domingo, abril 26, 2015

Prognografia II



04 de Outubro de 1966 - «Prolongada entrevista depois com o embaixador dos Estados Unidos. pela primeira vez, uma pequena fricção: mas tudo acabou em sorrisos de parte a parte. Tese americana é sempre a mesma: eles defendem a liberdade do mundo, e portanto de nós todos, e fazem grandes sacrifícios para isso, e assim todos lhes devemos estar gratos; nós, portugueses, defendemos estreitos interesses de Portugal, o que é absolutamente secundário, e fazemo-lo de uma forma que é contrária aos ventos da história e dos interesses daquele mundo que os Estados Unidos defendem; estamos deste modo a prejudicar tudo, e até a nós próprios, devendo por isso estar reconhecidos àqueles, como os americanos, que sobre nós exercem pressões para que mudemos de política e entremos num caminho benéfico para a humanidade. É assim. Dizem exactamente a mesma coisa que os russos: também querem libertar o homem, em toda a parte, à custa dos maiores sacrifícios. Não se sabe o que se há-de fazer a tanto altruísmo.»
- Franco Nogueira, in Um Político confessa-se (Diários 1960-1968)

«!4 de Outubro de 1966 - Afigura-se que a lógica dos Estados Unidos é esta. desde que se trate de destruir em África os valores propriamente europeus e tradicionais, os Estados Unidos entendem de seu dever estar por detrás de de quem o fizer;  e a sua convicção parece ser a de que, depois de bem destruído tudo, então os Estados Unidos poderão tomar conta de tudo, expulsando o russo da costa ocidental enquanto os ingleses expulsarão o chinês da costa oriental. Aos belgas, portugueses, franceses, ficarão os cinco por cento da praxe. isto deve ser assim - mais coisa, menos coisa.»
- Franco Nogueira (idem)

«30 de Outubro de 1967 -  (...) em conversa até de madrugada em casa de Luís Teixeira Pinto. Este e o Fernando Cruz dizem-me: "Não tenha dúvidas, os progressistas não lhe perdoam, odeiam-no." Digo que não tenho dúvidas mesmo nenhumas. E a mulher do Fernando Cruz acrescenta em reforço: "Outro dia, atacaram-no na minha frente com tal violência que eu até o defendi." Beatriz é oposicionista confessa.»

«Washington, 15 de Novembro de 1967 - Mais uma vez o State Department. Dean Rusk, sempre compreensivo, e mesmo afectuoso. Quer apaziguar tudo, desdramatizar; e falámos mais do futuro. Neste particular, Rusk não oculta o seu pensamento: se Portugal se mantiver em África, e disso convencer os Estados Unidos, então os Estados Unidos vão rever a sua posição, e adaptar-se doutrinariamente, sem ofensa dos seus princípios, nos apoiarem. Vasco Garin, que me acompanha, também assim o entende. Ao outro dia, avisto-me com Katzenbach, novo subsecretário para África, que encontro pela primeira vez. Fico siderado. Dos problemas do mundo, não tem a menor noção. Dos de África, ainda menos. Do que é África, do que é a sociedade negra, do que é o anticolonialismo, dos interesses em luta, das implicações de uma política ou outra, mesmo do significado das palavras no contexto africano, de tudo isto e muito mais, o novo subsecretário não possui a mais remota das ideias. Durante uma farta hora, foi um diálogo estúpido: nada do que dizia Katzenbach fazia sentido, tudo o que eu dizia esbarrava numa parede de incompreensão e sem ressonância. Se eu estivesse a falar para uma bilha de barro ou uma porta, não seria outra a sensação. Uma hora perdida. Mas o grave é que este homem é conselheiro do governo dos Estados Unidos para os assuntos africanos.»
- Franco Nogueira, ibidem

Entre nós, portugueses, a importação que mais prejuízo e défice causa ao país é, sem sombra de dúvida, a da estupidez. Se ao menos fizessemos como com o crude petrolífero, que  importamos, refinamos e depois exportamos com mais valias, ainda vá. Mas não, à estupidez,  importam-na, enriquecem-na, aprimoram-na e consomem-na toda. Sofregamente. Virou toxicodependência. Assim não vamos a lado nenhum. 


7 comentários:

  1. Apenas uma questão, talvez um pouco descabida: o Dragão aconselharia os jovens portugueses de hoje a não saírem do país?

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  2. Essa questão é difícil.
    A juventude é o maior "activo" de uma Nação. Dizer aos jovens para se irem embora é dizer ao futuro para sair daqui.
    Mas como vivemos no mundo às avessas, num país com índices demográficos preocupantes, isso deve fazer imenso sentido.
    Em todo o caso, não tenho a importância nem o saber que me permitam arvorar em Conselheiro da Juventude deste país.
    O conselho que dou aos meus filhos (e eles não me parece que seguissem outro) é que fiquem, batalhem, não deixem que os enxotem. Mas esse é o limite da minha influência...

    Agora, os jovens não são uma massa informe: há-os de todas as diversidades e proveniências. Com diferentes expectativas e ambições...
    Hoje em dia dá-se enorme importância à riqueza material. Para muitos, porém, emerge uma básica circunstãncia de necessidade e luta pela sobrevivência. Estes, eventualmente, enfrentarão com maior acuidade esse risco da emigração...
    Estranho fenómeno: como é que num país com tantas e tão apregoadas liberdades, tantos e cada vez mais estão submetidos, quais neo-escravos, à mais informe necessidade?

    Será uma sintese culminate de todas as outras, a liberdade de um tipo se pôr a andar daqui para fora?

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  3. > eles defendem a liberdade do mundo

    Pedra angular. É o canto da sereia republicana, e depois liberal, desde o tempo do senado romano. Bom dinheiro fizeram com esta publicidade.

    > submetidos, quais neo-escravos, à mais informe necessidade?

    Pois. Questões entre iguais, como reportava o camarada Tucídides (aqui: https://en.wikipedia.org/wiki/Melian_dialogue )

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  4. Aos opositores da visão do Dragão...

    Porque os americanates não fizeram uma frente de libertação na África do Sul?

    É sabido que muitos portugueses que tiveram de abandonar Angola e Moçambique deram o salto para a África do Sul.

    Que moral tem mesmo os americanos?

    0

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  5. Quem defendia melhor os interesses das populações africanas, nomeadamente no nosso ultramar?
    Os americanos, os russos ou os portugueses.
    A História destes últimos 41 anos fala por si.
    Em qualquer dos casos, todos esses democratas tão escrupulosos na defesa dos direitos dos africanos, não estavam interessados em consultar as populações sobre o que queriam para si próprias.
    A tese que contraria a do Dragão, é a de que os fracos se devem submeter aos mais fortes e maquilhar a sua pusilanimidade ou cobardia com uma série de adjectivos que lhes permita olhar-se no espelho sem a vergonha de assumir que receberam dos pais um porco e vão passar aos filhos um chouriço.

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  6. Caro dragao

    Permita-me que o cumprimente pela magnífica revisitações que nos tem aqui deixado nos seus últimos posts.

    Com um pai militar de carreira, feito prisioneiro na India (e depois recebido como se sabe) e que mais tarde esteve nos fuzileiros de Moeda, cunhado de um oficial miliciano que esteve integrado nos Flechas (a quem nem o meu amigo certamente não nega valentia..), nado e criado no meio por entre messes e clubes militares, rodeado de historias contadas na primeira pessoa que, entre resumos de bravatas e desvarios incluíam muitas vezes apontamentos sobre o caractere de muitos dos intervenientes nas histórias que o meu amigo aqui nos vem trazendo, leio-o, como dizia, com muito agrado.

    Mas, se por um lado me encanto com a “narrativa” não consigo também evitar alguma dúvida quanto ao conteúdo.

    Pois avança o meu amigo na direcção que fatalmente vai chegar à conclusão, nada despicienda diga-se, que no nosso Portugal os três grandes “desígnios” da actualidade, o parlamentarismo, o liberalismo e a democracia não têm lugar.

    Ora é então aqui que a dúvida se me amofina: o que propõe então em seu lugar? O partido único, o corporativismo do estado baseado em planos industriais, uma ditadura, outros…?

    Presumo que responderá que não propõe nada porque a isso não está obrigado e não é seu mester. O que eu acharei legítimo e ficar-me-ei então por aprecia-lo como contador de histórias e admirar o seu trato literário (já aqui várias vezes gabado).

    E, não sendo isto um pedido mas antes uma observação, não deixe então o meu amigo que o seu “realismo” entupa outros raciocínios que procuram, esses sim, dar prática à observação do que se foi passando e tentar com ela sistematizar uma linha de pensamento que nos possa levar a algum lado (ou pelo menos tentar).

    “É indiscutível que o homem gosta muito de construir e traçar caminhos; mas como acontece então que ele ame tão apaixonadamente a destruição e o caos?”

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  7. Caro mm

    agradeço as suas benevolentes palavras.

    Sempre é melhor ter talhe, embora sem feiçalhe, do que não ter nem um nem outro.

    Esta minha revisitação tem como objecto o passado. Lamenta-se o caro amigo que não apresenta avenidas para o futuro ou, pior ainda, que atravanca (se é que não ameaça) as ruelas do presente.

    Bem, há um cuidado que eu tento sobretodos ter é não transpor para as análises e perspectivas do passado os preconceitos e formatações do presente. Quer dizer, o meu propósito não é apropriar-me do passado para as minhas confeitarias do presente. Basta-me tentar avistá-lo, por debaixo das camadas de lixo onde porfiaram soterrá-lo, e tentar compreendê-lo.

    Só depois disso é que poderei, se o engenho e arte mo permitirem, entrar em considerações dessa ordem que refere - das propostas para um qualquer futuro que, já agora, permita que lhe confidencie, com esses parlamentarismos, liberalismos e democracias todas, e tão sublimes, se afigura cada vez mais escuso, sombrio e concentracionário. Não adiantaria pois, por exemplo, sugerir em alternativa um regime de partido único, ao lúgubre estilo soviético, porque, na prática, estamos a chegar aos mesmos resultados por uma via supostamente oposta.

    Mas, enfim, quando lá chegar, e se chegar, o caro amigo poderá avaliar de sua justiça e criticar com plena liberdade (o que, antecipadamente, agradeço).

    No entretanto, só espero não estar a entupir quaisquer raciocínios desbravadores, pois bem estreitos e tíbios seriam se se deixassem entupir por coisa tão pouca.

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