domingo, junho 12, 2011

A Tara Ancestral

Ora atentem vossências no belo naco de prosa que se segue...



«(...) Ou então repisar o conhecido assunto da sensaboria portuguesa, da melancolia nacional.
A este último assunto recusa-se porém a minha pena; a novíssima geração literária tem por tal forma fustigado a pátria, que eu começo a ter remorsos de contribuir para a flagelação.


Efectivamente parece-me que será difícil encontrar-se no mundo inteiro, no momento actual, um povo mais modesto do que o nosso. Esta é talvez uma reacção contra as tendências opostas de nossos pais e de nossos avós. Tanto tempo falámos nas nossas glórias, que hoje arrastamo-nos pelas ruas da amargura. Por ora não puzemos absolutamente em dúvida que descobrissemos um novo caminho para a Índia; mas, com os progressos da crítica histórica nacional, estou convencido que se há-de ter por assente que isso foi uma lenda aproveitada por Luís de Camões para a sua epopeia, como o caso dos Doze de Inglaterra. Ao que já se chegou incontestavelmente foi a apresentar esse facto como ilógico, fora das leis históricas. Está provado que fomos sempre um povo de idiotas; excluídos do movimento geral das ideias europeias, que nunca fizemos outra coisa senão rezar o terço e queimar judeus. Imaginar que esta nação imbecil fosse movida pelo sagrado ardor da curiosidade científica, supôr que esta população, narcotizada pelo beaterio, dobrasse, antes de todas as outras, o Cabo da Boa Esperança, colonizasse o Brasil, dominasse com a sua energia o Indostão, é tão absurdo como atribuir ao sacristão de Santa Isabel a descoberta das leis do pêndulo.



(...)


Eu odeio o chauvinisme; mas a mania oposta não me parece menos burlesca. Esta mania prende-se com a outra da decadência das raças latinas. Que somos inferiores às raças germânicas, é um facto adquirido para a ciência; que nós os portugueses somos os mais reles de todos os latinos, está-o a crítica pátria demonstrando. Respira-se aqui uma atmosfera assustadora de idiotismo; a raça portuguesa está definitivamente classificada entre os Hottentotes e os Tapúas. É desconsolador. Eu, num dia como o de hoje, sinistro, pesado, nevoento, britânico, em que espero ver aparecer o sol de galochas, sinto as tentações do suicídio. Que faço eu na terra? Sem ideias, sem aspirações artísticas, sem compreensão possível do belo, sentindo pesar sobre mim a fatalidade tradicional, que me condena ao idiotismo na minha qualidade de portugês, basbaque ocidental, alimentando a triste convicção de que ao pôr do sol, Febo ao despedir-se de mim, quando Febo se digna aparecer, me atira do seio das ondas um adeus birónico, e me chama Lusian slave, atordoado com estas descompusturas, que recebo em várias línguas, inclusivé e principalmente a língua portuguesa, não escapo à tentação do suicídio senão tomando a resolução heróica de me naturalizar japonês.




Porque enfim eu já me resigno a não ser europeu. Tanta honra não a mereço! Há no meu cérebro forçosamente uma conformação especial, que me inibe de me impregnar até na própria civilização neo-latina, que é uma civilização de pataco e arratel. Eu também li num livro recente que a inquisição na Espanha fôra uma arma política para conservar a paz interna dos Países-Baixos, ao passo que em Portugal fôra apenas o resultado de um fanatismo cego e estúpido. Eu podia objectar timidamente que, tendo sido a inquisição introduzida em espanha pelos reis católicos, havia uma ligeira dificuldade em ser arma política para conservar a paz dos Pasíses-Baixos, e era não possuírem os reis católicos nem uma polegada de terreno nos sobreditos Países-Baixos, e que além disso essa arma política, que só teria razão de ser no tempo de Filipe I, Carlos V, e Felipe II, era por tal forma ingénua que não só não conservou a paz interna, mas até mesmo foi uma das causas principais da revolta dos Países-Baixos.



Isto diria eu, se tivesse empenho em continuar a pertencer a uam nação que tem atrás de si sete séculos de perseverante idiotismo, e o vai aperfeiçoando sempre; mas, depois de reflectir maduramente, volto à minha primeira ideia, e persisto em naturalizar-me japonês.



Ser japonês! oh sonho! usar leque! Oh ventura! ser talvez daimio! Oh felicidade! obedecer ao mikado! Oh ideal!»




Leram? Pois então digam-me lá: quem o escreveu e, já agora, se não é pedir muito, em que circunstâncias? Mas mesmo que não estejais para aí virados, confessem lá: não é absolutamente actual?




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