sábado, janeiro 31, 2009

O Trono e a cruz





Realmente, a coisa coroada é melhor que a coisa descoberta?...Ou uma coroa debaixo dum montículo é sempre melhor que um montículo sem coroa por cima?... o que um gajo aprende nestes nossos dias!

Pois comigo é simples: qualquer rei que aceite uma Constituição é um tipo que aceita ser funcionário superior dum harém. Reis eunucos serão bons para povos castrados; reis postiços serão bons para gente de fancaria e para profissionais de decoração, cabeleireiras, merceeiros e outros pensadores de eleição, mas não para homens inteiros. Um rei que aceite uma Constituição, eu não aceito como rei, ponto final parágrafo.
Atrelar um rei a uma Constituição não é coisa de seres racionais, mas de duma associação recreativa ou grupo excursionista de cavalgaduras. Dito ainda mais sinceramente: rei que aceite constituição é-me insuportável, a não ser que eu próprio seja esse rei. Como aceitar por soberano um cidadão meu semelhante, um súbdito duma receita lavrada qual catálogo duma teocracia de vermes? Intragável essa soberania promíscua, mais digna de albergue espanhol que de terra portuguesa, em que todos são soberanos do soberano, mas nenhum é soberano de si. Palco sórdido e velhaco onde se canta a liberdade, mas onde até o rei se vê reduzido à vassalagem. Da Constituição, imagine-se. Da democracia da treta e dos seus parasitas sufragados.
Um rei não me representa (senão teríamos, em vez duma teia de representantes múltiplos, uma trama de representante único): um rei simboliza-me, congrega-me, confere-me sentido enquanto povo. Serve de elo vivo entre o passado e o futuro, entre o sagrado e o profano, entre o que nunca muda e o que muda todos os dias, entre os mortos e os vivos, os antepassados e os vindouros. O rei é, não faz de conta. É um algo acima e para além da sua pessoa e de todas as nossas pessoas. A limite, pois, o rei não é derrubável ou cancelável por qualquer surto efervescente de turbamultas mais ou menos orquestradas ou noctiluzes. Não, o que é, de facto, é traível: a começar pela pessoa dele próprio, se aceitar, vilmente, a canga ou a mutilação. Se, em vez de príncipe de homens livres, se degradar ao Primeiro dos escravos da puta da Lei. Rex é regra e a regra está acima, antes e para lá da lei. Ou não está. E depois pode ser atraiçoado por todas essas pessoas que não apenas se proclamam republicanas, como, e se calhar pior um pouco, se apregoam "monárquicas", isto é, adeptas do pseudo-regime. Ora, a república que é ela senão o estado e consequência última da deterioração da monarquia? Aliás, entre nós, que tem sido a república senão um proliferar de pseudo-reizinhos ao colo dum feudalismo de Estado?
E note-se que o drama não começou na vaca da Revolução Burguesa, digo Francesa. Aí, na cloaca obrigatória, desaguou ele. Na verdade, tudo principiou, o trambolhão completo, quando um belo dia um rei, tentado por um qualquer espelho maligno, descortinou: "o Estado sou Eu". Foi o mesmo que dizer: "Eu sou a minha própria negação." Faltou lá um Aristóteles qualquer que lhe ensinasse, do alto daquela autoridade que só a neve dos cabelos brancos confere: "não, infeliz, isso é precisamente o que tu não és, e devias esmagar o quanto antes, como réptil peçonhento que é! Porque se em vez de o pisares, te transformares nele, trazendo-o para dentro de ti, virá o dia em que será ele a dizer: "O Rei sou Eu!"
Infelizmente, esse dia veio e é o dia que, como sombras errantes num Hades mais lúgubre que o original, atravessamos. Esta era em que o superior se submete ao inferior, em que se talha a regra à medida da lei, em que as estrelas do pântano se fazem aclamar como estrelas do céu. E, sobretudo, em que a "ausência de regime" passa por regime e a multiplicidade desarvorada de esquemas faz as vezes de sistema.
Ora, alguns idólatras da formalidade e do verbo fátuo, acreditam que se o réptil adoptar coroa a coisa fica menos sórdida e rastejante. É, assim, a coroa reduzida ao adereço material e o adereço promovido a fontanário de virtudes. Pior, é a Coroa legia nostra.
Todavia, não me parece assim tão difícil de perceber, mesmo para mentes frívolas e salta-pocinhas, a razão simples por que uma monarquia deteriorada e deteriorável não é melhor que a vulgar das repúblicas... É que a diferença entre ambas não reside já na essência mas no tempo. Diferenciam-se apenas enquanto fase, não enquanto processo. Querer regressar à monarquia deteriorada porque esta representa uma fase menos putrefacta do processo, mais que uma impossibilidade conjuntural (essa, contudo, ainda se resolveria), é duma desmioleira tremenda: é voltar de Cila para Caribdis e sentar-se lá à espera que Cila volte, fatalmente. Bem sei que o paradigma de Sísifo preside a esta Época do Absurdo, mas mesmo assim...
Na verdade, não nos compete restaurar monarquias, como não nos está autorizado arreá-las. É poder que não temos. Chamamos revoluções a meras bebedeiras colectivas, mai-las auto-flagelações, vomitórios e folclores decorrentes. O que temos é que restaurar a coluna vertebral, readquirir a postura vertical, a lucidez e a bipedia. Feito isso, a monarquia é o prémio natural, o resultado subsequente. Vem por simpatia. Ou seja, não é a monarquia que temos que restaurar, somos nós próprios. Os reis sempre foram o corolário natural de haver homens, mas jamais foram necessidade ou recompensa de escravos.
Por outro lado, o trono reflecte a cruz. Na monarquia, a de Cristo-rex; na pseudo-monarquia, do naufrágio assistido, a do papelinho anónimo para glória do papelão constituinte. É por isso que na primeira se simboliza o triunfo sobre a urna sepulcral, como na segunda se atesta o triunfo da urna eleitoral. A exacta diferença que medeia entre a vida e a morte lenta dum povo.
Resumindo e concluindo, ou há rei a sério ou sou anarquista. Ora, se há algo que não sou é anarquista. Logo, o rei está lá, onde sempre esteve e há-de estar. Não está sequer ausente: está encoberto. Pelo fumo, pelo ruído e pela névoa suja duma multidão de escravos, de pusilânimes, de sabujos do instante a ferver e, sim, de traidores. Traidores do seu rei, ou seja, das suas raízes, da sua terra, dos seus deuses, antepassados e nobres costumes. Traidores à sua própria natureza. Raquíticos mentais. Escaganifobéticos!
É nesse nevoeiro e contra esse nevoeiro que escrevo. A fogo.


Vésperas do Ragnarok

«Exxon Mobil sets record with $45.2 billion profit».


Antigamente, uma empresa devia dar lucro, lucro bastante à sua existência e desenvolvimento. Porém, a partir de certa altura, o lucro bastante não chegava: uma empresa tinha que dar não apenas lucro, mas lucro fabuloso, uniformemente acelerado. Uma empresa devia crescer, aumentar, alastrar como um câncro ou uma mancha fagocitária. Empresa que não crescesse, morria; empresa que não absorvesse outras em regime ávido é porque estava em vias de ser absorvida (ou, por algum outro modo automático, justamente exterminada). Esta crença feroz tornou-se uma espécie de lei da selva económica. A essa bulimia canibal celebrada por animistas ululantes do lucro inefável, do investimento transcendental e da criação de riqueza ad-nihil e para coisa nenhuma, chamaram pomposamente "Mercado". Mais que um deus reitor, é tótem sanguinário, volúvel e caprichoso. "Conquistar o mercado", fito supremo do frenesim global, passou a traduzir-se tanto num jogo como numa corrida de espermatozóides onde os concorrentes se ultrapassam à medida que se devoram. Onde avançam na proporção em que eliminam. Em suma, onde ganham na medida em que prejudicam, onde lucram na medida em que arruinem.
Tudo isto não representa senão o corolário do abandono do mundo da justa medida pelo hipódromo da injusta desmesura. A usurpação do equilíbrio natural pelo artifício matemático e contabilístico. A sujeição derradeira da palavra ao número, do teatro (o palco do sublime) ao circo (a arena da crueldade), do pensamento ao espectáculo, em síntese: do logos à ratio.
O estádio actual do "ganhar a qualquer preço" não reflecte senão isso. A ganância desmedida do, mais que ganhar tudo, ganhar sempre é aí que imbrica. Mas a infâmia deixa rasto. Do lucro bastante, passou-se ao lucro fabuloso e, finalmente, chegou-se ao lucro obsceno. É o zénite deste que anuncia não o céu mas o abismo, o báratro adiante. À medida que se ergue, a torre descomunal engendra à sua volta o deserto. Depois, espelhando-se na desolação, resta-lhe o fado de Narciso. Em algo a Besta emula o cisne: no canto.


quarta-feira, janeiro 28, 2009

Turriptosis Nutricula


Os cientistas descobriram um animal - a Turriptosis Nutricula -, que detém o segredo da imortalidade. Aliás, detinha. Porque agora os cientistas já o decifraram e, se bem os conheço, vão tratar de transferi-lo, o mais breve possível, para a humanidade (entenda-se "aquelas pessoas com conta bancária acima de seis dígitos"). Até porque não há-de ser difícil, concordemos, transformar pessoas em alforrecas gelatinosas. Muito graças à televisão, à pulhítica, aos media e a várias outras tecno e quimioterapias de estalo, o processo de conversão, dum modo geral, até já vai extremamente avançado. Por exemplo, só aqui na Blusa (blogosfera lusa - termo patenteado pelo caro Afonso Henriques), entre celenterados e cifozoários, isto é, entre postadeiros e comentadeiros, não há dia que não ateste um verdadeiro engarrafamento de formas animais à beira da imortalidade. Conseguir a genial regressão a pólipo eles até já conseguem. Só ainda não tomaram foi consciência disso. Mas, ninguém duvide, estão mesmo por um fio.

terça-feira, janeiro 27, 2009

Primeiras impressões

Consta que o país está de respiração contida e à beira dum ataque de hemorroidal sanguinolento não tanto por causa desta mais recente proctopalha descoberta nas imediações do primeiro Ministro da nacinha, mas por via do meu - prolongado, enigmático, soturno!-, silêncio acerca de tão catapungente fenómeno. Bem, de modo a não causar mais embaraços ao trânsito e à economia, tenho a dizer, sucinta mas peremptoriamente, o seguinte:
Eu, no lugar do tal Primeiro Ministro (que, não por simples acaso, é o vosso), em querendo ganhar apenas as próximas eleições, dava corda e deixava andar. Todavia, em desejando alcançar nova, e quiçá mais retumbante, maioria absoluta, fazia ainda mais simples: propiciava a que me constituíssem arguido (não era decerto difícil, aqueles rapazes da PJ são óptimos a tratar de encomendas) e fugia para o Brasil logo de seguida, com todo o estardalhaço possível . A nacinha é só uma mega-Felgueiras. Ou imenso Felgueiras-shopping, se preferirem.
Isto é tão lógico, evidente e fatal quanto a sina do outro bando laranja da hidra cleptocrata ser o de só voltar a ganhar eleições quando aquele energúmeno que fugiu para a Europa de lá retornar.
Aliás, esta retornofilia compulsiva constitui "modus-reinandi" sufraginoso cá na paróquia desde, pelo menos, o 25 de Abril de 1974. Relembro que logo no primeiro acto desse nebuloso jaez, Soares e Cunhal foram os grandes triunfadores, um porque, já nessa altura, tinha fugido para a Europa, e o outro porque tinha andado desalvorado sabe-se lá por onde (era vastíssima a União Soviética).
Ah, mas lembra-me agora, já em 1820, ou coisa que o valha, para efeito da primeira constituinte, a malta correu a vitoriar uns que tinham fugido para Inglaterra.
Penso que não é necessário acrescentar mais nada. Por estas bandas, já constitui tradição política hegemonizante: quem mais foge, é quem mais ganha. O português admira - direi mais, baba-se de enlevo - com todo aquele que se escafede em grande aflição, para depois regressar em fulgurante triunfo. O retornado glorificado é só o final feliz do emigrante típico e endémico. Seja no que for, já se tornou dogma nesta terra: os melhores vão lá para fora. A partir do momento que saia daqui, e quanto mais depressa (e sob maior dose de riscos e tribulações) melhor, qualquer um, e ainda mais sendo figura pública ou escaparateada, ganha de imediato faculdades a rondar o semideus instantâneo e portador de uma reputação não apenas ultrapasteurizada como, sem exagero, de aço inoxidável. Através do martírio turístico, por desobra e desgraça, qualquer São Sebastião à partida metamorfoseia-se maravilhosamente em Dom Sebastião à reentrada.
Para já, é o que me ocorre dizer.

Crimes de fantasia

«Israeli lawyer who stole from Holocaust survivors is jailed».

No fundo, foi condenado por substituir-se ao Estado de Israel. Só este , em regime de exclusividade, se autoconcessiona o alvará eterno para extorquir aos otários dos alemães. Entretanto, fica a dúvida: se, como diz o provérbio, ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão, quantos terá um ladrão que rouba a necroproxenetas?

Sinais do multiculturalismo

Na Nigéria, a polícia deteve um bode. O animal é suspeito de assalto à mão armada. Não é anedota. Como, de resto, se pode constatar:
«Police in Nigeria are holding a goat on suspicion of attempted armed robbery.
Vigilantes seized the black and white goat, saying it was an armed robber who had used black magic to transform himself into an animal to escape after trying to steal a Mazda 323.»

Aos nosso especialistas em geostratégia moviflor e belosofia channel, recomendo a máxima atenção e um superlativo cuidado no manuseamento deste complexíssimo fenómeno. É preciso confiscar e controlar esta tremenda tecnologia de ponta. Nem quero imaginar se porventura os terroristas se apoderam dela... ninguém sabe que horrores e armagedalhões não poderão perpetrar. So os do Hamas, por exemplo, aprendem esta técnica da bodefacção, deixam os isrealitas completamente incapacitados Toda a gente sabe que os bodes representam para estes o que as vacas representam para os hindus.


domingo, janeiro 25, 2009

Epístola à Pussy

«(...)Mas é só verdadeiramente durante a revolução que o carlin se estabelece em Inglaterra. Depois da tomada da Bastilha, ele atravessa o canal da Mancha com a aristocracia emigrada; e tendo encontrado enfim uma terra em que o povo se não considera feito do mesmo osso que a nobreza e acha até excelente que rasteje no enxurro enquanto os Lords beberricam nas nuvens - o carlin torna-se o pug, faz da Inglaterra a sua pátria, e fixa-se confortavelmente, e para sempre, na paz luxuosa dos castelos, ao abrigo da democracia e da blague.
Foi assim que o carlin desapareceu da França. Hoje constitui uma antiqualha. Se por acaso ainda se encontra, é n'alguma silenciosa rua de vila dormente de província, seguindo tropegamente uma velha marqueza de caracóis brancos, que, encolhida no seu mantelete de franjas e cosida com os muros tristes dos conventos desertos, se vai arrastando para o Lausperene...
O pug é hoje, pois, um cão exclusivamente inglês, desprendido da sua pátria francesa, podendo simpatisar com ela ou detestá-la segundo uma impressão pessoal, sem que na sua clara razão actuem ou influências de origem ou recordações sentimentais. Para o pug, o francês não passa dum estrangeiro: e seguindo os hábitos da nação que o perfilhou, ordinariamente ladra-lhe. Por isso esta carta de D.José me parece um documento sincero e instrutivo. E aqui a transcrevo, com as suas incorrecções, os bruscos resumos, as generalisações excessivas, em que se sente o animal que pensa por grosso, sem as nossas distinções esmiuçadoras, a delicadeza crítica das nossas meias tintas.

"Pussy amiga. - Aproveito a ocasião em que o nosso amo foi à biblioteca, lugar de sabedoria e de solidão, onde eu não sou admitido para te escrever o que penso desta terra de França, como t'o prometi ao deixar a Inglaterra, n'aquela manhã em que fazia um nevoeiro tão triste...
(...) A primeira impressão que me deu a França, Pussy, foi de uma adorável variedade, proveniente talvez da democracia. Tomo, por exemplo, as fisionomias de cães. Em Inglaterra, nós estamos divididos em cinco ou seis raças isoladas umas das outras como castas da Índia, sem convivermos, sem nos cruzarmos, inconciliáveis, e quasi hostis. O resultado é que, em cada classe, o tipo social inicial reproduz-se em todos os seus indivíduos, fielmente, fotograficamente, com uma monotonia intolerável. És tu capaz de distinguir um cão fox-terrier dos outros oito mil ou dez mil fox-terriers que honram a nossa pátria? Não. Todos são brancos como este papel, macios como casimira, do mesmo tamanho, com o mesmo tôco de rabo curto e direito, uma malha castanha no focinho, o ar ligeiro, honesto e terno. Parecem cunhados pelo mesmo molde, como as libras; - e o homem que perde o seu cão não o pode distinguir mais do cão do seu inimigo.
Por outro lado também, como em Inglaterra todos os homens da mesma classe têm o mesmo feitio e côr de suissa, e usam exactamente o mesmo casaco, e trazem na botoeira a mesma flor, e calçam luvas da mesma côr, e caminham com a mesma elasticidade de passo, e falam com o mesmo timbre de voz, e saúdam do mesmo modo brusco, - se um cão perde o seu dono não o pode diferenciar da multidão uniforme. Dirás tu que o deve conhecer pelo cheiro. Difícil, Pussy, muito difícil! Todos os homens em Inglaterra têm o mesmo cheiro, que é composto de sabão Windsor, tabaco Maryland, água de Colónia e carvão. Dirás tu ainda que um cão pode interrogar seu amo e diferenciá-lo pelas opiniões: não porque todos os ingleses têm as mesmas opiniões e exprimem-se pelas mesmas frases. A posição d'um cão n'este caso é estonteadora; e é por isso que temos muitas vezes pensado em pôr coleiras a nossos amos.
E o mesmo sucede com as casas. (...)
Nós em Inglaterra afirmamos, com a Bíblia apertada contra o coração, e a garrafa de gim escondida debaixo da mesa, que a moralidade dos nossos costumes é superior à de todas as nações do Universo. Tu sabes, Pussy, com esta púdica afectação nos parece divertida, a nós cães e gatos, testemunhas permanentes da vida íntima, diante de quem os seres racionais, no seu imbecil orgulho e supondo que somos mudos, não se dão ao incómodo de ter recato... A Inglaterra é uma pocilga de devassidão. A França é um salão de libertinagem. Pocilga, Salão - a diferença está aqui. O pecado, entre estes amáveis franceses, é amável também; doura-o um estouvamento moço; tem no fundo uma ponta de sentimento ou de sensibilidade; e no beijo mais superficial há sempre bastante emoção para, sendo necessário, fazer uma lágrima. Em Inglaterra o pecado é bruto e cheira a aguardente.
Nós dizemos também em Inglaterra que os franceses, cão e homem, tendem a vadiar, não apreciam o encanto do lar como ele se aprecia aí em Inglaterra, e não têm como aí a veneração das cousas domésticas. De todos os nossos alardes, Pussy, é este decerto o mais desfaçatamente impudente. Tu sabes, Pussy, como aí os nosos amos, apenas se acende o gaz, largam tão direitos e tão lépidos para o club - como estes aqui para o botequim. (...)
Há decerto, entre nós, sujeitos que, de vez em quando, passam a noite em chinelos ao canto do seu fogão: - mas tornam eles por acaso, com a sua presença, a sala mais animada e mais alegre o serão da família? Nós sabemos, Pussy, como se passam essas horas sombrias, em que o tédio escorre das paredes, penetra pela frincha das portas, acumula-se nas pregas das cortinas... O cavalheiro, de cachimbo nos dentes, lê soturnamente o jornal, tendo ao lado o copo de cognac; Madame, de touca e broche de ouro, tendo ao lado o copo de cognac, lê desenxabidamente o magazine. De vez em quando pousam o papel e ralham; e se sucede viverem n'uma harmonia bem remendada, deixam cair a prosa e dormitam. Os filhos, se são pequenos, vivem desterrados lá em cima, na nursery, com a criada; o papá tem apenas a respeito deles a vaga ideia de que estão vivos, e continuam a consumir a sua copiosa ração de pão com manteiga. Se os filhos são crescidos, estão nas colónias ou no bairro vizinho, mas sempre fora de casa, e sem relações, nem por visita, nem por carta, com o lar de origem. Se são prósperos e ricos, o pai tira-lhes o chapéu, ou fala às vezes deles às senhoras; se falharam na vida, passam a ser para o seu progenitor como velhas caixas de sardinhas de Nantes vazias, destinadas ao lixo social. Por seu lado os filhos, se se não separam da lareira paterna, consideram negligentemente o pai como um mero dono de hotel, e nem pai lhe chamam, chamam-lhe governor, o governador; a mãe, essa, é boa para tratar da roupa branca, e é denominada the old woman, a velhota; e ordinariamente estas pessoas sentam-se à mesa, em volta do bule de chá, para dizerem uns aos outros coisas desagradáveis... No entanto, que está o cavalheiro lendo no seu jornal, o que está lendo a dama no seu magazine? Que só em Inglaterra existe o sentimento doméstico, e que só aí o lar é doce e unido! Ora n'isto é que nós somos admiráveis - na reclame. Atribuimo-nos majestosamente todas as virtudes, negamo-las aos outros com amargor, e esperamos que o mundo nos incense na nossa perfeição. E o mundo, ingenuamente, credulamente, incensa".»

- Eça de Queiroz , "Notas Contemporâneas"

Como vê, ó caro Arroja, o Eça partilhava connosco (consigo e comigo) a mesma antipatia pelos ingleses. Aliás, não lembrava ao diabo ir buscar um reputado francófilo e expô-lo no pelourinho por anglofilia. Lembrou-lhe a si. Mas nestas coisas é como dizia o Twain: "já a mentira correu meio mundo, ainda a verdade não calçou as botas".

Pé de atleta

1. «Barack Obama gave the go-ahead for his first military action yesterday, missile strikes against suspected militants in Pakistan which killed at least 18 people.»

2. «KABUL, Afghanistan – President Hamid Karzai condemned a U.S. operation he said killed 16 Afghan civilians, while hundreds of villagers denounced the American military during an angry demonstration Sunday.
Karzai said the killing of innocent Afghans during U.S. military operations "is strengthening the terrorists."»

Esperemos que agora o Daniel Oliveira comece a invectivar em tons ásperos o presidente eleito dos Estados Unidos. Assim, toda a nossa direita de plantão, cujo pensamento se rege obsessivamente pela leitura e observação (donde deriva automaticamente a careta inversa) do Daniel Oliveira, possa retomar um dos seus fetiches predilectos, ou seja, a idolatria do Títere camone do Momento. É que vê-los, assim, órfãos, a menoscabar e a rosnar ao papá eleito, chega a dar pena. Como se já não bastasse a Bolsa e o dólar em sobressaltos, ainda terem agora que chamar pai a um semibumbo, convenhamos, é martírio.
Bem, a não ser que o Daniel considere os civis do Afeganistão menos humanos que os da Palestina. Ou as bombas americanas menos pérfidas que as israelitas. Nesse caso, teremos, eventualmente, que esperar mais um mezito ou dois. Ou, o mais tardar, pela próxima excursão recreativa das IDF.

Progresso e tradição

Em Agosto de 2007, escrevia eu: o "progresso é uma tradição".
E explicava: "De facto, a maior tradição ocidental é a decadência. Temos avançado ao ritmo da escalada: da decadência grega para a decadência romana; da decadência romana para a decadência cristã; de decadência cristã para a decadência moderna. Como podemos constatar, a decadência, sendo cada vez maior, nota-se cada vez menos. Isto, muito provavelmente, porque, regra imperial, se vão erguendo civilizações com a sucata, o lixo e os cadáveres -ou seja, com a decadência - das precedentes (exemplo: decadência de Roma é a decadência duma decadência e por aí adiante). Ora, a isso, a esse singular processo de canibalismo cultural e decomposição metódica, chamam eles Progresso."
É uma bela e rara coisa, a lucidez. Não a trocava por nada deste mundo.

O Não-Deus III - Arqueologias (rep)

Em 399 a.C., Sócrates é julgado no tribunal dos Heliastas. A acusação, conforme nos transmitiu Diógenes Laércio, consiste, sumariamente, em dois quesitos: "Sócrates é culpado de não acreditar nos deuses em que acredita a cidade"; e também de "corromper a juventude". Pede-se a pena de morte.
Das peripécias do julgamento e, sobretudo, da defesa de Sócrates, existe um extraordinário texto de Platão - "Apologia de Sócrates" -, que vale sempre a pena ler. Todavia, não é a questão da justiça ou da injustiça do processo e da sentença, ou, tão pouco, a culinária de intrigas envolvente, o que aqui nos traz. Sócrates, como bem sabemos, bebeu a cicuta e inaugurou a galeria de mártires da filosofia.
Não; o interessante é constatar que estamos num daqueles momentos de crise -eventualmente, um dos primeiros na civilização europeia - em que, de certa forma, a tradição e a "modernidade" se confrontam.
Disso mesmo, já Aristófanes, 24 anos antes, dera eloquente sinal aquando da primeira encenação de "As Nuvens". Aí, Sócrates é alistado nas hostes sofistas e serve de porta-bandeira a todo um activo apostolado de hábitos, costumes e, sobremaneira, lógicas "modernas". Atentemos nas características desta proto-modernidade, segundo Aristófanes...

1. A impiedade, onde o ateísmo se deriva duma estreita fenomenologia:

«Estrepsíades - "(...)Faz o preço que entenderes, que eu te pagarei, juro pelos deuses!..."
Sócrates - Pelos deuses!...Quais deuses!... Para já, deuses é moeda que não usamos cá na casa
(...)
« Estréps. - "Mas... então e Zeus... vejamos... c'um raio! Então Zeus Olímpico não é deus?
Sócrates - Qual Zeus nem meio Zeus!... Não digas asneiras: pura e simplesmente, Zeus não existe
(...)
Sócrates - Ora bem: estás então disposto, de agora em diante, a não aceitar qualquer outra divindade que não sejam as nossas, isto é, o Caos, as Nuvens e a Língua, estas três e só estas?

2. A "lógica mecânica" (antepassada da ratio escolasta) como arma ofensiva duma retórica manhosa, oportunista, psicotécnica e persuasiva:

«Sócrates - Ora bem: fala-me tu mesmo do teu próprio carácter, que é para eu, depois de ver como ele é, mandar avançar contra ti uma maquinaria (mhecanon) cá das minhas.»


3. A vocação revolucionária, demagógica, transgressiva, reeducadora, perversora, hedonista, individualista - de que logramos especial montra na memorável logomaquia entre o "raciocínio justo" e o "raciocínio injusto". Poderia aqui citá-lo de fio a pavio, mas, por economia de espaço, condenso nalguns trechos mais elucidativos:

a) «Raciocínio Justo - Dar cabo de mim, tu? Quem julgas tu que és?
Raciocínio Injusto - Um raciocínio.
Raciocínio Justo - Sim, mas o mais fraco.
R.I. - Pois venço-te na mesma, lá por te gabares de ser o mais forte.
R.J. - E com que artimanhas?
R.I. - Inventando ideias cá muito minhas, ideias novas

b) « R.J. - És muito desavergonhado
R.I. - E tu muito antiquado


c)« R.J. - Vou então expor em que consistia a pedagogia antiga, naqueles tempos em que eu florescia pugnando pela justiça, quando a moderação era de norma. Para já não era habitual ouvir-se um fedelho murmurar sequer uma palavra. Além disso, quando se dirigiam para a escola de música, marchavam, nas ruas em boa ordem, cada grupo de seu bairro, sem manto e em formatura, ainda que nevasse como farinha. Aí o professor, obrigando-os a manter as pernas afastadas, fazia-os decorar cantigas, como aquela "Pélade terrível destruidora de cidades" (...) e os moços sustentavam a harmonia tradicional recebida de seus antepassados. E se algum deles se fazia engraçado ou ensaiava uns requebros esquisitos, como hoje em dia está em moda executar à maneira de Frínis essas difíceis modulações, apanhava logo uma valente coça, por atentado às Musas.»
R.I. - Tudo isso não passa de velharias (...)


d) «R.J. - (...) é certo que passarás o tempo nos ginásios, nédio e viçoso, em vez de cirandares pela Praça cacarejando monstruosidades bicudas que nem cardos, como a malta de agora (...)
Raciocínio Injusto - (...) E tu, ó jovem, toma bem sentido nas chatices que o bom comportamento implica, de quantos prazeres da vida irias ficar privado: rapazinhos, mulheres, jogos de amor, petiscadas, pinguinha, gargalhadas... Sim... para que queres tu a vida, se te vês privado desses gozos?»

e) Por fim, o raciocínio Justo é derrotado com uma argumentação que é, simultaneamente, um atestado da decadência resultante das "novas pedagogias" e do inerente abandono das velhas tradições. Um termo repete-se: euri-proctos. Ora, euri (largo, amplo) + proctos (ânus) significa qualquer coisa como (à letra: ânus largo) paneleiro (picolho ou rabeta) dos nossos dias, isto é, homossexual no sentido predominantemente passivo da tara. O termo é usado pelo Raciocínio Justo, defensor da pedagogia tradicional, como cúmulo do depreciativo e pelo seu opositor, paladino da pedagogia moderna, como zénite da virtude. O que trata de demonstrar pragmaticamente e escorado nos índices de triunfo social da classe:
«R.I. -E que tem que seja rabeta? Que mal lhe virá daí?
R.J. - Diz antes: que mal ainda maior que este lhe poderia vir daí?
(...)
R.I. - Ora então diz-me cá uma coisa: aonde é que vão buscar os advogados do Ministério Público?
R.J. - Aos rabetas.
R.I. - Certo. E os tragediógrafos, aonde vão buscá-los?
R.J. - Aos rabetas.
R.I. - Dizes bem. E os oradores, vão buscá-los aonde?
R.J. - Aos rabetas.
R.I. - Portanto, reconheces que não tens razão, não é? E já agora, entre os espectadores quais constituem a maioria? Olha bem.
R.J. - Estou a olhar.
R.I. - E que vês tu?
R.J. - Que... Ena pai!... são de longe mais numerosos os rabetas. Por exemplo, este aqui, que eu conheço, e aquele além, e esse aí de grande trunfa...»

Aristófanes quase nos dispensa de mais palavras. Encetemos, todavia, um balanço final.
Que significa, neste momento inaugural, "moderno"? - Sofista, nem mais. A "nova pedagogia" é a pedagogia dos sofistas. E tanto assim é que o "moderno" e a "modernização" nunca mais perderão esse cunho original de "sofistica(do)" e de "sofistica(ção)". O moderno, o novo é e será sempre, desde então, mais sofisticado que o antigo. Por outro lado, este litígio entre o antigo e o novo, entre o tradicional e o moderno, entre o legado e a invenção, de que a sofistica constitui, repito, o protótipo, reflecte a luta ancestral - que não mais deixará de assombrar a civilização europeia - entre o sagrado e o privado, entre o arquetípico e o egótico. Na disputa pelo espaço social e mental da polis, ou dito em termos hodiernos, do "espaço público".
Quanto a Sócrates, uma última nota: se é certo que, segundo Platão, não seria exactamente um sofista, também não é menos certo -e agora fazendo fé na "Apologia" - que opunha um "deus/daimon pessoal" aos deuses da cidade e dos seus antepassados. Um protestante avant la lettre?...

sábado, janeiro 24, 2009

Sem tirar nem pôr

«We’ve been here before. It’s a ritual. Every two or three years, our military mounts another bloody expedition. The enemy is always smaller, weaker; our military is always larger, technologically more sophisticated, prepared for full-scale war against a full-scale army. But Iran is too scary, and even the relatively small Hizbullah gave us a hard time. That leaves the Palestinians.

Israel is engaged in a long war of annihilation against Palestinian society. The objective is to destroy the Palestinian nation and drive it back into pre-modern groupings based on the tribe, the clan and the enclave. This is the last phase of the Zionist colonial mission, culminating in inaccessible townships, camps, villages, districts, all of them to be walled or fenced off, and patrolled by a powerful army which, in the absence of a proper military objective, is really an over-equipped police force, with F16s, Apaches, tanks, artillery, commando units and hi-tech surveillance at its disposal.

The extent of the cruelty, the lack of shame and the refusal of self-restraint are striking, both in anthropological terms and historically. The worldwide Jewish support for this vandal offensive makes one wonder if this isn’t the moment Zionism is taking over the Jewish people.

But the real issue is that since 1991, and even more since the Oslo agreements in 1993, Israel has played on the idea that it really is trading land for peace, while the truth is very different. Israel has not given up the territories, but cantonised and blockaded them. The new strategy is to confine the Palestinians: they do not belong in our space, they are to remain out of sight, packed into their townships and camps, or swelling our prisons. This project now has the support of most of the Israeli press and academics.

We are the masters. We work and travel. They can make their living by policing their own people. We drive on the highways. They must live across the hills. The hills are ours. So are the fences. We control the roads, and the checkpoints and the borders. We control their electricity, their water, their milk, their oil, their wheat and their gasoline. If they protest peacefully we fire tear gas at them. If they throw stones, we fire bullets. If they launch a rocket, we destroy a house and its inhabitants. If they launch a missile, we destroy families, neighbourhoods, streets, towns.

Israel doesn’t want a Palestinian state alongside it. It is willing to prove this with hundreds of dead and thousands of disabled, in a single ‘operation’. The message is always the same: leave or remain in subjugation, under our military dictatorship. We are a democracy. We have decided democratically that you will live like dogs.

On 27 December just before the bombs started falling on Gaza, the Zionist parties, from Meretz to Yisrael Beiteinu, were unanimously in favour of the attack. As usual – it’s the ritual again – differences emerged only over the dispatch of blankets and medication to Gaza. Our most fervent pro-war columnist, Ari Shavit, has suggested that Israel should go on with the assault and build a hospital for the victims. The enemy is wounded, bleeding, dying, desperate for help. Nobody is coming unless Obama moves – yes, we are all waiting for Godot. Maybe this time he shows up.»

- Yitzhak Laor

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Agora sim, o horror! a tragédia!...




«Saudi Arabia's religious police have declared Barbie dolls a threat to morality.»

Pronto, agora até eu estou escandalizado. Quando o símbolo maior do "Ocidente" e, sobretudo, da democracia liberal sofre um ultraje deste calibre, é caso para dizer: "Hiroshimem Meca, ó galináceos! Estão-vos a ir à profeta!..."

PS: sim, sim, isto já foi há cinco anos. Mas Meca ainda continua inteira. É a decadência mais completa.

Escudos animais

Os civilizadíssimos israelitas tiveram o cuidado de crivar com mísseis o jardim zoológico de Gaza. Se um terrorista se consegue esconder atrás de uma criança, imagine-se a quantidade de pérfidos terroristas que não se poderão acoitar detrás dum elefante. Além de escudos sub-humanos, ficamos assim a saber que também utilizam escudos animais, os Hamásicos.
Entretanto, a maior parte dos animais terão morrido à bomba ou à fome. Espantosamente, dois leões sobreviveram. Espantosamente ou nem tanto. Quanto a mim não será difícil adivinhar o que se passou: devem ter comido a respectiva tripulação.

Bet and win

Suponho que é a isto que os nossos liberais de aviário chamam, com pompa e solenidade, criar riqueza.
Eu chamo-lhe a capacidade de adaptação do capitalismo: fecharam o hipódromo e passaram a jogar no matadouro.

quinta-feira, janeiro 22, 2009

4ª Lei da Ratafísica Desantropológica

(No seguimento da Primeira, Segunda e Terceira Leis da mesma Ratafísica)



- Não íamos mesmo agora a correr atrás da Islândia, da Irlanda e desses assim?

- Não íamos, vamos. E temos que acelerar, porque à velocidade a que tu vais, e com essa mania de estar sempre a olhar para trás, nunca mais lá chegamos. Já nem se avistam!...

- Tu é que não avistas. Só sabes olhar para a frente.

- Querias que olhasse para onde, hein? Tenho que olhar pelos dois, aliás, pelos três: por mim, pelo nosso futuro e por ti. Taranta como és, sem mim ainda te perdias ou extraviávas desastradamente.

- Bem, por mais que eu olhe para a frente, a verdade é que o horizonte é sempre o mesmo!... Ao menos, quando olho para trás sempre vislumbro alguma variedade.

- Vês?! É o que eu digo: Que falta de imaginação! Que ausência de fé! Que miras de toupeira estúpida e anã! Irra, como é que não consegues avistar a vastidão prodigiosa que nos aguarda, ali bem à nossa frente? Não escutas o chamamento glorioso do devir modernizante?

- Isso é à tua frente. Diante de mim é sempre o mesmo e não é assim tão grande. Além disso, diz-me sempre a mesma coisa...

- Não é assim tão grande?!! Diz-te sempre a mesma coisa?!! Continuas o mesmo atraso de vida de sempre. Quando não vais a olhar para trás, deves ir a dormir ou a olhar para os pés.

- Na verdade, quando não vou a olhar para trás, vou a olhar para ti. É esse o meu completo horizonte. O adiante de mim que está sempre a dizer-me o mesmo: “mais depressa! Mais depressa!” Deve ser porque corres à minha frente e eu corro atrás de ti. Acho que olhar para trás é uma espécie de tique meu... Uma pausa instintiva na monotonia.

- Devias era agradecer-me: olho para e futuro e olho por ti.

- Pois, de facto. Olhas por mim e eu olho para ti. Experimento um invariável dificuldade panorâmica com o horizonte futuro, mas acho que já descobri porquê.

- Ah, sim... Porquê? (Sempre quero ver o que brota desse cérebro de pevide...)

- Porquê?... Porque está perpetuamente ocupado por ti a bradar-me: “mais depressa, mais depressa!” No meu futuro estás sempre tu a conduzir-me ao futuro, e a explicar-me os modelos, as metas e as direcções mais urgentes. Que, de resto se resumem a um conceito muito simples: os que correm à nossa frente. Temos que correr atrás deles.

- Exacto. Eu corro atrás deles e tu corres atrás de mim. É a lei eterna. Afinal, não és assim tão estúpido como eu pensava. Deve ser da convivência.

- Até aí já percebi. Só não percebo agora é uma coisa deveras intrigante...

- O quê?

- Se íamos a correr atrás da Irlanda, da Islândia e assim é porque eles corriam à nossa frente, certo?

- Exactamente. Onde é que jaz o pentelho?

- Então como é que subitamente, em vez de estarmos nós a correr na direcção deles, são eles que estão a correr na nossa direcção?

- Mas que idiotice está para aí a insinuar?! Regrides à imbecilidade mais irritante?

- Não. Limito-me a olhar para trás.

- Pois esse é o teu problema. Se olhasses apenas para a frente, como te compete, não dizias tantas asneiras.

- Mas à minha frente estás tu. E à tua frente estavam eles. Continuas a vê-los, tu que olhas sempre em frente?

- Hum, ver já não vejo. Devem ter acelerado prodigiosamente...

- Pois, mas eu que olho às vezes para trás estou a vê-los. Claramente vistos, como diria o camões. Ou seja, por incrível que pareça, o futuro que corria à nossa frente, agora vem a correr atrás de nós!

- Mentes com aleivosia. Aproveitas-te do facto de me ser interdito olhar para trás.

- É como te digo: aproximam-se a bom ritmo. O teu futuro já é passado. O amanhã risonho que nos auguravas como prémio para a corrida, dá-me ideia que passou por nós sem que nós, sequer, tivessemos passado por ele. Fenómeno bizarro, hás-de convir. Seguias tu deslumbrado com o amanhã e aparece-me ele vestido de ontem. Que vamos agora nós fazer com este alucinante presente? Paramos?

- Parar?!!! Parar nunca! Corremos. Corremos desalmadamente. Com quanta força e energia temos. A todo o galope!

- Corremos para onde? Bem, eu corro atrás de ti, até aí eu sei, mas tu corres atrás de quem? Decerto não podes correr atrás deles porque eles, neste momento, correm atrás de mim e, nesse caso, estarias a correr atrás de mim em vez de correres à minha frente. Horrorosa perspectiva, agora que penso nisso: eu próprio, ao mesmo tempo que corria atrás de ti (uma vez que tu corrias atrás de mim, já que atrás deles) corria também à minha frente, ou seja, eu próprio corria atrás de mim e , pior ainda, tu próprio, que aparentemente corrias à minha frente, na realidade corrias atrás de mim.

- Realmente, és muito estúpido. Que roedor imbecil! Será que ainda não percebeste a pista onde corremos? É um circuito, ó otário. Um circuito fechado. Se os vês atrás de nós é porque nos atrasámos escandalosamente deles: estão a dar-nos uma volta de avanço! Acelera, filho da puta, acelera! Fujamos desta situação embaraçosa.

- Mas somos lemmings ou somos atletas?

- Somos lemmings atletas... da modernização.

- Não sei porquê, isso soa-me a hamster.


4ª Lei da Ratafísica Desantropológica: O avanço do progresso resulta do quociente entre a velocidade de aproximação a uma ilusão e a distância de afastamento a uma ameaça. (Lei que está ainda em estudo).

quarta-feira, janeiro 21, 2009

A procissão

Logo a seguir a Abril de 1974, tentaram sujeitar o país ao "Partido Único". Trinta e quatro anos depois, transpostas inúmeras e caricatas peripécias que seria agora fastidioso enumerar, alcançaram-no. Acordámos, um belo dia, não direi súbita porque lenta e merecidamente, subjugados sob a patorra duma seita cleptocrata única. Uma hidra de duas cabeças, qual delas a mais vácua, formada, por via de alporquia de cortelho, por um Governo que desgoverna e uma Oposição que promove. Ou seja, um governo que faz oposição ao país e uma oposição que faz promoção ao governo.
Isto já não vai a lado nenhum, muito menos a eleições dignas desse nome. O povo não tem por onde escolher, apenas ratifica. E o regime já nem é de república nem de monarquia: é de procissão.

Tratamento

A bosta de qualquer besta
seja ela cilíndrica ou redonda,
deve esfregar-se-lhe na tromba
do queixo baboso aos cornos da testa.

Não excede, porém, o bichaninho,
a besta em torpe escoamento?
Ministre-se-lhe o útil tratamento.
Exígua a tromba, unta-se-lhe o focinho.

Mas é enigma, é novelo, a avantesma?
No embrulho entre o mandril e a arara
sabe Deus onde finda o rabo e começa a cara?

É só pesquisar no seu percurso de lesma
na ponta mais espumosa da baba preclara
e passevitá-la, de alto a baixo, na mesma.

terça-feira, janeiro 20, 2009

Aviso sobre o vídeo anterior

Antes de visionar o vídeo (aviso desde já para o conteúdo medonho das imagens) sobre o maior matadouro kosher dos Estados Unidos, convém ler:

1. Postville ou Aaron's Best
2. Kosher Industry Looks to Future in Wake of Agriprocessors Charges
3. Agriprocessors and management criminally indicted...


Matadouro Kosher (Agriprocessors -part 3)

Parece que não são apenas os sub-animais que passam um mau bocado. Os animais também.

Note-se que este tipo de coisas deve passar-se em muitos matadouros por esse mundo fora. Não estávamos à espera é que, dada a verdadeira paranóia com a higiene e "limpeza" que os esquisitinhos cultivam, o processo decorresse numa javardice inominável destas.

domingo, janeiro 18, 2009

A Maldição de 740 Park Avenue


A história tétrica duma penthouse perversa... Um apartamento insaciável, plutófago, que atrai as suas vítimas, suga-lhes a alma (entenda-se, a riqueza) e, uma vez concluído tão imundo e macabro festim, cospe-as pelas janelas ou defeca-as pelo poço do elevador. Contém cenas seguramente chocantes. Filme não aconselhável a menores de 18 neurónios. Ou seja, à comunidade liberdadeira em geral.

Foto em epígrafe : boca (simultaneamente ânus) do monstro hediondo.

Alergias

Lee Kaplan, como tantos outros, tem um blogue. Tinha também um site intitulado stoptheism.com, onde oferecia uma recompensa de 25.000 dólares a quem fornecesse informações sobre o paradeiro de determinadas pessoas que, pelos vistos, o aborrecem - voluntários ISM (International Solidarity Movement) em serviço na Palestina, mais exactamente. A ideia, caridosa e amiga do ambiente, era fornecer esses dados "à" IDF para que esta procedesse a assassínios selectivos.
Há dois dias atrás tive oportunidade de visitar stoptheism.com e pude então maravilhar-me com mais um sublime portento de tolerância, civilização e filantropia só ao alcance de predestinados.
Entretanto, vários blogueres, entre os quais Loewenstein e Walker (tipos destituídos de sentido de humor, todos eles), denunciaram o esplêndio stoptheism.com, pasme-se, como um caso patológico e criminoso na ciber-via pública. Hate site, com todas as letras. Como se isso fosse possível! Desde quando é que incitar ao abate de animais, ainda por cima odiosos, pode ser considerado ódio? Quando muito, é alergia.
Bem, mas o que é certo é que, lastimavelmente, stoptheism.com, esse hino ao folclore belicoso, desapareceu da linkosfera. Agora liga-se para lá e responde uma anodinice qualquer. Entristece-me.
Porém, não desesperem os nossos hidrofóbicos militantes e demais rinolatras de imitação. Kaplan promete voltar à carga brevemente, Ihavé o abençoe. Nas suas próprias e solenes palavras: "A DOS attack was just made on Stop the ISM's and DAFKA's websites that temporarily brought the sites down but they will be back. Just as with Israel, the animals of the Palestinian movement and their EU anarchist buddies can have their day, but the anarchists in Gaza with Hamas should be afraid to look up into the sky because the Israeli Air Force is coming to get them."
E a campanha, desenganem-se os cépticos, não se resume a mais uma gimnologia de rilhafoles. Pelo contrário, parece que tem dado frutos (e a fazer fé no telejornais, quem duvidará?) :
«Actually, a member of the ISM has provided invaluable information for the $25,000 reward we offered for information on how to target Vittorio Arrigoni and the other ISM tools there in Gaza and right now

Aqui deixo o meu voto de estímulo e encorajamento ao benemérito. E já agora, ó Kaplan, uma questãozinha: a oferta é válida só para ISMs? Deputados europeus, quanto é que valem? E não têm bónus?...



sábado, janeiro 17, 2009

Os sub-animais cujo suplício os animais tanto gostam

Bem, pode até nem ser psicopatia arreigada e atávica. Que até já esqueceram o salmo 109 e se contentam com o saldo actual do 137. Digamos então que é por mero tédio, por simples lazer e entretenimento. E, falando com franqueza, quem os impede? Ora, se ninguém os impede é porque, decerto, não há nenhum mal nisso. Oferecem-lhes, de mão (e cu) beijados, toda aquela panóplia santa, pagam-lhes as contas todas, dão-lhe cobertura, mimo e encorajamento, sejamos francos: aquilo não é um país, é um parque infantil. Plantado bem no meio duma reserva animal. Escavacam coisas? Torturam e sacrificam animaizinhos mai-las respectivas crias? São crianças, querubins travessos. E as crianças são mesmo assim: irrequietas e traquinas. Cruéis, muitas vezes; destrutivas e violentas, sobretudo quando lhes dá a birra. Ou quando as contraria algum obstáculo, comichão ou borbulha. Mas não fazem por mal. Como poderiam fazer uma coisa que nem sequer conhecem? Não pensam; andam à bolina da gana e do aleive. São selvagens, mas são bons. A excepção à regra. A civilização ainda não os contaminou nem perverteu. São imunes a esse contágio. Resistem ainda num estágio pré-adâmico. Regrediram miraculosamente ao éden primordial. Não comem porco, nem a maçã que o porco abocanha, tão pouco. Ainda desconhecem, assim, incólumes, tanto o pecado original quanto a antropofagia familiar. Como não há-de toda a humanidade invejá-los? Impossível não detestar uma cornucópia vitalícia, uma liberdade pródiga destas. Como não hão-de os nossos liberdadeiros fitá-los em êxtase? São os seus pequenos heróis, o seu action-me de carne e osso, a vedeta a que aspiram quando forem grandes. Quando o girino cabeçudo, um dia, dobrado o cabo do batráquio anfíbio, chegar a gente. Ou ainda, nos casos mais assanhados, quando, finalmente, em todo o seu esplendor zelota, de dentro da barbie histérica com o ratinho, desabrochar o Judas Macabeu latente.
Metamorfose, essa, que, felizmente, já se vai assistindo por aí. Pena que, à semelhança da poção mágica do Asterix, seja de efeitos passageiros. O que resulta, fatalmente, em recaídas caricatas. Como, por exemplo, a do bravo JCD, que agora, como lhe compete e a claque obriga, se baba e ulula, viril, diante daquele matadouro completo, mas que, mal nova trégua advenha, logo retorna àquela florzinha delicada e sensível que lacrimeja e quase desmaia diante do sangue e do sofrimento do pobre toiro a ser lidado na arena.

E, realmente, «como é que alguém consegue gostar de um "espectáculo" que nos mostra imagens destas»:



Quando temos espectáculos que nos disponibilizam imagens bem mais edificantes e mais dignas da nossa galhofa como esta:


Hein??!...

Bela questão, de facto.
Bem podiam, estes liberdadeiros da tanga, limpar-se nela.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Preparação de estacas

Apenas mais um pouco de teoria militar pura e dura:
«A guerra subversiva é velha como o mundo. Não está ligada a uma concepção política particular. Pobres e senhores, burgueses e monges, conduziram acções subversivas.»
- "Subsídio para o Estudo da doutrina aplicada nas Campanhas de África" (Estado Maior do Exército)

Mas, caramba, nem era preciso terem ido à tropa... bastava ir ao dicionário, e nem era preciso o Houaiss:

Guerra s.f., forma de resolução de um conflito entre estados ou no interior de um estado, por meio de coacção política, económica, psicológica ou militar (...);

Terrorismo s.m., (...) modalidade de acção da guerra subversiva pela qual se procura criar a insegurança dos dirigentes políticos e militares e o medo na população civil.

(in Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora)

Mas os antolhos nem a porra do dicionário autorizam, pois não, ó peritos da geo-estratégia de sofá?!...

Eu bem digo que antigamente os homens aspiravam a cobrir-se de glória, mas hoje em dia contentam-se em cobrir-se de ridículo. Se bem que no vertente caso já é mesmo na sub-cave do ridículo, ou seja, no anedótico.

Introdução à teoria dos conflitos

Recomendado pelo sempre inefável João Miranda, dei com o maradona (com minúscula) nestes escantados propósitos:

Digamos, para começar, que o "entender dele" não é apenas dele: é dele e da Helena Matos, do Pacheco Coiso, e de mais uma vastíssima série de peritos militares ultra-sofisticados. Digamos, para fim de começo, que está na fase do entendimento colectivo.
Todavia, extraem-se prodígios duma pérola destas. E nem é preciso ir à realidade, basta ir à lógica. Se a IDF faz a guerra e o Hamas faz o terrorismo, e o terrorismo nada tem a ver com a guerra bem como vice-versa, batatis butantis e coiso e tal, podemos subentender que jamais se cruzam. Lembram até aquela banda fabulosa da minha juventude - "Os Paralelos do Ritmo": por mais que tocassem, jamais se encontravam. Quer dizer, a IDF, no conceito maradónico, faz a guerra não certamente ao Hamas, porque nesse caso o Hamas ver-se-ia forçado a participar no higiénico acontecimento, mas a terceiros ou incertos; e o Hamas faz o terrorismo, não à IDF, essa beldade fogosa, mas a quaisquer outros. Ora, não sendo muito plausível que a IDF faça a guerra sozinha (o que indiciaria uma espécie de onanismo bélico particularmente alucinado), a quem é que a IDF faz a guerra? E a quem, exactamente, além do maradoninha, da Helena Matos, do Pacheco Coiso e de mais não sei quantos papagaios louros, é que o Hamas faz o terrorismo?
Bem, assim à vista desarmada, tudo indica que o Hamas faça terrorismo, no mínimo, aos civis israelitas. Imbuída do mesmo espírito, a IDF faz guerra aos civis palestinianos. Mais ou menos segundo a máxima: "ai é, estão a atirar pedras e foguetes aos nossos? Então vamos atirar mísseis e bombas aos vossos!" Cada qual atira aquilo que tem e mais não é obrigado. A IDF tem mais e melhor e por isso exerce uma guerra nas condignas e industriais condições de higiene, devidamente autorizada pela ASAE global; o Hamas, impossibilitado de aceder à indústria por falta de meios e de equipamento de ultra-pasteurização da violência, dedica-se à venda ambulante e ao artesanato, enfim, faz terrorismo. Mata ilegalmente; estropia por contrafacção.
Está a acompanhar-me?...
Então agora leia um pequeno trecho de prosa ainda mais sugestiva, pedagógica e edificante:

«3.h. Quando se tenha em vista a actuação em território nacional que possa vir a ser ocupado pelo inimigo, as actividades irregulares devem assentar numa estrutura estabelecida desde o tempo de paz, destinada fundamentalmente a orientar, enquadrar e organizar a população, de modo a:
1) Impedir a sua colaboração com o inimigo.
2) Convencer a população a continuar a obedecer ao governo nacional, mesmo no exílio, muito especialmente quando se previr a rápida reconquista do território nacional.
3) Conseguir a organização de guerrilhas e de redes de agitação, espionagem e terrorismo, a criar e treinar com base em quadros ou forças preparadas para tal e que foram previamente deixadas nas áreas de interesse ou posteriormente nelas infiltradas.»

E mais adiante, um delicioso pormenor, que decerto o locupletará de contentamento:

«4.b. Em termos clássicos, o potencial de combate das guerrilhas é desvantajoso para estas, quando em confronto directo com forças regulares inimigas, pelo que as guerrilhas procuram evitar o combate em modalidades que não sejam as suas. Fazem emboscadas e flagelações para causar o maior número de baixas possível ao inimigo e empregam explosivos para efectuar destruições. Em áreas urbanas e suburbanas recorrem ao tiro de precisão (nota: snipers, como agora está na moda chamar-se) para abater determinadas entidades. Com o aparecimento dos mísseis ligeiros, as viaturas e aeronaves em voo baixo passaram também a constituir alvos possíveis para as guerrilhas. Além de atacarem objectivos, as guerrilhas podem levar a efeito acções de resistência passiva e activa, espionagem, subversão, diversão, terrorismo e propaganda

Agora, se julga que isto é da minha lavra retórica, está, vossência e os seus amiguinhos mais simpatizantes da cona da tia que da cona da prima, muito enganado. Isto tem já uns quase trinta anos. Intitula-se assim:
«Regulamento de Campanha - Operações - Vol.II, Cap XX, da 3ª Repartição do Estado-Maior do Exército (Português, imaginem só), 1979.»

As porcarias que eu tenho lido ao longo desta minha conturbada existência, meu Deus!...

Já agora, mais informo que o capítulo XX deste Regulamento tem como título: "Emprego de Forças Irregulares".
Entretanto, ouso supor, o que o maradona minusculado quis dizer com "a IDF faz a guerra e o Hamas faz terrorismo" seria, provavelmente, "a IDF faz amor, mas o Hamas só quer sexo!"; ou "a IDF pretende constituir família, mas o Hamas só toca punheta"; ou "a IDF joga futebol, mas o Hamas só dá sarrafada.";ou ainda "a IDF joga um ténis de finíssimo recorte, mas o Hamas responde com raquetes de badmington", etc, etc. Tem um certa desculpa. Meteu-se à boleia duma ideia qualquer que viu a passar. O português vai para as ideias como para os restaurantes: onde vê ajuntamento, embarca. Achou também que devia chatear os chacais melífluos do estilo Danielzinho Dandoca ou Miguel Portas em turismo de massacre. O problema é que para chatear os chacais e os abutres-da-onça, travestiu-se de hiena - de hiena malhada. E vê-lo assim, todo fardado de Henrique Raposo, para mim, que ia a passar, foi irresistível. Já não falando em mais esta oportunidade para ridicularizar o Miranda.
(Ou então, convém salvaguardar, estava a ser irónico, genialmente irónico, o maradona. E eu, que sou bestialmente estúpido, que nunca li o Seinfeld, Deus me perdoe, não percebi.)

Quanto aos restantes, os falcoisinhos de aviário e demais onanistas de açougue (a Leninha, o Pacheco e demais peritos militares de vão de escada) nem sequer sois caso para dizer "quando um gajo não sabe foder, até os colhões estorvam". No vosso caso, nem isso, nem esse pequeno embaraço ocorre. Pura e simplesmente, não estorvam. Não é por estorvo que vos impedem: é por simples ausência. Os tomates e a coluna.

E se este clister mental preliminar, como bem calculo, não vos satisfaz cabalmente, não desesperem: o empalamento é já a seguir. Em regime de floresta.




Um risco ultrapassado (rep)

Escrevia Fernando Pessoa, há quase cem anos atrás:
«A nossa civilização corre o risco de ficar submersa como a Grécia (Atenas) sob a extensão da democracia, de cair inteiramente nas mãos dos escravos, ou então de ficar como Roma, não nas mãos de imperadores filhos do acaso e da decadência, mas de grupos financeiros sem pátria, sem lar na inteligência, sem escrúpulos intelectuais e sem causa em Deus.»

Pois bem, quase um século transposto, fosse hoje vivo, Pessoa podia tranquilizar-se: a nossa civilização já não corre tais riscos. Já ultrapassou essa fase perigosa. Já se "romanizou" até à ponta dos cabelos. Já caiu por completo nas tais garras... Que de mãos têm quase nada, mas de tentáculos providos de ventosas têm quase tudo.

Na altura, como antídoto para o ameaçador processo, Pessoa estipulava «uma lenta aristocratização» que «pela arte, supremamente, podia ser feita».
Hoje, porém, há suficientes provas de que foi precisamente o contrário disso que aconteceu: em vez da tal "lenta aristocratização", foi uma rápida cacocratização o que alastrou e floriu. Não foram os melhores, mas os piores quem vicejou. Inaugurou-se a era do "quanto pior, melhor". Num perverso sentido, acaba por ser uma aristocracia às avessas, de patas para o ar - uma "aristocracia dos pérfidos", dos destituídos de qualquer escrúpulo, ética ou valor - para além daquele com que recheiam os bolsos offshore. Daqueles a quem nada custa vencer a qualquer custo. Dos descendentes ufanos do macaco que doravante emulam a ratazana. A bem do sucesso fácil, do êxito rápido, do triunfo obscuro, o mais ignóbil e rasteiro possível. A mal deste desgraçado planeta que, em regime de praga, infestam.
E se a civilização vai assim, o país, penduricalhado à boleia, não vai melhor. Porque se, como vaticinava ainda Pessoa, «uma nação vale o que vale o seu escol», então, hoje, Portugal não vale a ponta dum corno!...

terça-feira, janeiro 13, 2009

Metafísica (revisitada)


Às vezes, encontramo-nos os dois à esquina, a tocar a desconcertina, a cantar o sem sol-e-sem dó...
Dá nisto:

«Por vitalidade de uma nação não se pode entender nem a sua força militar, nem a sua prosperidade comercial, coisas secundárias e por assim dizer físicas nas nações; tem de se entender a sua exuberância de alma, isto é, a sua capacidade de criar, não já simples ciência, o que é restrito e mecânico, mas novos moldes, novas ideias gerais, para o movimento civilizacional a que pertence. É por isso que ninguém compara a grandeza ruidosa de Roma à super-grandeza da Grécia. A Grécia criou uma civilização, que Roma simplesmente espalhou, distribuiu. Temos ruínas romanas e ideias gregas. Roma é, salvo o que sobremorre nas fórmulas invitais dos códigos, uma memória de uma glória; a Grécia sobrevive-se nos nossos ideias e nos nossos sentimentos.»
- Fernando Pessoa, "A Nova Poesia Portuguesa"

Um pequeno reparo: não sou tão optimista quanto àquilo que Roma fez com a Grécia. Basta atentarmos na distância praticamente insuperável entre o circo e a tragédia. Ou entre o amor à terra e o amor às riquezas.
Não há nada mais metafísico que o amor à terra. Esse abismo donde provimos e que espera toda a vida por nós. Essa fundação primordial e derradeira...
A minha igreja são árvores. E a minha terra foi fundada por Ulisses.
A Pátria não se discute: ama-se, sente-se, padece-se. Herda-se como se herda esta carne de condenados ao patíbulo da vida. Não é um objecto da nossa faculdade mais pobre -o entendimento, mas um suspirar do nosso órgão mais profundo - o coração. Um "suspiria de profundis". Por isso mesmo, muito mais que a facilidade rasteira e peçonhenta de odiarmos outros, quaisquer outros e por quaisquer razões, é a coragem de gostarmos de nós. Sempre. E sobretudo nos piores momentos, quando tudo parece perdido, quando a derrota e o desalento alastram, quando a cobardia triunfa e a traição viceja, quando a estupidez e a inteligência se geminam e o espelho nada mais teima em devolver-nos que reflexos execráveis, relances ominosos de aleijões, prostrados, rastejabundos e malquerentes. Porque é nos precipícios da fraqueza, nos abismos da descrença, da exaustão e até do horror que o ordálio acontece. É aí que se separam as águas e se joeira a colheita. Coragem não têm aqueles que fazem do coração tripa e mendigam reboque na força alheia, hospedaria em vigores a crédito. Não, coragem têm-na aqueles que são capazes de fazer das fraquezas forças. E das próprias tripas, coração.
Tem uma pátria quem a merece. Conceitos, lógicazinha de passerelle para modelo de virtudes em desfile de modas, qualquer maltrapilho mental ou indigente moral alcança. É uma questão de indumentária, penteado, maquilhagem - cosmética, enfim. Nenhum maldizer ultrapassa o excremento se não servir de máscara - de epiderme - a um bem-querer profundo. Ciência de palha, fantasia de espantalhos se não houver um coração a bater e a amar lá dentro. Não se pensa, nem se diz, a pátria: quer-se.
É quando tudo parece perdido que um homem se encontra. Como é na descida -suja e tenebrosa - da raiz ao fundo do abismo que a árvore encontra a força que lhe permite erguer os ramos à luz e ao ar límpido dos céus.
Quanto ao corpo, esse tão sobrecantado altar dos umbigos canoros do nosso tempo, desenganem-se os acólitos do jardim das delícias: é uma mera oportunidade que o cosmos nos dá... de utilizarmos uma coluna vertebral. Chama-se, a esse prodígio, verticalidade. E, curiosamente, aprende-se com as árvores. Muito mais que com os sacerdotes de todas as doutrinas. E jamais em concursos de beatos ou fariseus.
A Pátria, esta a que eu pertenço, que não entendo e apenas pressinto, é janela para o cosmos, para lá da mundanidade, para lá dos apetites e dos cansaços, centelha de grandeza em toda esta minha quase infinita irrisão, irredutibilidade e luta perpétua do bem-querer contra as amarras tentaculares do bem-estar. À bênção de quem a esquece, hei-de sempre preferir ir ser maldito com ela.
Há, de facto, uma vontade que me ata ao leme. De algo muito maior que eu.

PS (actual) - Confesso que um dos raros prazeres que ainda experimento neste meu batel é reler coisas que escrevi há anos atrás e das quais não fazia já a mínima recordação. É como se tivesse sido outro a escrevê-las. E, provavelmente, até foi.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

O dois em um

Julgo que é sempre oportuno recordar. Portanto, senhoras e senhores, directamente do Dicionário Shelltox Concise do Dragão, na letra C:

Calvinismo s.m., cristofobia; doutrina descabelada de Calvino, magarefe francês (1509-1564) que dotou o capitalismo duma “religião”, também conhecida como redenção pela riqueza; segundo ele, a Graça Divina, afinal, é uma Gratificação e mede-se em “dinheiro vivo”: quanto mais rico, o crente, mais gratificado e predilecto de Deus.

Vem isto a propósito duma interrogação, que li por aí algures... a saber: "Católico e maçon, será possível?"
Ah, pois claro que é. Chama-se Opus Dei. Tudo indica que se abluem numa mistura exclusiva de shampô criptognóstico para espíritos oleosos com amaciador neocalvinista para apetites encrespados. Na blogosfera é muito difícil distingui-los dos porno-evangélicos-pop e demais estirpes rastejantes de proxenetismo bíblico, especialmente por alturas de militorreia israeliteira. Nesses períodos, de grande ruído e frenesim, congregam-se e confundem-se, regra geral, na mesma claque gregoriante. Alguns entomólogos mais ousados, arriscam uma fórmula expedita de destrinça: os criptognóstivos neocalvinistas são os que apresentam, além de carapaça e chifres, antenas quase sempre apontadas aos blogues da esquerda caviar, numa espécie de narcisismo vertiginoso e perverso, através do qual micro-emulam o proto-demiurgo diante das trevas primordiais. Não é preciso referir que, à semelhança do mesmo, moldando o seu mundo a partir de tão sórdida matéria, acabam embrulhados em balbúrdias ainda mais caóticas e repugnantes.
Pessoalmente, devo confessar: por mais que esfalfe a lupa, não consigo distingui-los.

domingo, janeiro 11, 2009

In Fraud they trust

«In Fraud we trust».

Como TPC, escrever cem vezes até memorizar bem:
"JPMorgan Chase is the Federal Reserve in drag".

Cesariana do amanhã



Informa-me o Carlos (bom ano para ti, pá) que «o número de partos por cesariana não cessa de aumentar em Portugal desde os anos 90 do século passado até chegarmos à vergonha de sermos o segundo da UE com maior taxa de cesarianas

Ora, isto requer alguns considerandos da minha parte. Se é de cesarianas que se trata, nada como ouvir aqui o César. E o César, ainda para mais Augusto e Dragão, tem a comunicar-vos o seguinte:
A alta taxa de extracção de nascituros pela barriga, embora pareça, assim de relance, mais um modernismo tecnomaníaco-fisifóbico e eu deteste esse tipo de porcarias, acaba por ser, bem remiradas as coisas, um nítido progresso para a nação. Desde que, claro está, amenize a elevadíssima taxa de nascituros que, neste país e nos últimos trezentos anos, em alarmante crescendo, vêm sendo expelidos pelo ânus da mãezinha. O que, por muito relaxado e treinado que ande o orifício, e geralmente anda, não deixa de causar traumas e sequelas futuras, sobretudo ao nível craniano, na criança e respectivas edificações subsequentes. Assim, poupando mãe e filho a tão originais tormentas, estou em crer que os nossos netos, diante das tele-elites socio-políticas do seu tempo, já poderão ao menos animar-se (bem ao contrário de nós , desgraçados ) defronte dos ecrãs ou escaparates vipejantes: "ao menos este não o cagou a mãe - sacou-o da concha a medicina!"
Nisto, concordemos, sobressai uma inegável vantagem da extracção sobre a excreção: continua a ser baixa, mas ao menos não é imunda. E se bem que deixem de vir ao mundo por um buraco justo ao tamanho da inteligência, passam a eclodir por uma fenda artesiana convenientemente rasgada e calculada às dimensões do talento.
Donde nos é permitido concluir que, não sendo embora tão rápido quanto se pensa, o Progresso, apesar de tudo, existe. Sorte a dos vindouros, principalmente nos dias eleitorais, nas datas sufragantes: a escolha, no menu, já não estará asquerosamente confinada a uma variedade muito reduzida de bostas, mas contemplará também - esperemos, com algum optimismo - dois ou três tipos lavados de moluscos bivalves antropomórficos. Da esterqueira à marisqueira, para a nacinha, havemos de convir: será quase uma ascese.

sábado, janeiro 10, 2009

Paludismo Esthérico

Há três dias, confessava-nos o Miguel:
«Finalmente, catorze meses no Sudeste-Asiático cobrados pela natureza. Um febrão misterioso, chegado com a fulminância de um raio, deixa-me imóvel na cama, com picos de 40 graus, uma transpiração aluvial e um frio gélido que atinge o tutano. Ontem, após doze horas de convulsões, até tive uma alucinação. É verdade, a luz do dia passou a ser vermelho, de um vermelho cor de sangue e cheguei a perder acuidade auditiva.»

O relato mais detalhado da alucinação e do dodecadromo convulsivo, publicou-o ontem. Um delírio verdadeiramente esgazeado, perdoe-se a ironia, onde a cassete e a floresta australiana se entrepenetram num perfeito crepúsculo de baratas, centopeias, bichos-de-faz-de-conta e outros invertebrados igualmente rastejantes. Em resumo, depois de ver tudo a vermelho, o pobre Miguel começou a ver-se ao espelho e descobriu plantada neste a figura soturna e tutorial da dona Esther Mitzeschlenãoseiquantos. Pior pesadelo e mais adunca penca não se conhecem.

Daqui, comiserado, envio os sinceros votos de melhoras.

Até porque daí, donde delira, coitadinho, piorar, convenhamos, é muito difícil.
Sugiro-lhe até um método de prioridades na recuperação da saúde: procure primeiro os óculos, ou as lentes, hão-de andar algures por aí. Depois, já equipado destes, recuperada a capacidade mínima de focagem, procure no chão, nas gavetas, nos armários, porque também por lá andarão, decerto, esquecidas e dispersas: as vértebras. Uma vez restaurado na plena posse destas, vai ver que se põe de pé num instantinho. Remédio santo!






sexta-feira, janeiro 09, 2009

Super-Défice


Ao contrário do que os pusilânimes coca-continhas nos teimam em impingir, o Défice é o Viagra dos Estados. Lei mais fatal não se conhece: super-défice=super-potência. Já os lucros astronómicos aos longo de décadas, como vamos constatando actualmente na banca e nos fabricantes automóveis, conduzem à falência. Instintivamente, nós, portugueses, já vinhamos adivinhando isso há muito tempo. E, em não menor conformidade, vínhamos alegremente refocilando.
Irmãos, endividemo-nos! Poupar, afinal, não é ganhar: é perder. Perder tempo e oportunidade, sobretudo. Porque ganhar é gastar o alheio!... E claro, arranjar uma bela arma e um bando não menos belo, de modo a dissuadir o mesmo tal de nos exigir pagamento.
Consumir sem ter que pagar é coisa antiga. E não se chama "dívida": chama-se privilégio. Mas em que planeta é que estes grafo-titiladores de jornais, televisões e blogues vivem? O óbvio, o elementar, o banal é assim tão inexpugnável ao entendimento?...

Entretanto, como TPC de hoje, escrever cem vezes a frase que convém memorizar para a posteridade como emblema da nossa época:
«O Défice é o viagra dos Estados».
Significa, entre outras coisas menos essenciais, que um Estado com um grande Défice é um Estado que anda a montar, fogosa e gratuitamente, vários outros. Não admira: os Estados são como as pessoas (de baixa extracção, entenda-se).
É por isso que, por exemplo, a nossa obsessão em diminuir o nosso prometedor défice só é compreensível enquanto imposição estrangeira -franco-alemã, mais exactamente -; ou seja, enquanto imposição daqueles que se sentem a ser desfrutados por nós. Abuso inaceitável, entendem eles. Esse tipo de coisas, na realidade, é uma frescura que, com volúpia masoquista, só admitem aos ingleses e americanos. Regra de ouro, essa, que só reconhece uma excepção ainda mais dourada - mas não é preciso que eu vos diga o nome do felizardo, pois não?...

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Fim da linha

Mais uma morte súbita. Porém, continua a não haver unanimidade, nem sequer repetição, no método escolhido. Este optou pelo comboio. Apanhou-o na passagem de nível. Por não aguentar a descida deste.

Caso para dizer: se um pobre aguenta não ser rico, porque é que um rico não aguenta ser pobre?

Aristóteles definia os ricos como uma espécie de "meninos mimados" pela fortuna. A sabedoria, quando autêntica, é eterna.

Quem quebrou realmente o Cessar-Fogo?...

Não que a realidade interesse aqui para o que quer que seja. Mas enfim...

terça-feira, janeiro 06, 2009

Heteroclismo

Ao certo não sei quantos habitantes vegetam internados na tal Faixa de Gaza. O número, de resto, é irrelevante. Bem como a idade e o género: homens, mulheres, velhos ou crianças é tudo igual. É tudo "espécie cinegética autorizada". Sejam quantos forem, o que sei, de propaganda certa, é que se dividem em duas categorias gerais e totalistas: os que têm um terrorista do Hamas oculto dentro deles; e os que têm um terrorista do Hamas escondido atrás deles. É por isso que, piedosa, cirúrgica e justiceiramente, vão ter que ser todos abatidos.
Para ruidoso gáudio e banquete festivo dos oxiúros anillinguareiros do costume.

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Pura e Imaculada Devoção

Há aqui algo que não bate certo. Por um lado, as pessoas delicadas e sensíveis da nossa esquerda de trazer por causa, cheias de temor ao labéu anti-semita, apressam-se a proclamar o mais solene direito do Estado de Israel à existência naquele preciso local. Por outro, esses mesmos tele-samaritanos barafustam escandalizados com o exercício da existência do Estado de Israel. Como quem atira com o fósforo ao rastilho e depois clama para que o rastilho não arda.
Poupando perpilóquios (escusam de procurar no dicionário, porque acabo de inventá-la) e peripaideias, deixem que pergunte: porquê ali e não noutro sítio qualquer? Porquê na Palestina e não no Hawai, em Sacavém, nas Bermudas ou no Ruanda de Baixo? Então, por causa dos pergaminhos históricos, explicam-me. Com certeza não se referem à história laica, porque o primeiro a despachá-los para lá em larga escala, por pura motivação profana, foi o Adolfo Hitler. Referem-se, portanto, e necessariamente, à história religiosa. Até porque como se trata da teocracia mais antiga (e obsessiva) do planeta, não há como separar uma coisa da outra. O Ihavé deles é, como sempre foi, tanto quanto o Padroeiro-Mentor da Estratégia, o General Supremo dos Exércitos. É Deus Guerreiro, Deus-tempestade, lá dos desertos, ainda vocês não palitavam dentes e já eu sacrificava pestanas na hecatombe destas coisas. São Deuses cruéis, os desta gente. Basta recordar os Assírios. Ora, os Hebraicos ancestrais o que fizerem foi simplificar o panteão num monoteão (e miniteão, também). Ou seja, um panteão portátil. Como eram nómadas, uma ciganada transumante daquelas, necessitavam duma divindade facilmente transportável. Um Pronto-a-levar e Pronto-a-invocar que coubesse na mochila. Também, porque não tinham terra, um deus em forma de gás, um aero-teos (como diria um grego), um deus de certa forma exacerbado dos deuses da família, que, como bem sabemos, cabiam e eram transportados em garrafas. Ihavé, bem vistas as coisas, é apenas um Super-Génio (da garrafa). Aliás, também não é por acaso que os neo-judeus (vulgarmente conhecidos por protestantes) retornaram gulosamente a este conceito catita de Deus-celular, Deus-telemóvel (para usar uma terminologia mais lusíada). E, simultaneamente, garrafinha de mau cheiro. Mas não nos extraviemos, senão daqui a nada ainda vos estou a maçar com aventuras dos meus tempos heróicos de brioso garimpeiro do aramaico. E para Massada já bastou a que os Romanos tiveram que aturar.
Resumindo e concluindo... Por conseguinte, ó flausinos, não se compreende o escândalo com criancinhas chacinadas e demais familiares aos pedaços. Dais de bandeja o reto e depois quereis preservar o esfíncter? Se os tampinhas têm direito àquilo por Dádiva divina, não há como contornar nem evitar a coisa: o Ihavézinho não lhes deu apenas a concessão territorial - ordenou imperativamente que exterminassem quem lá estivesse. Ora, com um intervalozinho de meia dúzia de milénios (uma mera gota de água no mar da eternidade, convenhamos), é exactamente isso que eles, com paulatino método, vêm ultimando.
Açougueiros? Carniceiros? Nem por sombras. Talibuns? Superficial relance. Ogres? Nem nunca! Gente ultra-devota, isso sim. Serafinórios até mais não. A vós, ignaros incréus, parece-vos chacina. Mas, para eles, claustrofílicos do tabernáculo, é ritual.

Chamem o Super Otário




Nunca subestimemos as propriedades terapêuticas, senão mesmo miraculosas, do dinheiro dos contribuintes.

- "É um pássaro? É um aviário? Não, é o super-otário!..."

quinta-feira, janeiro 01, 2009

Cachorros-quentes kosher



Ainda acabavam de podar o Bernie e eis que desponta o Arnie.

If convicted, he faced more than 30 years in prison.»

Há qualquer coisa de extremamente poético em "cachorro-quente kosher" (kosher hot-dogs). Assim, de repente, até me lembra uma série de blogues rinofílicos assolapados cá do burgo. Cachorro quente kosher é, sem sombra de dúvida, um novo marco na cultura e na metáfora.

Mas o cronograma deste empreendedor Arnie é, todo ele, um poema:

* 1974: Having developed an interest in politics, Zaler quits a job as a salesman and goes to work on Gary Hart's U.S. Senate campaign.

* 1979: Zaler runs for Denver City Council, but loses to incumbent Kenneth MacIntosh.

* Early 1980s: After moving to Arizona, Zaler starts a software company. He also begins a well-publicized push for the state to recognize the federal Martin Luther King holiday.

* 1994: Investors in the software company begin filing civil lawsuits against Zaler, saying they are not seeing promised returns.

* 1995: Zaler is charged in Grand County with fraud by check after writing a bad $11,000 check to a ranch where he stayed with his girlfriend for two weeks. He is later arrested by the New York Port Authority.

* 1996: Arizona prosecutors charge Zaler with more than 50 counts of fraud and other crimes, saying his software business was a pyramid scheme.

* 1997: Zaler is sentenced to 14,5 years in prison.

* 2002: With credit for time served and good behavior, Zaler is released. He returns to Denver, where he later opens Zaler's Kosher Meats.

* 2005: Zaler gets a contract to sell kosher hot dogs at the Pepsi Center.

* February: Zaler is indicted on 30 counts of bank, wire and mail fraud. The indictment alleges he lied to investors about contracts to sell hot dogs at Denver sports venues.

* April: A federal judge issues an arrest warrant for Zaler after an FBI agent says he has fled the country for Israel, in violation of his bond.»

Mas permitam que realce a minha parte preferida, onde, havemos de concordar, Arnie, bem à semelhança de Bernie, alcança foros de maravilha:

He also began ingratiating himself back into the Denver area's Jewish community.
In 2005, Zaler got a contract to open a concessions stand at the Pepsi Center. He also had stands at Coors Field and Invesco Field at Mile High.»

Caso para concluir: Lúgubres tempos, estes -tempos de prodígios e monstruosidades aberrantes! -, quando até os judeus se entregam, metodicamente, ao canibalismo.