidade sobre a terra, porque são incapazes de nos dar sequer uma amostra...
Para voltar ao canteiro dos cravos da revolução portuguesa, sabia-se, na altura, que o regime envelhecia ao mesmo ritmo que Salazar. Estávamos bem informados sobre a revolução que se preparava, não só em Portugal mas no seu império ultramarino: Angola, Cabo verde, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné e Timor. O enclave indiano de Goa já se fora. Angola, Moçambique e a Guiné portuguesa íam desaparecer e a parte portuguesa da ilha de Timor ia-se tornar indonésia.
O. - Os serviços franceses mantinham laços tradicionais com a PIDE, a polícia secreta portuguesa?
M.- O patrão da PIDE era um senhor B., que me visitava uma vez por ano.
Chegou uma manhã ao meu gabinete no aquartelamento de Tourells -ele tinha cultura francesa - e disse-me: "Paris é maravilhoso, está um tempo lindo, a vida é bela!". Era verdade, porque eu tinha aberto as janelas e os passarinhos cantavam. Disse-lhe: "caro Sr. B., sente-se." E pergunto-lhe: "Está ao coprrente do que se passa em Portugal?" Responde: "Não, que é que se passa?" Digo:"Há uma revolução." levanta-se como esticado por uma mola: "Não é possível!" -"Ora, não sabe?" Ele responde-me: "Não!"
Soube mais tarde que devia ter-se demorado num local idílico qualquer em França, ou talvez preocupações pessoais o tivessem retido longe de todo o meio de informação.(...)
O regime português, como todos os regimes denominados fortes, acabara por se atolar nos seus louros, tornando-se louco e cego. O exército português não representava nada. Para enviar homens para os territórios ultramarinos e os conservar, tinha-se feito um apelo aos oficiais milicianos, muitas vezes formados nas grandes universidades como as de Coimbra e Porto. O partido comunista clandestino português tinha colocado nessas universidades os seus próprios professores - o que fez com que essas duas universidades tivessem fabricado oficiais milicianos comunistas. O Partido tinha-se também infiltrado até na Igreja. A famosa PIDE não se apercebeu disso! Portugal não se encontrava no centro das nossas preocupações internacionais. A França tem meios restritos. Não era um assunto primordial, mas estudámo-lo bem.»
- Ockrent/Marenches, "No Segredo dos Deuses"

terça-feira, dezembro 20, 2005

Endogamias providenciais



O DN noticia:
«Primeiro casamento 'gay' no Reino Unido».

Aproveito para enviar daqui as minhas sinceras felicitações.
Lá está, não sou um completo bota-de-elástico. No Reino Unido, por exemplo, sou integralmente a favor dos casamentos gays. Não me incomodam nada. Supondo até que por lá os declarassem exclusivos e obrigatórios a todos os súbditos de Sua majestade, acho que não me afligia muito. Estou mesmo em perfeitas condições de garantir que ninguém me ouviria reclamar. Um microscópico "mas" que fosse.
Além disso, há um outro detalhe que importa referir. Um assaz óbvio: É que, tendo em atenção a fotografia do parzinho recém-anilhado, parece-me um exagero falar-se em casamento homossexual. Esse género de matrimónio, segundo a teoria geral do fenómeno, pressupõe uma união entre pessoas do mesmo sexo. Ora, no presente consórcio, basta um breve relance (mais que isso poderia causar traumas irreversíveis ao nível da líbido) para verificar como ambas essas qualidades essenciais primam pela mais gritante ausência. Em primeiro lugar, porque é assustadoramente claro que estamos diante, não de duas pessoas, mas de dois rematados estafermos. A que parece liderar em tons fúnebres, então, é de fazer mirrar e encarquilhar a gaita ao deus Príapo. Em segundo lugar -e determinante para a pesquisa - porque, como qualquer pessoa minimamente instruída sabe, à semelhança dos anjos, os estafermos não têm sexo.
Em contrapartida, que os estafermos se casem entre si, confinando assim o horror ao reduto da espécie, só nos pode encher de júbilo e congratulação. Afinal, a Divina Providência nem sempre anda distraída!... Há em tudo isto, louvado seja Deus, um resquício de piedade celeste. Aleluia!...

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Artigos de Fé

Através do "Eclético", tomo conhecimento de um grupo de cidadãos empenhados em que se discuta "A Verdade sobre a descolonização".

Acho muitíssimo bem, aplaudo a mãos ambas. Permitam-me, não obstante, um preciosismo: a verdade não se discute, apura-se. Busca-se. O que se debate, procurando desmascará-las, são as mentiras. E aí, desde já aviso: têm muito que discutir!...
Mas, por amor de Deus, congreguem gente séria e asseada para o efeito. Não se contentem com os pantomineiros, vígaros e trafulhas do costume. Os peritos da treta e os especialistas da gamela, tudo moços de frete, mainatos e sipaios. Caso contrário, garanto que vão acabar com o dobro das mentiras com que começaram. Em vez de se dissipar, a neblina, sairá reforçada com castelos de fumo denso.
E tal qual o debate não deve ser abandonado a tais almocreves e sicofantas, partindo do princípio que essa utopia é possível, também as conclusões convinha que se não confinassem a outros lascarins da mesma igualha, meros serviçais e marionetes de ocultas potestades, que a palraria, por regra, não faz mais que camuflar. E absolver.
Não vos trancafieis no erro antigo de culpar o punhal pelo assassínio, a ferramenta pelo trabalho. Como se a guiar o utensílio não houvesse a mão, detrás desta a mente e, a orquestrar toda a cavilosa sinfonia, uma premeditada urdidura que a oportunidade desencadeou e a insídia alienígena foi burilando.
Por fim, espero que esta nobre iniciativa não constitua, nem se esgote como mero fait-divers eleitoral, a cumprir serviço de arma de arremesso contra o caixeiro-viajante do Império. Gostaria de crer que não. Que, mais uma vez, não se amesquinha e vilipendia a nossa maior chaga dos últimos 100 anos a troco de patacas. A ver vamos.
No entretanto, aqui fica o meu apoio e votos de coragem para uma tarefa que se adivinha temerária. Porque, ninguém duvide, discutir entre nós a descolonização é o mesmo que investigar o lendário holocausto por essa Europa logofóbica: não nos confrontamos, em qualquer dos casos, com matéria histórica, mas com puros e inquestionáveis Artigos de Fé!...

A Travessia

Como há muito tempo não celinizo, aqui fica:

«Descobrimos em todo um passado ridículo tanto ridículo, tanta credulidade, tanta aldrabice, que desejaríamos por certo acabar de vez com a mocidade, esperar que ela se desprenda, nos ultrapasse, vê-la ir-se, afastar-se, olhá-la em toda a sua futilidade, dar-lhe a mão no seu vazio, vê-la passar de novo à nossa frente e depois partirmos nós, ficarmos certos de que na verdade ela se foi, a juventude, e tranquilamente, pelo nosso próprio caminho, passarmos vagarosamente para o lado de lá do Tempo, e observarmos então a verdade das pessoas e das coisas.»

- Céline, "Viagem ao Fim da Noite"

Para não variar, corroboro em pleno. Subscrevo. Testemunho. Se é que não vou mesmo mais longe: por mim, quando me falam em "novo" (ou moderno, que é sinónimo) corro a pegar numa espingarda.
Passa-se pela juventude como por um deserto: sedentos e famintos de oásis, a vaguear, perdidos, atrás de miragens. É só no fim da travessia - se por sorte ou acaso não rebentarmos ou fenecermos antes - quando finalmente nos debruçamos sobre um inequívoco charco real, na fronteira para um novo tempo, que um primeiro reflexo da nossa imagem nas águas como que nos abala e desperta. E não, não é a figura do peregrino, nem do tuaregue, ou muito menos do profeta incendiário, o que o espelho líquido, com crueza escarninha, nos mostra: é, tão só e sordidamente, a de um exausto e vulgar camelo.

domingo, dezembro 18, 2005

O que é que a Democracia Liberal tem que não é diferente das outras?...




Realmente, o que é que a democracia liberal tem que as tiranias não tenham?...

Lendo-se este artigo - "The interrogation camp that turned prisoners into living skeletons" - constatamos como, por detrás do chantilly (des)informativo e da algazarra permanente e ensurdecedora das quintas colunas, pulsa, onde afinal sempre pulsou, o esgar crudelíssimo e baboso da hiena.
Mentiria se dissesse que isto me surpreende, um milímetro que fosse. Afinal, não foram os ingleses que, por altura das "Guerras Boers", inventaram os Campos de Concentração?...

Mas, voltando à pergunta inicial, arrisco um palpite: alvará. Alvará para a filha-da-putice mais deslavada e empedernida. Porque enquanto as tiranias exercem com o amadorismo inerente aos súbitos entusiasmos, às irrupções tumultuosas, estas santas democracias, na verdade criptocracias, administradoras do caruncho, agem com fria premeditação, por método sistemático e cálculo sorrateiro. Onde aquelas protagonizam a loucura, celebram o delírio, sucumbem à possessão, estas, ao invés, burilam o esquema, aperfeiçoam a teia, refinam a ciência.
Isso não as torna piores que os despotismos exacerbados, certamente; mas, muito menos, as demonstra infinitamente melhores, como se apregoam e vendem em frasquinhos de banha-da-cobra. Efectivamente, torna-as apenas mais hipócritas. E mais perigosas.

Wittgenstein au champignons



Depois de ter corrigido, com uma perna às costas (a da garina que me secretariou na função) aquele alfarrábio que o Dragão me emprestou (o tal que agora passou a chamar-se “Crítica da Razão Puta” e foi enriquecido com um roteiro das melhores casas de alterne da capital, logo a seguir à “arquitectónica da razão puta”, aliás, “vodkatónica da razão pura” na nova versão), eis que me preparo para meter na ordem novo calhamaço, por sinal ainda mais bisarmo que o outro, mas igualmente atestado de milongas e galgas que só visto. Mais uma vez, foi o sacana do Labaredas, armado em educador da classe ordinária, que mo emprestou. Intitula-se, imaginem, “Tratado Lógico-Filosófico”, foi escrito por um trinca-espinhas chamado Ludwig “qualquer coisa” (um palavrão difícil de labiar cumó caneco!) e trata-se dum livro de receitas. O Jorra-Lumes ainda me explicou que o gajo, o tal Ludovigo Wit... Witt-genst... enfim, Vi-te não sei aonde, puta que o pariu!, parece que pró fim da vidinha começou a bater ainda pior das válvulas do que era costume e deu em jardineiro.
“- Bem, jardineiro ainda vá que não vá”, frisei ao Labaredas. “Do mal o menos; se fosse em paneleiro era bem pior!”
Mas adiante. Sem mais aquelas, meto já mãos à obra e começo por corrigir, de urgência, o cabrão do nome do abexim, que só de tentar pronunciá-lo um gajo até quase cospe os pulmões... Ludevigue Vitinho, ou apenas Vitinho, para os amigos. Ãh? Não está mal. Mas pior que o nome são as receitas... Devem estar em código secreto, em linguagem isotérmica, ou cavalística... Macacos ma mordam, se não é culinária para aqueles espiões muita finórios, do mete-sete, mete-oito, e mete-nove e mete por aí adiante!... Não acreditam?
‘Atão topem só – isto é o que diz o Vitinho:
«1. O mundo é tudo o que é o caso.
1.1 O mundo é a totalidade dos factos, não das coisas.
1.2 O mundo é determinado pelos factos e assim por serem todos os factos.
1.12 A totalidade dos factos determina, pois, o que é o caso e também tudo o que não é o caso.
1.13 Os factos no espaço lógico são o mundo.
1.2 O mundo decompõe-se em factos.
1.21 Um elemento pode ser o caso ou não ser o caso e tudo o resto permanecer idêntico.
2 O que é o caso, o facto, é a existência de estados de coisas.»

...Viram? E isto:
«1 – Caso necessário colocar o porta tubos correspondente ao gás disponível (diâmetro pequeno para o gás butano ou propano, diãmetro grande para o gás natural).
2 – Queimadores da mesa de trabalho:
2.1 Retirar as grelhas, as tampas e os espalhadores dos queimadores
2.2 Retirar os injectores e substitui-los pelos adequados.
2.3 Voltar a montar os espalhadores, as tampas dos queimadores e as grelhas
3. – Forno:
3.1 Abrir a porta do forno, retirar todos os acessórios e o fundo do forno.
3.2 Retirar o queimador desapertando os parafusos de fixação, puxando-o para a frente e levantando-o.
5.1 Pôr o queimador a funcionar durante alguns minutos no máximo. »
... isto é o que diz o “Manual de Instruções para instalação, Utilização e Manutenção de Fogões”.

É preciso acrescentar mais alguma coisa?

Digo apenas que não me espanta que o gajo tenha dado em jardineiro, se bem que coveiro até fosse mais justo. Realmente, uma enxada nas unhas só lhe deve ter feito é bem.
E, para acabar de vez, também me lembra um ditado cá da terra:
«Quando um gajo não sabe foder, até os colhões estorvam.»

Aquele gajo tem com cada lixo dentro de casa!...

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Um balanço realmente food-i-do!

O Altino lá fez o seu balanço blogosférico de 2005, ritual digno de todo o meu respeito e que eu jamais me atreveria a comentar, não se tivesse dado o caso -mirabolante, convenha-se -, de ter ele condecorado com a medalha de "blogger do ano" (seja lá o que isso for), aquele mija-na-escada, borrabotas e pilha-galinhas. Francamente, ó Altino, do ano? Nem da semana, quanto mais do ano!... Nem do dia, da hora, do minuto sequer, vaginas o fodam!... Mas isso é gente, uma cavalgadura dessas?! Na ortografia, uma gralharia completa; na gramática, um serial-killer; na sintaxe, um penedo obtuso!... E plagia, o grande ordinário, com quantos dedos tem!... Plagia, replagia, gardanha e abarbata a torto e a direito! Não há letrinha, virgulazita que escape. E um invejoso, nota bem! Passa a vida a cobiçar a glória alheia, o desmedido talento de que esta terra abençoada transborda, para espanto da galáxia e crista dos vindouros.
Prémio a um ogre desses?! Devias era ir denunciá-lo à polícia, apontá-lo aos tribunais!...
Assim não, ó Altino! Esse gajo é do piorio! Ainda vais a tempo, que diabo, diz que não passou tudo dum deplorável lapso. Ou sabotagem por ácaros (como diz o Caguinchas), que te entraram no computador e armadilharam os envelopes. Ou então árabes suicidas, com gaffes à cintura, que se fizeram explodir no "Word". Pensa na família. Para auto-flagelação já te chega o SLB... Não te desgraces!... O Pacheco e a Carlota Joaquina nunca te hão-de perdoar!... Dos Aspirantes-a-Pachecos e Aspirinas-a-Carlotas (ou aspiratrizes, que são as mais finas, com ego mais lustroso) é melhor nem te falar... E a esquerda beata, nunca esquecendo, ainda te move um auto-de-Fé!... Ou de fezes, que é mais a especialidade deles.
Se até aqui pensavas que eras, agora é que vais mesmo estar: Fodido!...

The Jewish Century



«The Jewish Century», um livro de Yuri Slezkine que merece a nossa atenção.

Interessante, senão mesmo fascinante, é, para já, a recensão feita por Daniel Lazare aqui.

Por mim, vou encomendar o livro, talvez ao Pai Natal. Depois boto opinião.

Moralidadezinha

Moral liberal:

Só os indivíduos é que têm o direito a assassinar outros indivíduos; o Estado não tem. Mesmo em se tratando dum Estado benigno, como o Americano, devia abster-se dessa prepotência e contentar-se em matar indivíduos de outras nacionalidades, por via do nobre acto de lhes impor o liberalismo.

Ou melhor dizendo: o Estado benigno (entenda-se anglófono e ao serviço de grandes empórios privados), pode assassinar quantos indivíduos as suas dignas conveniências estipulem, desde que não faça preceder tal execução de um qualquer tribunal prévio. Quer dizer, pode e deve matar em nome da civilização liberal, mas não da justiça. Até porque, como está bem de ver, são conceitos absolutamente antagónicos.

Em terra de cegos...

Em qual dos olhos do candidato deve acreditar, pergunta o Timshel. O direito ou o esquerdo?...

Essa é fácil, ó Tim: em nenhum deles. Ambos são olhos de campanha, de vender a peixe. Lembra-te que nunca é com esses que ele preside (ou governa): é sempre com o outro, o cego, o olho do cu. E esse tu nunca contemplas. Só experimentas os seus efeitos.

E neste regime em que, por princípio e direito inalienável, os eleitos se cagam nos eleitores, o Presidente é só, e apenas, aquele que caga de mais alto.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Mitómanos e outros junkies

Uma das características determinantes dos mitómanos consiste em defenderem as suas fantasias com unhas e dentes, esperneando, rugindo e espumando se necessário for. Abominam a realidade. Entendem-na como uma conspiração universal contra o seu conforto mental. Diante do espelho, cultivam a neurose obsessiva; diante do mundo, a paranóia.

O Implacável Extermínio

Pedir clemência a um tipo cuja principal proeza curricular consistiu em desempenhar o “Exterminador Implacável”, ou “Conan, o Bárbaro”, parece-me duma candura a raiar a imbecilidade. Primeiro ponto.
Segundo: propor para Nobel da Paz um indivíduo que se destacou, ao logo da vida activa, como promotor de gangs, criminoso e assassino faz todo o sentido. Também já houve quem propusesse o presidente Bush ou o primeiro-ministro Blair. Já não falando noutros pacifistas de jaez semelhante. O Nobel da Paz, como todos sabemos, tem as suas peculiaridades.
Terceiro ponto: é também da mais elementar lógica que um tipo se torne num lutador e, consequentemente, símbolo contra a pena de morte. Sobretudo a partir do momento em que fica sobre a sua alçada. Mas não passa dum título pomposo e rebuscado para uma coisa bem mais simples: o instinto de sobrevivência.
Moral da história: esta, certamente, constitui uma questão fracturante para a nossa esquerda inócua. É um escândalo que se mate um assassino, já feito e empedernido; tal qual é da mais elementar prudência liquidá-lo enquanto embrião. À cautela, a esquerda sabe e é pragmática: quanto mais abortos liquidarem in utero, mais poupam in situ.

Geopatias cavalgantes

«Saddam Hussein planeava ataque em Portugal, diz Powell».

Temo bem que isto, no mínimo, venha confirmar a tese peregrina da senhora Mucznik, essa inteligência superior, até porque eleita. Portugal, na verdade, é um cripto-Israel e, sabendo disso, o tenebroso e genocida Saddam, esse saladino Hitler, preparava-se para atacar-nos com as suas míticas "armas de destruição maciça". Graças a Deus que os Americanos estavam (e estão) de atalaia, senão não sei o que seria de nós. A esta hora, quase de certeza, andaríamos a garimpar ossinhos familiares por entre os escombros radioactivos.
Faço ideia das trombas deslumbradas de todos os Ratos e Amarais da paróquia, ao escutarem, de rabinho palpitante, um tal conjunto de sentenças e confidências dignas do mais alucinado Rilhafoles. Ala dos perigosos, última porta ao fundo: Geopatas frenéticos.

sábado, dezembro 10, 2005

A realidade, essa porcalhona.

«O aspecto teológico do antijudaísmo na época da Renascença é ainda sublinhado pelo papel que desempenharam então certos recém-convertidos. Acontece-lhes justificar a sua passagem para o cristianismo por meio de acusações lançadas contra a sua antiga fé e contra aqueles que a ela permaneceram fiéis. Em 1392, escreve-se a Henrique de Castela que judeus de Burgos já não ousam retornar a suas casas de aljama com medo de que certos cristãos-novos "os persigam e lhes façam muito mal". Os mesmos factos repetem-se em Perpignan em 1394. Em 1413, Bento XIII, organizando o grandioso "debate" de Tortosa que, acredita ele, provocará a abjuração em bloco de todos os judeus, confia ao converso Josué de Lorca a alta missão de defender o cristianismo contra quatorze rabinos. Um dos baptizados de Tortosa, o jurista Pedro de la Caballeria, redigirá em 1450 um tratado de título significativo, Zelus Christi contra Judaeos, Sarracenos et infideles. Dezoito anos antes dessa publicação, um outro renegado, Pablo de Santa Maria, compusera contra a sua antiga religião uma obra muito violenta, o Scrutinium scripturarum. Outrora primeiro rabi de Burgos, tornando-se em seguida bispo dessa cidade, dom Pablo mostra os judeus fortificados nas suas crenças por seus sucessos em Espanha: daí a sua recusa em acreditar no Messias. Longe de lamentar o papel desempenhado pelos seus ancestrais na condenação à morte de Jesus, eles continuam a blasfemar: crime que se acrescenta aos seus homicídios, adultérios, roubos e mentiras quotidianas. Dom Pablo regozija-se com os massacres de 1391, que vingaram o sangue de Cristo e permitiram a inúmeros judeus descobrir os seus erros e a eles renunciar. No final do século, os conversos (cristãos-novos) são os primeiros a exigir o estabelecimento da Inquisição em Espanha. Ameaçados pelas interdições que os estatutos de pureza de sangue -logo se tratará disso - começam a fazer pesar sobre os judeus-cristãos, estes desejam a denúncia e o castigo dos falsos convertidos. O seu zelo é portanto duplicado aqui por um temor preciso. Ao longo de toda a história europeia, a acção dos neófitos foi nefasta para as comunidades judias. É a israelitas convertidos que os duques de Savóia, em 1417 e em 1466, confiam a tarefa de procurar e destruir nos seus Estados os livros hebreus. Renegado era também o alemão Pfefferkorn que, em 1516, reclama a interdição da usura, a obrigação para os judeus de assistir aos sermões nas igrejas e a supressão do Talmud, provocando o célebre debate com Reuchlin. E igualmente apóstata o pregador italiano Paolo Medici, originário de Livorno: em 1697, publica uma brochura onde reaparece a acusação do "assassinato ritual". Durante quarenta anos, percorre a Itália bradando contra o judaísmo.»

- Jean Delumeau, "História do Medo no Ocidente"

Tentem enquadrar nisto a tese fabulosa da senhora Micznik e depois falamos.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Questões... tantas questões, tão pouco tempo.

«Uma em cada cinco mulheres é agredida pelo marido».

Estes estudos, hão-de desculpar-me os leitores mais sensíveis, parecem-me um bocado tendenciosos. Deviam ser mais abrangentes. Deviam esclarecer-nos, por exemplo, acerca das seguintes questões, também elas deveras interessantes:

Primeira questão: Um em quantos maridos é agredido pela respectiva? A tortura, especialmente psicológica, também conta?
Nota de rodapé (NR): Com a cambada de coninhas e totós que por aí prolifera não me admirava nada que os números atinjam cifras astronómicas. Acrescento que tão extravagante fenómeno não me suscita qualquer sentimento de pena ou revolta; em boa verdade, só se perdem as que caem no chão. Que outra coisa pode mesmo merecer um cabrão desses, senão cornos e um varapau por eles abaixo?... Anima-me, tão somente, uma certa curiosidade científica.
Por outro lado, dado o comportamento cada vez mais doméstico e sopeiro de grande parte dos produtos depilados da confeitaria urbana, é natural que, cada vez mais, façam as vezes da esposa no lar e, além da pré-lavagem dos pratos e pilotagem dos fogões, enfardem também pela medida grande. Donde se me afigura que o estudo é realmente preconceituoso: fala em "mulheres agredidas pelos maridos" e esquece-se dos gajos agredidos pelos maridos. Já não falando nos mariconços abertamente gays, ou as lésbicas-esposas, que também, eventualmente, levam porrada dos ditos cujos. São, quer-me cá parecer, esquecimentos grosseiros, atentatórios dos costumes, vesgos à modernidade, que em nada abonam da seriedade do estudo e, ainda menos, da cientificidade da investigadora.

Segunda questão: Um em quantos casais é agredido pelos mimosos filhos?
NR: Também não me escandaliza. Acho justíssimo. Quem semeia merece colher. Dado o nível de educação e empenho na mesma praticado por estes papás modernaços urbanos, nenhuma bizarria nos deverá apanhar de surpresa. Quando um tipo cabeludo, vestido de carrasco medieval, a invocar Satã, irrompe aos urros cabalísticos, de machado inexorável em riste, pelo quarto dos pais e consuma um massacre rápido, podemos ficar seguros que teve uma esmerada educação, nutrida pelos melhores perceptores que o mercado disponibiliza: a televisão, o cinema americano e o heavy-metal. Se for um pouco mais demorado no acto, acompanhado de arabescos e precedido de drogas entorpecentes nas vítimas, podemos presumir e adicionar algumas leituras esoistéricas. O Harry Potter, provavelmente.

Terceira questão: Um em quantos professores é agredido pelos jovens alunos?
NR: Outro caso de retribuição lógica. Verdadeiro restauro do método de Talião, é olho por olho, dente por dente. Tu cegas-me a mim e eu chego-te a roupa ao pêlo a ti. Mesmo assim, a vantagem pende ainda, claramente, para o lado do professor. É deplorável, mas é o nosso atraso congénito. Ainda estamos longe das performances trepidantes de países super-desenlvolvidos, verdadeiros paraísos terreais, como os Estados Unidos, onde o aluno, de M16 ou Kalachnicov em patilha de rajada, rega indiscriminadamente colegas, professores e funcionários. É, claro está, a apoteose do indivíduo em todo o seu esplendor. No fundo mais não cumpre que os quesitos instilados e desejáveis da competitividade campeã: trata de demover, o quanto antes, a concorrência, quer desbastando a actual, quer atrasando e rarefazendo a futura.
(Quanto ao número de alunos que é agredido por um sistema de educação absolutamente lobotomizante dispensa-se a pergunta: é um em cada um. Todos os que para lá entram. Na máquina dos chouriços.)

Quarta questão: Um em quantos contribuintes é agredido pela chusma de burrocratas que se banqueteiam com o erário público?
NR: Aí, para variar, temos um método cristalizado há séculos: "Paga e não bufa". Quer dizer, só bufa para lixar algum espertalhão que pretenda eximir-se ao pagamento. Fora isso, eis-nos em terreno absolutamente minado: ninguém sabe exactamente quantos contribuintes existem, quanto dinheiro pagam e, muito menos, que destino é dado a esse dinheiro. Top secret. Superiores razões e interesses de Estado. Além de que decorre, nestes últimos decénios, um singular concurso: entre o Estado que rouba os contribuintes e os contribuintes que roubam o Estado - ou melhor dizendo: os contribuintes que roubam os outros contribuintes através do Estado.

Quinta questão: Um em quantos eleitores é agredido pelos políticos eleitos?
NR: Espero bem que todos. Também aqui, estou com os políticos. Se um masoquista, em donaires voluptuosos, lhes entrega um cavalo-marinho para as mãos, é lógico que o gratifiquem pela oferta. Quanto mais não seja, por cortesia . O eleitor, de resto, é em tudo idêntico ao mariconço lava-loiças: elege uma puta para depósito dos seus idílios tansos de fidelidade. O diagnóstico, fatalmente, é o mesmo: merece cornos e cacetada por eles abaixo. Excepto nos casos em que os desenvolva retrácteis, como certos moluscos gastrópodes providos de concha, vulgo caracóis. Também acontece. E dificulta a pontaria.

Haveria muitas mais questões, mas eu ando sem tempo, sem grande paciência, e as eventuais respostas não ofereceriam qualquer mistério.
Por exemplo, "quantas mulheres, maridos, avós e crianças são agredidos e violentados pela televisão, que não faz senão debitar merda esterilizante 24 horas ao dia, por múltiplos canais e cloacas?..."

Dir-me-ão os liberais que há quem goste de comer merda, que é o mercado a funcionar. Pois, pá, só que não é por gosto: é mesmo por vício. Toxicodependência da mais saloia. Larguem a droga, pá! Essa merda mata.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Tamiflu again

A Gilead e a Roche, diz a Gilead, chegaram a um acordo sobre a comercialização bipartida do "Tamiflu".

Entretanto, um médico vietnamita , que terá tratado 41 pacientes humanos com a gripe das aves, alega que o mesmo Tamiflu é absolutamente ineficaz contra o vírus H5N1.

Afinal, em que é que ficamos? Os países andam a adquirir e armazenar (a bom preço, recorde-se) quantidades maciças de uma droga que não serve para nada, excepto tratar uma vulgar gripe?...

A Comissária



Uma última nota sobre a polémica dos crucifixos, esse objecto medonho capaz de transtornar a cabecinha tenra e frágil das criancinhas...

A leitora Ana, no postal sobra a "Crucifixofobia", deixou um comentário intrigante sobre uma tal "Ester Mucznik".
Não sabendo eu de quem se tratava, pus-me em campo e comecei a investigação pelo passo mais simples: perguntei ao Google.
Para já, fui dar aqui.
Elucidou-me, entre outras coisas, que a referida senhora é:
Vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa e membro da Comissão da Liberdade Religiosa, órgão independente de consulta da Assembleia da República e do Governo.

Quanto às objecções que a dita parece apresentar em relação ao símbolo cristão, resumem-se a um argumento simples e de peso: Se a estrela de David não está pendurada nas escolas, porque raio há-de o crucifixo estar?!...

Talvez seja melhor tirarmos os crucifixos antes que nos bombardeiem as escolas. Eu tenho lá filhos.

terça-feira, dezembro 06, 2005

Angústia existencial

... ...

Diabos me levem, não sei quem é a Maria Filomena Mónica!...

Por amor de Deus, alguém que me resgate destas trevas!...

Ofereça este Natal -I. O Kit Novo Sócio do Benfica


(Cabresto em nylon personalizado)


(Calçado de ir ao estádio)


Nota: Os antolhos seriam redundantes. É coisa que o fanático benfiquista desenvolve naturalmente. (Aliás, não só o benfiquista: os outros também. Mas esses agora não vêm ao caso).

O Outro-Mundo neste

Como é que se sabe, sem a menor dúvida, que chegámos ao inferno?
É simples: quando deparamos com um portal muito bonito, precedido de pregões e arautos maravilhosos, e coroado por uma tabuleta onde está escrito, em letras cintilantes: “Paraíso”.
Mas não se pense que é um espaço tenebroso e exclusivo ao Outro-Mundo. Pelo contrário, tem inúmeras filiais neste. A diferença, a única e exclusiva diferença entre estas e a sede, reside apenas no cartaz frontispicial, em letreiro geralmente luminoso... Não diz “Paraíso”: diz “Banco”.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Sazonismos...

«Bombeiros voluntários criam grupo para defender direitos».

Se forem tão bons a defender os direitos como têm sido a defender as matas e lugarejos da combustão, ou eu me engano muito ou correm o risco de regredir, em bom galope, à escravatura.
A tragédia, que era até aqui sazonal, correrá mesmo sérios riscos de propagar-se ao ano inteiro: no verão ardem as florestas, as aldeolas e alguns bombeiros também, por simpatia; no inverno, perdem direitos, liberdades e regalias. A não ser, claro está, que, iluminados nalgum expediente típico do regime, defendam os direitos no verão, e as matas no inverno.

domingo, dezembro 04, 2005

Bíblias por Pornografia ou The Great Texas Chainsaw massacre



«Students Trade Bibles for Porn».

Se isto está assim no Texas, por certo não vai demorar muito a proliferar entre nós. Não tarda nada começamos a ver os nossos ateístas fervorosos, quais "Testemunhas anti-Jeová", a baterem de porta em porta, ou a montarem estratégico quiosque à boca das Igrejas, de "Revista Gina" ou "Hustler" em riste.
Dura prova espera os fiéis!...
Entretanto, o grupo de estudantes americanos autodenominado "Atheist Agenda" justifica a preclara iniciativa com o facto de considerarem a Bíblia "uma força muito negativa na história do Mundo". Em contrapartida, louve-se-lhes a perspicácia, parecem considerar a pornografia uma força muito positiva. Tanto que fazem dela uma espécie de antídoto para o terrível veneno que o Livro Sagrado, em seu entender, representa. E irradia.
Sendo abstruso, não deixa de ter a sua lógica. Se repararmos com atenção, a "Bíblia", nas mãos dum americano, pode causar danos graves, senão mesmo mortais, noutra pessoa. É um livro pesado, volumoso; utilizado como arma de arremesso, ou mesmo como clava (neste caso, sem cabo), não sei, não. Eu, pelo menos, não gostaria de entregar o crânio a tais experiências. É bem provável que o conteúdo encefálico não escapasse incólume. Mas, também, nas mãos dum americano, não é só a "Bíblia", qualquer coisa serve. São tipos capazes de assassinar seja lá quem for e seja lá com o que for -um biberão, um ursinho de peluche, um candeeiro, um telefone, os artefactos mais anódinos e supostamente inofensivos, tudo isso lhes quadra às mil maravilhas. Possuem até vasta filmografia sobre o assunto, onde, por um lado, registam para a posteridade os feitos inolvidáveis dos seus heróis (invariavelmente psicopatas) e, por outro, armazenam inspiração para dias futuros. E o pior é que não são os únicos; são apenas os mais compulsivos.
Mas se uma "Bíblia", nas mãos dum americano, já é problemática, então na cabeça do mesmo animal nem sei que vos diga. Julgo que classificá-la de "desastre de magnas proporções" pecará por exíguo. Passam a ficar obsidiados com o "Apocalipse". Aquilo, aquela vibrante hecatombe terminal, reúne todos os ingredientes para um trepidante filme-catástrofe, o seu género preferido. E um tão épico, justiceiro e retumbante massacre dos maus, é fatal que, num ápice, lhes infeste a cachimónia de fantasias. Sendo eles, indubitavelmente, e por decreto divino, os bons, desatam a olhar em redor, resfolegantes, febris, armados de projectos redentores, cauterizantes. E, claro está, não se contentam, como os árabes suicidas, esses rafeiros, de colocar explosivos à volta da cintura; não, alucinados em furores globais, gloriosos no seu pedigree pitbulesco, desatam a afivelar explosivos à volta do planeta. Fazendo refém deste, entabulam já, decerto, chantagem com extraterrestres, ameaçando a galáxia.
Tudo somado, portanto, não me espanta, mesmo nada, que a "Biblia" tenha constituído uma "força muito negativa na história da América", tal qual apregoam os jovens cowboys ateus do Texas. Só me transcende como é que eles, numa mais que abrupta violentação da teoria dos conjuntos, inferem daí para o Mundo. Quer dizer, inferir do historial clínico dos americanos para a história da humanidade é, nitidamente, um abuso grosseiro. O que é que uma coisa tem a ver com outra?...
Qualquer pessoa sabe que as leis que se aplicam à humanidade não se aplicam a eles.


PS.- Por mim, não obstante, vou aproveitar esta ideia e dar-lhe bem melhor uso. Há por aí uma seita religiosa particularmente interessante. Já decidi: Nos próximos tempos, vou estar, de plantão, à porta daquelas missas cor-de-rosa que os nossos neoliberais têm por hábito celebrar em cafés ou shooping-coisos. Para quem me quiser conhecer em pessoa, prestem atenção a um tipo com uma banquinha atestada de revistas pornográficas, e uma tabuleta onde se lê: "Entregue o Hayek, receba a Gina"; "prefira o método natural e saudável de tocar pívias".
Não é grande negócio, eu sei. Mas, no fundo, é o meu lado benemérito, o escuteiro que há em mim: estou a dar pornografia de qualidade em troca de pornografia barata. Que se lixe!, não se perde tudo: poupo nas acendalhas.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Memórias de Outras Campanhas

Em 17 de Junho de 1976, aquando da sua primeira candidatura a Belém, o General Ramalho Eanes, em Évora, terá sido alvo dum misterioso e deveras conveniente atentado. Soaram disparos, houve feridos, um morto, e esse episódio serviu de emblema e impulso decisivo a toda uma campanha que culminaria com a sua eleição para Belém (em detrimento, sobretudo, de Pinheiro de Azevedo).

Mas o que tem piada, raiando o hilariante, é a descrição que o jornalista Augusto Cid faz do incidente no seu livro “Camarate”. Não deixa de ser um pouco extensa, mas vale a pena ler. E fica como mais um testemunho do anedotário em que se converteu este país... Leiam, que vale a pena. Garanto-vos.

«(...) Uma equipa de reportagem da RTP, providencialmente presente no local, registaria para a história o comportamento do destemido militar, que indiferente aos tiros trepara para o tejadilho da sua viatura e oferecia generosamente e com galhardia o peito às balas enquanto a viatura em que se fazia transportar não abrandava a marcha. Transformado assim em alvo móvel, o candidato a locatário do palácio de Belém teria ainda tempo suficiente para, da sua posição privilegiada, dar uma boa olhadela aos seus cobardes atacantes, que o “rigoroso inquérito” imediatamente ordenado nunca viria a identificar!
“Eram tipos com bastante experiência”, explicava para as câmaras da televisão dias depois o candidato, já promovido definitivamente a herói nacional e totalmente recuperado do “incidente”. “Vi-os distintamente. Dispararam da posição de tiro instintivo, para depois enrolarem em cambalhota e voltar a disparar. Trata-se de profissionais”, assegurava convicto a “vítima” dos “atiradores profissionais”, os quais não haviam logrado acertar num excelente alvo que, de pé sobre uma viatura, se deslocava lentamente e a escassos metros de distância.
O País ainda hoje desconhece em absoluto não só as conclusões do “rigoroso inquérito” como a identidade dos atacantes e se alguma vez chegaram a ser apresentados aos tribunais e qual a pena que lhes foi aplicada por tentativa de homicídio na pessoa de um candidato a Presidente da República. Dos misteriosos assaltantes fica-nos apenas a certeza de que, tratando-se de péssimos atiradores, eram contudo excelentes ginastas e especialistas em cambalhotas e fliques-flaques, executados enquanto disparavam... Sem pretender intrometer-me em mais um “rigoroso inquérito”, atrevia-me a lançar um palpite que talvez venha ainda a tempo de fazer alguma luz sobre o “lamentável incidente” e de prestar uma valiosa ajuda aos incansáveis investigadores que, de há oito anos a esta parte, se vêm debatendo com problemas insolúveis - o candidato Ramalho Eanes escapou às balas assassinas justamente porque os atiradores decidiram executar em simultâneo com os disparos uma exibição de ginástica de grande efeito, que viria a merecer, inclusivamente, a aprovação e o aplauso do próprio visado nesse “incidente”; a dificuldade em disparar com alguma eficácia ao mesmo tempo que se executam cambalhotas em frente e à retaguarda teve como consequência inevitável que os tiros tivessem acertado em todos menos no alvo que se propunham atingir... É com toda a humildade e sincera vontade de colaborar que aqui deixo este contributo para o “rigoroso inquérito” que, suponho, continua em curso. O estranho facto de os elementos de segurança do candidato surgirem nas fotografias divulgadas na ocasião pendurados fora da viatura e agarrados às pernas do general Ramalho Eanes pode ter várias explicações, as quais me limito a enunciar, na certeza de que a esforçada Comissão de Inquérito não deixará de escolher aquela que lhe parecer mais adequada às circunstâncias:
1) O candidato não subiu para a viatura, antes foi lá colocado pelos seus elementos de segurança, que, para se assegurarem de que ele não fugia, o agarraram fortemente pelas pernas;
2) O candidato estava colado ao tejadilho da viatura, e os elementos de segurança agarraram-se às suas pernas por forma a não caírem da mesma;
3) Os elementos de segurança seguravam o candidato pelas pernas para evitar que ele se fosse abaixo no caso de ser atingido por alguma bala e deitasse a perder a sua imagem de invulnerabilidade;
4) O candidato tinha por costume viajar sempre de pé sobre a viatura, por lhe ter sido atribuído um número exagerado de elementos de segurança, que ocupavam todo o espaço útil dentro do veículo; os homens de segurança limitavam-se a assegurar o equilíbrio precário do candidato nas curvas e lombas da estrada;
5) O candidato, na realidade, viajava disfarçado no banco traseiro da viatura, e a figura colocada no tejadilho não passava de uma réplica perfeita do general Ramalho Eanes encomendada a uma fábrica de manequins; os elementos de segurança do candidato tinham por missão assegurar que o manequim não tombava da viatura, o que denunciaria a farsa;
6) Os elementos de segurança do candidato preocuparam-se, sobretudo, em proteger os pés e os tornozelos do general, dado que era aí que residia o seu ponto fraco, vulgarmente conhecido pela designação de “calcanhar de Aquiles”;
7) Por último, o “incidente” poderia ter sido cuidadosamente planeado e integrado numa original campanha publicitária de lançamento das desportivas camisas Fórmula 1, que seriam a escolha acertada e preferida do verdadeiro homem de acção; é bem provável que, a ter-se verificado esta circunstância, o “modelo” fosse de todo alheio à iniciativa...

A trágica comédia levada à cena em 17 de Junho de 1976, tendo como pano de fundo a serena paisagem alentejana, parece ter tido como objectivo primordial confirmar a imagem do herói nacional anticomunista que as largas faixas conservadoras ansiavam que surgisse depois da traumática experiência das “amplas liberdades” tinham emprestado à governação do País. (...)»

- Augusto Cid, "Camarate"
PS: Entretanto, deixo aqui uma pergunta: Que "incidente" determinante vai acontecer nestas eleições, provavelmente para forçar a uma segunda volta?...
Estou de camarote e aguardo o início da peça com grande expectativa...

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Sombras e Nevoeiro (reposição)

Como o cemitério é o mesmo, repito aos sepulcros, grande parte deles caiados, o que aqui escrevi há um ano atrás.

Hoje é feriado. Comemora-se, segundo reza o calendário, a Restauração. A generalidade dos portugueses actuais, e quanto mais jovens mais piamente, acreditam que isso significa um dia dedicado aos restaurantes. Em conformidade, aproveitam para almoçar e jantar fora.
Da mesma forma, daqui a vinte e cinco dias, quase todos eles celebrarão um dia de opípara comezaina que sabiamente interpretarão como dia de trocarem prendas e mercadorias, e não como o dia em que há muito, muito tempo, nasceu um menino chamado Jesus que fez aquilo que todos os meninos fazem quando nascem: acendeu uma centelha de esperança no mundo. A dele era só um bocadinho maior que a de cada um de nós. Porque era a de todos.
Ao contrário da esperança –que é, por concessão titânica, imortal –, Portugal morreu em Alcácer-Quibir. Morreu de pé, como morre tudo o que é vertical e nobre. Morreu porque aquela lhe pareceu uma boa hora para morrer. Morreu porque acima do império dos homens, por melhores que sejam, vigora o império do Destino.
Desde então resta-nos um simulacro, uma espécie de sonho brumoso onde vagamos, como um navio fantasma, entre ilhas de fortuita coragem ou dignidade, e oceanos de torpe infâmia e cobardia. Há quase quatro séculos atrás, no dia 1 de Dezembro de 1640, ocorreu algo que exemplifica o primeiro caso. É pena que, desde então, só excepcionalmente tenhamos sido dignos, quase sempre graças a meia dúzia de indivíduos foras-de-série, raramente como povo.
Dir-me-ão: "Vade retro, Dragão! Que pessimismo anti-patriota, que exagero!..."
Dir-vos-ei: De Portugal, ajuntando os destroços que deram à costa, refizeram a aparência, recuperaram o bandulho –improvisaram um espantalho animado, em cima da cruz do defunto, com farpela comprada em saldos na estranja, cabeça de palha, verbo de encher e chapéu de fancaria. Mas a coluna vertebral, e a alma que a sustentava, essas, ficaram lá.
De Portugal, hoje, restam sombras. Como na caverna de Platão, no Hades de Homero e no canto de cisne de Camões.

Sombras no nevoeiro.

«Já esconjurei mil ciladas,
esgota-se-me o esconjuro.
Sigo as minhas pegadas
e não encontro quem procuro.»