«A mocidade de hoje viu, além disso, que os libertários, os socialistas, os democratas a arder em amor pelo povo, acabavam na concussão e no peculato, no uso, nas suas relações com o povo, da polícia e do exército. E, como esta experiência é a última, a mocidade de hoje lembrou-se de concluir que a realidade vale mais que as boas intenções, que é inútil pregar boas doutrinas se apenas as más podem vingar. |Mais vale, pensaram eles, que se defendam, desde logo, as doutrinas antipáticas. Por mim, acho preferível defender, como algum dia farei, com a devida argumentação sociológica, que é legítimo que os políticos roubem e espoliem o povo, do que roubar e espoliar o povo chamando a essa atitude "governo popular", "democracia", "liberdade" e outras cousas assim.
O amor à verdade substitui, na mocidade de hoje, o amor à mentira, ainda que generosamente encarado, que caracterizava a mocidade de ontem e de antes de ontem. De nada serve servir a mentira, por generosidade que seja. O anarquismo, o socialismo, o democratismo - todo esse lixo de coisas simpáticas que se esquecem de que teorizam para a humanidade de carne e osso - foram divinizações da mentira. E foram essa cousa a que Carlyle chama a pior espécie de mentira - a mentira que se julga verdade. Não foram o erro, que é admissível. Qualquer um erra. Mas não todos mentem inconscientemente.»
- Fernando Pessoa, "Páginas de Sociologia Política"
Quando todos mentem inconscientemente, todos des-São, se assim posso dizer. Este Des-Ser resulta, por exemplo, na actual Descida colectiva. Ao abismo.
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