quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Ironia Divina


Se Deus tivesse um plano, então Deus não seria livre. Pior: se Deus tivesse um plano, adquiria a estranha e fatal tendência para tornar-se supérfluo. Quem diz um plano, diz uma ideologia, uma religião.
De todas as violências de que o homem é capaz - e são muitas, incontáveis, inesgotáveis - nenhuma supera aquela que consiste em impor um plano a Deus. É impor-lhe deveres, tarefas, obrigações. A limite, é impor ao Criador que seja criado da criatura. Baby-sitter. Por decreto duma assembleia de vermes, um Deus de vigília aos porquinhos. A escutar, com paciência transcendente, as suas bacoradas, os seus grunhidos e resfôlegos de volúpia no chiqueiro. Um divino despromovido a responsável máximo da pocilga. Ama seca de chucha e biberão ao domicílio. A ter que dar colo a uma espécie particularmente mimada, mal educada e ranhosa. Sim, porque - é garantido, até está escrito - Deus tem um plano. Um plano inescrutável, mas infalível, para transformar o toucinho em espírito, a cerda em asa e os suínos em doutores. Vai demorar uma Eternidade, mas não falha. Em resumo, um Deus de trazer por casa e por causa. Um Deus ancorado a um monte de bosta. Mas que puta de mentalidade é esta, meus irmãos?
Ah, mas obstar-me-ão os "práticos" do quartel, Deus, precisamente porque é absolutamente livre podia optar por ter um plano, ou seja, podia escolher não ser livre. Tornando-se, concomitantemente, escravo duma espécie, classe, clube, seita ou mero grupo excursionista. Estremeço perante tão portentoso argumento. Experimento vertigens e suores frios. Quase me prostro aterrado. A explicação das putativas bizarrias de Deus é exactamente igual à dos impotentes assalariados do nosso tempo. Têm toda a liberdade do mundo para serem escravos de tudo e mais alguma coisa - desde as vísceras às bugigangas e gadjets imarcescíveis.
A verdade é que aqueles que fizeram de Deus criado do Homem agora surpreendem-se e persignam-se muito quando o burguês, todo ele a escorrer protagonismo e desembaraço, prescinde dos serviços ambos. Mas era fatal: Deslocalizou a fábrica do Universo e mandou-os aos dois, ao Pai e ao Filho, para o desemprego.
E o mais irónico –vingança nitidamente divina, na vertente genuína do termo – é que quando a burguesia, nos seus diversos avatares –maçónicos, esquerdalhos, ateístas, liberdadeiros, libertadários – desata às patadas à Santa Madre Igreja mais não reflecte que uma singular e travestida complexidade edipiana: a do pequeno asno que, mal se apanha fora da matriz, desata aos coices na mãe ruça. E, tudo leva a crer, escoicinha a mãe, porque desconhece, desde sempre e para toda a eternidade, o paradeiro e a identidade do pai.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Nem há moralidade, nem comemos todos

Recebido por email (suponho que se trata dum artigo de jornal):

«APESAR de ter apenas 50 anos de idade e de gozar de plena saúde, o socialista Vasco Franco, número dois do PS na Câmara de Lisboa durante as presidências de Jorge Sampaio e de João Soares, está já reformado.
A pensão mensal que lhe foi atribuída ascende a 3.035 euros (608 contos), um valor bastante acima do seu vencimento como vereador.A generosidade estatal decorre da categoria com que foi aposentado - técnico superior de 1ª classe, segundo o «Diário da República» - apesar de as suas habilitações literárias se ficarem pelo antigo Curso Geral do Comércio, equivalente ao actual 9º ano de escolaridade.
A contagem do tempo de serviço de Vasco Franco é outro privilégio raro, num país que pondera elevar a idade de reforma para os 68 anos, para evitar a ruptura da Segurança Social.
O dirigente socialista entrou para os quadros do Ministério da Administração Interna em 1972, e dos 30 anos passados só ali cumpriu sete de dedicação exclusiva; três foram para o serviço militar e os restantes 20 na vereação da Câmara de Lisboa, doze dos quais a tempo inteiro. Vasco Franco diz que é tudo legal e que a lei o autoriza a contar a dobrar 10 dos 12 anos como vereador a tempo inteiro.Triplicar o salário. Já depois de ter entregue o pedido de reforma, Vasco Franco foi convidado para administrador da Sanest, com um ordenado líquido de 4000 euros mensais (800 contos). Trata-se de uma sociedade de capitais públicos, comparticipada pelas Câmaras da Amadora, Cascais, Oeiras e Sintra e pela empresa Águas de Portugal, que gere o sistema de saneamento da Costa do Estoril. O convite partiu do reeleito presidente da Câmara da Amadora, Joaquim Raposo, cuja mulher é secretária de Vasco Franco na Câmara de Lisboa. O contrato, iniciado em Abril, vigora por um período de 18 meses.
A acumulação de vencimentos foi autorizada pelo Governo mas, nos termos do acordo, o salário de administrador é reduzido em 50% - para 2000 euros - a partir de Julho, mês em que se inicia a reforma, disse ao EXPRESSO Vasco Franco.
Não se ficam, no entanto, por aqui os contributos da fazenda pública para o bolo salarial do dirigente socialista reformado. A somar aos mais de 5000 euros da reforma e do lugar de administrador, Vasco Franco recebe ainda mais 900 euros de outra reforma, por ter sido ferido em combate em Moçambique já depois do 25 de Abril (????????), e cerca de 250 euros em senhas de presença pela actuação como vereador sem pelouro.
Contas feitas, o novo reformado triplicou o salário que auferia no activo, ganhando agora mais de 1200 contos limpos. Além de carro, motorista, secretária, assessores e telemóvel.
»
Tiago Carneiro

Será isto verdade?
Bem, mesmo que seja, nem me atrevo a criticar uma coisa destas, porque, senão, chamam-me invejoso.
Apenas me ocorre um singelo reparo: ao contrário do que fantasia a Constituição fabulosa que serve de tótem-bibelot a esta nossa república de Bananas, os cidadãos não são iguais nem perante a lei, nem, ainda menos, perante o erário. Ou não funcionassem os úberes deste em hermético regime de coutada. De cripto-condómino, quase apetece dizer. Aliás, digo mesmo.
E faço votos para que, ao menos, o feliz contemplado saiba gastar condignamente os proventos tão habilmente agenciados. E que, assim, depois de ir à Câmara, à República e à Democracia, vá agora, que está em boa idade disso, às putas. Às de carne e osso, às avulsas. Isto, claro está, presumindo duas condicionantes óbvias:
1. Que, por um lado, aproveita a embalagem e a vasta experiência adquirida com as institucionais;
2. Que, por outro, já está enjoado do orifício anal dos cidadãos.
Mas devo confessar que estou um bocado céptico em relação a ambas.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Vésperas Sicilianas

«Voltando à Grande Guerra, são muito poucos os sinais de que o povo americano, perante um adversário de igual poder e com as mãos livres, pudesse dar boa conta de si próprio. O papel americano nesse grande conflito ficou marcado pela poltronaria de forma quase tão conspícua como pela velhacaria. Façamos então uma breve análise do comportamento da nação. Durante os primeiros meses, a nação assistiu ao conflito de forma indolente e basbaque, como boi a olhar para palácio. De seguida, vislumbrando oportunidade para lucrar, dedicou-se com súbita alacridade ao sinistro ofício de Kriegslieferant*. Estando um dos beligerantes impedido de comprar, pelas vicissitudes da guerra, a nação empenhou todas as suas energias, durante dois anos, no abastecimento do outro, desenvolvendo em simultâneo todos os esforços para abrigar o seu cliente sob o manto da neutralidade, o que lhe permitia gozar todos os privilégios desse estatuto enquanto se aplicava diligentemente na promoção da guerra. No plano oficial, esta neutralidade constituiu uma fraude desde o início, como pode ser comprovado pelas declarações do Sr. Tumulty. Para grande parte da população, esta mentira ficou cada vez mais clara à medida que se acumulavam as dívidas do cliente beligerante, tornando-se cada vez mais evidente que essas dívidas - facto voluntariamente reconhecido pelos seus partidários - nunca seriam saldadas em caso de derrota. Por fim, a ajuda clandestina transformou-se em ajuda expressa. E sob que heróicas condições! Resumindo, uma nação de 65 milhões de habitantes, sem verdadeiros aliados, que chegara ao fim de dois anos e meio de uma luta homérica inflingindo uma derrota total a um país inimigo de 135 milhões de habitantes e a dois países mais pequenos totalizando mais de 10 milhões de habitantes, confrontou-se depois com uma aliança de, pelo menos, 140 milhões. Foi sobre este adversário esgotado pela sangria da guerra que se lançou uma república de 100 milhões de homens livres, fixando assim as hipóteses em quatro para um. E ao fim de mais uma ano e meio de conflito, a nação emergiu triunfante: honrosa vitória, sem dúvida!
Não será necessário recordar as impressionantes e inauditas torpezas que acompanharam este gloriosos empreendimento, desde o colossal desperdício de dinheiros públicos, a bárbara perseguição de todos os que se opuseram à guerra e a criticaram, a forma como a força de trabalho foi subornada, a diabolização insana do inimigo, a fabricação de notícias falsas, a vil pilhagem a que se sujeitaram os civis da nacionalidade do inimigo, a ininterrupta caça aos espiões, o lançamento de títulos de dívida pública através de um processo de chantagem, a manipulação da Cruz vermelha para fins partidários, até à renúncia a qualquer espécie de dignidade, decência e respeito próprio. Estes factos devem ser lembrados com vergonha por todos os americanos civilizados e, para que não sejam esquecidos pelas gerações vindouras, estou a trabalhar, com a ajuda de vários colaboradores, num registo exaustivo dos mesmos em vinte volumes in-fólio. Por agora, interessa-me reter dois factos essenciais que não devem ser negligenciados: o primeiro é que a guerra foi "vendida" ao povo americano, segundo a expressão consagrada, apelando não à sua coragem, mas antes à sua cobardia; resumindo, partindo do pressuposto que os americanos não eram nem belicosos nem, muito menos, bravos e lutadores, mas simplesmente tíbios e medrosos. O primeiro argumento dos que quiseram vender a guerra aos americanos assentava na premissa de que os alemães, empenhados ainda em combates devastadores am ambas as frentes, se preparavam para invadir os Estados Unidos, queimar tudo à sua passagem, matar todos os homens e levar todas as mulheres; a vitória alemã teria ainda como consequência represálias terríveis pela violação da neutralidade por parte dos Estados Unidos. O segundo argumento tinha por sustentação a ideia de que a entrada dos Estados Unidos a guerra poria fim quase instantâneo a esta, pois os alemães seriam de tal modo suplantados, em homens e armamento, que não teriam nem possibilidade de se defenderem eficazmente nem, sobretudo, de inflingirem qualquer dano grave ao seu novo inimigo. Nenhum destes argumentos, sejamos claros, tinha por pressuposto qualquer fé na destreza guerreira e na coragem do povo americano, enraizando-se antes na teoria confessa de que a única maneira de convencer as massas a lutar é assustá-las de morte e depois mostrar-lhes um meio de combater sem grandes riscos: cravar um punhal nas costas de um adversário impotente, tudo isto reforçado e suavizado ao mesmo tempo pela sugestão de que tão nobre tarefa, para além de não acarretar riscos, seria ainda extremamente lucrativa ao converter cobranças duvidosas em pagamentos certos e ao eliminar para sempre um diligente e temível concorrente comercial, sobretudo na América Latina.»

- H.L. Mencken, "On Being an American in Prejudices" (trad. port. da Antígona)

(*- Fornecedor de material de guerra)


Qualquer semelhança com a actualidade é pura coincidência. E não adianta alertar as gerações vindouras, ó Mencken. A amnésia foi instituída. E a repetição exaustiva tornou-se a única forma autorizada de correcção. Especialmente, em se tratando dos grandes erros - aqueles particularmente sórdidos e sangrentos.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Transbordos abruptos

«Explosão de MacDonalds foi acto vandalista», diz a procuradoria-geral de São Petersburgo.

Vandalismo é que não, tenham lá santa paciência! Está na cara que se trata apenas de mais um episódio na guerra comercial entre seitas genocidas rivais. É como vos digo: dum lado, os que querem matar pessoas através do envenenamento metódico; do outro, os partidários da matança através do bombismo avulso e indiscriminado. Duas escolas visceralmente antagónicas quanto ao modus operandi, agravado com a perseguição feroz da mesma quota de mercado... Paradoxalmente, os da Comida-Rápida (dita fast-food) querem matar em câmara lenta; enquanto os da civilização lenta anseiam por despachar com a maior rapidez. Às tantas, o cliente é que já não sabe a quantas anda: à deriva num universo filho dum Big-bang, entra para se suicidar com um Big-Mac e sai, abreviado, a galope num Big-BOOM!!... Quer dizer, julga que embarca no "Pára-em-todas" e afinal apanha o TGV.

domingo, fevereiro 18, 2007

As invasões barbies

Segundo o JN, o "emprego em Portugal crescerá cinco vez menos do que em Espanha".

Não me surpreende. Suspeito que tem a ver com "políticas estratégicas". Em Espanha - baldio ancestral que devíamos invadir e explorar, não me canso de dizer -, por incrível que pareça, existe uma estratégia de "criação de emprego". Em Portugal, pelo contrário, impera uma multiplicidade estridente de esquemas, engenharias estatísticas, teses e expedientes, quase todos peregrinos, de combate ao desemprego. Quer dizer, enquanto em Espanha a preocupação fulcral é criar emprego, em Portugal o desígnio capitoso é dar cabo do desemprego.
O resto deriva por analogia. Senão, reparem: assim como a direita barbie confunde "criar riqueza" com "criar ricos", também a esquerda barbie (passe o pleonasmo), sempre a reboque das suas ideias efervescentes e ultra-pasteurizadas, baralha "dar cabo do desemprego" com "dar cabo - literalmente - dos desempregados". Para este digníssimo efeito, e num afã onde os imperativos da agenda absorvem os da realidade, tem vindo a concentrar-se em dois tipos de medidas campeãs, qualquer delas a pingar de exuberante: extermínio e deportação. Nem mais. No primeiro caso, evitando que os desempregados se reproduzam - o que diligencia através, entre outras, duma campanha particularmente buliçosa, subsidiada e festiva de incitamento ao embriocídio sumário, por parte das desempregadas, esposas, noivas ou namoradas de desempregados e mal vestidos (ou relacionados) em geral. No segundo, através da promoção metódica, sistemática e categórica à emigração forçada dos Sem emprego. Nomeadamente para Espanha. Onde, como é bem de ver, os vuestros hermanos, encantados da vida, matam dois coelhos duma cajadada só: com o nosso desemprego desenvolvem novos empregos; através dos novos-empregados criam novos ricos - tudo isto a um ritmo e razão proporcionais ao nosso êxodo.
Sim, eu sei, seria o melhor dos mundos, não fora um problemazinho recalcitrante - deste governo, como dos anteriores: é que produzem novos-desempregados a uma velocidade e quantidade superiores à daquelas com que exterminam, esterilizam e expulsam os antigos. Se a ideia, depois de vender o país, é vender ou alugar os seus habitantes, ao menos tratem de controlar a produção e não exportar à maluca, o que só barateia o produto e nos coloca, fatalmente, ao preço da uva mijona.
Das três, uma: ou é da pulhice, ou do absurdo, ou da incompetência. Mas que é uma tirania, é.


PS: A minha ideia era que os invadíssemos para fazermos deles nossos escravos. Mas debalde prego. Porque, em nome do progresso, da modernidade e da mercearia mental, a ideia que prevalece é a de os invadirmos para sermos escravos deles. E, assim, dessa forma indigente, em vez de tomarmos posse do baldio, tornamo-nos, isso sim, baldios dele.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

O Peculato, essa virtude moderna

«Fontão mantém-se no cargo apesar de acusado de peculato».

Inquirido sobre mais este caso embaraçoso, o actual Presidente da Câmara de Lisboa explicou que mantinha a confiança no acusado e mais disse que se todos os autarcas acusados de peculato (ou, presumo eu, passíveis de tal) se demitissem, a administração local parava. Entrava em colapso.
Falando com franqueza, considero que o senhor presidente da Câmara está coberto de razão. Ele e todos os autarcas deste país, certamente solidários com as suas sábias palavras, sobretudo os arguidos em estapafúrdios processos criminais. Vou mesmo mais longe: não só soçobrava a administração local, como a administração pública em geral. Pública, semi-pública e até parte considerável da privada.
Significa isto que a desonestidade da classe dirigente desta república leguminosa é infestante e pimpona? Nem pensar. Só os invejosos, ressabiados, provincianos e atrasados nas listas de espera podem raciocinar assim. Na verdade, o fenómeno em causa revela apenas uma idiossincrasia entranhada e traduz simplesmente um anacronismo gritante, uma desajustamento grosseiro do Código Penal à realidade dos valores, morais e costumes dos cidadãos dignitários actuais e potenciais. Ou seja, é perfeitamente compreensível que, num regime de peculatocracia, os dignitários peculatem - e peculatem com quantas forças e poderes têm (peculatem, aforrem, entesourem, amealhem, cabedalizem, abafem, concussionem e por aí fora -afinal, foi para isso que se candidataram e foram eleitos) -, o que não é compreensível, e brada ao escândalo, é que os tribunais e os códigos legais os persigam e importunem nessa sua justa, preclara e álacre colheita.
Há toda uma diferença entre o cidadão eleito, sufragado e o cidadão eleitor, sufragante. A partir do momento em que qualquer cidadão, após trabalheiras, esquemas e labirintos vários, consegue ascender de sufragante a sufragado, de eleitor a eleito, é mais que natural que adquira prerrogativas e privilégios não só peculiares como merecidamente galardoantes. O direito pleno ao rápido enriquecimento, por exemplo, é um deles. Decerto não vamos querer borrabotas e pés-rapados a representar-nos nos diversos cargos de responsabilidade e decisão da república. Para isso já bastamos nós.
Por conseguinte, acreditem: aceitar que eles não tivessem plenos direitos a enfaustarem-se e a locupletarem-se pela medida grande seria o mesmo que exigir à lotaria que não sorteasse prémios chorudos.
E já que o Código Penal não nos corrige, corrijamos nós o Código Penal. Que, como acabo de demonstrar, bem precisa.
Recapitulando: qualquer crime, desde que praticado pela generalidade das elites e consentido ou invejado pela maioria da poopulação activa, transforma-se automaticamente em virtude. Se isto não é o Bê-A-Bá do Direito, eu não me chame César Augusto de Aragão. Quem não tiver amor à (boa) vida, que me contradiga.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Os Grandes Problemas da Humanidade


Em 04 de Maio do Ano da Graça de 2004, o Dragoscópio, este local nefasto e hediondo, publicava o postal que se segue. Chamo a atenção para a "Agenda Progressista" que nele se vaticinava... E por favor não julguem que disponho de quaisquer dotes oraculares. Trata-se apenas da previsibilidade - mais que óbvia, parola e otusa - da imbecilidade militante. E globe-trotter.
....//....

A fazer fé no meteorismo mediático, que a todas as horas ribomba e nos azucrina as orelhas, os grandes problemas da humanidade para o próximo milénio, pelo menos, resumem-se, se tanto, a meia dúzia. É uma lista pequena mas premente: diariamente, são feitas homilias, telejornais, e o espírito ruminante da manada é atafulhado com essa palha noticiosa. Ou melhor, é uma espécie de pó anabolizante, de engorda rápida, que lhe misturam na ração.
Mas enunciemos esses grandessíssimos e gravíssimos problemas:
1. Interrupção voluntária da gravidez
2. Eutanásia
3. Casamento entre homosexuais
4. Adopção de crianças por casais homossexuais
5. Legalização das drogas moles
6. O sexto é opcional. Uma espécie de sobremesa.
Se é certo que já vivemos no melhor dos mundos, uma vez resolvidos estes tremendos problemas é-nos garantido que passaremos a viver no mais excelente dos paraísos.
Sobre a questão 1., já falei aqui atrás e mantenho integralmente o que então bramei. Sobre a 2., elucubrarei brevemente. Por hoje, atenhamo-nos às duas que, de entre todas estas urgentes, são, sem sombra de dúvida, as mais importantes: a 3. e 4., pois claro.
De facto, não sei o que será da humanidade, do planeta, da civilização, se continuarem a vedar os altares e os nenucos vivos aos gays. É preciso acabar com esse resquício fascista. É, sim senhor! Até porque, atestam-no várias sumidades espertíssimas, pode nascer-se gay como se nasce preto ou branco ou mongolóide ( Trissonomia 21, para pessoas do jet-set).
Pois bem, eu hoje sinto-me liberal. Em conformidade com esse meu singular (e raro) estado de espírito, proclamo que os homossexuais devem poder casar. Mas casar com todas as regras: não só pelo registo civil como também pela Igreja. Especialmente, pela igreja. Já estou mesmo a imaginá-los no dia de Santo António, aos magotes cacarejantes, "elas" de vestido e véu, eles de fraque rosa choque, todos a posarem para a fotografia, os sinos a badalarem em júbilo cristão, e o padre, diáfano, a benzer e a abençoar a panelei..., quer dizer, os novocrentes.
Vão por mim: Deixem-nos casar pela igreja, permitam que se enpanzinem de hóstias e vereis que Deus ressuscita, o ateísmo passa de moda e até o Carlos Esperança corre a peregrinar Fátima. Mais: Até a Santíssimia Inquisição volta e ninguém protesta.No capítulo do casório, se me permitem, vou ainda mais longe: além do civil e do religioso, também deveriam ter direito ao tradicional, aquele matrimónio típico das áfricas em que o noivo tem que pagar alambamento ao pai da "noiva". Uns cabritos, uns bacalhaus, umas latas de conserva e uns litros de gasolina sempre são alguma compensação para um pai que tenha o azar de lhe nascer um filho bichon..., quer dizer, homossexual. Ao menos, não é só prejuízo.Quanto à adopção de crianças, logicamente, também estou de acordo. É deixá-los. Devem até ter prioridade em relação aos casais hetero. Basta que se equipem as crianças com (primeiro) fraldas (e depois) cintos de castidade. Pelo menos até atingirem a maioridade. Ou então, reune-se uma comissão de sábios especialistas, daquelas muito iluminadas e peregrinas, que apura, em menos de nada e sem margem para dúvidas, quais as crianças homossexuais e quais as heterossexuais, pois, segundo a novociência, elas já nascem com essas singularidades, coitadinhas. Uma vez determinada essa idiossincrassia inata, os casais homo adoptam crianças homo e os casais hetero adoptam crianças hetero. Já agora, se não é pedir muito, convinha que os americanos aperfeiçoassem a máquina das ecografias de modo a que a bendita prospecção pudesse ser feita logo no útero materno. Por lei constitucional, e em correcção judicial ao erro da natureza, os nascituros gays passariam a ser expropriados aos progenitores naturais e entregues a famílias homo. Poupavam-se, com isso, desgostos à família inicial e burocracias à adoptiva. Tinha ainda outra vantagem: se deixássemos os homos adoptarem bebés, todos, sem excepção, passariam a insurgir-se contra o aborto, e já não se gastava tempo nem dinheiro com referendos. Em vez de abortarem, as mães preocupadas com o seu futuro nas discotecas e passereles, entregavam os empecilhos para adopção. Donde se depreende, mais uma vez, que resolver os problemas dos gays é resolver, por simpatia, todos os problemas da humanidade.Todavia, não nos admiremos se daqui por uns tempos, resolvidos estes enormíssimos problemas, irrompam de pronto -e aos gritos - outros, talvez menores, sua prole, mas não menos candentes. Assim, precavendo desde já o iceberg que esta pequena ponta visível anuncia, o melhor mesmo é irmos adiantando serviço. Para o efeito, e acautelando futuras e fatais erupções:
* Autorize-se, desde já, o divórcio entre homossexuais;
* Reservem-se-lhes lugares exclusivos nos parques de estacionamento, como já existe para os deficientes (é justo e obedece à mesma lógica);
* Priorizem-se-lhes assentos nos transportes públicos, como já existe para grávidas, idosos e acompanhantes de crianças de colo;
* Instaure-se uma discriminação positiva na sociedade pró-Apartheid sexual, tal qual se fez na África do Sul no pós-Apartheid racial.
* Decretem-se cotas mínimas gays no parlamento, no governo, nas carreiras judiciais, nas forças de segurança e nas forças armadas. Sem esquecer os bombeiros, os hospitais e todos os serviços que impliquem o uso de farda; sobretudo a Marinha;
* Isentem-se de impostos;
* Obriguem-se as instituições bancárias a abrirem linhas de crédito Homo, como já existem outras como o "Crédito Sénior", ou "júnior", ou "crédito agrícola", etc;
* Criem-se bolsas de estudo para homossexuais;
* Subsidiem-se escolas, infantários, creches, liceus e universidades homossexuais;
* Instituam-se reservas e coutadas homossexuais, sobretudo na cultura e nas artes, isto é, legalize-se o actual comércio informal naquelas áreas; concedam-se alvarás;
* Converta-se a TV2 em canal gay;
* Nos restaurantes, aviões e espaços quejandos, além de áreas para fumadores e não fumadores, estabeleçam-se também áreas para homossexuais e não-homossexuais.
* Consigne-se na lei a homossexualidade como atenuante, senão mesmo alibi, para qualquer tipo de crime, sobretudo económico;
Em resumo, converta-se "homossexualidade" em critério prioritário. Seja daquilo que for.
Com isto, termino. Espero que este meu contributo para a paz social e a descompressão de jornais e televisões não caia em cesto roto. (Que é como quem diz...)
Entretanto, fica desde já a promessa:
Numa próxima oportunidade, tenciono debruçar-me sobre os gordos e os feios. Também se nasce gordo ou feio, quanto a isso, então, é que não há mesmo dúvidas, e também se é discriminado negativamente por causa disso.

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Agora reparem, depois da cegada que foi o recente referendo ao aborto, nas notícias de hoje pode já ler-se:
«Juventude Socialista reapresenta lei para casamentos "gays"»

À esquerda barbie poderemos sempre chamar tudo menos surpreendente.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Lei geral da Física

Há cada vez mais gajas com menos disponibilidade para serem mães porque estão completamente ocupadas a serem gajos. Convenhamos que é, no mínimo, difícil introduzir um bebézinho num espaço todo ele preenchido e açambarcado por um marmanjão.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Voltas ao Bilhar Grande - III

«O Governo tem que ser simultaneamente de direita e de esquerda

Andam hoje outra vez muito em voga os termos "direita" e "esquerda" para significar posições políticas em relação às quais se procura situar o governo. Trata-se de palavras de sentido muito equívoco. Todavia, se a essência da "esquerda" está no movimento, se o espírito da "esquerda" é o da reforma social, não me esquivo à qualificação que dessa tendência possa resultar. Mas na medida em que a "direita" signifique a manutenção da autoridade do Poder para permitir a normalidade da vida dos indivíduos, o respeito das esferas da legítima actividade de cada um e o funcionamento das instituições que asseguram a ordem - então, e sobretudo nos tempos que correm, creio que nenhum governo, em qualquer regime que seja, pode deixar de ser dessa "direita". A luta contra a subversão que lavra com intensidade pelo Mundo, obriga por vezes a medidas que despertam os protestos daqueles que, consciente ou inconscientemente, fazem o jogo revolucionário, mas que traduzem a defesa natural de uma sociedade não disposta a perecer às mãos dos seus inimigos.»

- Marcello Caetano, in "Palestra pela Rádio e Televisão, em 10 de Fevereiro de 1969"

domingo, fevereiro 11, 2007

Voltas ao bilhar grande - II

«Passou o tempo do nacionalismo económico

A tendência actual para a criação de grandes espaços económicos onde se movimentem livremente os homens, os capitais e as mercadorias vem abrir novas perspectivas, criar novas preocupações e onerar com novas responsabilidades os governantes e empresários.
Se bem que a Nação continue a ser realidade bem presente no espírito e no modo de viver do homem europeu, os tempos do nacionalismo económico vão passados.
Nem conseguiríamos - nós e outros povos da Europa Ocidental - fechar as fronteias aos movimentos da mão-de-obra, nem evitar que os capitais, mobilíssimos por natureza, busquem os lugares e aplicações mais rentáveis, nem já agora erguer barreiras proteccionistas a cujo abrigo as actividades nacionais possam vegetar sem competição exterior.
Temos de nos penetrar bem destas ideias até para deixarmos de encarar as aplicações de capitais estrangeiros no nosso país como actos de colonialismo económico. Esses capitais serão bem-vindos, quando venham efectivamente ajudar ao fomento interno e não explorar-nos, e tudo o que devemos fazer é evitar a sua proveniência de uma só fonte, facilitando a diversidade nacional dos investidores.»

- Marcelo Caetano, in "Discurso pronunciado ao Palácio da Bolsa do Porto, em 21 de Maio de 1969"


Portanto, se bem entendo, o 25 de Abril de 74, segundo as fábulas oficiais, foi feito para derrubar uma coisa que não existia - o fascismo - e para instaurar uma coisa que já estava a ser instituída - a democracia liberal com preocupações sociais.

sábado, fevereiro 10, 2007

Voltas ao bilhar grande

«O Estado deve tomar resolutamente na sua mão os comandos da vida económica para a nortear, para a impulsionar, para a disciplinar. Mas não para a entorpecer. E sabemos como é grande o risco desse entorpecimento quando as estruturas se anquilosam na rigidez do estatuto legal e as funções se cumprem ao ritmo da burocracia.
É por isso que defendo um Estado social - mas não socialista. Social na medida em que coloque o interesse de todos acima dos interesses dos grupos, das classes ou dos indivíduos. Social por fazer prevalecer esse interesse mediante a autoridade que assenta na razão colectiva. Social enquanto procura promover o acesso das camadas deprimidas da população aos benefícios da vida moderna e proteger aqueles que nas relações do trabalho possam considerar-se em situação de fraqueza. Mas não socialista, pois se pretende conservar, dignificar, estimular até a iniciativa privada e animar as empresas a fazer aquilo que o Estado nunca poderia realizar sòzinho.

Creio, meus senhores, que estamos de acordo. Como estamos de acordo em que a administração cultive cada vez mais o espírito de serviço público, isto é, a ideia de que existe para servir o público como instrumento de realização do bem comum.»

- Marcelo Caetano, in "Discurso na Câmara Municipal do Porto, em 21 de Maio de 1969


«Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.»
- Artigo 1º da Constituição da República Portuguesa, de 1976.
(Este artigo foi aprovado com 132 votos a favor e 80 votos contra -os do grupo parlamentar do PPD).

«A República portuguesa é um estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização poliítica democráticas, que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras.»
- Artigo 2º da mesma Constituição (aprovado com 32 abstenções, curiosamente, as do PCP e do CDS).

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Liliput & Lorbrulgrud (rep.)

Para efeitos práticos, resumir o homem a um “bom selvagem” ou a um “grande filho da puta”, redunda no mesmo. A antropologia pessimista, como a optimista, serve às mil maravilhas ao materialismo. Fazer fé num putativo (irra, como este adjectivo está na moda!...) idílio ou numa sacanagem perpétua, em teoria pode parecer antípodas, mas na prática conforma uma pocilga geminada.
Todavia, não deixa de ter a sua piada o facto de, genericamente, a direita se reclamar da antropologia derrotista, e a esquerda se circunscrever na eufórica. Visto de cima, como sempre convém nestas coisas, com pinças, máscara e luvas (e um cacete bem a jeito, para o caso de alguma das bestas em análise acordar antes de tempo), dir-se-ia que o nó do problema (rotunda quer da coincidência, quer da derivação) consiste na mudança. Passo a explicar: é na relação com a mudança que uns e outros se definem (e se geminam, tanto quanto se digladiam). Os da sinistra, viciados empedernidos nela (na mudança, claro está), colocam no termo da saga alucinante um corolário acabado e definitivo. Quer dizer, de charola permanente com o mundo, à pergunta “onde é que isto vai parar?”, efabulam um estado final de perfeição, de ordem incorruptível, e respondem, inerentemente, com um cais terminal da mais sublime estabilidade, um êxtase culminante que preencherá o resto da eternidade – um paraíso inoxidável, em suma.
Por seu lado, os da destra, abominadores encartados dessa mesma mudança, proxenetas maníacos do status quo, vociferam ao carrocel mundano, reforçam os travões da engrenagem e barricam-se na única imutabilidade que, em seu entender, conhecem e proclamam: a da maldade e macaquice atávica do ser humano. Esta, de tão retumbante e estagnada, será a única certeza inamovível do seu sistema, respectivo alicerce e trave mestra.
Destas posições inaugurais, fácil se torna depreender todo o restante novelo argumentativo: para uns, os da direita, de nada adianta mudar o mundo, porque o homem nunca muda, é sempre uma grandessíssima besta; para outros, os da esquerda, há que acelerar o mundo, pô-lo a rodopiar cada vez mais depressa, em frenesins caleidoscópicos, porque quanto mais depressa mudar, mais depressa atinge o seu fim –naturalmente- idílico.
Levar a sério qualquer destas fantasias dignas de manicómio é crer, opcionalmente, que é forçoso que o homem seja uma nuvem gigante ou um anão de merda.
Por último, resta-nos ainda o contra-senso com que se couraçam e se desfraldam aos séculos os próprios termos emblemáticos das duas seitas: enunciar o “bom selvagem”, ou o “grande filho da puta” aniquila-se per si – nenhum “selvagem” é bom, como nenhum “filho da puta” é grande. O conceito de “bondade” é estritamente civilizacional; e é porque se não tem grandeza –de alma, de coração, de inteligência, de humanidade enfim –, que se é filho da puta. Quer dizer, nem a selva é um palco moral por excelência, nem a filha da putice constitui faculdade e resultado de coisas grandes, elevadas ou meritórias.
O Grande filho da puta, na verdade, é um tipo minúsculo, ínfimo, microscópio. Visitamo-lo em Liliput.
Já o “bom selvagem”, por seu turno, não deixa de ser uma verbosidade inflaccionada, um gigante feito de vento, um traque em peregrinação de sopro divino. E, geograficamente, se é que geografia tem, fica logo adiante, no naufrágio seguinte. A capital chama-se “Lorbrulgrud”. Swift deixou-nos indicações precisas sobre a latitude e longitude. Se tão exóticas paragens vos interessam, ide consultá-lo. Ele, que fez a viagem – a primeira ao “fim da noite”-, mostra-vos o caminho.
A mim ensinou-me uma das poucas verdades que julgo levar desta vida: a de que o destino da sabedoria é o naufrágio. Não é uma viagem a lado nenhum, como concebem os burgueses e as costureiras; não é um perambular zombificado pelas superfícies: é uma viagem ao fundo. Às vísceras e aos abismos. De nós, do mundo, e de tudo.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

As grandes causas

Depois de colocar as desgraçadas dos vãos de escada a abortar nos hospitais e os junkies, mitras e demais moradores humanos da valeta a injectarem-se em salas de chuto climatizadas, a esquerda benemérita, sempre dinâmica na demanda do Admirável Mundo Novo, vai lutar por fardas para os maltrapilhos e estações de metro mobiladas e abertas toda a noite para os Sem Abrigo.
E já agora, para quando salas de eutanásia assistida para os desempregados de longa duração, quer dizer tipos ou tipas com mais de 40 anos?...

Os pobres, já que pagam as crises, que paguem também as favas

Havia uma máxima antiga que o meu pai me ensinou. Rezava assim:
«Quem não tem dinheiro, não tem vícios.»
Entretanto, foi remodelada. Segundo podemos inferir da retórica particularmente estridente da tele-burguesia esquizo-esquerdóide e campeã da abortadela por puro altruísmo, a nova máxima recauchutada será:
«Quem não tem dinheiro, não tem filhos.»
A ampla conquista, o deslumbrante progresso é que, em vez de ir despejá-los em vãos de escada, vai despejá-los em recipientes hospitalares, sob douta supervisão higiénica.
Não deixa de ser particularmente esclarecedor, como esta "esquerda de trazer por causa", mais a rataria atrelada, se preocupa imensamente mais com as condições em que as pobres abortam do que com as condições em que elas parem e têm que criar os filhos.
É toda uma súcia frívola, mimada e bacoca, para quem a ética é só um subproduto da cosmética.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

O Império dos orifícios

A bem dizer, eu, Dragão, até nem tenho divergências políticas com ninguém. E muito menos convergências, registe-se. Sobretudo porque o conceito presente de política não mo permite. São dias bizarros, estes. Por muito boa vontade que me animasse, seria de todo impossível encetar "diálogos políticos" com quem quer que fosse. Ah, políticos, nem pensar!...
A razão é simples e mais que evidente: não há mercado para a "política". Há mercado para telenovelas, futebóis, casórios da alta, desastres, guerras (de pilhagem e chacina sobretudo), aberrações, catástrofes, música pimba, literatura light e todo um rol de porcarias que não abonam nada em favor do tão apregoado progresso; mas para a política -a política séria, de serviço à cidade, de culto da honra e bom nome, de modelo ético, como ensinava Aristóteles, quero eu dizer-, não há. Ninguém se interessa por isso. A malta gosta mesmo é de futebol, telenovelas, aberrações, descarrilamentos, escandaleira. Adora é cobrir os outros de insultos e injúrias; armar enredos e peripécias; simular casamentos e divórcios; jogadas de envolvimento pelos flancos e esquemas estratégicos infalíveis 4x4x2 ou 4x3x3; esquerdo-direito-op-dois! A política subentende ideias, projectos colectivos, união congregante de interesses, de sonhos, de memórias. Interesses desligados desses sonhos e dessas memórias são apetites sem passado nem futuro, que em nada distinguem o homem do vulgar suíno de engorda. O país desta pandilha actual começa e acaba no próprio umbigo, que, reconheça-se, constitui também astro rei a presidir ao sistema solar.
Que, entretanto, exerçam o umbigo em fogoso tandem com o olho do cu já é uma ginástica que, não raramente, os absorve, e a mim, para ser franco, me ultrapassa.

domingo, fevereiro 04, 2007

O Mostrengo (rep).



«O mostrengo que está no fim do mar
na noite de breu ergueu-se a voar;
à roda da nau voou três vezes
voou três vezes a chiar,
E disse:" quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo
mus tectos negros do fim do mundo?»
E o o homem do leme disse, tremendo:
"El-Rei D.João Segundo!"»

- Fernando Pessoa, "Mensagem"

A figura do mostrengo é eloquente. Ainda hoje brame, para quem o quiser ouvir. Ainda hoje apavora quem o escuta e, pelo zoar do seu estrugir desumano, o imagina envolto em fiapos de tormento e cortinas de pesadelo.
Em Quinhentos, nesse tempo de coragem, de Audácia, mais que de ganância, os mares ressumbravam, infestados. Ao longe, nos oceanos, que iam vomitar-se lugubremente no abismo tartárico, senão na goela insaciável do próprio inferno em chamas, uivavam abominações medonhas, habitavam pavores inomináveis. Sob o manto vertiginoso das águas, moravam braços descomunais, tentáculos mortíferos, mandíbulas escancaradas prontas a devorar, a varrer e a despedaçar, sem dó nem piedade, a casca de noz e o insecto que se atrevessem, que experimentassem a viagem, que ousassem sequer o pensamento. Enfim, emboscados, sempre à espreita, famintos de dor e carne humana, cardumes de horrores patrulhavam os mares ignotos. Para quem escondia os olhos –como hoje ainda esconde -, o mostrengo era tudo isso. Escutava-se e dava vontade de nunca ter nascido.
Mas, na verdade, o mostrengo não habitava os mares: rodopiava fantasmagórico na alma dos homens. Tolhia-lhes o ânimo e quebrantava-lhes a força. E chiava –oh, com que tenebror ele chiava! - a enregelar o coração e a liquefazer a espinha. Que até os dentes crepitavam, os cabelos encaneciam e o chão nos chamava, em refúgio, para o mais humilde e obscuro dos seus orifícios.
Só que havia uma semente - uma centelha de odisseia - que Ulisses deixara por estas bandas. E uma semente pode muito. Mais que todos os medos. Mais que todas as filosofias, literaturas e ciências! Mais que a treva e os abismos. Porque uma semente sabe o caminho do céu. Rompe a lama e as angústias, fende os ares e as neblinas e estende os braços, feita árvore, a abraçar a luz e o firmamento. A saudar o sol e as estrelas. A respirar o sopro divino que dá vida ao mundo.
As sementes são a lenha dos sonhos. Os portugueses de Quinhentos foram a carne dessa semente.
E do chão agreste, triste, sujo e escuro, onde o medo os agrilhoava e mantinha encarcerados, rasgaram horizontes e elevaram-se para uma luz que os guiava a sul de todos os crepúsculos, à procura de edens e fontes sagradas, em busca de tesouros, de aventuras, de terras exóticas, mas, acima de tudo, ou como estrela guia para tudo isso, do mais bem-aventurado e exótico de todos os tesouros: a verdade.
Foram banhar-se no sonho e no abismo. Foram para o mar enfrentar o mostrengo que levavam na alma.
Guardamos essa memória nas veias e sabemos que não foi fácil. Sabemos que não foi uma coreografia sonoplástica e narcótica, como os filmes de hollywood. Que não foi insípido e inodoro. Que o cheiro a merda e sangue, a escorbuto e malária, a desespero e desinteria se misturaram muitas vezes, quase sempre, com o perfume da maresia, que entra pelos pulmões e descongestiona a alma. Que as lágrimas das mulheres salgaram o cais e as maldições dos velhos crismaram o vento. Que isso toldou o horizonte e açulou o mostrengo que de dentro de nós –nós naquele tempo – assombrava o mar.
Mas nós –nós naquele tempo – nós sem automóveis, televisões, figoríficos, nós sem electricidade nem água canalizada, nós sem subsídios nem peritos de pintelhices a granel, nós sem doutores da mula russa a parirem reformas de empreitada, nós sem formação profissional nem confortos, sem sindicato nem segurança social, nós sem computadores nem cinemas, nós sem petróleo nem diamantes, fomos capazes de uma obra colossal, fomos capazes dum milagre, a semente fez-se árvore.
Nós –naquele tempo muito mais magros, destituídos, ainda mais indigentes e pequenos que hoje – fomos capazes. Porque é que hoje não somos? Não somos capazes porque nem sequer somos nós. Entre aquele tempo e este tempo interpôs-se um limbo onde vagamos quais sombras penadas. Sobra-nos a matéria, o esterco que nos amortalha; sobram-nos bugigangas em catadupa, adubos, pesticidas e cuidados de flores de estufa, mas falta-nos o essencial: a vontade, esse gume afiado do espírito. Falta-nos aquele que a vaca da Isabel Católica, ao saber da sua morte, disse: “Morreu o Homem”
Mas não apenas o homem-rei, símbolo de um povo, da união sagrada entre terra, mar e gente, e duma vontade colectiva; também, e sobretudo, o Homem dentro de todos nós, o homem que sonha, o homem que navega, o homem que acredita.
Porque em vez dele, a velar o seu sono forçado, soltando peçonha e susto, reina o mostrengo. Adeja, rodopia e chia sem parar. Entoa a sua umbrífera lengalenda, que cobre, como uma névoa tóxica, venenosa, o sol e as estrelas, e entranha-se nos ossos, nos músculos, nas mentes, a roubar-nos toda a coragem, a decantar-nos toda a esperança.“Sois fracos!”, chia ele, escarninho. “Sois débeis! Sois poucos! Sois pobres! Sois atrasados! Sois obsoletos! Sois a escória da Europa! Sois vis! Sois preguiçosos! Sois desgovernados, desorganizados, viciados, dependentes, endividados, mesquinhos, intriguistas, fala-baratos, quezilentos, alarves, pacóvios...sois o desespero de Cristo!...” As suas asas negras esvoaçam por cima de nós, sombrias e, à noite –nesta infinita noite em que se tornou a nossa vida-, pressentimos que ele poisa, de colmilhos afiados, para nos vampirizar os sonhos. Mas mesmo nessa pausa hedionda, a sua cantilena exasperante não cessa: repercute em ecos descarnados, lutuosos, nas abóbadas do nosso pavor.
Mas que pensáveis vós que ele, esse mesmo mostrengo chiante, uivava há quinhentos anos atrás? -A mesmíssima gosma paralizante, a gémea baba de aranha dissolvente. Sem tirar nem pôr.
E os homens - daquele tempo em que ainda havia homens - deixaram para trás as lágrimas das mulheres, as maldições dos velhos, o espanto maravilhado nos olhos das crianças e saíram mar a fora, levando todo o medo consigo, e foram enfrentar a ululante avantesma lá onde o mundo acaba e o abismo começa. Saíram as naus da barra e o mostrengo infame ia por cima delas, como uma sombra de Outro-Mundo.
Choraram as mulheres porque viam ambos, praguejaram os velhos porque viam a abominação, maravilharam-se as crianças porque eram seus os sonhos que iam dentro dos homens, com a forma de mastros e velas.
Os homens não voltaram. Só o mostrengo voltou.

«O mostrengo que está pra cá do mar
Na noite de breu continu’a voar;
Por dentro da alma voa mil vezes
Voa mil vezes a agoirar,
E diz: “quem persiste ainda a sonhar
Com algo que não meu trono execrando
com céus acima deste pó imundo?
E a nau sem leme geme, sangrando :
”Quem há-de vingar D. João Segundo?...”

A Sífilis das elites

Entre a Martelaria, digo Maçonaria, e a Opus Dei - aquela urdindo pela diluição de Portugal na Europa laica, esta conspirando pela sua dissolvência na Espanha catoliquista - venha o Diabo e escolha. Só mesmo ele para distinguir os filhos.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

A Grande Empreitada



«Aborto: maçonaria deseja vitória do "sim"»

Podia ter-se poupado ao trabalho. Já todos sabíamos. De ginjeira. Tudo muito óbvio. E muito típico de mixordeiros que fazem Deus a martelo. A quem chamam, pomposamente, Grande Arquitecto. Se bem que, na verdade, não passe dum Grande Trolha. Engendrado pelos beatos crentes à respectiva imagem e semelhança.
Aliás, tamanha e tão babosa pingarelhice, até me sugere um aforimo:
Primeiro foi Deus que criou o homem à sua imagem e semelhança; depois veio o trolha jactante, luciferúnculo, e amassou o Grande Arquitecto à sua.

Enfim, é só mais um capítulo na Grande Empreitada.


(Imagem pirateada daqui. Desculpa lá o mau jeito, pá!)

Humor negro

Numa reportagem televisiva, perguntam a um polícia com o rosto ocultado e a voz distorcida:
-"Já alguma vez tentou o suicídio?"
Responde o inquirido:
-"Já. Várias vezes."
Ora, isto indicia, pelo menos, dois fenómenos - qualquer deles deveras alarmante:
1. Que a instrução de tiro na polícia é absolutamente inexistente ou anedótica.
2. Um polícia que não é capaz de acertar na própria cabeça, como há-de acertar minimamente nos perigosos meliantes?

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Solução final com problemas de mira

«Rabbi calls for annihilation of ArabsTuesday»
«The spiritual leader of Israel's ultra-orthodox Shas party, Rabbi Ovadia Yosef, has provoked outrage with a sermon calling for the annihilation of Arabs.
"It is forbidden to be merciful to them. You must send missiles to them and annihilate them. They are evil and damnable," he was quoted as saying in a sermon delivered on Monday to mark the Jewish festival of Passover.»


Estes beneméritos exórdios causaram algum desconforto nos círculos governamentais israelitas (nunca esquecer: a única democracia do Médio-Oriente). Apressaram-se a lamentar suavemente, mais que o excesso, o lapso etnocida do rábido rabi: afinal, os iranianos nem sequer são árabes.


PS: Chamo a atenção para o comentário do Ministro da Justica israelita: "Uma pessoa da estatura do Rabi Ovadia Yosef devia evitar observações acrimoniosas destas."
É uma estatura do caraças!... Um gajo até fica com torcicolo só de tentar vislumbrar, entre as nuvens, os píncaros duma estatura destas.