quinta-feira, novembro 24, 2011

Joint Desventure

Não sei qual será mais deprimente e penoso de assistir (e padecer) para o comum dos portugueses: se o ser tão alarvemente atacado por esta esquerda disfarçada de direita, se o ser tão javardamente  defendido por esta esquerda mascarada de esquerda. O certo é que sob o garrote da finança ou debaixo da canga da súcia, a economia real do país lá desliza pastosamente pelo esgoto abaixo.

segunda-feira, novembro 21, 2011

Deste, já posso dizer o que disse do anterior sem errar muito

A demissão do actual governo não é, em bom rigor, um caso de política, como se pretende fazer crer: é um caso de polícia. Mas não apenas do actual - o precedente, mais o precedente do precedente, a somar ao seu antecessor e a culminar, em retroactivo, ao Kavaquistão (já para não falar nos anteriores) - todos eles foram casos de polícia. O estado actual das contas públicas atesta-o soberanamente. O estado actual do património nacional revela-o às escâncaras. O estado actual comatoso do ex-Estado português brada-o aos quatro ventos!
Aliás, nem caso, nem crise - política? Rigorosamente nenhuma. Apenas de polícia.

Aliás, os putativos políticos outra coisa não fazem, nem têm feito ao longo destes anos, que convocar a polícia. Esta, porém, assim como a política genuína, séria, consequente, não se avista nem comparece. A nossa desgraça, por isso germina e floresce dessa dupla ausência: de política e de polícia. Tanto quanto do excesso galopante, triunfante e imperador dos seus contrários. Se apenas nos faltasse a política, mas nos acudisse a polícia, ao menos ainda haveria esperança. Ou se nos desfalcasse a polícia, mas nos valesse a política, sempre se poderia emendar o desfalque. Mas assim não. Sem política nem polícia, penamos sem esperança nem emenda. Sem política nem polícia, ficamos à mercê da contrafacção mixordeira de ambas, reféns sob inapelável sequestro do capricho, do apetite, em suma, da venalidade aleivosa de falsos políticos e falsos polícias. Falsos políticos que não nos representam por inteiro, mas apenas nos nossos defeitos e desqualificações; que não nos estimulam para nada, a não ser naquilo que temos de mais baixo e desprezível; que não nos guiam a lado nenhum, a não ser no caminho para o estrangeiro, para a servidão e para a penúria. Falsos polícias que não nos defendem, nem protegem; que não guardam nem investigam. Mas apenas defendem, e protegem, e guardam pretorianamente a falsa política. Mas apenas acolitam à missa negra onde o erário e a fazenda pública são imolados, sem dó nem piedade, aos ídolos tenebrosos da situação. Mas apenas zelam pela tranquilidade do latrocínio instituído e pela segurança comilona do cancro transplantado. Da falsa democracia, da falsa política e da falsa administração, que não servem à polis nem aos seus cidadãos, mas apenas se servem - abusiva e ferozmente - deles. Donde resulta um estado hipertrofiado e autofágico que devora o país; administrações burgessas e africanizadas que se locupletam e refastelam nas empresas; militares castrados e obedientes com mais amor à promoção do que à Pátria; e uma miríade de palradores, mais ou menos escritos, publicados e embrulhados, desatados e untados numa vaselina multiusos de importação, para lubrificar o mega-supositório (mais ou menos instantâneo, mais ou menos recorrente) com que se auto-empalam e, simultaneamente, com o maior escarcéu e espavento possíveis, se expõem à curiosidade pública e à estupefacção do incauto. Afinal, nada como o enxame da falsa informação para nos atestar dos poderes estupefacientes da contrafacção.

Em resumo, não nos promove nem melhora a falsa política: esbulha-nos, desanima-nos e confisca-nos sòmente;. Como não nos defende a falsa polícia: vigia-nos e ameaça-nos apenas. Não sendo política, de todo, a crise, é, sobretudo e até mais que moral, existencial. A questão íntima que se coloca doravante a Portugal, depois da abdicação forçada de império, é saber se se resigna a esta Liliput rilhafolesca em que pretendem interná-lo.

Seremos, infelizmente, tudo isto que nos torpedeia, intoxica e auto-mutila; mas não somos apenas isto. Nem podemos consentir que nos reduzam a tal. Sob pena de mais valer um maremoto ou super-furacão que nos varra duma vez por todas da face do planeta. Sempre era mais digno e meritório ser varrido pelo Mãe Natureza do que por uma chusma coleoptérica e concertada de burocratas, moços de frete, macacos de imitação e parasitas profissionais. Disse.





Balde de minhocas

O fóssil Soares manifestou-se preocupado com as perspectivas futuras da democracia. Por um lado, é enternecedor: um pai que vive do proxenetismo da filha  a angustiar-se muito com a falência técxnica desta. Por outro, é empolgante:  assistir ao despique frenético entre superstições: duma banda os da democracia; da outra, em tandem vertiginoso, os do mercado.
Como corolário, atente-se  no significativo detalhe: as guerras míticas, na antiguidade, exigiam para ignição o sacrifício de virgens; os apaziguamentos dos ídolos míticos, no presente, requerem a imolação de rameiras. Digam lá que não há todo um perfeito sentido e uma força de equilíbrio no mundo!...

sexta-feira, novembro 04, 2011

Dilema, uma palavra genuinamente grega

Segundo garantem os papagaios de serviço,  é o caos global se os gregos saírem. Ou é o caos na Grécia se os gregos ficarem. Teria imensa piada, e seria de elementar justiça, ir perguntar aos gregos o que é que preferem. Eu, no lugar deles, nem hesitava. A bem da higiene, o mundo agradecia.

quarta-feira, novembro 02, 2011

Superstições de conveniência

Lendo isto:
«Líder mundial de banqueiros não perdoa dívida portuguesa»
avassala-me uma tremenda perplexidade... Mas afinal não eram os Mercados, essas destilarias inefáveis, os nossos sublimes credores?

Mas que Ixionismo vem a ser este?


quarta-feira, outubro 26, 2011

Da intrusão profissional

Claramente preocupada com os tempos sombrios que se avizinham, uma idosa senhora inquiriu-me sobre como proteger-se de eventuais larápios. Talvez reforçando as portas e janelas, alvitrou. 
"Sim, respondi, essa será uma medida que, com grande grau de probabilidade, a porá a salvo dos ladrões menos perigosos.
" Ah, espantou-se ela, então e os mais malfazejos e ferozes? "
"São os profissionais, minha senhora. Esses entram-lhe em casa a qualquer hora, sem passar por porta nem janela."
"Mas entram por onde, então?"
"Ora, é fácil: entram pela televisão."

terça-feira, outubro 18, 2011

Vão acabar connosco se não acabarmos com eles

O que venho expondo em termos histórico-filosóficos não é fruto de delírio. Não que eu não cultive os meus delírios e fantasias, como toda a gente, mas porque pode ser facilmente comprovado, por qualquer ser medianamente inteligente e não auto-lobotomizado, na realidade circundante. Querem uma tradução nesta, e no nosso caso nacional específico, do que ficou exposto?
Basta recordar o que, já em Setembro de 2007, aqui ficou publicado (e, pelos vistos, profetizado). Intitulava-se "A Disfunção Pública". Nunca será demais reler  e rezava assim:


Fala-se muito em desembaraçar o Estado do seu número excessivo de funcionários. Ainda há dias, na entrevista à RTP, o ministro das Finanças apregoava não sei quantas centenas de funcionários em rampa de lançamento para um qualquer limbo ou aterro sanitário.


É evidente que o Estado, na medida em que se tornou refém de seitas e receitas partidárias (e não só), descambou numa espécie de cancro maior da Nação. Brada aos céus de escândalo a quantidade de mamíferos que por lá se recreia e locupleta. Mas, a bem do rigor, convém que sejamos sérios na análise destes problemas. Por isso mesmo, compete que se diga, com toda a clareza, que se há algo excessivo no Estado Português, e há, esse excesso, essa demasia não reside certamente no número de funcionários. Pelo contrário, os funcionários, tal qual o país, são poucos para tamanho Estado. Relembro até que no tempo em que ainda existia um Império para administrar, o Estado era menos de um quinto do que é actualmente. O País diminuiu, mas o Estado aumentou. Significa que o Estado vive a parasitar a Nação. Essa, de resto, é uma lei antiga e fatal em toda a parte do mundo, só que entre nós ganhou foros de regabofe épico. Porém, repito, e por estranho que pareça, não são os funcionários do Estado os responsáveis por tão descomedida voragem. Acreditem, espantem-se, arrepiem-se, façam como entenderem, mas não são. Querem a demonstração? Aí vai.
Os funcionários do Estado, efectivamente, são poucos: os disfuncionários é que são muitos. Este detalhe é sistematicamente escamoteado. E não devia. Pelo contrário, devia constituir ponto de partida para toda e qualquer diagnóstico sério da epidemia. Como é bom de ver, existe a Função Pública e existe a Disfunção Pública. O país está todo ele disfuncional porque o peso da Disfunção Pública é esmagador em relação à sua congénere. Querem exemplos?


Na educação (que é igual à Saúde, à Justiça, etc): lá estão os funcionários - os professores e os contínuos; e lá estão os disfuncionários - os administradores, os burrocratas do ministérios, a pandilha das DREs, os sindicalistas, os inspectores da pevide, etc. Os professores - isto é, os funcionários - padecem concursos, suportam nomadizações, aturam os educandos das televisões e dos futebóis (e na hora de tocar píveas aos orçamento, vão de charola para o desemprego, ou nem de lá escapam); os disfuncionários ninguém sabe como ali vão parar, mas, uma vez lá catrafilados, uma coisa é sabida: nunca mais de lá saem. A missão dos disfuncionários é impedir que os funcionários funcionem. Quanto pior os funcionários funcionem, ou seja, quanto melhor disfuncionem, mais disfuncionários são precisos para analisar, perceber e engenhar soluções para a disfunção dos funcionários. Invariavelmente, os disfuncionários, após grandes marchas e serões forçados, autênticas maratonas de fazer corar um kafka, descobrem que há funcionários a mais. A coisa não está a disfuncionar como deveria e inicialmente era previsto (por eles, naturalmente). É preciso espiolhar, avaliar e descobrir quem teima em funcionar. E pô-lo no olho da rua. A disfunção Pública só tem e cumpre um dogma inexorável: o único problema, fonte de todos os problemas, é a escassez de disfuncionários e o excesso de funcionários. Essa lei única, soberana e absoluta deriva do facto de todo o disfuncionário ter sempre um familiar, amigo ou confrade cujo contributo é imprescindível para a Disfunção Pública. Toda a Disfunção Pública será sempre pouca. Tudo isto pode parecer absurdo, mas não é: é apenas perverso.


E a perversão imbrica na mentalidade assaz cavilosa mas típica do disfuncionário: está convencido que ele é que é o funcionário e que a Função Pública é uma disfunção. Traduzindo para o concreto: o Estado não existe para servir os contribuintes; os contribuintes é que existem para servir o Estado. A escola não serve para instruir, nem educar; os tribunais não existem para ministrar a justiça; os hospitais não estão lá para zelar pela saúde dos cidadãos. Não, tudo isto existe para os disfuncionários brincarem às reformas, às experiências, às cobaias com o dinheiro e o coiro alheios -isto é: para os disfuncionários perseguirem, torturarem e sanearem os funcionários. A seguir ao 25 de Abril, faziam-no em nome da higiene política, agora fazem-no em nome da higiene económica. Não tarda muito e será em nome da higiene sexual.


Por outro lado, logo que se apanha na Disfunção Pública, o disfuncionário adquire a firme convicção que não é condignamente tratado: o dever do Estado é promovê-lo e subsidiá-lo em todos os seus caprichos e mariscadas. E ele não está ali para outra coisa. Desata pois a disfuncionar com todas as suas forças. Sabe que quanto melhor disfuncionar, tanto maiores serão as suas chances. Quando não andam a perseguir, torturar e sanear funcionários, os disfuncionários conspiram, insidiam, manobram e intentam ultrapassar-se uns aos outros. O pior, invariavelmente, vence e adquire poderes, privilégios e prorrogativas acrescidos.


De tudo isto, com é facil de calcular, resulta um panorama deveras pitoresco:


Há todo um Estadão a cavalo na Nacinha. Compõem-no um número cada vez mais reduzido de funcionários e um número sempre crescente de disfuncionários. Os disfuncionários apregoam o "estado mínimo", ou seja, um número mínimo de funcionários que sustentem laboralmente um número máximo de disfuncionários. Bem como um número máximo de contribuintes que paguem ambos, claro está. A tarefa dos funcionários é canalisar as receitas dos contribuintes para os disfuncionários e carrear as directivas e receitas destes para o país. Não há qualquer exagero em dizer que os disfuncionários são parasitas compenetrados de todo o restante dispositivo: parasitam laboralmente os funcionários e parasitam monetariamente os contribuintes. Alcançamos assim a demonstração inicialmente requerida: na verdade, o Estado não tem funcionários a mais, até tem a menos: o que tem a mais, disparatadamente, é parasitas. Consequentemente, o que qualquer governo sério precisa de reduzir, com a máxima urgência, caso pretenda impedir o fatal colapso de tamanho rilhafoles e rilha-orçamentos, é, sem sombra de dúvida, o número de parasitas, não o de funcionários.


Cito um caso emblemático e verídico: fulano X trabalha no Instituto Y. Não tem mesmo feito outra coisa na vida nos últimos 25 anos. Desunha-se todos os dias executando as tarefas de três mais a chefe e a chefe da chefe. Atura, além do som ambiente do galinheiro, os ralhetes e os humores pré-menstruais (ou pós-menopáusicos) da hierarquia. Ciclicamente, ainda contempla, a cada fim-de-mês, a passagem do cometa Z, um assessor/avençado/ou lá o que é misterioso, que só ali passa para receber a renda choruda inerente à sua condição fantástica (uma entre várias, manantes de diversos institutos, direcções e empresas). Pois bem, o Instituto Y já se desembaraçou de diversos funcionários, mas os cometas, esses, prosseguem inexpugnáveis. Cometas, plural, digo bem, porque, entretanto, de um passaram a dois. Lá vão surgindo, todo o fim-de-mês. São aos milhares, às constelações por todo esse país desgraçado. Provenientes e ioiozantes das galáxias partidárias. Dos buracos negros clientelares. Vão acabar connosco se não acabarmos com eles.


Este postal é caótico e a raiar o alucinante, mas não me culpem nem refilem comigo. Limitei-me a transcrever o mais cruamente possível a realidade duma terra lançada aos bichos.








segunda-feira, outubro 17, 2011

Moral da História





Moral da História: Páre, escute, olhe e não perca tempo com votos - um Pinóquio, de certeza, esconde sempre outro.



Nota editorial: agradecem-se as compilacinhas, respectivamente, aos blogues 31 da Armada e Aventar.

domingo, outubro 16, 2011

Para que Conste - II



Inicialmente, o Estado emerge sob o pretexto do engrandecimento (ou até construção) da nação (que se confunde quase sempre com o engrandecimento dos seus príncipes). Mas o que se verifica, passado o ídilio inaugural e os fumos da retórica, é quase sempre o paulatino engrandecimento do Estado de modo a garantir já não o engrandecimento da Nação mas da Finança e respectivo Poder. O resultado, que ciclicamente se reveste na forma de crise, é nações devoradas, desagregadas e corroídas pelos respectivos "estados" e suas lógicas intrínsecas. Este resultado é fruto duma regra universal. E digo que é universal pela simples verificação de ter acontecido invariavelmente a todas as nações.



Desde o século XVIII, duas perspectivas do Estado têm vindo a digladiar-se encarniçadamente: a utopia liberal e a utopia socialista. No essencial, não diferem: na instrumentalização desenfreada do Estado. Os liberais entendem que o Estado deve ser mero instrumento dos príncipes mercantis; os socialistas sustentam que o estado deve converter-se em absoluta ferramenta dos príncipes burocráticos (vulgo partidos ou nomenklaturas). Dito em função da propriedade, esse conceito mágico que nos dois casos omnipreside: os liberais procuram no estado o mero garante para  a preservação e cristalização da propriedade dalguns indivíduos (quanto mais predadores económicos, melhor); os socialistas servem-se do estado como meio providencial e oportuno de aquisição e acumulação de propriedade. Donde não espanta que o destino sempre fatal dos socialistas, mai-la respectiva utopia. é devirem, após estágio potestativo, liberais. Outra curiosa singularidade que os gemina é a perversão intrínseca que os habita, camufla e dirige. Principia nos próprios títulos que arvoram: liberal traduz-se na realidade e na acção por liberticida; socialista comprova-se nos efeitos e obras como socioclasta. Quer dizer, tal qual o desempenho das políticas ditas liberais conduz invariavelmente à sujeição larvar a uma  pura tirania financeira e publicitária, a prática dos preceitos e receitas ditas socialistas transporta fatalmente a  uma desagregação social, movida a polícia e propaganda,  que apenas prepara e antecipa uma "solução liberal".  No fundo, liberais e socialistas, por aparente diversidade de meios, servem o mesmo fim. Obedecem à mesma lógica... e a quem a destila. Assim, ao longo dos dois últimos séculos, estes instrumentistas do estado têm por sua vez vez servido de instrumento a algo que os utiliza, alternadamente, na paulatina, sinuosa e consecutiva dissolvência de toda e qualquer genuína liberdade e sociedade, passe a redundância. Sabemos hoje, plena e sobejamente, o real significado de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade": "Submissão, Desigualdade e Fratricídio". Houve traição aos princípios?  Na revolução francesa, como na russa, como em todas as revoluções modernas, não pode haver traição a algo que não existe. Há e houve, isso sim, a cegueira mental, entre venal e obtusa, entre profissional e induzida, de fantasiar princípios em algo que, ausente de todos eles, apenas esbanja meios e serve fins. E quando digo fins, nem sequer subentendo concretas finezas ou reais finalidades, mas, tão sòmente, finanças.
Porque "finança", etimologicamente, revela bem da sua raiz: fin. O verbo da "finança" é o verbo "finar" - neste caso, finar-se. O finar-se e refinar-se da nossa civilização. O toque de Midas, o toque a finanças é, não duvidem, o toque a finados. De todos nós.







sábado, outubro 15, 2011

Para que conste - I




«Bailly, que passa as noites na sua comissão de abastecimento, enquanto Lafayette dá ordens às patrulhas, conhece bem a verdade. Ouviu rondar esse homem invisível que trafica nas épocas de crise: o especulador. (...)


«Em dois meses, expedem-se duzentos mil passaportes. Os nobres emigram, arruinando todo um comércio que lhes alimentava os prazeres. O dinheiro segue o mesmo caminho e o numerário torna-se raro. A desocupação é geral. Acabam a criar-se, em Paris, oficinas nacionais: as oficinas de caridade, para dar trabalho a cento e vinte mil desempregados. Nem por isso se tornam menos frequentes os ajuntamentos, que precediam os motins. Bailly confessa que se alegrava com "os dias de chuva". A situação financeira é lamentável. O deficit (um deficit que hoje nos faria rir) é de cinco milhões de libras. Os impostos são opressivos e arbitrários. O regime fiscal destrói o país, provoca o desemprego, o marasmo dos negócios, o descontentamento geral.»

Nestes trechos, Henri Robert faz-nos uma descrição sucinta do ambiente que precedeu a Revolução Francesa. Concentremo-nos, para já, na frase "o regime fiscal destrói o país". Terá acontecido então, no crepúsculo do século XVIII, mas experimentamo-lo também agora, na aurora do século XXI. Pelos vistos, repetem-se as cenas históricas, como se repetem as crises e alguns dos seus ingredientes característicos. E não deixa de ser espantoso como o "estado" dum determinado país atenta contra ele, país, e, por conseguinte, e a limite, contra si próprio. Enigma capital: o que levará um aparelho de estado ao suicídio - à cegueira de não ver que quando agride alarvemente aquilo que o sustém é a sua própria derrocada que escava? Em suma, o que é que transporta aquilo que é suposto ser uma sofisticação civilizacional, num súbito roldão, à barbárie revisitada?

Note-se que quando digo "barbárie" não quero significar apenas o tumulto asselvajado nas ruas, vulgarmente conhecido como "revolução". A revolução é apenas uma barbárie decorrente, uma prossecução, senão fatal, seguramente lógica. Não: é a barbárie inaugural, desencadeadora (e "legitimadora") de todas as outras, que sobremaneira alvejo e que se traduz, por exemplo, em fórmulas aparentemente assépticas como "regime de impostos". Quando este "regime de impostos" mais não camufla que um "esquema de metapredação", não há volta a dar, estamos de regresso à barbárie que só não é pura porque é sofisticada, que só não é selvagem porque é burocrática. Ora, um Estado que assim se coloca fora da civilização, porque atentador-mor contra a vida dos próprios povos, é um mecanismo pária, hipertrofiado e insaciável que, tanto quanto justifica, convoca à legítima defesa. Até porque um Estado que assim age não serve os interesses da sua própria comunidade nacional, mas os meros apetites de partes corruptas dela, bem como as estratégias de potências externas. Como se procede à legítima defesa? Fazendo uma revolução? A revolução é só o culminar da acção desagregadora do Estado. Chamar-lhe solução para o problema é o mesmo que confundir o colapso final dum organismo com o remédio santo da sua cura. A verdade é que não existem remédios santos, abracadabras mágicas nem panaceias instantâneas para infecções e neoplasias cuja génese decorre há séculos. Tão pouco dispomos de ciências, ainda menos históricas, com capacidade de decifração exacta e infalível (que é como quem diz, matemática) da imensidão de factores, condicionantes e incógnitas em jogo. Não é apenas mega-iludido quem assim pensa: é criminoso. E gera, regularmente, ruínas, quando não catástrofes.


O facto é que os reinos, ao descambarem em nações, contraíram o Estado Moderno como quem contrai um cancro - daqueles em forma de necrose particularmente autofágica. De resto, o Estado e o "Mercado" não poderiam ter germinado e crescido um sem o outro (isto é, sem uma circulação desembaraçada de capitais e uma protecção proficiente e estratégica das rotas e das lógicas comerciais) . Estado e Finança são inseparáveis. Entretecem-se e reforçam-se. Afinal, sempre foi preciso financiamento para exércitos e obras públicas. Só que como o Estado em relação à Nação, também a Finança começa por servir o Estado e acaba a servir-se dele. Por outras palavras, assim como a Nação desenvolve um Estado, o Estado desenvolve uma Finança. À medida que se hipertrofia o Estado, hipertrofia-se ainda mais a Finança. Necrose com necrose se paga. Quanto mais o Estado devora a Nação, mais a Finança digere o Estado. De modo que a sujeição nanificante (e nadificante) da nação a um estado descomunal agrava-se pela subserviência deste a uma Finaça desorbitada e exorbitante. E tanto assim é, e tem sucedido, que podemos hoje em dia testemunhar o nosso próprio Portugal a ser estrangulado por um Estado que a Finança traz pela trela.



terça-feira, agosto 16, 2011

O Nascimento da Besta









Sendo certo que Maquiavel é visto como um dos teorizadores do "Estado Moderno", não é menos seguro que o "Estado moderno" há muito vinha germinando na realidade concreta. Quero com isto dizer que os pensadores políticos raramente são os pais da criança. Regra geral, limitam-se a tentar compreender e conceptualizar o mundo que os embala. E mesmo aqueles mais visionários e nefelibatas (que não é exactamente o caso de Maquiavel, bem pelo contrário - mas é o de Marx), quando anelam a outros-mundos, é deste que partem, é neste que firmam e montam trampolim. Resumindo: a ideia estritamente política (e uma ideia é estritamente politica quando se esgota no mundano) nunca é fundamento nem fonte da realidade, mas mera excrescência desta, não raramente, destilado subtil ou, ainda mais frequentemente, pura mixórdia tóxica. Não espanta até por isso que tantas vezes os seus crentes se comportem como verdadeiros alcoólicos, vociferando toda a incasta série de grosseiras alarvidades ou ébrias aleivosias.




Dito isto, vamos então ao mundo e àquele que nele, em meu entender, inaugura a galeria prototípica do "estado moderno". Senhoras e senhores, Filipe IV, de França, cognominado "o Belo". Reinou entre 1285 e 1313. Só para relacionarmos no tempo: Maquiavel escreveria o seu "Príncipe" dois séculos depois; e Hobbes apenas publicaria o seu "Leviatã" passados trezentos anos. A descrição que se segue parece-me eloquente. Qualquer semelhança com a actual realidade do "estado" não é mera coincidência.




«(...) Filipe IV, "o Belo", constitui um mistério para os historiadores. Se bem que se conservasse sempre silencioso e letárgico nos bastidores da política, escolheu consistentemente ministros ousados e agressivos, que fizeram tudo para exaltar a coroa, imprimindo uma marca indelével na história da França e da Europa. (...) Esses ministros, que o rei apoiava em todas as circunstâncias, eram quase todos juristas do Midi, homens muito aptos e completamente destituídos de escrúpulos, que não respeitavam outra lei que não a da lealdade ao seu senhor, e que dependiam inteiramente do favor do rei. (...)
«Filipe e os seu ministros eram hábeis na arte da propaganda, recorrendo agora a esses talentos de forma muito arguta, se bem que pouco escruppulosa. Insistiram com vigor na independência da coroa francesa o que ia ao encontro do sentimento nacional e agradava também a um anti-clericalismo nascente - (nota: independência moral do rei em relação ao Papa e dispensa consequente dos serviços vicariais deste: o rei passa a representar directamente Deus, tornando-se o real capricho emanação incontestável da "vontade celeste" - e registem que Henrique VIII de Inglaterra só copiará este precedente dois séculos adiante. Mas mais gritante ainda: a dependência moral do rei ao representante legítimo de Cristo na terra, após as manobras de Filipe e dos seus ministros - através da eleição manipulada dum papa francês e dum colégio de cardeais quase todo gaulês-, converteu-se em sujeição política do papado ao rei de França) -.



(...)«O efeito de todos esses conflitos e das grandes despesas por eles ocasionadas sobre as finanças de Filipe foi porém desastroso. Os rendimentos feudais que o costume atribuía ao rei eram francamente insuficientes para cobrir as despesas. Foram pois reforçados por suplementares por levas ocasionais, que se tornaram permanentes, e pelo lançamento de novos impostos. O clero era frequentemente obrigado ao pagamento de dízimas, apesar da resistência oferecida por Bonifácio VIII. Os nobres tinham de pagar pesadas taxas militares, em substituição da prestação do serviço militar obrigatório. Em 1292 foi lançado um novo imposto sobre todas as vendas (nota: um proto-IVA?), que incidia sobre produtos de primeira necessidade, como o trigo, o vinho e o sal, e que se tornou permanente. Como tudo isso não fosse ainda suficiente, o rei contraiu grandes empréstimos junto de banqueiros italianos e franceses. Filipe adquiriu a reputação de ser um "moedeiro falso", pois recorreu frequentemente à prática da desvalorização da moeda, com algum lucro imediato para a coroa e grande prejuízo a longo prazo para os seus súbditos. Quando por duas vezes (1306, 1313) causou igualmente grandes prejuízos ao reino, atrapalhando os negócios. Era impossível encher a bolsa cronicamente vazia do rei, e nem mesmo os expedientes mais desesperados resultaram. Em 1306 os judeus foram expulsos do reino, em 1307 o rei apoderou-se dos bens dos Templários, em 1311 foram igualmente expulsos os banqueiros italianos do rei. Os bens das vítimas de tais medidas eram imediatamente confiscados, e os seus credores passavam a sê-lo do rei (nota: proto-nacionalizações?).»
- in "História da Idade Média", de C.W. Previté-Orton




Uma nota final: onde se lê "coroa"ou "rei", julgo não errar muito se disser que, pela primeira vez, pode começar a ler-se "estado". "Estado" no sentido desse mesmo "estado" que hoje nos mastiga e regurgita e que, como avisou certo filósofo, "acaso exista ainda um povo, esse nada compreende do Estado e odeia-o como ao mau olhado, como a um pecado contra a moral e o direito.»



O povo, devo reconhecê-lo, duvido que exista. Restam alguns fragmentos... Indivíduos.


quarta-feira, agosto 10, 2011

É o paradigma, estúpido!












Toda esta anarquia tumultuária que irrompeu subitamente lá pela ilha dos Doidos, além de não me comover grande coisa, não me espantou minimamente. Parece-me até uma pura consequência lógica dum fenómeno muito simples (e dispenso já vossências de todas essas antropologias e sociologias mais ou menos sonsas, velhacas ou meramente imbecis - que vão desde o coitadinhismo da praxe até ao armagedorrão da civilizacinha ). A verdade parece-me bam mais prosaica e resume-se ao seguinte: houve uma mudança de paradigma. Cá está, vêem?, a palavra mágica: paradigma. Em caso de dúvida não há que enganar: a culpa é sempre do paradigma ( esse primo pato-bravo do arquétipo). O paradigma anterior consistia em o Estado, com aquela magnanimidade pilhantrópica que o caracteriza, espoliar, pilhar e pelas formas mais incríveis extorquir as pessoas comuns (os otários que trabalham por príncipio ou mera ocupação quotidiana) para distribuir à escumalha supra e infra. Agora, no novo paradigma, o Estado aumentou cinicamente o espólio, mas só trata da distribuição pela camada supra - a camada infra que se desenrasque. Ou seja, que vá cobrar directamente às pessoas. Ora, foi isso que eles fizeram e que a ternura conivente das autoridades, às escâncaras, tanto quanto atestar, abençoou. Não se trata apenas de mera incompetência ostensiva ou pusilanimidade entranhada: é premeditação mesmo. Não há outra explicação possível. Para o Estado, reparem bem, é uma triplo-win situation, se assim me posso exprimir (posso? Não se importam?...} Por um lado descomprime as tensões sempre nefastas e imprevisíveis na escumalha infra; por outro, desvia de si e da escumalha supra sua mentora (leiam: mentecaptora) o protesto sempre indesejável e maçador dos infras e demais lumpanagem mais ou menos ocasional; finalmente, e como corolário mavioso de ambas as alíneas anteriores, lança as pessoas comuns numa mistificação ainda maior e mais proveitosa, convencendo-as da necessidade de mais investimento em maior protecção e segurança, ou melhor dizendo e traduzindo, da implementação dos poderes e prerrogativas do Estado para espoliar, controlar e manipular a seu bel-prazer as pessoas comuns.
Estas, entretanto, a duras penas e por constrangimento das próprias emergências, lá vão aprendendo qualquer coisa. Em Inglaterra já aprenderam um quesito básico: que têm que ser elas a unir-se, armar-se e organizar-se para se defenderem da escumalha infra. Darão um passo de gigante para o futuro da civilização e da humanidade, quando perceberem que é exactamente isso que têm que fazer para se defenderem do Estado e da escumalha supra que por lá, cronicamente, se recreia e refastela.








terça-feira, julho 19, 2011

Trabalhar pró bronze

Segundo vou percebendo, parece que o nosso problema se resume a dois factores principais: temos uma economia podutiva demasiado débil para podermos competir com o Primeiro Mundo e uma moeda demasiado forte para podermos competir com o Terceiro. Restar-nos-à, então, e se tanto, peregrinar Fátima e rogar por um super-milagre. Todavia, se pensarmos que o processo de adesão à CEE consistiu essencialmente na aquisição duma moeda forte e no desmantelamento do sistema produtivo, é caso para perguntar porque é que o mesmo sujeito que se proclamou "bom aluno" durante a fase épica, agora, chegado à fase trágica, desate a reclamar pela desvalorização da moeda. O facto de ele ter desvalorizado o país dele com uma perna às costas (fruto da leviandade típica dos bimbos, toinos e pato-bravedo em geral) não implica que os outros (os alemães, entenda-se) se sintam no dever alucinado -e ao retardador - de se entregarem a equivalentes impulsos suicidas.


Os teutónicos, no fundo (e em fundos vultuosos), pagaram para que Portugal acabasse o suicídio colectivo que principiara com a debandada ultramarina. Os portugueses (enfim, aquilo que, em forma de verme, se faz passar por eles), aceitaram alegremente. Quiseram ver na vaselina bronzeador. Pois agora de que se queixam? Bezuntem-se!


Quem se vende ao suicídio não pode depois regatear sacrifícios. Quem não tem dó nem piedade de si próprio como pode sequer rogar que os outros tenham?



PS: Já agora, vale a pena transcrever a definição de vaselina, segundo a Desciclopédia:

- Vaselina é um produto lubrificante usado na medicina e na pornografia. Serve para evitar atrito entre as partes envolvidas no processo.



quinta-feira, julho 07, 2011

Sacrifícios humanos, já!




Se bem interpreto e compreendo, as agências de rating lixaram (literalmente) o não sei quê da Dívida portuguesa porque o recém-eleito governo da Dívida Portuguesa teima em não cumprir à risca os devaneios coquetes e as obsessões sexuais dos caga-postas de plantão ao Blasfémias. É isto, não é?


E enquanto não se proceder, de emergência e aflição, à privatização mágica da RTP, o torniquete não se alivia e só podemos esperar o pior.


Começo a acreditar seriamente em sacrifícios humanos... Para apaziguamento da ira de deuses tenebrosos - que é como quem diz: dos mercados - bem entendido. Mas sacrifícios humanos mesmo, à moda antiga, com facalhões e virgens alucinadas. No vertente caso, a receita até era fácil: pegava-se no João Miranda, pelas orelhas de preferência, e após esquartejamento paulatino e esfola rigorosa, procedia-se ao competente holocausto ritual. Imprescindível, o holocausto, caros compatriotas. Porque, como a própria etimologia indica, em se tratando de deuses moradores no negrume das trevas, a queima da vítima tem que ser total. Daí o "holo" (no grego, "todo") em prefixo do "kausto" (no grego, "queima"). Aliás, o que distingue os deuses tenebrosos dos outros, os luminosos, é precisamente o grau de exigência: estes, os clarinhos, contentam-se com uma parte ou percentagem do sacrifício; aqueles, os aterradores, exigem o sacrifício completo.


Entretanto, que o churrasco integral duma única virgem alucinada os satisfaça, isso já é outra questão. Estou em crer que seja coisa para os sossegar por um dia ou dois. O que já não será mau. Depois, por muito que lhes sobre e reincida o apetite, a nós, seguramente, não nos faltarão as virgens. Nem todas, é certo, acumularão a castidade sexual com a noética, mas quanto à segunda, pelo menos, é uma farturinha! Podemos ficar tranquilos.




terça-feira, julho 05, 2011

Os imarcescíveis abortos

Durante o Prec abrilino, os mais frenéticos e raivosos, mais ainda que os comunistas propriamente ditos, eram os super-comunistas, os comunistas ML, maoístas GT e outras varas suínícolas que tais. A extrema esquerda, enfim. Essa nhanha bestialmente ruidosa, pois. Guincharam, guincharam e cuincharam muito, enquanto convinha guinchar (ou seja, até Novembro de 1975) e depois debandaram sofregamente pelas manjedouras da situação, instantaneamente convertidos à lavagem e ao farelo do mercado supimpa e do capitalismo catita. Revolucionários da farinha Amparo, ei-los, por arte de geminoso dia-prá-noite, direitistas de ocasião, em patrocínio do Omo lava mais branco. O guincho suavizou-se e deveio grunhido - gorjeio cavo de quem fuça e se refastela na mixórdia. Naquela época juvenil o seu fetichismo panaceico consistia em tudo nacionalizar. Tudo se resolveria nesse passe mágico. O seu equivalente actual são estes ultra-liberais de vão-de-blogue. Acreditam, com a mesma pia retrete, que tudo só pode resolver-se com a privatização desenfreada. É só a aparência que os distingue e opõe. Na essência, são a perfeita réplica uns dos outros. Sobretudo, anima-os o mesmo desamor, a mesma aleivosia despudorada, a franca e venenosa hostilidade à terra e ao povo que, em tão amarga hora para ambos, os viram nascer.

sábado, julho 02, 2011

Entrevista com a Esfinge - III

«Porque agia dentro de uma Constituição que sempre procurei respeitar, e por convicção própria, mantive, portanto, o Estado Corporativo. Mas lancei, poucos dias depois de tomar posse do governo, a fórmula do Estado Social a fim de acentuar o conteúdo da política que me propunha seguir.

Esta fórmula é, há bastantes anos, corrente na literatura da ciência política por esse mundo publicada e foi consagrada nalgumas constituições, designadamente na da República Federal Alemã.

O sentido que lhe dei na curta alocução proferida em 10 de Outubro de 1968 ao receber os presidentes das corporações foi o de - "um poder político que insere nos seus fins essenciais o progresso moral, cultural e material da colectividade que, pela valorização dos indivíduos e pela repartição justa das riquezas, encurte distâncias e dignifique o trabalho". E meses depois, por ocasião da apoteótica visita ao Porto, em 21 de Maio de 1969, voltava, no discurso proferido da varanda dos Paços do Concelho, a proclamar um Estado Social, mas não socialista.
(...)
O que importa já não é tanto afirmar a soberania do indivíduo na sociedade, como proporcionar a cada um a base material e culturalnecessária para poder ser cidadão participante e consciente na vida pública.

Por isso, hoje, nos contactos com a massa popular, aquilo que esta solicita aos governantes não é mais liberdade - mas preços equilibrados com os salários, casas decentes, educação acessível, previdência social eficaz com boa assistência médica na doença e pensões garantidas na velhice e na invalidez.»

- Marcelo Caetano, "Depoimento"


Não é mera conversa. Marcelo Caetano, de facto, estava a promover todo um conjunto de mudanças e reformas que urdiam a conversão do Estado Corporativo num Estado Social. O país, paulatinamente, encaminhava-se para uma social democracia. Ah, mas a censura! Ah, mas a DGS!, obstar-me-ão. Pois, ó camaradas, por algum motivo a DGS não gostava de Caetano!...

Então, mas se o país seguia placidamente a caminho do modelo europeu de sociedade, porque raio se deu o 25 de Abril? Para democratizar e desenvolver o país? Mas se ele se ia suavizando politicamente a olhos vistos, e crescendo economicamente a coisa de 4 ou 5% ao ano (e isto apesar duma guerra em três frentes) - ou seja, se ele estava a enriquecer a um ritmo efectivo e inaudito nos últimos dois séculos - para que (ou a quem) servia (e serviu) a golpada?

Pois, lá está, é que Marcelo Caetano, se divergia de Salazar na Política Interna, e deu provas eloquentes disso, em contrapartida, coincidia no essencial da Política Externa. E isso é que era imperdoável para as grandes potências e respectivas marionetes domésticas. Tivesse ele mantido o chicote interno, mas abdicado da rédea ultramarina e ainda hoje, se fosse vivo, estaria em São Bento.

sexta-feira, julho 01, 2011

Entrevista com a Esfinge - II

Bona, 14 de Setembro de 1966...


«Recepção de Schroeder num hotel sobranceiro ao Reno. Está a alta-roda da política, dfa finança e da economia da Alemanha federal: Abs, Fritz Berg, von Bohlen und Harald, Sohl, Mommsen, outros ainda. (...) Ao contrário do que se poderia pensar, a atmosfera é alegre, leve, com o humor teutónico; e conversa-se francamente, sem rodeios, sendo particularmente explícitos os homens da economia e da indústria. Que síntese posso fazer do que ouvi? Notei forte sentimento antiamericano e antibritânico, muito mais do que anti-francês; há uma clara obsessão com o Mercado Comum, e com as relações deste com a EFTA, devendo ser objectivo da Alemanha realizar através da Comunidade Económica Europeia o que Hitler não pôde alcançar pela força das armas; preocupação com a Nato; e uma nítida e apurada consciência da força actual da Alemanha.»
- Franco Nogueira, "Um político confessa-se (Diário: 1960-1968)"




Mirem-se no exemplo

daqueles milhares de Atenas...


terça-feira, junho 28, 2011

Prece

Entretanto, e antes que me esqueça, não posso deixar de lavrar aqui a minha prece. Sei que Deus tem esse Poder... só não sei se tem essa Vontade. Resta-me rogar para que a tenha e exerça. "Senhor, livra-nos de mais essa calamidade: que a um governo de boys suceda um governo de meninos.

Entrevista com a Esfinge















Chegados aqui, a este cais do naufrágio, duas perguntas começam a ser cada vez mais incontornáveis. Responder-lhes não resolve o despenhamento, mas ajuda a esclarecer o desastre. Ora, o esclarecimento, num tempo de crise absoluta e opressiva, em que alternam cegos guiados por loucos com loucos guiados por cegos, é essencial. As perguntas, tanto quanto incontornáveis, e ululantes, são inseparáveis. Geminam-se. Que perguntas são essas? São aquelas que cada vez mais gente, entre o estremunhado e o estarrecido, no fundo abismado do seu espírito, se coloca:
- Onde estaria Portugal se não fosse o 25 de Abril de 1974?
- Para que serviu, realmente, o 25 de Abril de 1974?

É sobre estas questão que me debruçarei nos próximos tempos. Sistematicamente.
Sobre a primeira, deixo apenas, e para já, uma sibilina memória, daquelas que ficam a pairar, lugubremente, ao jeito de mau presságio. Ocorre no Paris-Match de Junho de 1963. Na forma dum grander artigo, assinado por Raymond Cartier, sobre a política portuguesa da época. Uma frase, sobretodas, fica como que o epitáfio para um destino funesto, daqueles que se agitam e tecem, lá, nas estranhas do tempo, presidindo às tragédias:
«O fim da aventura marítima e colonial é para Portugal uma descida ao túmulo.»




Sobre a segunda, quero apenas recordar que o 25 de Abril de 1974 teve o seu desfecho natural e plácido no 25 de Novembro de 1975. Este eclodia porque, precisamente, fora alcançado na plenitude o principal objectivo e a motivação profunda e específica daquele: o 11 de Novembro de 1975. Em Lisboa? Claro que não! Em Luanda.



Lisboa, essa, a rudes golpes, iniciava a dura conversão em paisagem.



A esfinge é a máscara do Tempo. Uma delas, pelo menos. Vulgarmente conhecida por História.





segunda-feira, junho 13, 2011

Da Estrangeirina Milagreira

Não é de Pessoa o naco de prosa, nem, tão pouco, de Eça. Muito menos de Antero. Na verdade, é de Pinheiro Chagas. No Diário de Notícias de 7 de Fevereiro de 1872. E resultou, precisamente, duma polémica entre Chagas e os autores das "Farpas", em especial Eça de Queiroz. Curioso, não é?
Quem foi Pinheiro Chagas? Actualmente é uma avenida de Lisboa. Há dois séculos atrás, distinguiu-se, entre outras coisas, aquando da chamada Questão Coimbrã, pleitando contra os "realistas" modernizantes e "anti-românticos". À frente destes, pontificavam Teófilo Braga e Antero de Quental. O único ponto alto e digno de registo de tão pífio contencioso ocorreria em Fevereiro de 1866, no local de Jardim da Arca d'Água, no Porto, quando Ramalho e Antero se bateram em duelo de espada. Sobre o mesmo há uma saborosa reportagem de Camilo:

"Em 1866 na belicosa cidade do Porto, defrontaram-se de espada nua dois escritores portugueses de muitas excelências literárias e grande pundonor. Correu algum sangue. Deu-se por entretida a curiosidade pública e satisfeita a honra convencional dos combatentes. Alguns dias volvidos ia eu de passeio na estrada de Braga e levava comigo a honrosa companhia de um cavalheiro que lustra entre os mais grados das províncias do Norte. No sítio da Mãe-de-Água apontei a direcção de um plano encoberto pelos pinhais e disse ao meu companheiro: Foi ali que há dias a «Crítica Portuguesa» esgrimiu com o «Ideal Alemão»"


Consta que o duelo terminou quando o "Ideal Alemão" (Antero) feriu a "Crítica Portuguesa" num braço. Assim, à primeira vista, dir-se-ia que, fazendo jus às respectivas tribos onomásticas, o Ideal compensava com superior desembaraço braçal a evidente inferioridade de aptidão na pena. Mas, na verdade, o que efectivamente se passou, estou eu, século e tanto depois, em condições de revelá-lo pela primeira vez: sucedeu que a Crítica, ainda mais sendo Portuguesa, incorreu no logro costumeiro de quem confronta o Ideal, sobretudo Alemão. Acreditou que toda aquela descomunalidade aérea que tinha à frente era uma cabeça e que, numa estocada rápida e cirúrgica, tudo terminaria, quiçá com um zorrino autógrafo na testa. O problema é que enquanto ele assim, debalde e espada, fustigava o vácuo enxertado no éter, o Atlas de ambos espetava-o de concreto numa asa. E eis aqui o paradoxo que a tantos escapa: aos comandos da Crítica segue muitas vezes o quixote que alveja a quimera fruto da sua própria Imaginação; mas a bordo do Ideal tripula quase sempre o símio faminto de flagelar o concreto. Não há duelo possível.


Um último detalhe assassino: sabem porque é que Antero de Quental se tornou uma espécie de mentor da "geração de 70"? Ele que era o mais tosco mental de todos, imagine-se...? O motivo coincide com as circunstâncias: parece que foi depois de ter viajado pela Europa e pela América. Acontece que por estas bandas, ontem como hoje, a fórmula mágica para a transcendência, que converte qualquer asno de letras numa eminência parva é feito disso: carimbos no passaporte. Andar lá fora é surgir impregnado daqueles super-poderes que só o estrangeiro possui e ao parolo endémico tanto deslumbram e obsidiam.

É por estas e por outras que Pessoa, a transbordar razão e sentido, chama provinciano a Eça. E, por osmose, à geração dele.


domingo, junho 12, 2011

A Tara Ancestral

Ora atentem vossências no belo naco de prosa que se segue...



«(...) Ou então repisar o conhecido assunto da sensaboria portuguesa, da melancolia nacional.
A este último assunto recusa-se porém a minha pena; a novíssima geração literária tem por tal forma fustigado a pátria, que eu começo a ter remorsos de contribuir para a flagelação.


Efectivamente parece-me que será difícil encontrar-se no mundo inteiro, no momento actual, um povo mais modesto do que o nosso. Esta é talvez uma reacção contra as tendências opostas de nossos pais e de nossos avós. Tanto tempo falámos nas nossas glórias, que hoje arrastamo-nos pelas ruas da amargura. Por ora não puzemos absolutamente em dúvida que descobrissemos um novo caminho para a Índia; mas, com os progressos da crítica histórica nacional, estou convencido que se há-de ter por assente que isso foi uma lenda aproveitada por Luís de Camões para a sua epopeia, como o caso dos Doze de Inglaterra. Ao que já se chegou incontestavelmente foi a apresentar esse facto como ilógico, fora das leis históricas. Está provado que fomos sempre um povo de idiotas; excluídos do movimento geral das ideias europeias, que nunca fizemos outra coisa senão rezar o terço e queimar judeus. Imaginar que esta nação imbecil fosse movida pelo sagrado ardor da curiosidade científica, supôr que esta população, narcotizada pelo beaterio, dobrasse, antes de todas as outras, o Cabo da Boa Esperança, colonizasse o Brasil, dominasse com a sua energia o Indostão, é tão absurdo como atribuir ao sacristão de Santa Isabel a descoberta das leis do pêndulo.



(...)


Eu odeio o chauvinisme; mas a mania oposta não me parece menos burlesca. Esta mania prende-se com a outra da decadência das raças latinas. Que somos inferiores às raças germânicas, é um facto adquirido para a ciência; que nós os portugueses somos os mais reles de todos os latinos, está-o a crítica pátria demonstrando. Respira-se aqui uma atmosfera assustadora de idiotismo; a raça portuguesa está definitivamente classificada entre os Hottentotes e os Tapúas. É desconsolador. Eu, num dia como o de hoje, sinistro, pesado, nevoento, britânico, em que espero ver aparecer o sol de galochas, sinto as tentações do suicídio. Que faço eu na terra? Sem ideias, sem aspirações artísticas, sem compreensão possível do belo, sentindo pesar sobre mim a fatalidade tradicional, que me condena ao idiotismo na minha qualidade de portugês, basbaque ocidental, alimentando a triste convicção de que ao pôr do sol, Febo ao despedir-se de mim, quando Febo se digna aparecer, me atira do seio das ondas um adeus birónico, e me chama Lusian slave, atordoado com estas descompusturas, que recebo em várias línguas, inclusivé e principalmente a língua portuguesa, não escapo à tentação do suicídio senão tomando a resolução heróica de me naturalizar japonês.




Porque enfim eu já me resigno a não ser europeu. Tanta honra não a mereço! Há no meu cérebro forçosamente uma conformação especial, que me inibe de me impregnar até na própria civilização neo-latina, que é uma civilização de pataco e arratel. Eu também li num livro recente que a inquisição na Espanha fôra uma arma política para conservar a paz interna dos Países-Baixos, ao passo que em Portugal fôra apenas o resultado de um fanatismo cego e estúpido. Eu podia objectar timidamente que, tendo sido a inquisição introduzida em espanha pelos reis católicos, havia uma ligeira dificuldade em ser arma política para conservar a paz dos Pasíses-Baixos, e era não possuírem os reis católicos nem uma polegada de terreno nos sobreditos Países-Baixos, e que além disso essa arma política, que só teria razão de ser no tempo de Filipe I, Carlos V, e Felipe II, era por tal forma ingénua que não só não conservou a paz interna, mas até mesmo foi uma das causas principais da revolta dos Países-Baixos.



Isto diria eu, se tivesse empenho em continuar a pertencer a uam nação que tem atrás de si sete séculos de perseverante idiotismo, e o vai aperfeiçoando sempre; mas, depois de reflectir maduramente, volto à minha primeira ideia, e persisto em naturalizar-me japonês.



Ser japonês! oh sonho! usar leque! Oh ventura! ser talvez daimio! Oh felicidade! obedecer ao mikado! Oh ideal!»




Leram? Pois então digam-me lá: quem o escreveu e, já agora, se não é pedir muito, em que circunstâncias? Mas mesmo que não estejais para aí virados, confessem lá: não é absolutamente actual?




sexta-feira, junho 10, 2011

O Desconcerto do Mundo














Os bons vi sempre passar

No mundo graves tormentos;

E, para mais me espantar,

Os maus vi sempre nadar

Em mar de contentamentos.

Cuidando alcançar assim

O bem tão mal ordenado,

Fui mau, mas fui castigado.

Assim que, só para mim

Anda o mundo concertado.


- Luís Vaz de Camões

quinta-feira, junho 09, 2011

O Nada Admirável Mundo Novo

Dois artigos, sobre a actual crise das hortaliças, que vale a pena ler...

a)






Amanhã, com mais tempo, vou tentar elucubrar sobre este assunto.

quarta-feira, junho 08, 2011

A bem da auto-estima

Quer melhorar a sua auto-estima? Nada mais simples: soterre-se vivo sob uma montanha de dívidas em cartões de crédito e similares. Parece que faz muito bem à psique. Pelo menos, é o que assegura um novo "estudo", daqueles científicos, levado a cabo por uns tipos quaisquer da Ohio State University.

Surpreendido? Não esteja. Afinal, as pessoas são como os países. Quanto maior a dívida, mais feliz e contente o sujeito. Pense na dívida dos Estados Unidos, esse portento da galáxia.
Quer outra demonstração exemplar?

Adam Levitin (eventualmente em levitação) foi dizer ao Congresso Americano que o Bank of America, o Citigroup, o JP Morgan e o Wells Fargo (ou seja, quase todos os maiores bancos americanos) estão em estado de perfeita insolvência.

Mas Bernanke, aquele indivíduo que preside à Reserva Federal, já veio dizer que não há problema. Afinal, à semelhança do país e respectivos indígenas, eles só estão a beneficiar a auto-estima. Não há crise. Pelo menos para os grandes países e os grandes bancos. Porque no que diz respeito às comuns pessoas, na cegada actual, fico para aqui a meditar nos efeitos surpreendentemente inebriantes e eufóricos da vaselina.

A ressaca das orgias

«A revolta popular contra o domínio estrangeiro e a revolta popular contra o domínio de revolucionários nacionais são, no fundo, da mesma origem, partem ambas do mesmo instinto - a tradição ferida, ou no seu conjunto patriótico, ou no seu hábito político e social. Digo mal, digo pouco: há entre as razões para os dois tipos de revolta uma identidade absoluta. Visto que existem revoluções, e visto que (como se viu) não existem revoluções nacionais, conclui-se que toda a revolução é um acto de desnacionalização, uma invasão estrangeira espiritual. E a história assim o confirma - quer no caso da Revolução Francesa, que foi uma intrusão de ideias inglesas, quer no estabelecimento dos vários constitucionalismos e repúblicas modernos, intrusão, nos vários países, de uma indistrinçável mixórdia anglo-francesa.


De modo que com verdade se pode dizer que não há revolta nacional que não seja contra o estrangeiro - quer ele seja o estrangeiro de fora, quer ele seja o estrangeiro de dentro.


E assim, como há verdade popular só nesses movimentos, a Democracia moderna, sobre ser provada falsa em toda a extensão dos seus princípios, queda provada também falsa em toda a extensão dos seus processos, que são os revolucionários.


Ser revolucionário é servir o inimigo. Ser liberal é odiar a pátria. A Democracia moderna é uma orgia de traidores.»

- Fernando Pessoa, "Páginas de Sociologia Política"



Isto do pensamento a crédito, das ideias por empréstimo, tem sempre o inconveniente dos juros, da dívida acumulada. É tal e qual como o consumo de bugigangas, luxúrias e pato-bravuras múltiplas. Cria, de charola com a viciação, a tóxico dependência. De tal modo que, a partir de certa altura, o junkie, mais que do vício, torna-se escravo do abastecedor. E entra na espiral dos tais empréstimos para pagar juros de empréstimos, das doses cada vez maiores para paliar as ressacas das doses anteriores.


O turista ideológico padece exactamente do mesmo circuito fechado. Hamsteriza-se a olhos vistos e passos largos. Descobre rapidamente que a revolução é sempre escassa, e tem que ser reformada, revista e restaurada mensalmente. Há sempre um défice de revolução em toda a parte. Porque, convenhamos, acima da pressuposição simples e cândida de homens-anjos, porfia-se, o mais industrialmente possível, pela transformação dos homens em anjos. Os homens, porém, recalcitram, demoram, tergiversam. Só pode ser porque a revolução não está a ser bem subministrada, a dose e a terapêutica não são as correctas, a receita tem que ser revista, os enfermeiros não dominam ainda a plenitude da técnica. Há que continuar a pesquisa, o ensaio, a experimentação. É gente sobremaneira metódica e científica. Tanto assim que, após fiascos acabados da democracia popular e em putrescência acelerada da democracia liberal, já se apontam ganas e aleives festivos à "democracia directa". Lá está, é a revolucionarite típica e convulsiva: o que conta não é o monte de bosta onde, mansamente, chafurdam. Não, é o adjectivo em forma de bandeirinha com que o coroam.


Há um detalhe apenas que conviria a todos estes estrangeirados militantes recordar... Prende-se com a democracia original e os atenienses seus inventores. Não se tratava apenas das mulheres, os escravos e os metecos não terem acesso nem ao voto nem a cargos políticos. Esse folclore, como tantos outros, já está mais que visto e revisto. O que convinha relembrar é o destino daqueles que não podiam pagar as dívidas contraídas: tornavam-se escravos dos credores.

terça-feira, junho 07, 2011

Punheta de bacalhau

«O estado mental do homem que crê na eficácia social directa das revoluções é exactamente o mesmo do do homem que crê na realidade dos milagres.»
- Fernando Pessoa




É o chamado "preconceito revolucionário", segundo o grande escritor português. Pois bem, entre nós,actualmente, a coisa voa ainda mais baixo: não é necessária uma revolução, basta um fulano. O milagre é assim, tanto mais retumbante: acredita-se, piamente, que pelo mesmo processo com que se guindou fulano, trampolina-se sicrano e tem-se uma revolução completa. Pior: na maior parte das vezes, os mesmos que levantaram fulano, alcandoram agora sicrano. E só não são exactamente os mesmos, porque eles próprios, a cada milagre que segregam, estão piores do que antes. Mais cínicos, mais vácuos, mais vis, mais inócuos, resignados e impotentes. Mais troca-tintas, em suma.



Mas é verdade que produzem um milagre. Só que é efémero. Dura pouco mais que um dia e uma noite. Tão meteoricamente como surge,às primeiras badaladas da realidade, a linda princesa retorna a sopeira, e a soberba carruagem, mai-los esplendorosos corceis, regressam à abóbora e ratinhos de sótão donde nunca deviam ter saído. Pela análise da pegada, quando não da chinela, o pagode taumaturgo descobre então em cada sicrano um novo fulano que urge remover com transida urgência. Andamos nisto há trinta e sete anos. Não há nisto, fora o sarcasmo, um milímetro de exagero. Tem sido exactamente assim.



Trata-se dum engano crónico? Não existe isso de "engano crónico". Um erro obstinado dessa natureza não é engano crónico: é vício. Parafilia, eventualmente. De que espécie?



Pois. Bela questão. Assim à primeira vista, o fenómeno como que recria a teogonia clássica: grávida do celeste fulano, que a monta desabridamente, a população desata em ânsias de parir um sicrano que a liberte. Mas isso é só à superfície, na fachada. Lá bem no fundo, a perversão é outra. Porque o povo eleitor, com toda a sua soberania de impotente, mantém com Fulano uma relação de facto, só que é ao espelho. Excita-se nele. Excita-se com ele (e consigo). É desse comércio onânico que germina e brota, de jacto, Sicrano. Não é, pois, nem filho do Céu, nem da Vontade popular. É do mero aleive, do vício. Por outras palavras: nem filho do pai nem da puta - apenas dum regime exclusivo e intensivo... de punheta.

domingo, junho 05, 2011

À espera do Milagre


De boas intenções está o inferno cheio... e o erário vazio. Quanto ao negócio da contrafacção de promessas é melhor nem falar.
De tanto o pagode obnubilado ir às urnas, lá vai o país à sepultura.
Atrás de flautistas não são homens que enfileiram.

O grande e tortuoso mistério: se aquele que conduziu o país à bancarrota é o menos capacitado para o retirar de lá, como é que o processo que o conduziu a esse cargo é o mais adequado para reverter o desastre?
Em palavras mais simples: Como é que a mesma cegada que nos transportou ao abismo é, ao mesmo tempo, a mais capacitada e clarividente para nos retirar de lá? Como é que com a mesma máquina de fabricar sapos queremos agora fabricar príncipes?
Somos mesmo, como dizia Fernando Pessoa, uns perfeitos bolchevistas militantes: uma espécie tardia e gora de cristãos sem Deus, mas com uma crença obsessiva e redobrada no milagre. Só que, ainda por cima, o milagre por obra exclusivamente humana. A Santidade ao alcance das massas. Uma classe toda ela santa e angélica... Santa imbecilidade!

E de modo a que não falte inspiração a mais um dia de fúnebre peregrinação gaiteira, aqui deixo uma reflexão extremamente apropriada:

«Nas sociedades tradicionalistas são talvez os Mortos que mandam; nas sociedades democráticas, porém, é a própria Morte.»
- Fernando Pessoa



quinta-feira, junho 02, 2011

De limpa-neves e em força!


Cessem do vígaro judeu e do cigano
as defraudações grandes que fizeram;
Cale-se de Madoff, Rothschild e Ponzi fulano
a fama das falcatruas que a esmo deram;
Que eu canto aqueles que venderam ao angolano
os limpa-neves e solários que bem entenderam
Cesse tudo o que a Bolsa rota e vafra canta
que outr'empresário mais subtil se desplanta.

terça-feira, maio 31, 2011

Xenomania Frenética

«Do Estado nada podemos esperar também, mas, aqui, por uma outra razão. O Estado não é português, o Estado não é decente, o Estado está, desde 1820, na posse de homens cuja obra é a essência da traição e da falência. Procurar o auxílio do Estado é tão absurdo como procurar influenciar os homens que o possuem. Não há neles uma centelha de boa vontade patriótica, nem de lucidez portuguesa. Vivem daquilo e nem vivem elegantemente. O esforço revolucionário para os deitar abaixo é um gasto espúrio de energia. Quem é que se lhes vai seguir? Não há em Portugal nenhum grupo ou partido, nenhuma reunião de homens duradoura ou ocasional capaz de gerir o país. O que há é péssimo, mas é o que há. Sidónio Pais era Sidónio Pais, e a sua regência foi célebre pela imoralidade, pela profusão de apadrinhamentos, pela prolixa desvergonha dos negócios escuros e nos crimes políticos. Quando esse homem, que tinha as qualidades místicas do chefe de nação, que tinha as qualidades de astúcia precisas para manejar os homens, e as energias para os compelir, não pôde, honesto como era, romper com a cercadura de ladrões que tinha, não pôde, leal como era, evitar estar cercado por traidores e bandidos, não pôde, nobre na coragem como era, evitar ser rodeado de assassinos e trauliteiros - que espécie de homem esperamos nós que virá, que faça a obra da regeneração?
(...)
Que ideias gerais temos? As que vamos buscar ao estrangeiro. Nem as vamos buscar aos movimentos filosóficos profundos do estrangeiro; vamos buscá-las à superfície, ao jornalismo de ideias.»

- Fernando Pessoa, "Sobre Portugal"

domingo, maio 29, 2011

Onanolepsia

Vamos lá ver... Países como a Grécia, a Irlanda, Portugal, etc, precisam de empréstimos de emergência ( a bem do sistema maravilhoso, porque, caso contrário, lá rebenta a bernarda) e são brindados com juros da ordem dos 5% (cito apenas o caso português, porque os outros parece que foi bem pior).
Não obstante, os queridos bancos pelintras e carentes, como o Goldman Sachs, entre vários outros do mesmo jaez, receberam bateladas de biliões ao enormíssimo juro de - cocheiros, contai! - 0,01%!! Pela porta dos solípedes.
Isto tem um nome muito pitoresco: subsídio. Puro e duro.
A Reserva Federal andou a subsidiar os grandes bancos.

Afinal, parece que o liberalismo, à semelhança do mano socialista, também se incompatibilizou com a realidade. Só funciona em modo onanoléptico, ou seja, nas cabecinhas de alho chocho dos seus devotos. Que, levados pela imaginação e pelo instinto, se agarram àquilo como certos caninos visionários às pernas das visitas.

Dodó...lar

«U.N. sees risk of crisis of confidence in dollar»

Tudo o que vier das bandas da ONU vale tanto como caca de galinha. A única coisa que isto pode significar é que urge reforçar duas medidas de emergência globais:
1. Porfiar no ataque cerrado ao Euro (essa ameaça feroz ao dólar);
2. Prosseguir na cruzada democrática pelo aumento de preço do petróleo, de modo a garantir o escoamento do dinheiro fals... digo, do dólar.

Traduzido por miúdos: Espanha, Itália, Bélgica, França, preparem-se para levar com as agências de ratinguice assanhadas. Síria e, em último caso, Irão, preparem-se para a visita duns misseizinhos avulsos.

sábado, maio 28, 2011

Massacre por uma Bagatela


O título diz tudo. Não é exactamente uma obra para ser levada muito a sério. Céline, aliás, explica-a sucintamente: "chatearam-me. Pois vou também eu chateá-los!..." E o facto é que chateou. Embora o que mais os chateie, aos fariseus, tartufos, medíocres e demais criadores de mofo de todas as épocas e de todas as academias, nem seja o "bagatelas", mas a "Viagem". Essa é que lhes ficou atravessada. Ficou e ficará.
Mas como eu também gosto é de chatear, aqui fica, em primeira mão (isto não basta querer, é preciso poder), um trecho inédito das "Bagatelles", um opúsculo que é um puro gozo, uma estreita hipérbole, mas que, convenhamos, tem a sua piada.
Prometido é devido. E vale mais tarde que nunca.


«(…) Ferdinant, estás transformado num fanático, num partidário ... mas previno-te, aviso-te, os judeus são muito inteligentes …. Acontece que em França lêem livros, documentam-se, têm canudo … armam-se com conhecimentos, ocupam agora todos os lugares, têm a polícia nas mãos, sabem tornar-se populares … de resto, são bons p`ró povinho, olha as 40 horas, são a sua coroa de glória … e depois as férias … vais fazer com que te prendam … com que te cortem às postas, sem dúvida ….

Quê? Inteligentes? … Insurjo-me. Eles são racistas, eles têm o ouro todo, eles apoderaram-se de todas as alavancas, eles estão colados a todos os comandos … é isto a sua inteligência? … Não há sítio em que não estejam! … Seguem admiravelmente a marcha do pelotão, eliminam, enojam, atormentam, cercam … tudo o que possa rivalizar … fazer-lhes a mínima sombra … é a sua cruzada contra nós, a cruzada para a morte … é esta a sua inteligência! … O bom pitéu, metem-no à bolsa … açambarcam, expulsam dum só golpe ou aos poucos tudo o que não é inteiramente judeu … sordidamente judeu … judengo … pro ydisch … seca de judeu … É a magistral técnica do cuco … Para dizer tudo, para ilustrar bem as coisas, se Einstein não fosse judeu, se Bergson não fosse mestiço, se Proust fosse apenas Bretão, se Freud não tivesse a marca distintiva … não se falaria muito nem duns nem doutros … Não seriam estes génios que fazem com que o sol se erga! … Posso garantir-te … A mínima manifestação de descontentamento do judeu é um estrépito! Nos nossos dias, meu amigo, uma revelação instantaneamente admirável! Pelo efeito automático da maquinaria judaica mundial … Milhões de cascavéis que se agitam … monta-se nesta pobre bufa como num milagre! E a galope! Quer seja pintura de Cézanne, Modi, Picasso e todos os outros … Filmes do Senhor Benhur, música de Tartinowsky, de repente tudo se torna um acontecimento … o enorme preconceito favorável, mundial, precede, preludia, toda a intenção judaica …. judeus, todos os críticos do universo, todos os cenáculos … todas as informações! … Ao menor rumor, ao menor sussurro de produção judenga, todas as agências judaicas do mundo se põem a escarrar os raios do Trovão … e a publicidade acusada de racismo contra os judeus ecoa maravilhosamente … Todas as trombetas tiram a rolha, de um extremo ao outro dos continentes, saúdam, entoam, estilhaçam, lamuriam o maravilhoso Hosana! Ao sublime enviado do céu! Obviamente um judeu, incomparável na paleta! No écran! Na rabeca! Na política! Infinitamente mais genial! Mais inovador, sem contestação, do que todos os génios do passado (evidentemente todos Arianos). A epilepsia apodera-se dos goymes grotescos, como uma tromba de água. Eles aclamam em coro estes cucos. Atacam violentamente no coro, com toda a força da sua estupidez. Rebentam com tudo! … O triunfo do novo ídolo judeu! … Para os satisfazer basta que se lhes ofereça um pouco de merda judaica para chafurdarem … contentam-se com pouco … perderam todo o instinto … já não sabem distinguir o morto do vivo … “o orgânico” do superficial, o papelão do sumo puro, o falso do autêntico, a patranha de preferência à verdade … eles já não sabem nada … mamaram demasiado lixo, desde há muitos séculos e eras, para poderem perceber o autêntico … regalam-se com falsidades … confundem a lixívia com água pura … e acham-na bem melhor! Infinitamente superior. Estão em sintonia com a impostura. Evidentemente, a consequência é infelicidade, bordel! Todo o indígena que dê nas vistas por um qualquer dom original, por uma cantilena própria … uma pequeníssima tentativa! Torna-se logo suspeito, detestado, completamente maldito pelos seus irmãos de raça. É a lei dos países conquistados que nada em tempo algum deverá sacudir do seu torpor de horda escrava … Tudo deverá cair rapidamente … em ruminações de ébrios … São eles, os irmãos de raça, que se encarregam encarniçadamente da obstrução metódica, da difamação, da asfixia. A partir do momento em que um indígena se revela … os outros da mesma raça insurgem-se, o linchamento não anda longe … Na prisa, as sevícias mais asquerosas são infligidas pelos próprios forçados … Entre si … mil vezes mais cruéis que o carcereiro mais atroz …

Os irmãos de raça estão bem amestrados … Para o alcoólico, a água pura é um veneno. Odeia-a com todas as forças … não a quer ver à mesa … ele quer bosta engarrafada … em filmes, em livros, em tiradas, em canções de amor, em mijo … Só compreende o Judeu … tudo o que sai do esgoto judeu … regala-se com isso, pasma-se com isso … e nada mais! Os Arianos, sobretudo os franceses, já não existem, já não vivem, já não respiram, senão sob o signo da inveja, do ódio mútuo e total, da maledicência absoluta, fanática, máxima, do mexerico furioso, mesquinho, da bisbilhotice delirante, da alienação maldizente, do julgamento cada vez mais baixo, campónio, obstinado, vil e desprezível … completos escravos, agentes de provocação entusiásticos, carneiros, falsos como judas, cretinos de permanência e de taberna, admiravelmente adestrados pela polícia judaica, as delegações do grande poder judeu … Já não há qualquer sentido racial de entre-ajuda. Qualquer mística comum. Os judeus nadam adoravelmente neste mijo … Esta enorme e permanente velhacaria, esta traição mútua de todos contra todos, encanta-os e preenche-os … a colonização torna-se uma fonte de riqueza. Sobre esta venalidade mesquinha, absoluta, da costela campónia dos franceses, os judeus regalam-se, exploram, agiotam às mil maravilhas … atiram-se a este cadáver em decomposição abracadabrante como a hiena à tripa podre … Esta podridão é uma festa, o seu elemento providencial. Eles só triunfam na gangrena total.»

- Céline, "Bagatelles pour un massacre"


A Vingança do Chinês

É um pássaro? É um avião? Não, é... é a Super-China!...

«China to buy Portuguese bailout bonds. Euro ralies.»

Os américas devem estar capazes de morder tapetes.

quinta-feira, maio 26, 2011

Impagável

«O economista Medina Carreira considerou hoje que a economia portuguesa «não vai crescer o suficiente para que Portugal possa cumprir o exigido pela troika» e sublinhou que não ficará surpreendido se a dívida pública tiver de ser renegociada.»

Só não vê quem não quer. Ou por desonestidade simples ou estupidez agravada.
Analogicamente falando, o momento actual equivale a uns tipos que decepam as pernas a outro e depois pretendem estancar-lhe a hemorragia aplicando-lhe um torniquete pelos joelhos.
No fundo, partem dum misto de presunção e fantasia: a de que as pernas dos países se regeneram à maneira das caudas dos répteis.

Divinas marquises

«A mocidade de hoje viu, além disso, que os libertários, os socialistas, os democratas a arder em amor pelo povo, acabavam na concussão e no peculato, no uso, nas suas relações com o povo, da polícia e do exército. E, como esta experiência é a última, a mocidade de hoje lembrou-se de concluir que a realidade vale mais que as boas intenções, que é inútil pregar boas doutrinas se apenas as más podem vingar. |Mais vale, pensaram eles, que se defendam, desde logo, as doutrinas antipáticas. Por mim, acho preferível defender, como algum dia farei, com a devida argumentação sociológica, que é legítimo que os políticos roubem e espoliem o povo, do que roubar e espoliar o povo chamando a essa atitude "governo popular", "democracia", "liberdade" e outras cousas assim.
O amor à verdade substitui, na mocidade de hoje, o amor à mentira, ainda que generosamente encarado, que caracterizava a mocidade de ontem e de antes de ontem. De nada serve servir a mentira, por generosidade que seja. O anarquismo, o socialismo, o democratismo - todo esse lixo de coisas simpáticas que se esquecem de que teorizam para a humanidade de carne e osso - foram divinizações da mentira. E foram essa cousa a que Carlyle chama a pior espécie de mentira - a mentira que se julga verdade. Não foram o erro, que é admissível. Qualquer um erra. Mas não todos mentem inconscientemente.»

- Fernando Pessoa, "Páginas de Sociologia Política"

Quando todos mentem inconscientemente, todos des-São, se assim posso dizer. Este Des-Ser resulta, por exemplo, na actual Descida colectiva. Ao abismo.

terça-feira, maio 24, 2011

Quem pode não deve



Em todo o caso, convém recordar que o Paraíso Terreal não está exactamente - em mera questão de finanças estatais - muito melhor que nós. Os tipos pedem emprestado à media de 125 biliões/mês. A quem? Bela questão. Parece que funciona mais ou menos assim: pedem à Reserva federal. Esta vai na máquina de imprimir notas que tem na cave, imprime mais uns biliões, emite títulos, e já está. Distribui o guito pelos do costume e vende os títulos aos chineses. E tiveram estes gajos o descaramento de prender o Madoff, imaginem só!...
Em resumo, parece que com o liberalismo também não vamos lá.

segunda-feira, maio 23, 2011

Questões prementes

Existem duas questões prementes neste momento em Portugal: uma de higiene e outra de política. A primeira resolve-se com a remoção do actual Primeiro-ministro mais a respectiva associação de malfeitores. A segunda vai permanecer irresolúvel até que a necessidade force a remoção do actual regime. Porque longe de resolver-se com qualquer eleição alternativa ao actual escroque entronizado, vai agravar-se à medida que o tempo passa. Cada hora, cada dia, cada mês representarão mais um degrau na descida ao - ia para dizer vórtice, mas é mais ralo garantido. É só calcular os juros e multiplicar pelo índice crescente e consecutivo de recessão.
Por um lado, isto é trágico. Por outro, não deixa de ser justo e merecido: um povo e um país que deram em patos bravos só andaram a pedi-las este tempo todo. E se os políticos foram a trampa que se reconhece e proclama, o povinho não andou melhor. Que pare de armar ao sonso e à vítima profissional e adquira urgentemente um mínimo de vértebra e testículo. Caso contrário, Ibéria aí vamos nós!...
Bem digo eu que a substituir o lema "orgulhosamente sós" improvisaram à pressão o "alguém que tome conta de nós". E se não forem os espanhóis, hão-de ser, por algum desígnio ou vocação súbitos, os brasileiros ou, cereja no topo do monturo, os angolanos.