Antes de prosseguir com a Acromiomancia, e porque está para breve o tratatamento exaustivo do Inimigo (até aqui procedeu-se avaliação dos méritos e erros das NT - Nossas Tropas), convém explicitar alguns termos essenciais que irão surgir.
O primeiro é a Paratopia.
Explicando analogicamente, a utopia está para a paratopia como a anóia está para a a paranóia.
Explicando em concreto, analisemos o conceito de "utopia". Na sua versão mais usual e corrente, "utopia" refere uma espécie de paraíso terreal fruto de efabulação teórica, mais ou menos complexa, lógica ou meramente alucinada. Citando só alguns exemplos dos últimos 200 anos, poderíamos referir as utopias de Fourier, Saint-Simon, alguns anarquismos, a Religiâo Universal de Comte, etc. Há igualmente uma dimensão utópica na ficção de Marx, quando profetiza, com certeza de cientificidade histórica, a sociedade sem classes, dos emancipados e desalienados humanos do futuro éden. Acresce que este éden do amanhã consiste no paraíso primordial às avessas: para que se realize, o homem expulso do paraíso primordial começa por expulsar Deus na antecâmara do final. Portanto, naquele, Ihavé acaba por expulsar Adão, neste Karl começa por expulsar Deus.
Contudo, a utopia aufere duma dimensão mais vasta e mais antiga que essa mera expressão dum local de fábula mental, fora da geografia concreta. De facto, o primeiro momento em que o a-topos (o não-lugar) se manifesta é na cosmogonia grega que deu origem ao pensamento ocidental. Aí, toda a topografia deriva de Geia, a Terra Mãe; e toda a não-topografia descende do Caos primordial - citando os exemplos mais relevantes: a noite, as Moiras, a Morte, o Sono (que, pela sua própria essência, são entidades desprendidas de qualquer âncora territorial.) . Esta raíz mais arcaica , profunda e vasta da utopia não é insignificante. Bem pelo contrário, todo o seu peso não deixa de se fazer sentir através dos tempos e opera no âmago da própria acepção moderna da palavra. as utopias remetem quase sempre para a dimensão onírica, sonâmbula e entretecem geralmente mantos de treva e morte.
Por outro lado, o uso que se dá hoje em dia à palavra utopia é, em vários caso, desapropriado e abusivo. Sobretudo, porque a palavra tomou forma de arma de arremesso retórico, como modo de depreciar determinada posição política que, de algum modo, proponha alternativas à situação hegemónica. Quer dizer, as propostas alternativas podem ser efectivamente de ordem utópica, como podem ser de outra qualquer ordem, sendo que, a estratégia de Poder vigente à escala planetária tenderá sempre a representar-se como fatal, necessária e definitiva, degradando tudo o resto a utopia onírica, insensata e destituída de fundamentos realizáveis. Nesse sentido, a ocidente chama-se "utópico", como na antiga União Soviética se taxava de contra-revolucionário. O sentido é o mesmo, o valor também.
Reportando-nos agora em concreto à utopia marxista, importa sublinhar que a ficção marxista foi utópica até ao momento em que Lenine a realizou na Revolução Russa. Não importa da justeza, perfeição ou fidelidade com que o executou. A partir do momento que emergiu a União soviética, a "ficção marxista" já não era um não-lugar: era uma geografia concreta. Habitava um espaço da Terra. Se o paraíso existia ou não, de facto, é irrelevante. Os crentes não colocam esse tipo de dúvidas, nem se deixam embaraçar por esse género de hesitações. Passara a haver um referencial operativo já não apenas da ordem da promessa, mas do foro da réplica e da consistência, isto é, o crente já não sonhava apenas com o paraíso anunciado: co-existia com ele, embora do lado de fora. Assim, quando os nossos crentes comunistas suspiravam por sovietizar Portugal, na verdade, isso, em bom rigor, nas suas mentes infantilizadas e liquefeitas, significava converter um espaço infernal (onde Salazar desempenhava as funções de demónio supremo) num parque paradisíaco para viúvas e órfãos (o homem, enquanto pai de família, é banido da equação; o novo Grande Pai, o Pai Total, Écran de todas as projecções mentais, em substituição do antigo Pai Celeste, é o Estado). Desse modo, a ligação ao "eden prometido e profetizado" já não era apenas mental, mas tornava-se peregrina. A fé fortalecia-se na esperança e ambas inflamavam o ardor militante. Depois de sovietizado na alma, o crente comunista ansiava por sovietizar o seu espaço adjacente. Nenhum martírio o demovia. Pelo contrário, animava-o ainda mais, preenchendo-o com volúpias e frémitos interiores de santidade palpável ao virar da esquina.
E o mesmo se poderá dizer da China de Mao, da Albânia de Henver Hoxha, ou de qualquer outro desses manicómios aplicados. Perdão, santuários. O facto de não constituírem paraísos, nem locais de fraternidade angélica ou parques de liberdades celestias aplicadas e, bem concretamente, materializarem o reverso ou avesso disso tudo, em nada diminuía o seu encanto, a sua perfeição moral, o seu fascínio sedutor. Quem o feio ama, bonito lhe parece; quem o hórrido idolatra, deslumbrante se lhe manifesta.
Nisto tudo, como é evidente, resplandecia uma desadequação completa entre o pensamento e a realidade, ou, melhor dizendo, uma sobreposição despótica e alucinada da imaginação ao pensamento, na forma de tara profunda. Por conseguinte, quando, em 1974, os comunistas querem importar e estabelecer o modelo soviético em Portugal (como a UDP ou o MRPP advogam o chinês ou albanês), não estão a ser utópicos. Longe disso, é a imitação de algo concreto que demandam. Assim, o que os obsidia e avassala não é a utopia, mas a paratopia. Ou seja, é a submissão do seu próprio espaço pátrio a um modelo paranóico de importação (uma maternidade geral de ideias pré-fabricadas). De tal modo, que quando os seus críticos de facção contrária, geralmente obcecados por paratopias díspares ou concorrentes, os acusam de não terem noção nem preocupação com as realidades do próprio país (classe, tribo, clube, ou o que seja), isto soa a anedótico. Acusar um paranóico de não ter noção da realidade é um completo absurdo (é como acusar um cego de não ter noção das cores, ou um analfabeto de não ter noção das vírgulas) e, não raramente, denuncia um desarranjo qualquer intrínseco no próprio emissor.
Ora, a verdade é que, a partir de 1974, Portugal transformou-se num espaço de paratopia reiterada. Quer dizer, Portugal deixou de ser um espaço onde se realizava Portugal, para passar a ser um espaço onde se realizava a União Soviética, a China, a França, a Europa, os Estados Unidos, a Patagónia-de-Baixo, ou o que quer que ocupasse (e ocupe) a desrealização mental dos títeres em vigor, aos comandos do Estado. Chamar-se-lhe Estado de Direito é uma pura piada de mau gosto: na verdade, é um Estado de Delírio.
Resumindo: a aplicação deste estado de Delírio a um determinado território constitui a paratopia. Portanto, quando, nos próximos postais, lerem a palavra, já sabem o que quer dizer.
Ou dito em termos ontológicos: se a realização duma coisa consiste na actualização da sua essência, do seu ser/estar-em-si, a desrealização (ou paratopia) dessa coisa, neste caso Portugal, traduz o seu estar/ser fora-de-si. Este Portugal em que vegetamos é um Portugal que, na essência, está fora-de-si. Ou seja, está em permanente trânsito para ser qualquer outra coisa que não ele próprio. Um doido, em suma; um psicótico ambulante, sob auto-sedação interna e vigilânica externa.
PS: Aproveito para alertar que quando se iniciar aqui a investigação minuciosa do In (o inimigo, em terminologia militar), a coisa será feita a partir do interior do próprio. Será essencialmente pelos relatórios, descrições e diários deles. São mil vezes mais elucidativos -e arrepiantes - do que tudo o o pudéssemos conjecturar a seu respeito. Apenas um aviso: o espectáculo não é nada recomendável a almas sensíveis ou estômagos delicados. É um mergulho a pique no que há de mais sórdido na alma humana.
Isto é só para bater no ceguinho:
ResponderEliminarO nacionalismo intelectual, não!
O único que respeito é o que vem no Rifoneiro Português e é fantástico porque ligado à Terra e ao Espírito da Tradição que era a nossa.
Sardinha? Sérgio? Cortesão? Conheço mal ( não tenho estudos...) mas penso de que não nos faz falta.
Temos aquele compêndio fantástico como manual que dava para escrever enciclopédias de sabedoria.
Além disso, supeito que Salazar também pensava assim.
ResponderEliminar-> Uma NAÇÃO é uma comunidade duma mesma matriz racial onde existe partilha laços de sangue, com um património etno-cultural comum.
ResponderEliminar-> Uma PÁTRIA é a realização de uma Nação num espaço.
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Antes que seja tarde demais, há que mobilizar aqueles nativos europeus que possuem disponibilidade emocional para abraçar um projecto de Luta pela Sobrevivência... e... SEPARATISMO-50-50!
[uma obs: se os autóctones europeus não estiverem dotados duma Coligação Defensiva (do tipo NATO)... os nazis made-in-USA aplicarão aos autóctones europeus o mesmo 'tratamento' que foi aplicado aos autóctones norte-americanos]
[obs 2: armas convencionais não irá ser suficiente... serão necessários aliados dotados de armas de alta tecnologia... ]
[obs 3: a Coligação Defensiva (do tipo NATO)... não será uma coligação europeia... leia-se, deverá ser uma Coligação de Identidades Autóctones (europeias e não só) que estão em risco de sobrevivência face ao comportamento dos perigosos 'globalization-lovers' nazis (eles procuram pretextos para negar o Direito à sobrevivência das Identidades Autóctones); um exemplo: a Identidade Portuguesa está em risco de sobrevivência]
A Comparação tem um erro base.
ResponderEliminarAs utopias políticas não quiseram criar um Estado como Pai utópico mas o Homem Novo.
São sempre dissoluções do que está fraccionado num Todo homogéneo que está para vir.
Mas concordo com isto, na sua essência:
ResponderEliminar"
Este Portugal em que vegetamos é um Portugal que, na essência, está fora-de-si."
O problema é conjugar consenso sobre o que é "Portugal em si". Em dó, já sabemos bem e as outras notas podem fazer uma belíssima melodia.
Mas é preciso inspiração...força!
Por outro lado, Portugal foi-se realizando de modos muito diferentes desde a fundação.
ResponderEliminarNão imagino que o Portugal da Expansão fosse mais Portugal que o do Primeira Dinastia.
Muito menos o Portugal republicano seria mais Portugal que o monárquico.
Foi sendo muitas coisas diferentes.
Colocar a baliza apenas num período que se tem por ideal mitifica a questão.
P.S.
ResponderEliminarOs 'globalization-lovers' que fiquem na sua... desde que respeitem os Direitos dos outros... e vice-versa!
Sim, este fora-de-si só se lá chega com inspiração.
ResponderEliminarPercebemos que está. De acordo.
O abismo hiante não será cachaça demasiado violenta para o desvirgulado?
ResponderEliminarComo no homem gordo que tem um magro dentro, há neste texto uma ou duas ideias interessantes soterradas (não dá para discernir).
ResponderEliminarMeias verdades, ou verdades e meia, como dizia o camarada Kraus.
(Eu tenho tendência para o aforismo, mas por vezes leio com gosto textos de fulanos que afirmam "brevity is for the weak" ;-)
o q diz dos comunistas eh mesmo assim ..confirmado ao vivo . e ai de quem diga mal do pai estado , mesmo hoje .aquilo foi sempre qualquer coisa q correu mal ,nunca eh pelo principio estar errado.impossiveis de aturar , impossivel conversar com eles.
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