Aparece à cabeça do pelotão dos principais responsáveis pela mega-crise de 2008, segundo a Time...
«Apesar dos seus 68 anos, Angelo Mozilo tem um belo aspecto. Sempre bronzeado, apinocado, arvorando gravata e lenço, Mozilo foi durante muito tempo considerado um grande financeiro nos Estados Unidos. O Barron's, mensário da elite económica americana, colocou-o mesmo entre os trinta CEOs mais respeitados do mundo. Mozilo, um italo-americano, filho de um homem do talho, nascido no Bronx de Nova iorque, construiu a sua reputação ao longo dos anos.
Partindo do zero, criou, pouco a pouco, uma formidável rede de lojas que ofereciam aos seus clientes créditos hipotecários. A Countrywide Financial, a sua empresa, não é propriamente um banco. É uma sociedade destinada a encontrar investidores que montem empréstimos, que em seguida podem ser cedidos aos dois mamutes do mercado hipotecário americano, Fannie Mae e Freddie Mac (ambos garantem ou realizam metade dos créditos imobiliários dos Estados Unidos, ou seja, mais de 5 biliões de dólares).
Nascido para o negócio e com sorriso à prova de bala, Mozilo, para acelerar o ritmo dos seus negócios, acabou por encontrar um associado mais abonado, David Loeb, já falecido. Foi com ele que fundou, há 39 anos, a Countrywide. A Califórnia estava na altura em pleno boom imobiliário, pelo que, foi lá que instalou a sede, mais precisamemte em Calabasas, um subúrbio de Los Angeles. Seguir-se-á uma extraordinária aventura. Em poucos anos, a Countrywide vai esmagar uma série de sociedades que fazem o mesmo que ela (contam-se cinco ou seis mil nos Estados Unidos). Tornando-se número um incontestável, a Countrywide concebe na primeira década de 2000 um em cada seis empréstimos para habitação. A sua rede é a mais abrangente do país e emprega 60 mil pessoas, o suficiente para dar asas ao seu CEO, que não tem falta de ambição.
Aproveitando a baixa das taxas de juro mantida pela Reserva Federal, desejosa de manter a actividade após o choque do 11 de Setembro, Mozilo vai à procura de novas clientelas,. À época, o seu site na Internet é semelhante ao de uma ONG de defesa do direito à habitação para os mais desfavorecidos. É como se fosse o banqueiro dos pobres,. "Quero partilhar a minha sorte", dizia ele, "com todos os que a não tiveram". As minorias negras, hispânicas e asiáticas tinham encontrado em Mozilo o seu salvador. Ou pelo menos julgavam que sim, porque, para desenvolver o seu negócio a todo o custo, Mozilo não hesitou em correr riscos. E que riscos! Montou empréstimos para casais quase indigentes. É um pouco o significado da palavra subprime: as famílias abrangidas são consideradas como dando uma garantia inferior (sub) à que é fornecida por um cliente de primeira escolha (prime). Ao longo dos últimos anos, a Countrywide conservou as suas quotas de mercado jogando a fundo nos subprimes. Tornou-se o seu principal promotor e distribuidor número um. Para incitar os estabelecimentos a pegar nos seus empréstimos, Mozilo propunha taxas de juro superiores aos empréstimos imobiliários clássicos. esta diferença era em suma o prémio de risco, aparentemente aceitável. A manobra assentava na certeza de que o preço das casas ou dos apartamentos comprados não pararia de subir. Desta maneira, se um cliente tinha dificuldade em pagar as mensalidades, o banco não perdia nada em lhe atribuir um novo empréstimo com base no valor suplementar adquirido pela sua habitação. Em caso de dificuldades de reembolso, o cliente podia então contrair um novo empréstimo. É a técnica do "empréstimo recarregável", que a seu tempo, aliás, Nicolas Sarkozy, então ministro das Finanças, pensou implementar em França - felizmente renunciou à medida! Porque tudo corre bem enquanto o preço das casas sobe. Mas se desce, catrapum, cai tudo. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos. os preços do sector imobiliário começaram a cair e os devedores de empréstimos em dificuldades deixaram de poder "recarregar" os seus créditos. Deixaram de estar em condições de reembolsar o banco e o banco teve de penhorar os seus bens. O fenómeno foi agravado pelo facto de os empréstimos terem sido contraídos a taxas variáveis, pelo que a carga de reembolso cresceu quando as taxas começaram a aumentar.
A crise dos subprimes, fenómeno circunscrito aos Estados Unidos, tinha começado. Transformou-se num verdadeiro cataclismo social. Na Califórnia, só no decurso do primeiro semestre de 2008, eram penhoradas todos os dias 500 casas, No total, mais de 2 milhões (não existem estatísticas) de famílias terão sido obrigadas a abandonar as suas casas nos Estados Unidos. A crise apareceu no início de 2007 e não parou de piorar, estendendo-se a todo o mundo»
- Patrick Bonazza, in "Les banquiers Ne Paient Pas L'Addition" (trad. Port. da Guerra e Paz)
Os Cartéis de Estupefaccientes podem argumentar que se limitam a seguir as leis do mercado: há procura, eles limitam-se a tratar da oferta. O consumidor abundante escolhe. Prova eloquente disso é que há heroinómanos, cocainómanos, haxizados, cannabióticos, etc. São os consumidores de produtos clássicos. Porque depois há cada vez mais produtos sintéticos, "reestruturados", combinados, etc. A rede que abastece é vasta e com múltiplas ramificações, subgrupos e afluentes. Os fornecedores não se limitam a acudir a uma necessidade: criam, alimentam e dilatam-na permanentemente. Em rigor, suscitam, promovem e manipulam um vício (termo um pouco cru para "fidelização do consumidor", queiram desculpar). Desde o Patrão-Mor do Cartel produtor até ao dealer de bairro há todo um processo onde acaba diluída a responsabilidade, porque, no fundo, prevalece e flui uma lógica cega, fria e estritamente matemática: a lógica pura e dura do lucro. A tal liberdade aos molhos serve para fonte inesgotável de alibi moral: o drogado é que delibera, a culpa é dele. O que é óptimo para o negócio: a vítima suicida-se, automutila-se, ou seja, a vítima é também o criminoso principal. Se tanto, o mercado (e quem lá opera) só lhe fornece a arma com que se agride. Para o Estado o único delito grave a apontar a esses operadores será, quando muito, o de fuga ao fisco, mas não, seguramente, o de genocídio ao ralenti ou atentado persistente à saúde pública (isso transportar-nos-ia a digressões complexas e problemáticas, donde, às tantas, não escapariam ilesos os mass-media, as indústrias de entretenimento em barda e outras sulfatagens que tais).
Estou a fazer uma analogia sarcástica entre a Droga e o Crédito bancário (e seus derivados e salsicharias)? Pois estou. E o problema é que assenta que nem uma luva.
Engodado num paraíso temporário, o junkie recebe de bónus um inferno para o resto da vida. A sua "liberdade de escolha" transporta-o a uma estação donde não há mais escolha possível. Ou seja, a sua "liberdade" é abdicar da liberdade. Resume-se pois a um paradoxo vivo: tem toda a liberdade para se sujeitar à servidão do vício. Num tempo em que tudo se precariza de escantilhão - o casamento, o emprego, a família, a religião, a moral, a política, a arte -, eis que resplandece pelo menos uma coisa que se estabelece com foros de vitalícia, indiscutível e permanente: a dependência ao crédito (como à droga).
O drogado perde tudo; no vórtice da ilusão provisória (a utopia de vão de escada termina invariavelmente debaixo da ponte), absorve a responsabilidade e a culpa (os custos, esses, passam para "todos", numa espécie carnavalesca de comunismo de conveniência, invariavelmente). Os "operadores do Mercado", esses, baralham e dão de novo.
Em 2006, Mozilo, dado à colecção de Rolls e jóias de ouro, amassou qualquer coisa como 142 milhões de dólares. Mesmo em 2007, no auge do furacão que semeou, e já com a Countrywide a fazer-se em fanicos, ainda abichou 103 milhões. Sofreu alguma penalidade pecuniária ou respondeu com qualquer indemnização patrimonial pelo descalabro causado?
«A opinião pública escandalizou-se, ao ponto de o Congresso se ter debruçado sobre o caso e lhe ter feito uma auditoria. Descobriu-se então que o homem-que-queria-dar-uma-casa-aos-pobres reservava um tratamento especial para certas personalidades, nomeadamente designadas como "os amigos de Mozilo". Senadores, membros do Congresso, banqueiros ligados à esfera pública com os quais a Countrywide trabalhava, beneficiaram de créditos hipotecários a condições mais vantajosas do que os deserdados de Mozilo.»
- Idem
Entre Novembro de 2006 e e finais de 2007, o cavalheiro ainda logrou a proeza de liquidar 150 milhões em acções. Com a Countrywide na bancarrota. É evidente que não pagou nem um tostão. Não são só os socialistas que são audazes, intrépidos e mãos largas com o dinheiro alheio: estes escroques (só em tese opostos) também. (O deles, porém, é sagrado).