terça-feira, março 31, 2015

Acromiomancia Revisitada - XII. Correntes de ar na Igreja





«O País é Lisboa e o resto é paisagem".


«Os nossos bispos estão a desaparecer. Têm quase todos setenta anos, ou perto. Quando desaparecerem, ficam os novos padres, os progressistas, sem disciplina, e desenvolvendo aquela actividade caótica e sem freio que é própria de todo aquele que de repente se sente solto da disciplina a que estava submetido. Vai ser uma tragédia. Estamos como no tempo das lutas entre o Império e o Papado.»
- A.O. Salazar (A Franco Nogueira, 19 de Julho de 1964)

- «Entre nós, o clero não obedece aos bispos, nem, ao cardeal; e o sentimento dos "progressistas" é que o Bispo do Porto, D.António, e o Bispo da Beira, D.Sebastião, constituem os verdadeiros representantes da Igreja portuguesa.»
- Franco Nogueira, Diário 1960-1968  (5 de Agosto de 1964)

Em Abril de 1922, realizava-se em Lisboa o II Congresso católico. Oliveira Salazar discursa e estabelece a posição da organização, convidando ao ralliement entre os católicos portugueses e as autoridades republicanas. Nos anos anteriores, sobretudo ao nível universitário, a sua acção na defesa intransigente dos valores católicos contra a repressão aberta e declarada por parte da jacobinite instalada fora sempre das mais destacadas e efectivas. Significa isto que a ligação de Salazar à Igreja católica e desta aos primeiros tempos do seu regime decorrera sempre num ambiente duma certa amizade íntima. A concordata negociada por Salazar com a Santa Sé fora mesmo reconhecida pelo Papa como uma espécie de paradigma desejável para todas as outras no futuro. Não restam quaisquer dúvidas que, juntamente com a Instituição Militar, a Igreja católica constituiu um dos sustentáculos meritórios do regime (embora, desde sempre, Salazar cultivasse uma certa separação republicana entre Estado e Igreja, ou dito com mais propriedade, uma "ligação" maior da Igreja portuguesa à nação portuguesa do que ao Vaticano). Em 1923, na primeira página do Novidades, diário católico de Lisboa, o retrato de Salazar aparece como sendo "uma das mais altas personalidades do nosso renascimento nacional": No ano seguinte, por alturas do I Congresso Eucarístico Nacional, Salazar discura novamente, dando voz a uma perspectiva cristã-social. (muito contra a perspectiva da luta de classes). 
Por outro lado, para termos uma ideia do ambiente político que mediou entre o assassinato de Sidónio Pais e a Revolução nacionalista de Gomes da Costa, basta lembrar alguns episódios particularmente ilustrativos:
- Em 19 de Outubro de 1921, a famigerada camionete fantasma: um bando de bolchevistas, em infernal digresão nocturna pela capital, vai prender a casa várias altas individualidades do Estado, que posteriormente assassina com requintes de malvadez;
- Atentados à bomba, greves, manifestações descabeladas, crises ministerias em catadupa, são o pão nosso de cada dia;
- A iminência da tomada do Poder, através do terror, pela legião vermelha era um facto;
-  Num primeiro sinal de insurgimento contra esta degradação generalizada, a 18 de Abril de 1925, o cruzador Vasco da Gama, capitaneado por Mendes Cabeçadas, bombardeia Lisboa.  Anulada a tentativa, os responsáveis são julgados. O Tribunal Militar reunido para o efeito, absolve-os e manda-os em liberdade. Inicia-se então, a fermentação entre a classe militar que deflagrará no 28 de Maio de 1926.
Entretanto, esta revolução militar terá o seu correpondente político no discurso de Salazar de 30 de Junho de 1930. A reacção, por parte do Grão-mestre da Maçonaria, é elucidativa:
«Desde a vitória da Revolução nacional, que a república não é mais do que uma palavra. O estado Novo era qualificadop de 'estado Absoluto', dominador e despótico, revivescência dos Estados imperialistas e teocráticos da Idade Média.
O discurso do doutor Oliveira Salazar, pronunciado a 30 de Julho de 1930, não tinha paralelo na história de Portugal. A concepção de Estado Corporativo, exposta nesse discurso é a mais tenebrosa de quantas presidiram a formação de outros estados ditatoriais.
A mensagem do grão-mestre terminava por um apelo à insuureição para libertar Portugal das "manobras e das cabalas" que tendem a fazer-nos regressar à ignorância medieval.» (in J. Ploncard d'Assac, Salazar).
Seguir-se-ão dez anos conturbados. Comunistas, socialistas congregados na Aliança Republicana Socialista e franco-mações, vítimas da indiferença popular, lançam-se, despeitados, no terrorismo. Desmultiplicam-se em  intentonas, pronunciamentos, revoltas, atentados, em suma, em "manobras e cabalas" beneméritas, onde, dum modo sucinto, estrebucham e conspiram por duas urgências bramantes e luminosas: derrube de Salazar; e União Ibérica. 
Ao mesmo tempo, dado que o projecto salazarista se propunha libertar o país do facciosismo, da partidarite e do sectarismo, os próprios católicos não recebiam privilégios especiais ou distribuições de cargos. 
« - tendo sido o senhor Presidente um dos fundadores do Centro Católico, havendo até quem diga que foi essa organização que o levou ao Poder, a sua atitude foi julgada (...) incoerente, ilógica, talvez ingrata...» - pergunta-lhe António Ferro, em 1932.
Responde Salazar:
-A primeira observação está certa. Eu fui, na verdade, um dos fundadores do Centro Católico na sua forma actual, porque senti a necessidade de colocar a Igreja, como hoje sinto necessidade de colocar a Nação, fora da preocupação de regime. Conseguida essa finalidade (...) acho que a acção do Centro Católico pode com utilidade transformar-se numa acção puramente social. A União Nacional fez-se, precisamente, para destruir o espírito de partido ou de facção, esteja ele onde estiver. os católicos que desejem colaborar com o seu patriotismo na vida política da Nação sabem, portanto, qual o melhor caminho a seguir.

O que significa, então, a Nação, para Salazar? Significa, penso eu, o espaço vital onde todos, católicos, monárquicos, republicanos, nacionalistas, enquanto portadores de uma boa-vontade podem realizar-se na edificação de um Bem Comum - o Bem de Portugal.  (Há uma certa mística nisto; e Salazar, quase posso jurar, acreditava nela).
Pode decorrer disto um conflito com a própria religião Católica se, por exemplo, o "Bem de Portugal" e o Bem do Vaticano não coincidirem? Penso que sim. Isso explicaria em parte o divórcio, que começa a manifestar-se ao longo dos anos 60, entre o regime e uma parte substancial da Igreja - a nova reacção progressista dos peixinhos vermelhos de água benta (como lhe chamava o próprio Salazar)? Não me admiraria. O novo progressismo católico arquejava de suspiros internacionalistas (o próprio catolicismo é, na essência, um internacionalismo, ou transnacionalismo, para os mais sensíveis) e, fruto de promiscuidades várias e contaminações óbvias, começava a soslaiar no portuguesismo isolado uma mutilação dolorosa do frémito humanitário e humanista que por toda a parte desbordava e convocava à festa. O mundo ansiava por receber-nos de braços abertos e bronzeador à descrição, mal deixássemos de oprimir e perseguir os bons dos irmãos terroristas, anjos mandatados das populações escravizadas. Os ventos da história só anelavam por frisar-nos a trunfa e secar-nos o cabelo das ideias novas. Cumpria, sobretudo, democratizar o rectângulo, de modo a que todos estes torvelinhos mentais e novas permanentes pudessem cabriolar à vontade. Embora, para serrmos honestos, à vontade já eles cabriolavam, faltava-lhes, porém, o à vontadinha. E quanto mais à vontadinha se fica, mais opressões insuportáveis e freios escandalosos se esquadrinham e catam. Retenho na memória, como figura emblemática desse tempo, um cromo baboso que me causava particular asco: o Alçada Baptista. Havia ali qualquer coisa de gastrópode sem casca, deixando um rasto de ranho viscoso à passagem (aquela tirada já posterior, em plena democracia das bananas, de querer corrigir o próprio hino de Portugal diz tudo da lesma escrevinhante)...
Contra o regime austero militava também o rescaldo do Vaticano II. Salazar acreditava que Paulo VI iria ser um mártir (iriam trepar por ele acima e despejar por ele abaixo) e que daí por uns vinte anos viria um outro Papa para colocar tudo nos eixos. Mas o certo é que estas novas excentricidades eleutéricas do Vaticano não auguravam nada de bom para a causa Ultramarina portuguesa. De serviço ao fole da História para grão-cagaço de meninos ou espantalhamento de moscas, o duo passava a trio: Americanos, Soviéticos e Vaticanenses. Era obra. E não seguramente de Deus.

O facto é que no fim dos anos 60, coincidindo com o crepúsculo do próprio mentor/fundador do regime, um dos seus sustentáculos principais transforma-se numa das suas fontes de instabilização. Salazar tem a clara percepção de que chegou ao fim e que, infelizmente, esse desenlace natural coincide com o momento histórico mais desfavorável: Portugal está no auge da tempestade, no olho do furacão... Se aguentarmos mais dez a vinte anos teremos ultrapassado este obstáculo, profetiza. Um novo Papa viria, os Soviéticos ruíriam certamente e os Kennedys, pela sua hubris desvairada, já haviam até convocado a própria nemésis. A pequena casca de noz só tinha que se aguentar à borrasca, indiferente a ventos e mostrengos...
A nau até teria aguentado, estou em crer (em 1974, até já passara o pior no terreno ultramarino)... Faltou a vontade que ata ao leme.


PS: Bem sugestivamente, os medievais catalogavam as hostes demoníacas na categoria dos gasosos aéreos, voláteis.

PS2: Há também um paralelismo inequívoco entre o princípio e o fim de Salazar: aquilo que vai desaparecendo com os primeiros tempos da sua acção ordenativa, começa a reaparecer gradualmente com o desvanecer dessa mesma acção. Se repararmos bem, em 1974 (prenunciada e preludiada por toda uma efervescência crescente durante o Marcelismo) retoma-se, em apoteose histriónica de fim de recalcamento prolongado, toda a balbúrdia aleivosa e grotesca que antecedeu e motivou a Revolução Nacionalista de 1926. Mais do que uma qualquer revolução da qual ninguém fazia a mais pequena ideia, tratava-se duma descompressão, duma larilice emancipada, em suma, dum país maricas a sair do armário. Desfechando, por vingança pura, acima do seu desamor íntimo, um  rancor entranhado, um ódio amontoado à paisagem com quem o tinham obrigado a casar.



domingo, março 29, 2015

Kolocoiso



Entretanto, no paraíso democrático da Ucrânia, o nosso conhecido e famoso Igor Kolo-qualquer coisa já viu melhores dias. Por este andar, ainda acaba a fazer as malas e a emigrar para outro paraíso igualmente democrático, mas mais acolhedor.
Começa agora a contagem decrescente. E até podíamos ir a apostas.... Eu aposto cinco meses.
É só o tempo de, segundo o Frankfurter Allgemaine , canibalizar o mais que puder aos outros oligarcas mais vulneráveis...


PS: E pode emigrar levando consigo a massa e todo o batalhão, que serão todos bem recebidos.

Correio do Dragão

Ando há que tempos para dizer isto: as minhas desculpas aos leitores que eventualmente me tenham escrito para o email. Se não respondi não foi por uma qualquer falta de consideração, mas apenas porque não consigo aceder ao dito cujo. Põe-se a operadora com uma série de requisitos que eu, pura e simplesmente, entendo abusivos e intrusivos.
De modo a ultrapassar este inconveniente, já existe um email alternativo, no "correio do Dragão".

Mais uma vez, as minhas sinceras desculpas.

sábado, março 28, 2015

A Acromiomancia Revisitada - XI. O Modo Português




«E temos de baratear a guerra, se não esgotamo-nos, e não aguentamos. E aqui dentro não se teria paciência.»
- A.O. Salazar (a Franco Nogueira, 25 de Agosto de 1965)


«Os capítulos anteriores demonstraram que existiu uma abordagem especificamente portuguesa da contra-insurreição, que se baseou com sucesso nas suas forças e que derivou de uma estratégia nacional de poupança dos seus limitados recursos. Portugal transferiu esta parcimónia para as políticas e práticas, ao nível táctico e de campanha, que lhe permitiram dirigir uma guerra continuada e de longa duração no Ultramar entre 1961 e 1974. Uma análise das crónicas da época revela-nos que Portugal adoptou um estilo de contra-insurreição diferente do de outros países, que lhe permitiu superar os principais desafios geográficos e os recursos limitados, bem como deter os movimentos nacionalistas. Este modo português centrava-se num estilo de combate contido e de baixa intensidade, que era função dos seus recursos restritos e da sua fraca tecnologia. Portugal soube desde o início que ia combater uma longa guerra e, portanto, teria de combater bem e barato, de modo a conseguir sustentar o conflito.
(...)
Desde o início, Portugal tinha conhecimento de que não haveria soluções imediatas para a sua situação em África, e avançou de modo a favorecer forças e evitar fraquezas. Conquanto tenha perdido as suas colónias, não as perdeu por razões militares.
(...)
Reorganizou o seu exército em pequenas unidades de infantaria ligeira. Este género de força era o mais eficaz e comprovado em campanhas de contra-insurreição, uma vez que mantinha o importantíssimo contacto com a população enquanto se combatiam bandos de guerrilheiros de pequenas dimensões. A infantaria ligeira é também o tipo fundamental de força militar, dada a sua simplicidade e baixa potência de fogo. É também menos provável que aterrorizer a população, intimidando-a com a utilização maciça de poder de fogo.
(...)
A infantaria portuguesa não só perseguia o inimigo, como também cativava a população. Participava simultaneamente em projectos sociais que elevavam o padrãonde vida das pessoas e oferecia uma alternativa tangível às promessas dos insurrectos.
(...)
Além disso, as populações locais foram recrutadas para o combate em números significativos. Esta africanização da contra-insurreição servia para afastar as pressões de recrutamento na metrópole, reduzir despezas de transporte e empenhar as populações locais na sua própria defesa.
(...)
Portugal procurou empregar métodos e equipamentos relativamente simples, que pudessem ser facilmente compreendidos e utilizados pelas suas forças, de acordo com a baixa tecnologia da guerrilha. A alta tecnologia não era necessária para enfrentar os guerrilheiros, e empregá-la na contra-insurreição aumentava exponensialmente os custos de combate, com apenas uma pequena margem de ganhos em efectividade.
(...)
Os portugueses reuniram cuidadosamente a informação sobre contra-insurreições, reduziram-na a um plano de defesa para as suas colónias e consignaram-na numa doutrina escrita para as Campanhas, O Exército na Guerra Subversiva. Este trabalho descrevia ao exército a natureza do inimigo e os métodos que deviam ser utilizados para o derrotar. Esta instrução era fora do vulgar, na medida em que os britânicos e os franceses só tardiamente se incumbiram de escrever a doutrina da sua contra-insurreição, quando já combatiam há algum tempo.
Os soldados portugueses eram enviados para a batalha sabendo de antemão como supostamente deveriam alcançar a vitória.»
-  John P. Cann, "Contra-Insurreição em África, 1961-1974"

Como definir o "modo português" de fazer a guerra de contra-insurreição partindo de um exemplo actual? É simples: estão a ver como os Americanos  combatem o terrorismo?
Pois bem, o Exército Português era exactamente ao contrário.
Em vez de andar com uma turbo-marreta caríssima e sofisticada a tentar matar uma mosca, Portugal usava um mata-moscas, e se pudesse capturar a mosca viva, tanto melhor.
O facto de não dispormos de imensos recursos e altas tecnologias conferiu-nos a vantagem de não embarcarmos em soberbas genocídas. O facto de termos a "comunidade internacional" contra nós e não ao nosso serviço, impediu-nos de entrar em autismos perigosos ou pura aleivosia bélica.
Resultados do combate americano ao terrorismo?. Absurdos, no mínimo. Guerrilha ou terrorismo combatidos por americanos  não diminuem: proliferam, reproduzem-se e multiplicam-se. É um facto indesmentível e verificável.
Porque a diferença fundamental entre o modo português e o modo americano é óbvia: uma vez que o terrorista se procura diluir na população, alvejá-lo com a marreta resulta em que o embate acabe por massacrar mais a população do que o terrorista. Ao fins de vários massacres, a população está mais farta dos libertadores do que dos terroristas, e em vez de ganhar aversão ou resistência ao terrorimo, desata a aderir ao mesmo, quando não  a desenvolver outras formas alternativas e ainda mais virulentas. Ou seja, ao não perceber que a luta contra o terrorismo se ganha ou se perde na medida em que se separe o terrorismo da população, os americanos, ao tratarem tudo por atacado, ocasionam o efeito contrário ao desejável: as fontes de recrutamento do terrorismo aumentam exponensialmente à intervenção, gerando o tal absurdo em que, tudo somado e manifesto, ao terrorismo, mais parece que o cultivam do que o combatem. O que, de resto, no nosso peculiar caso de Angola até se verificou literalmente: os americanos patrocinaram a UPA (são responsáveis morais pelos massacres do Norte de Angola), minaram o mais que puderam o regime de Salazar e as próprias Forças Armadas (através da evangelização dos oficiais que, ao abrigo da NATO, iam aos Estados Unidos completar cursos de aperfeiçoamento - saíam de lá "democraticamente aperfeiçoados"), ao financiarem  no pós-25 de Abril a extrema-esquerda de modo a gerar o maior caos possível e os entraves conhecidos aos embarques para o Ultramar. Esta acção metódica e cavilante de sabotagem do tremendo esforço político-militar português, contribuiu significativamente  para o enfraquecimento das nossas defesas contra o inimigo declarado e ostensivo - as forças soviéticas e seus satélites metropolitanos e ultramarinos. O armamento russo equipava o PAIGC, o MPLA e a FRELIMO (em concurso com os chineses), a União Soviética (e a China) apoiava o Terceiro Mundo, também politicamente, na ONU, na sua luta contra o infame colonialismo. A Guerra Fria demarcava na Europa os dois blocos antagónicos. E, todavia, os americanos, quando vendiam armamento mais sofisticado aos portugueses, faziam-no com a condição expressa e imperiosa de estes  não poderem utilizá-lo nas acções militares em África. . Quer dizer, destinava-se a combater os soviéticos  na Europa, mas não podia ser usado, nem por sombras, para combatê-los em África. Ou seja, só podia ser utilizado para combatê-los onde, de facto, não havia combate. Isto diz tudo do "aliado" americano.
Não obstante, contra ventos e marés, os portugueses lá foram levando a carta a Garcia. Não apenas o exército teve um comportamento extraordinário nas três campanhas, como a própria Pide/DGS desempenhou missões altamente meritórias e serviços relevantes ao esforço nacional de contra-subversão. Como refere John P. Cann,  «na penetração nos países-santuários onde os movimentos nacionalistas se refugiavam, agentes fronteiriços eram normalmente controlados pelo exército, e agentes em missões mais longínquas eram controlados pela PIDE. A competição entre as várias facções dentro dos movimentos originava uma fissura que fazia multiplicar os informadores e encorajava os agentes. Os membros descontestes dos movimentos provaram ser uma fonte fértil de recrutamento e uma oportunidade para a PIDE lançar as sementes da dissenção. Na Guiné, o PAIGC "sofria com as pressões internas entre a liderança mulata cabo-verdiana e a africana guineense, facto naturalmente explorado pelos portugueses.
O principal movimento nacionalista de Moçambique, a FRELIMO, esteve em declarada competição com as forças nacionalistas rivais até 1972, não só pelos patrocínios externos, mas também pelo domínio do movimento. Adicionalmente, dentro da FRELIMO existia uma dissidência entre os adeptos do socialismo revolucionário e os conservadores. Estes encontravam-se isolados e seguiram o seu líder, Lázaro Kavandame, que se aliou aos portugueses. (...) Os movimentos nacionalistas angolanos passavam a maior parte do tempo a lutar entre si e, assim, havia pouca união no esforço de guerra. Os portugueses eram muito bem sucedidos no explorar destas divergências e a causar deserções, facto que levou René Pélissier a comentar, em 1971, que "as redes da PIDE e os informadores portugueses no Congo-Kinshasa são equivalentes no seu efeito a uma divisão de pára-quedistas no solo"»
Mas então se a coisa até foi bem conduzida no terreno o que é que falhou? Se, como reconhecem até autores ingleses, por norma pouco pródigos em elogios a terceiros, «os militares portugueses conseguiram uma vitória clara em Angola, um impasse digno de crédito na Guiné e, com alguns meios adicionais e uma liderança forte, poderiam ter readquirido o controlo da zona setentrional de Moçambique», para que raio foi aquela debandada súbita e atabalhoada, mais semelhante ao estampido de uma manada do que à retirada seja de quem for, ainda mais em se tratando de militares?

Para já, há um mito da propaganda abrileira que, duma vez por todas, cai pela base: a guerra não estava perdida, não era insustentável e progredia até no bom sentido. Portanto, não foi por causa disso.
Falhou então, concretamente, o quê?
Falhou a retaguarda, falhou Lisboa, falhou a Metrópole. Ao mesmo tempo que nós fomentávamos dissenções e clivagens nos nossos inimigos africanos, alguém as explorava e inoculava também entre nós, ao nível político, ao nível social e no interior das próprias Forças Armadas. Socorro-me da analogia do organismo e dos agentes patogénicos. Os agentes patogénicos existem e sempre existirão, desta ou daquela cor, desta ou daquela maneira. Porém, o que barra o caminho à doença e ao colapso são as defesas naturais do próprio organismo. Em 1974, a responsabilidade maior pelo que sucedeu, por acção desenfreada dos agentes patogénicos, deve ser assacada a toda uma acção debilitante e corrosiva das defesas - uma acção metódica, porfiada e insidiosa.

Citando uma passagem dum postal meu de 2007, muito a propósito:
«...o paradigma manteve-se. Apenas mudou de hospedeiro: os jacobinos também acreditavam piamente que os poucos podiam aperfeiçoar os muitos. Regra geral e imperatriz, cortando-lhe a cabeça em excesso, quando não mera redundância da tripa. O seu projecto, aliás, era duma audácia exuberante: importava arrancar aquela cabeça cheia de ideias más e implantar em seu lugar uma outra atestada de ideias boas. Infelizmente, a guilhotina, esse magnífico instrumento, só resolvia a primeira parte do programa. Foi preciso esperar pela segunda metade do século vinte para que finalmente surgisse uma máquina capaz do programa completo: a televisão.»








A jacto ecológico...



Esta coisa dos aviões é um fenómeno muito complexo. E, estou em crer, excessivamente perigoso.
Melhor seria converter tudo a catapultas individuais. Dispensavam-se gastos exorbitantes com tripulações , combustíveis, aparelhos, e extinguiam-se os riscos permanentes de hecatombes colectivas, por atentados, falhas mecânicas ou humanas.
E a um mundo que corre cada vez mais depressa para a borda do precipício, não se perdia nada em refrear-lhe o excesso de velocidade. Ou então, é como eu sugiro: quer voar? Então voe, mas voe sozinho!...

quinta-feira, março 26, 2015

Baixa intensidade

Tabela 1

Mortes em Combate por dia de guerra/milhar de combatentes:

Segunda Guerra Mundial - 0,1400
Indochina Francesa - 0,0691
Vietname - 0,0365
Argélia - 0,0107
Campanhas da África Portuguesa - 0,0075

Tabela 2

Rácio de Mortes/Ferimentos

Vietname      ...............................    1 para 5,6
Ultramar Português ......................- 1 para 5,4
Argélia..........................................- 1 para 4,7
Coreia ............................................1 para 4,1
Ilhas Malvinas .................................1 para 3,8
Segunda Guerra Mundial ................. 1 para 3,1
Malásia ........................................... 1 para 2,4



Maus fígados





«Benjamin Netanyahu's wife 'drank three bottles of champagne a DAY': Ex-caretaker of Israeli prime minister's residence claims she 'drinks crazy amounts of alcohol' »

O Ex-caretaker (do mal o menos, se fosse o undertaker seria pior) da residência do Bibi Nuts (Net para os fãs) faz revelações assombrosas. Parece que a senhora Bibi emborca, entre outras pomadas valentes, três garrafas de champangne ao dia. Dois fenómenos curiosos: ela é que bebe, mas os efeitos etílicos manifestam-se, quase sempre, nele. E, francamente, já sabemos que nos sionistas a auto-estima é inversamente proporcional à inteligência. Mas, com franqueza, passar os dias a celebrar com brindes a sua vaidade racial suscita a ideia, quiçá abusiva, de que, além de dormir e celebrar, a senhora não faz mais nada na vida.
Porém, o fenómeno mais espantoso é de ordem estritamente biológica: coração, já sabemos que não usam; do fígado, pelos vistos, abusam desvairadamente. E, mesmo assim, vivem. Quem diz que só as baratas sobreviverão a um holocausto nuclear não está, decerto, a ver bem a coisa.




PS: vendo bem a fronha da madame, começamos a perceber as frustrações do cavalheiro. Se eu acordasse com uma bruxa daquelas ao lado, também alguém havia de pagá-las!....

A Acromiomancia Revisitada - X. O Horror...





«Já nessa época [século XVII] , os negros de Angola, com excepção dos Jagas, canibais, não eram completamente selvagens:. Possuiam animais domesticados, porcos, carneiros, criação. gado até. Também já cultivavam milho, mandioca, abóboras e outras plantas que os portugueses haviam introduzido.
Quanto aos Jagas ou Jingas, o seu espirito nómada e canibalismo tornaram-nos temíveis.»
- Mugur Valahu, "Angola, Chave de África"

«Cerca de um ano depois, isto é em 1962, sendo eu já Governador do Distrito de Uige, com sede em Carmona, recebi uma carta amiga de um tenente-coronel comandante de um batalhão que estava instalado nessa altura no Quitexe e que me mandava a cópia das declarações de um negro chamado Severino José e que tinha sido apanhado nas matas da região. Era natural de Bailundo e tinha sido aprisionado pelos sublevados em Março de 1961, tendo trabalhado obrigatoriamente quase que como escravo para o grupo rebelde que atacou a coluna que eu comandava e onde seguia o sargento R. Nesse interrogatório, descreveu correctamente a emboscada que tinha sido feita e também a captura do jeep e o ataque ao capitão Castelo da Silva e aos seus homens. Horrorosamente, deu continuidade à descrição que acabei de fazer. É que tanto o sargento R., como as restantes praças que foram apanhadas e mortas, foram esquartejadas, cozidas e comidas!
Não julguem que o que digo é atroz fantasia!  No auto arquivado algures em Lisboa, ficou escrita a declaração textual de Severino José: "O sargento, como era gordo, deu muito óleo e carne!"
O bando de assassinos era natural de Cambamba onde tradicionalmente se faziam semelhantes festins, muito no interior das matas, fora das vistas e ouvido de quaisquer autoridades, europeias ou africanas. Eram rituais herdados dos povos jagas que os praticavam correntemente e que até faziam normalmente ataques a outros povos só para fazerem prisioneiros e obterem "matéria-prima"...»
- Camilo Rebocho Vaz, "Norte de Angola 1961 - A verdade e os Mitos"


«-Em Lisboa, sempre se disse muita asneira sobre a vida angolana - explicou convicatmente o cafuzo. - Mas a verdade é que, salvo raríssimas excepções, não foi o trabalhador das roças quem se deixou envenenar pelas cantigas dos agitadores vindos do Gana ou do Congo ex-belga. Foram precisamente os dembos e ambuilas, que desde há muito não trabalham, nem para po branco nem para si próprios...
- Então de que vivem?
- Vivem do trabalho das mulheres, como toda a gente de Angola está farta de saber. Nas roças de café, trabalham os bailundos. E os bailundos continuam exemplarmente leais a Portugal...»
- Reis Ventura, "Sangue no Capim Atraiçoado"


Importa registar que os chamados "movimentos de libertação" putativamente nacionalistas que ateiam a guerra no Ultramar Português são tudo menos isso - "nacionalistas". Em bom rigor, são puras manifestações tribalistas, racistas e, como no caso do Norte de Angola, em 1961, de pura e arcaica selvajaria. Se alguém chama "sopro histórico" àquilo, deve andar a snifar o próprio ânus, pois, na verdade, é de uma pura manifestação anti-histórica e anticivilizacional - de retrocesso atroz à idade da Pedra, mental, moral e cultural -, que se trata.
Os levantamentos subversivos nas nossas antigas províncias, escoraram-se, sem excepção, em determinada etnia específica: a UPA nos Bacongos e seus sub-grupos; o PAIGC, nos Balantas; e a Frelimo, nos Macondes. O facto de serem, sem excepção, as tribos menos civilizadas, mais arcaicas nos costumes e religiões (todas elas animistas) diz muito, senão quase tudo, da matéria-prima preferida pela agitação subversiva. Com premeditação expedita e direccionada, lançaram-se, precisamente, sobre os mais crédulos, afastados e vulneráveis. De preferência, pois, aqueles menos capazes de oporem alguma resistência efectiva à substituição duma superstição antiga por outra moderna, servindo-se esta, para a nova fachada, dos andaimes daquela. Do feiticismo tribal ao feiticismo internacional em duas penadas...
Por conseguinte, nunca houve qualquer "levantamento ou insurreição nacional", mas apenas (como de resto no século XIX e princípios do século XX), "sublevações tribais" - externamente, patrocinadas, caiadas e alfaiatadas, mas tribais. Foi isso que nos permitiu, entre outras coisas, formar tropas africanas (que em 1974, orçavam os 54.500 elementos) para suportarem, crescentemente, o encargo do combate. Tradição, aliás, antiga no nosso exército: já Teixiera Pinto, no incício do século XX, recorrera a um contingente de 100 Cuanhamas (do Sul de Angola) para  auxiliar na pacificação da Guiné. 
Disto decorre uma verdade muito simples, mas perversa e permanentemente escamoteada: o risco da acção armada insurrecional, mesmo no pior cenário (Guiné), nunca foi o de "independência geral" duma província ultramarina, mas de mera cessão duma parcela desse território (o Norte de Angola, o Sul da Guiné, o Norte de Moçambique). Quem estava praticamente condenado a perder militarmente a guerra não era Portugal. Este estava, isso sim, e à partida, condenado, fizesse o que fizesse, dissesse o que dissesse, a perdê-la politicamente. Um pouco como na fábula do cordeiro e do lobo. Só que o cordeiro respondeu com cornada aos primeiros rosnidos do lobo. E enquanto teve a lucidez elementar de perceber que com a força só se lida pela força e que não há apaziguamento possível contra bestas canibais (que é senão canibalismo geo-político a acção repugnante e concertada de americanos e ingleses contra os seus próprios aliados?!), lá foi adiando o macabro festim.

quarta-feira, março 25, 2015

Para que conste



Como dito ou feito pelo estrangeiro é que tem valor, é que confere autoridade,  então, aí vai:

«Em 1971, os generais Costa Gomes e Bettencourt Rodrigues davam origem a uma vitória militar em Angola, que permaneceu intacta até ao fim da guerra.»
- John P. Cann, "Contra-Insurreição em África - 1961-1974"  (pp. 255, trad port Ed Atena)

Registaram?

Não tem de quê.

A Acromiomancia Revisitada - IX. Contra ventos e cata-ventos





«Lisboa, 5 de Agosto de 1964 - mais uma vez se discute a política das grandes potências ocidentais em África. Diz Salazar com ímpeto: "a minha raiva toda está em que daqui a vinte anos haverá portugueses amigos dos Estados Unidos e de Inglaterra, e estará esquecido que nos querem espoliar. E eu não estarei vivo para evitar isso dizendo simplesmente a verdade"
- Franco Nogueira, Diário 1960-1968

(Estas duas citações que se seguem são especialmente ao cuidado do Euro2cent, um expert na fauna em questão):
«Lisboa, 23 de Agosto de 1964 - Williams, o dos sabonetes, ten procurado envenenar Tschombé contra Portugal. Acentua-se uma tendência para internacionalizar a situação congolesa.»
- Idem.

«Lisboa, 6 de Maio de 1965 - Salazar ficou particularmente irritado com os americanos: com efeito, Williams (o dos sabonetes), disse a Garin que a nossa política em África estava a pôr em perigo a segurança dos Estados Unidos. Por outro lado, um americano de alto nível (Salazar não me disse quem) teria afirmado ser necessário modificar a situação interna portuguesa, na metrópole. "mas não o conseguirão", diz o chefe de governo com ênfase, "mas temos de ter cuidado porque são brutais. Quando rompermos é porque está perdida a esperança de uma situação amigável.»
- Ibidem.

Lisboa, 31 de Dezembro de 1965 - Findo o ano em trabalho com o Presidente do Conselho. Como eu lhe desejasse um bom 66, replica: "tenho muitos receios para 1966. Vai ser um ano muito difícil. Talvez mais do que os anteriores. Isto da Rodésia vai ser uma crise grave, complexa, prolongada. Quem sabe se, por acto do Ocidente, não estaremos a assistir ao princípio do fim do homem branco em África?! Talvez seja propósito dos Estados Unidos e da Inglaterra destruir toda a África, utilizando para o efeito a subversão e a autodeterminação e o comunismo, sabendo que depois de tudo destruído a África há-de voltar a apelar para a Europa e o Ocidente - mas então só para os grandes. E assim se eliminaria Portugal de África. Sinto alguma revolta quando penso que já não existirei para denunciar isso.»
- Ibidem

Em Julho de 1964, De Gaulle acusa os Estados Unidos de "apenas aceitarem o seu próprio colonialismo e de quererem substituir a França na Indochina". Sabemos no que terminou. E de como a acusação de De Gaulle era não só perfeitamente fundada, como pecando apenas por escassa e tardia.
Em relação a Portugal, a coisa foi ainda mais torpe e, em larga medida, sinistra. Primeiro tentaram o bullying. Salazar não cedeu, nem pestenejou. Ao mesmo tempo investiram no fomento da Upa, que, em 1961, consumou todos aqueles edificantes massacres do Norte de Angola. Com base no exemplo dos belgas a norte, era suposto os portugueses fugirem apavorados e embarcarem à pressa para a metrópole. Não fugiram. Os que não acabaram mortos à catanada, resistiram heroicamente. É  de O Braseiro da Morte (Diário dos primeiros 120 dias de terrorismo nas terras de Angola), que retiro os trechos que se seguem:

«Logo no primeiro embate, a táctica terrorista deixou a marca com que saíra dos cérebros diabólicos que a criaram e orientaram. Fora ensaiada na Argélia e no Congo, perante a França e a Bélgica que viram de braços cruzados falhar toda uma política reles de acomodatícia feição egoísta. Podemos dizer que, economicamente, a UPA foi larga e descaradamente subsidiada para a prática terrorista de genocídio, com o dinheiro entregue pelo "American Comittee for Africa", ao famigerado Holden Roberto. (...)
Em fins de 1960, Holden Roberto foi aos Estados Unidos receber instruções e fundos para a invasão do Congo Português, que viria a realizar-se quatro meses mais tarde.
Em Inglaterra, nossa velha aliada - parece que é isso que os tratados rezam - Amílcar Cabral angariava fundos idênticos, de colaboração com o "Comittee of Africa Organization". por outro lado, Mário Pinto de Andrade recebia do próprio Krushef uma longa mensagem de apoio à traição à Pátria e de agradecimento a outra de submissão ao comunismo que o malvado português lhe enviara..»
(...)
Março, 15 - No Quitexe há 19 mortos europeus, horrorosamente  trucidados ou de carnes esfaceladas e retalhadas, membros decepados e cabeças cortadas.(...) Ainda no Quitex, na fazenda do José Poço, é assassinado  o proprietário e cortado, depois de morto, aos bocadinhos. Um filho deste, de onze anos apenas, empunha uma pistola que fora a única defesa de seu pai e, aos tiros, enfrenta a matilha de lobos esfaimados agora ao assalto. Desta forma se salva a mãe e outras pessoas que a fuga dos criminosos deixa em ânsias e entre lágrimas de dor. (...)
Março, 16 - Pelas zero horas da noite passada, o patrulhamento era intenso, feito especialmente por civis armados que se deslocavam em carrinhas, incessantemente, a perscrutar a noite negra e chuvosa. (...)
Março, 17 - O ambiente tétrico e a sensação de desamparo vão, enfim, terminar. Chegam reforços de tropas da Metrópole, constituídos por "caçadores especiais", carros ligeiros e algum material bélico. Distribuem-se armas e munições aos civis. (...)
Março, 18 - O negro tornou-se instrumento de cobiças políticas, de missionários habilidosos, com vários patrões, protestantes ou evangélicos. Servo fidelíssimo de uma mitologia e de um messianismo fortemente inveterados no cérebro fraco desses desgraçados que chegam a acreditar na ressurreição imediata depois da morte em combate, fácil foi, e económica, a doutrinação criminosa dos protegidos traidores americanos e ingleses. (...)
Março, 20 - Principiam a escassear os géneros alimentícios, sem que providências se tomem para urgente abastecimento. Os hotéis e restaurantes só fornecem como medida preventiva, sopa e um prato, às duas principais refeições. Recomeça o pesadelo. Não se dorme e come-se o que calha e o que há. (...) Faltam armas e munições. Muitos europeus pouco mais têm do que as mãos para resistir a um inimigo poderoso que recebe ajuda constante a apoio oficial da ONU e seus donos... (...)
Março, 22 - Foi organizada a Milícia para proteger as fazendas ameaçadas e onde os europeus juraram morrer a combater por elas. Começam a aparecer "carrinhas" e camiões com desenhos de animais (leões, elefantes,etc e outros de influência psicológica) com legendas de guerra para levantar o moral de muitos que nem a morte temem. Eis, só para exemplo, esta, escrita a tinta negra, na guarda metálica de uma carrinha:
          «ESTA É A CARAVANA
           DA FAZENDA 'VALE DO LOGE',
           MORRA UM HOMEM FIQUE FAMA
           DESTA TERRA NINGUÉM FOGE.»

Março, 26 - A brigada da Televisão chegou a Carmona. Antipátiica, a insultar os que sofrem e choram a morte de entes queridos, acusando a população europeia de provocar a chacina. fedelhos empertigados, vomitando, à priori, conclusões sem fundamentosério, não podem nem querem avaliar a extensão do nosso drama (...)
Abril,  1 - Foi hoje conhecida a prisão do cónego Manuel das Neves, imediatamente transferido para Lisboa. O que se diz agora por aqui, é doloroso. Parece que os bandoleiros tinham pensado desencadear a luta no dia de Páscoa ou sábado anterior. E que na Sé de Luanda haviam sido armazenadas muitas catanas de gume bem cortante. É que o cónego queria tudo com muita limpeza... (...)
Abril, 5 - Confirma-se a triste e agoirenta notícia. Fora atacada de surpresa uma força militar que saíra em socorro de um 'jeep' saído na noite anterior. Estes militares chacinados, barbaramente mutilados, vieram para Carmona. De Luanda virá um avião para carregar o montão de carne esfacelada, corpos decepados, juntos no local. Os nervos não aguentam mais. Apenas a "Milícia" se mantém na defesa da cidade mártir, condenada pela cobiça dos assassinos empurrados de fora. (...)
Abril, 18 -  O Quitexe foi mais uma vez sacudido pela onda negra criminosa e covarde que só ataca de noite. A força militar ali aquartelada defendeu a população e bateu-se bem. (...)
Abril, 21 - pelas quinze horas chega a notícia de que no Úcua se produziu um recontro entre os bandoleiros da selva e forças paraquedistas, apoiadas por populares. Houve avultadas baixas nos terroristas e três prisioneiros que, por certo, hão-de dizer coisas interessantes.
Dos nossos, lá ficaram dois paraquedistas a regar com o seu sangue generoso uns palmos de chão desta Angola (...)
A Luanda chegam, incessantemente, reforços humanos e munições abundantes que a metrópole nos envia. Salazar cumpriu. O novo Governo esmagou os dúbios e arrumou traições que poderiam vir a ser a nossa ruína e a morte dos sobreviventes do Congo. (...)
Junho, 12 - As baboseiras da ONU conseguiram mostrar o empenho americano pelas riquezas do solo de Angola, cobiçadas um dia pelos ingleses e disputadas após a legalidade de direitos dos portugueses que daqui não sairão, nem por medo nem por ameaças ridículas que suscitam o escárneo contra os novos bandidos deste século. (...)
Junho, 14 - Na zona de Canabatela foi preso um pastor protestante congolês, angariador de pessoal para os actos terroristas. (...)
Junho,16 - A cidade começa a animar, erguendo-se das cinzas a que começou a reduzir-se. Confiante na acção do novo Governador Distrital, a população cresce para novos heroísmos.»

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Salazar definiu bem a coisa: um país de alianças, sem aliados. Em que o principal aliado da NATO e  o mais velho aliado na Europa se comportaram como velhacos instigadores da subversão, da traição e da desagregação portuguesa.
Sentia revolta e raiva, o idoso governante, por já não vir a estar vivo, decénios adiante, para dizer simplesmente a verdade. Bem, a verdade é que a verdade não morre com os homens. Porque outros homens nascem, outros homens vivem e a verdade pode até ser soterrada por entulhos de mentiras, pode até ser esquecida por enxames de amnésicos, pode até ser vilipendiada por formigalhões de acéfalos, mas não morre. Não perece. Não expira o seu prazo. As mentiras podem ser substituídas por outras mentiras, mas nenhuma delas pode substituir a verdade.




Nota: Leituras recomendáveis e complementares deste postal:

http://dragoscopio.blogspot.pt/2006/09/memria-perdida-iia-metstase-submersa-o.html
http://dragoscopio.blogspot.pt/2006/09/memria-perdida-i-o-singularismo.html
http://dragoscopio.blogspot.pt/2012/11/forum-descolhonizacao-2-resistenci.html

terça-feira, março 24, 2015

O Mapa Lilás revisitado

Vem muito a propósito desta nossa viagem pelas altas acrobacias dos ratos e ratazanas deste mundo. Até porque rasga uma janela muito apropriada para o real significado das "descolonizações africanas"...E podem aproveitar para conferir o estado actual da arte, no que confere à confeitaria americana do Médio-Oriente.

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O nosso já velho conhecido Ralph Peters tem mais um desarrincanço bestial. A pérola formidável intitula-se "Blood Borders -How a better Middle East would look" e desenovela-se a partir do seguinte axioma:
«The most arbitrary and distorted borders in the world are in Africa and the Middle East. Drawn by self-interested Europeans».

Felizmente, não existem apenas estes europeus maus, gananciosos e péssimos map-designers. Existe também o Ralph Peters e existem, sobretudo, americanos altruístas, sempre prontos a acudir às injustiças do mundo. Gente, ainda por cima, duma dinâmica e generosidade ímpar, que raramente perde tempo com pensamentos embaraçosos, preferindo, por regra e sem mais preâmbulos, a acção imediata e desembaraçada. Em conformidade, aprestam-se desde já para corrigir os desastrosos e grotescos sarrabiscos dos europeus. Peters dá o exemplo. Com destemor vigoroso, liderando todo um pelotão de arquitectos iluminados que se adivinha, atira-se ao Médio-Oriente. Efervescente de sabedoria, pletórico de energia característica da tribo, gastou dois minutos no estirador e, em duas penadas, com traço demiúrgico e inspirado, resolveu a balbúrdia. Arrumou cinderelicamente os países. Um Leonardo não faria melhor. A Carochinha, tão pouco.
África, entretanto, que não desespere. É quase garantido que não perde pela demora. Daqui a meia dúzia de "shock&Awes", há-de chegar a vez da Nigéria, de Angola, do Sudão, do Chade, da Líbia, enfim, de todos e quaisquer países cujas reservas petrolíferas o justifiquem. E compensem. Porque os americanos são beneméritos e altruístas -o projecto é gratuito, a assessoria posterior e a tutoria benigna também -, mas não podemos contornar nem esquecer, aquando da instalação, toda uma despesa com terceiros, nomeadamente onerosos encargos com sub-empreiteiros e maquinaria pesada...

A generosidade de Peters, não obstante, sempre na brecha, alcança píncaros de benevolência. Com caridade inexcedível, faculta-nos até um relance antecipado e certamente deleitante da sua prodigiosa maquete. Maquete - que digo eu?- milagre portentoso, isso sim (se Cristo curou paralíticos, Peters acaba de curar todo um semi-continente!). Pasmemos, então, caros leitores:

1. O Médio-Oriente desastrosamente gatafunhado por europeus pérfidos:

2. O Médio-Oriente redesenhado por americanos beneméritos e altruístas:



Uma vez recobrados do pasmo, caso não nos tolha para todo o sempre um trauma profundo ou torpor cataléptico equivalente, talvez nos ocorram um ou dois considerandos...
Um, que assim de relance me ocorre, relativamente insignificante, inócuo, senão de todo despiciendo, é que, por exemplo, em África, as fronteiras que os europeus tão ignobilmente traçaram só começaram a sangrar coisa que se visse desde que as potências beneméritas e altruístas –como os Estados Unidos, a União Soviética e a República Popular da China – desataram a armar, a instruir e a manipular toda uma constelação de grupelhos heteróclitos e satélites –entre proletarizados à pressãoevangelizados a martelo ou catequizados-sobre-o-joelho – mas todos eles inflamados de um ardor revolucionário-libertador e, sobretudo, duma vocação terrorista, gulosa e depredadora que, mais ainda que sobre os europeus que em tese a motivava e consagrava, se abateu, impiedosa e praticante, sobre os africanos (geralmente mais desprotegidos e cativos da gleba) que, por alguma dúvida ou reticência, não aderiam com a passadeira vermelha devida e a urgência VIP vitalícia, aos seus ímpetos e frenesins emancipantes. Prova disso, entre mil outros episódios que podia aqui descrever, aconteceu no norte de Angola, em 1961, quando uma horda de frenéticos liambados, sob o filantrópico patrocínio dos Estados Unidos da América, incendiou, pilhou, violou e assassinou –de catana, preferencialmente -, 3.000 brancos e 30.000 bailundos, todos eles portugueses. Os bailundos, com certeza, não podiam estar a expiar o crime de serem colonos.
Os ventos da história, naquela época, não dormiam. Concertados com a acção benemérita internacional, não descansaram enquanto não sopraram os pérfidos europeus dali para fora. Após peripécias várias, cada qual mais sórdida que a anterior, mas todas elas irrelevantes para a consciência dos nossos historiadores manteúdos de regime (seja ele qual for), lá acabaram por debandar todos, os tais glaucos, de volta ao ninho de víboras originário, deixando África entregue às suas fronteiras e aos delegados plenipotênciários de serviço - fiéis depositários e procuradores, todos eles, dos valores superlativos das potências beneméritas e altruístas. A democracia, merceeira ou popular, sempre à cabeça.
Curiosamente, desde então até hoje, as fronteiras têm sangrado com uma abundância sempre crescente, quando não recordista de carnificinas. Os massacres, as razias, as epidemias, a fome, a miséria, a corrupção, o racismo, o apartheid baseado no espólio, a desvalorização da vida humana, alcançaram contornos dignos dum Mordor tolkienesco. Extraviados das suas formas de vida tradicional, despejados anarquicamente do Comboio-para-a-civilização, os africanos viram-se largados na terra de ninguém, num limbo de não-gente - decoração macabra de estatísticas, pura e completamente à mercê dos apetites insaciáveis de empórios, traficantes e tiranetes de aluguer. Ainda mal acabavam de suportar o pior do colonialismo, cem anos de discriminações e desumanidades avulsas, quando finalmente começavam a usufruir da qualidade de pessoas, com direitos, benefícios e dignidades arduamente adquiridos, eis que os devolviam, de roldão, ao tribalismo mais asselvajado. Depois dos europeus brincarem com eles às civilizações, era a vez dos soviéticos (e toda uma esquerda acólita, de lavadinhos mentais e desinfectados urbanos) brincarem às revoluções e aos marxismos-leninismos em digressão tropical; dos americanos brincarem, primeiro, às guerras frias e, logo após, aos mercados, aos FMIs e aos Terrorismos de Conveniência; e de todos, beneméritos e egoístas, americanos, europeus penitentes, russos, chineses e até indianos e brasileiros, brincarem aos neo-colonialismos. Redundante será acrescentar que, comparado ao melhor do neo-colonialismo, o pior do colonialismo não passava duma brincadeira de crianças.
A culpa, naturalmente, hoje e sempre, é das fronteiras e de quem as traçou. São fronteiras que sangram excessivamente, numa incontinência desatada. A culpa, grandessíssima culpa, sabemos mais, sabemos todos, por decreto e tele-pulverização ao domicílio, é da velha Civilização Ocidental, pré-holocáustica, europeia, essa messalina! E do europeu malvado, Atlas em figura de gente, mais o seu imenso e esmagador fardo de remorsos e assombrações persecutórias!
Graças a Deus, a Darwin e ao macaco ateísta com polegar oponível à boleia da última moda, uma das potências beneméritas e altruístas ascendeu a superpotência única, criadora duma Nova-Civilização Acidental, pós-holocáustica, pelo que se pode dar ao luxo, ao requinte e ao desfrute catita de ser super-benemérita e super-altruísta. É, pois, nessa condição inefável e por via de tão sublime confluência astral, que vai doravante redesenhar as fronteiras hemofílicas legadas por europeus malvados, substituindo, o quanto antes, aquelas que sangram por umas que nunca mais sangrem e apenas suem e segreguem sucos energéticos com a maior das generosidades. Sendo que o mais certo, pelo andar da carruagem, é acabar tudo numa substituição de fronteiras com hemorragias por fronteiras com hemorróides. E confiar que, dissolvido em tanta e tão ininterrupta merda, o sangue acabe por passar despercebido.
São infinitas as propriedades diluentes do sangue dos outros.


PS: A realidade deste nosso mal parido tempo, lembra cada vez mais a profecia nietzschina dos “últimos homens” - criaturas pequeninas, rasteiras, superficiais, sem valores, peixinhos coloridos confinados a um aquário nihilista. O filósofo alemão não se cansou de anunciar - fenómeno que, aliás, já grassava na sua época -, a efeminação e a infantilização –ou seja, a imbecilização paulatina e convulsiva - da humanidade.
Olhando a política, a geopolítica, a geoestratégia e toda a corte de minhoquices subsidiárias - da propaganda à publicidade, da história às artes, da filosofia à literatura - que nos cercam e sitiam, a ideia que fica, que se instala, que persiste obsidiante por mais que a esconjuremos, é a dos governos das nações, do recreio das elites e do laboratório das ciências estarem transformados numa amálgama tumultuosa fruto do cruzamento consanguíneo entre o parque infantil e o asilo de alienados perigosos. Como se por toda a parte imperasse não a prudência, o realismo, a humildade básica inerente a um ser mortal, a comum sensatez, o sentido de povo, sociedade ou estado, uma moral ou ética por mais rudimentar que seja, ou qualquer outra virtude ou faculdade imprescindíveis à gestão sóbria dum destino, mas a birra, o capricho, a mania, a pirraça, a maldade gratuita, a manha, a mariquice assexuada, a irresponsabilidade ufana, a espertalhonice, a fanfarra, a imitação macacóide, a cagufa histérica, a frivolidade, a egomania, o autismo, a toleima, a chantagem emocional, a mitomania, a fantasia parola, o bandoleirismo coquete, o carnaval ubíquo, o onanismo furtivo e toda uma parafernália de puerilidades traquinas do idêntico quilate.
Quando fedelhos cristalizados destes se põem a brincar com fronteiras, com países e, sobretudo, com o sangue, a dor e a desgraça das pessoas, o mínimo que devia haver era uma espécie de autoridade justiceira metafísica, ao estilo da Nemésis ou da Até mitológicas, que os confinasse a um qualquer Hades correccional, onde, na vizinhança de Sísifos e Tântalos, brincariam pela eternidade... Com a pilinha - perpetuamente mirrada e flácida - deles. (Ou o grelinho - infinitamente estéril e frígido -delas.) Sendo que a pilinha e o grelo seriam -como em muitos casos já são - perfeitamente intercambiáveis.

PS2: A celebrar todos este triunfo moral das descolonizações à pressão, por ango-conveniência ou lestofagocitose benemérita, temos diariamente milhares de transfugas africanos a tentarem por todos os meios escapar ao paraíso descolonizado  por travessia alucinante do Mar Mediterrâneo. Chamar vento da história ao traque ribombante das grandes-potências da hegemonia a ferver, diz quase tudo da ausência de senso ou de experiência de vida de quem o proclama. Dir-se-ia  até que na nova-caverna de Platão, o sentido em défice já não é apenas a visão, mas sobretudo  o olfacto; e a própria caverna, de ergástulo degradou-se, entretanto, a  pocilga. Onde o essencial é que a ração não falte, o farelo abunde e o chiqueiro prevaleça. 

segunda-feira, março 23, 2015

A Acromiomancia revisitada - VIII. Células malignas



Os dois mais destacados "dínamos" políticos do MFA (entre vários outros menos conhecidos) são Melo Antunes e Vasco Lourenço.
Sobre o segundo, outro dos revolucionários de primeira linha do MFA, o Tenente-Coronel Luís Ataíde Banazol, escreve no seu opúsculo de 1976, "Os capitães generais e os capitães políticos":

«Peguemos de novo em Vasco Lourenço porque a Pide, se tem cumprido a sua obrigação, também teria pegado nele. (...)
Era um revolucionário dos pés à cabeça e por ele, nem teria sido necessária aquela arenga que fizéramos na reunião do estoril, em fins de setenta e três.(...)
Nos tempos "heróicos" da conspiração era o homem sempre "possível".
Vamos ver se nos explicamos melhor com este "sempre possível". Sempre possível marcar reuniões, contactos, diligências, declarações, assinaturas, votos, tudo. Sempre possível telefonar-lhe, marcar-lhe encontro, mandar-lhe dizer, ir pessoalmente. nem um minuto sem "revolução", nem um minuto sem agenda, sem programa. Meses a fio nisto.
A actividade sub-reptícia deste homem era fenomenal. serpenteava silenciosamente por todo o lado, farejava tudo, trazia sempre as últimas informações do que se passava a todos os níveis, militares e civis.
Foi, na verdade, um dos elementos aglutinadores do Movimento dos Capitães e dos poucos, desde o início, com a firme determinação de o transformar em Movimento revolucionário».

E de Melo Antunes, diz o seguinte:

«Do 'capitão-político' Melo Antunes não se lhe conhecem pormenores. Por aquilo que toda a gente sabe, parece que se "especializou" em planos, ao ponto de Vasco Gonçalves o apodar de como sofrendo de uma doença a que chamou "planite". Na verdade, o major melo Antunes foi celebrado como o autor do primeiro plano para o programa do MFA.»

Nunca é demais salientar que se trata dum retrato feito por um camarada revolucionário do MFA. Não são bocas da reacção.

Perante isto o que é que se pode dizer? Já se percebe porque é que não lhes sobrava grande tempo para combater o Subversão externa: estavam completamente assoberbados a reproduzi-la internamente. Ou seja, em vez de combaterem o inimigo, imitavam-no. Como é que se chama àquelas células que desenvolvem agressões e metásteses no próprio organismo a que pertencem? Cancros, não é?  Não deixa de ser curioso, e até bizarro, quando o amor à Pátria é substituído pelo tumor à Pátria. Isto é do mesmo jaez de vermos polícias desistirem de combater o crime e passarem a vir assaltar-nos a casa. Em nome duma qualquer revolução peregrina.


Definição de Guerra Suversiva: «Luta conduzida no interior de um dado território, pela sua população ou parte dela, ajudada e reforçada ou não do exterior, contra as autoridades de direito ou de facto estabelecidas, com a finalidade de lhes retirar o controlo desse território ou, pelo menos, de paralizar a sua acção.» {In Regulamento de Campanha - Operações - 1971]

A Guerra Subversiva é uma modalidade das Guerras Internas - «Há três formas principais de guerras internas: as revoltas militares, os golpes de estado e a guerra subversiva. As guerras internas, embora se desenvolvam sempre no interior de um Estado e adquiram sempre a aparência de um problema interno, podem na realidade ou ser exclusivamente internas, ou ser de origem interna e apoiadas do exterior, ou ser fomentadas e impulsionadas, fundamentalmente, do exterior.»  [Idem]

«As forças da organização militar subversiva podem compreender:
- voluntários que aderiram, mais ou menos conscientemente, ao movimento subversivo;
- elementos recrutados coercivamente;
- desertores das nossas tropas;
- chefes e especialistas militares.»
[Ibidem]

Onde se lê "desertores das nossas tropas" falta acrescentar uma espécie ainda mais perigosa e daninha ao esforço de combate à subversão: "Traidores das nossas tropas".  Como o MFA patenteou com exuberância.



PS: Mas que raio de aventura foi aquela do Exército Português se ter metido numa Guerra Contra-Subversiva, ainda para mais prolongada, sem um Serviço de Contra-Inteligência militar a sério?
               

domingo, março 22, 2015

A Acromiomancia Revisitada -VII. Sem rumo e sem futuro



«Spínola, já em 1968, era considerado nos meios ultramarinistas como um sujeito ininterruptamente tonto, vaidoso como um pavão, ambicioso e perigoso por ser azoinado da cabeça. Dos secretos dinheiros da província que podia gastar sem o visto do Tribunal de Contas, dispendeu muitos milhares em propaganda pessoal, procurando impôr-se à opinião pública como um militar da estirpe de Rommel, de MacArthur, do Mousinho ou, ao menos, do Eric von Stroheim. Dizia ter lido relatórios do Mousinho e aspirava pelo seu Marracuene, pelo seu Chaimite, com a correspondente entrada triunfal em Lisboa no alto duma quadriga, coberto de loiros, o Amílcar Cabral algemado de pés e mãos como acontecera ao Gungunhana. Queria ser Presidente da República. Suspeitava que Marcello Caetano lhe acarinhava as ambições. Para chegar a Belém e ter mais uma estrela na manga do dólman, seria capaz de matar a mãe.
Atingira o generalato porque Salazar o impusera em Conselho de Ministros, recordado dos tempos em que o pai do «herói» fora seu secretário, e duma carta amanteigada em que o homenzarrinho lhe escrevera em 61, depois do gorado golpe de Botelho Moniz e Costa Gomes. Chegara a Governador da Guiné nos últimos tempos decadentes de Salazar, depois de lhe ter sido negado o Governo Geral de Angola.
Desembarcado em Bissau, poucos meses antes de Salazar ser demitido, não precisou de muito tempo para verificar que o seu Chaimite tinha sido chão que dera uvas. Em Moçambique, no final do séc. XIX, os vátuas, armados e financiados pelos rodesianos, lutavam de cara descoberta; ali, no meio de pântanos e picadas enlameadas, os turras, armados pelos soviéticos, batiam e fugiam. Fugir é a táctica suprema do guerrilheirismo — e não por medo, não — por inteligência. Guerrilheiro que não sabe fugir não dura um piscar de olhos — e o Spínola não sabia fazer aquela Guerra que não vinha explicada nos manuais da Escola do Exército. Nem a queria fazer. O que queria era a Campanha da Rússia. O que desejava era Austerlitz, o Almeida Bruno e o António Ramos feitos duques no amanhecer encarniçado da vitória. O que ambicionava era vencer Iena, ganhar Friedland, atravessar os Alpes no dorso dum elefante. Sofria de caprolália. Faltava-lhe um rim. Só bebia água do Luso e comia galinha cozida.
Quando no princípio de 1972 um advogado do Porto, especulador bolsista, o dr. Francisco de Sá Carneiro o convidou para se candidatar à Presidência da República recusou, convencido de que Marcello Caetano o levaria a Belém. Quando o Presidente do Conselho de Ministros resolveu fazer recandidatar o Almirante Américo Thomaz, sentiu-se traído. Resolveu, então trair a Pátria fomentando o descontentamento corporativo dos capitães que começava a ronronar.
Chegado a Belém, cavalgando o M.F.A., ainda tentou dissolver e atraiçoar os capitães, e vigarizar Costa Gomes; mas, enganado pela própria jactância, acabou no exílio. Arranjara mais uma estrela no dólman. Destruíra Portugal.
Graças aos Spínolas, aos Costa Gomes aos Soares, aos Sás Carneiros, aos Freitas do Amaral e a muitos outros, nós somos hoje um estado exíguo na iminência da dissolução. Ao comemorar-se o 25/A comemora-se a estupidez e a traição. Só quando nos livrarmos desta sarna fulurenta poderemos tentar ressurgir.»

- Manuel Maria Múrias
In Agora!, n.º 6, pág. 3, Junho/Agosto de 1994.

sexta-feira, março 20, 2015

Consultório oracular - 2. Espiritismo militar




Não posso deixar de acudir a esta questão séria e sério excesso de benevolência com que o caro José,  na caixa comentarial penúltima, do alto da sua tremenda experiência  na matéria, borrifa  a escória do oficialato do exército português a que, na minha já distante juventude e princípio da idade adulta, pertenci. Certifica ele, com magnanimidade, mas exorbitante condescendência: 

«E por isso questiono seriamente se os milicianos que estavam na tropa, entre os quais te incluis garbosamente de boina vermelha, tinham a noção do espírito militar, sei lá, para ir o mais longe possível, de um japonês. Um samurai é um verdadeiro militar. Um miliciano portuquês é um açafate desse militarismo. 
Para ficar por mais perto, os prussianos eram militares.
Os milicianos nacionais-porreiristas eram apenas uns gajos com estudos qb a quem deram umas divisas depois de lhes ensinarem como se pegava numa arma e terem oportunidade de ler o Marighella. estou a caricaturar, mas não andarei longe, pelos que conheci.»



Começarei pela segunda parte e pentearei depois o capim a eito pela primeira, se me permitem a analogia tropical.



Havia de facto milicianos (com fracas habilitações académicas, contar até dez, salvo erro) que recebiam, em bom rigor, divisas: eram os furriéis (sub-sargentos, por assim dizer). Passando em concreto ao meu caso (e a todos os meus congéneres oficiais, nem divisas recebíamos (no ombro ou no bolso), mas apenas galões (um, enquanto aspirantes, e dois, em passando a Alferes, quatro em Tenente e 6 em capitão, topo da carreira) - e sabiamos ler e escrever, que era por causa de preencher os relatórios da missão, e contar até 25 ou 30, para poder contabilizar o efectivo confiado.  Mais tarde, consoante a promoção, frequentávamos cursos de aperfeiçoamento, em que aprendiamos a contar até 150). Foi, de resto, a garatujar estes impressos obrigatórios que desenvolvi um certo gosto pela literatura. Quando à complicada aprendizagem do "pegar na arma", falo por mim, nunca aprendi. Nem precisava. Quem pegava nas armas eram os soldados, cabos e furriéis: eu, e não era pouco, só tinha que conduzi-los e orientá-los por mapa e campo, vigiando para que eles não se tresmalhassem. Eles pegavam na arma e eu pegava neles pela guerra adentro. Digamos que era, por assim dizer, o seu guia geo-espiritual. Passava-lhes revista antes de partirmos em viagem - aferia se estavam apresentáveis para o Inimigo e para as populações com que eventualmente nos cruzássemos (mais no regresso; à ida  não convinha muito...), certificava-me de que todos estavam a pegar na sua arma em condições, com devida higiene e recheio, e lá zarpavamos, de azimute em riste, matas a fora.. Às vezes até de helicóptero, em dias de festa. Por ocasião de batalha, eles tratavam do tiroteio, da limpeza, eu apenas coordenava e corrigia alguma ou outra deselegãncia operativa. Sempre tive a mania das estéticas. Lembro-me também que tinha a mania do silêncio, uma verdadeira tara... às tantas,  aquilo já parecia mais um grupo de fantasmas do que de homens. A ideia era mesmo pregar grande cagaços e estupendas assombrações às bases do In que visitávamos. O pior era os filhos da puta dos cães. Nunca mais suportei alimárias alarmistas dessas desde então. Tínhamos que navegar à bolina, por causa do faro dos cabrões. Será o fiel amigo do homem, não discuto, mas seguramente o mais fiel inimigo do comando em aproximação sorrateira ao objectivo. Ah, e recordo-me agora, havia uma arma que consegui, de algum modo, dominar, porque não requeria que se lhe pegasse muito, nem requeria grandes erudições mecânicas  ( a G3 era um chatice, uma confusão de pinchavelhices ali por alturas da culatra, que deixava um gajo zonzo); era mais de atirar para longe e pronto - a granada, essa maravilha. Não sei bem porquê, mas simpatizei logo com o objecto. No tempo do fascismo, os miudos aprendiam de muito cedo a andar à pedrada, pelo que, em matéria de arremesso foi só transpor o automatismo mecânico adquirido de tenra idade. Levou um certo tempo a interiorizar que tinha que retirar a cavilha antes de expedir o engenho, mas um sargento caridoso lá me explicou, com calma, o requinte. Já compreender  que convinha atirar-me para o chão logo de seguida a lançar  a infernal coisa, tive, que, infelizmente, estudar empiricamente. Quanto a ler  o Marighela, confesso, nunca li. Primeiro, porque, na época, o meu domínio de vocabulário e sintaxe era muito rudimentar. E, segundo, e sobretudo, não queria ofender os meus dedicados, bravos, mas rudes, subordinados com poses intelectuais ou, pior ainda, existencialistas. Nem o Marighela nem o Camus. Já bastavam aqueles que por lá andavam e ler e declamar Marx e outros livros de culinária para adultos que tais. Em boa verdade, nas emboscadas, enquanto esperávamos pelos clientes no trilho, o que se lia mais era a colecção  6 Balas, uns livros pequeninos de caubóis, que cabiam nos bolsos do camuflado, e que a malta me emprestava, a troco de promissórias futuras de cigarros (eu, já na posse das minhas tendências despóticas e anti-democráticas, proibia-os determinantemente, e sob severas penas, de fumarem em operação). Ficou-me dos tais livrinhos uma imagem indelével:  Havia sempre um pistoleiro cansado de matar que era desafiado por putos à procura de fama. Meditei muito sobre a fadiga dos pistoleiros. O gajo do rádio, de quando em vez, também me emprestava uma revista tipo "Mundo de Aventuras", ou "Falcão", que lhe mandavam do Puto (a metrópole). Uma coisa que funcionava impecávelmente no exército, talvez a única, era o Serviço Postal. Mas mesmo esses livrinhos não li muito, porque a seca das emboscadas era muitas vezes à noite. E fora de operações, também não tinha muito tempo para ler, porque estava ocupado na condução  dos homens a sessões de álcool e pancadaria com a Polícia Militar, ou Paraquedistas, enfim, o que aparecesse primeiro. 
Portanto, caro José, deves ter conhecido uns espécimes sobredotados da espécie.

Quanto ao espírito militar...dos Samurais...
Acho que samurais eram mais os tipos da Upa. Com um ligeiro upgrade no espírito - dose prévia de liamba que transportava o neófito zen a um transe militar exuberante (e exaltadíssimo); e um considerável downgrade no armamamento e método de esquartejar - a catana em vez do sabre. Bastante menos lacónicos também , e sobrepondo a ululância à guturalidade. Fora isso, era como se fossem tirados a papel químico. Da nossa parte, o espírito era, portanto, mais anti-samurai que Samurai. O único espírito samurai que tive conhecimento que houvesse do nosso lado, condensava-se no Casimiro Monteiro (aquele tipo que, segundo consta, matou o Delgado). Pelo que relata o Óscar Cardoso (um oficial miliciano "Comando"  que transitou depois para a Pide/DGS), que o conheceu bem, o Casimiro entrava nos acampamentos turras de sabre samurai em riste e abrindo sulcos em conformidade. Nesse aspecto, e apenas nesse, julgo que era como eu: nunca aprendeu a pegar bem na arma de serviço. Tudo isto não testemunhei em pessoa; mas acredito piamente.

Passemos agora ao espírito militar prussiano.
Um aviso prévio: enfiar o português no espírito prussiano é como meter o Rossio na Rua da Betesga.  É uma exagero meu, claro está, porque, se fosse a ser rigoroso, era o Bairro Alto todo na Rua da Betesga. Fora isso, não custa nada, porque somos povos muito parecidos.
Nunca conheci pessoalmente nenhum prussiano e confesso que isso não me causa qualquer angústia. O que sei é por relatos históricos. A excelência do espírito militar deles devia ser grande, porque em matéria de espírito guerreiro, não seria grande coisa, dado que terão levado sovas, reiteradas e contundentes, dos exércitos Napoleónicos. Estes, pelos vistos, compensavam um duvidoso espírito militar prussiano, (acho até que eram quase todos milicianos) por um chefe de guerra superlativo e tropas dotadas do tal ânimo suplementar que muito jeito dá nestas ocasiões. Depois, os herdeiros do espírito militar prussiano - a trágica e desvalida Wermacht do Adolfo maluco -, também levaram uma sova bastante desagradável do Exército Vermelho. Exército vermelho, esse, que tinha como característica fulcral o ter-se desembaraçado desse espírito militar prussiano todo,  através de purgas metódicas, substituindo-o por um espírito militar absolutamente inferior (e, pasme-se, em larga medida, abaixo até de miliciano: conscrito, popular e político). Ah, e também tendo um óptimo comandante. Como se isto não bastasse ao soberbo, mas infeliz, "espírito militar prussiano", résteas desta excelência magnífica integravam ainda a Legião Estrangeira, por alturas de Dien-Bien-Phu, aquando do desastre francês na Indochina. Do outro lado quem estava? As  vis e semi-anãs forças comunistas do general Giap, sem centelha que fosse, importa sublinhar, do estupendo espírito militar prussiano.. Bateram-se heroicamente os legionários, mas acabaram a marchar, aqueles que sobreviveram, para os campos de prisionneiros dos viets. Até um dos meus heróis contemporãneos, o coronel Bigeard, penou esse humilhante passeio. Fica-se, assim, com a estranha impressão que o espírito militar prussiano é óptimo para lograr retumbantes derrotas, geralmente culminadas por disciplinadíssimas - porém cabisbaixas - retiradas. Perante isto, compreender-se-á o meu diminuto entusiasmo por um tal "espírito".  Pessoalmente, por tradição e respeito ao fundador dos Comandos Portugueses , sempre cultivei mais o espírito espartano; e, por conveniência (ou mera mania) técnico-táctica, o espírito sioux (uma selvajaria, concordo, mas dava imenso jeito com as sentinelas; e foi o que pude aprender na banda desenhada da época).  De qualquer modo, dado que a reorganização do exército português em moldes modernos remonta ao Conde de Lippe, algum desse formidável "espírito prussiano" impregnava ainda as nossas forças ultramarinas, e devia estar, só podia mesmo estar ainda  no âmago daquela elite, com imenso pedigree, do Quadro Permanente. Mas como 90 e tal por cento da guerra no terreno era feita por pessoal miliciano e abaixo de miliciano (do Serviço Militar Obrigatório), a malta lá se ia desenrascando e até, paulatinamente, ganhando a guerra. Em Angola, pelo menos, que era onde interessava mesmo, estava aquilo inteiramente pacificado e lutava-se mais nos botequins de Luanda do que no saliente do Cazombo. O que é que correu mal então? Foi o espírito Prussiano, essa relíquia. Veio de repente ao de cima, num borbotão desvairado, e desatou a compelir todos aqueles académicos a uma retirada disciplinada e cabisbaixa... Só que em matéria de possessão súbita, um espírito nunca vem só. Invejoso do prussiano, evadido não sei lá de que recesso obscuro da tripa, eis que irrompe também o espírito samurai. Apanhado no fogo cruzado entre a retirada cabisbaixa e o hára-kiri fulminante, o insigne corpo de oficiais borregou, largou as partes e meteu calcanhares ao rabo. A síntese hegeliana da retirada com o hára-kiri deu naquilo que a história registou: a Debandada.


PS: Devo confessar que mesmo os escassos galões que recebi, na minha qualidade de oficial miliciano, a maior parte do tempo nem sequer pude exibi-los galhardamente. A primeira coisa que se fazia quando se partia em missão era retirar os galões (e as divisas, os sargentos e furriéis). Todos trajavam de igual na mata. Precisamente para evitar que o Inimigo detectasse o chefe e o abatesse prioritariamente, causando a desmoralização e a desorganização das tropas.. Porque o ânimo, a alma, o espírito que realmente decide e guia, aprende-se na guerra e nos livros dos antigos, vem de cima. Do Alto. 
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Nota Final: Numa tese de doutoramento de 2005, na Universidade de Évora, intitulada : "A Formação das elites militares em Portugal, de 1900 a 1975", o autor escreve : 
«Também se provou que a partir de 1966,os capitães de carreira se foram afastando do comando destas companhias, retirando-se para locais longe da guerra e para actividades ditas de retaguarda. (...)
Porque os oficiais [do QP] dos anos 60 fugiram da guerra, não reuniram as características de elites (...). Em função disso, o Exército desmoronou-se; a cadeia de comando partiu-se; o Exército venceu-se a si próprio; a Academia Militar falhou na selecção e na formação psicológica das futuras elites militares, as quais não desempenharam as suas funções em obediência aos valores próprios e exigíveis a um Exército"

Em consonância, segundo o mesmo  autor, Manuel Godinho Rebocho, quem aguentou o esforço de guerra foram os oficiais milicianos e os sargentos do Quadro Permanente.

Posso dizer que, nos Comandos, houve capitães do Quadro Permanente a darem o corpo ao manifesto. Mas os Comandos eram uma unidade de elite, representando apenas uma pequena percentagem do efectivo geral do exército. Embora, em Moçambique,  para o fim, sendo 5% do efectivo militar geral, fizessem 80% das operações de combate.