Eu acredito que os mitos se repercutem através dos tempos. Revisitam-nos ciclicamente. Há um, pelo menos, que é prova disso. E é um mito tanto quanto uma ideia hipnótica. Foi Hesíodo quem a patenteou para a posteridade na sua Teogonia, quando registou: "No princípio, gerou-se o Caos".
"No princípio" significa aqui "antes" - antes do tempo, antes da história, antes da ordem, antes do cosmos, antes de tudo. O Caos será posteriormente o "indeterminado" de Anaximandro, que é o primeiro a tentar dar-lhe vestes filosóficas, mas o caos é, sobremaneira, esse proto-topos e proto-tipo donde tudo emerge - desde o cosmos à própria possibilidade da linguagem, ou seja, da istória (que é mythos mas também é lego). Com a agravante, nisto tudo, do proto-topos ser simultaneamente um a-topos, isto é, o lugar primordial é um não-lugar, porque está antes e fora de todos os lugares. Tudo o que o texto nos diz sobre ele resume-se, de resto, a uma palavra: "protistos". O primeiro de todos.
Mas um antes, necessariamente, pressupõe e desencadeia um depois. Tal qual um primeiro institui outros, restantes e seus subsequentes. A ordem é, assim, e igualmente, uma sucessão. Ao Caos sucede e acontece o Cosmos. Nisto, timbra-se a primeira noção de progresso de que há memória. Constitui-se um cosmos como um progresso a partir dum caos. Um cosmos que a história e a palavra vão iluminando e patenteando, em contraposição a um caos sombrio, inóspito e anterior. Não é coisa insignificante, como iremos ver.
No exercício da ambiguidade típica do pensamento grego, Hesíodo, tendo estabelecido esta ideia de progresso cosmogónico na Teogonia (onde basicamente trata da condição divina), fundará, todavia, nos Trabalhos e os Dias (onde reflecte sobre a condição humana) uma ideia diametralmente oposta. De facto, aí, com a sua teoria das Idades, apresentará a história humana como uma decadência decorrente duma Idade do Ouro primordial até uma Idade do ferro actual (ao tempo dele) e que agora, no nosso, decerto oscilaria entre a Idade do Plástico e a Idade do Lixo. Dito sucintamente: para Hesíodo, a História do divino reflecte um progresso; a História humana ostenta e está condenada a uma decadência. Quiçá, como se o divino protagonizasse uma força que se ergue e diferencia do caos; e o antropológico uma fraqueza que para ele tende e regressa.
Só que o antropos, mais tarde apelidado e reduzido a Homoios, tem essa coisa chamada Hubris a trabalhá-lo. Não o larga para onde quer que vá. Impele-o obsessivamente para a mistura, para a Hybridação. A história atesta como passa o cosmos a recriar o caos em forma de balbúrdia, de babel. Mas não é apenas com a bicharada e a macacada que se confunde - bem mais sinistro: é também com os deuses. Quanto mais baixo resvala mais rebenta de ambição. Como na fábula do batráquio a inflar-se para ruminante. Porfiadamente, o mortal cobiça o eterno, quer transformar os seus "trabalhos e dias" numa "teogonia". Anseia transplantar-se para outra história menos penosa e fadada ao fracasso, à decadência e à dissolução. Isto, ao mesmo tempo que se vai cada vez mais afundando nelas. Projecta-se deus, no espelho celeste, do fundo dos abismos. O seu trovão é um clamor das profundezas; o seu raio um mero vulcão de desespero.
E é assim que, dois ou três milénios mais adiante, vamos encontrá-lo. Adolescente ébrio a acelerar e artilhar tunnings numa teogonia roubada...aos próprios pais. E hoje, fardado de Deus, em frenético e patético carnaval, lá marcha, suíno doravante alado, supersónico; anjo democraticamente saguim. Mas perguntem-lhe pelo caos. Disso ele sabe, é doutor. Tem a escola toda. Já se lhe entranhou até aos ossos. Escorre-lhe pela medula, a esse aprendiz de Medusa.
Perguntem-lhe em Paris, em 1789... "O Caos? Não tem nada que saber: Antes de nós era o Caos!...", roncará. Perguntem-lhe em Lisboa, em 1910: a mesma resposta, com igual empáfia. Perguntem-lhe ainda em Moscovo, em 1917, perguntem-lhe em Berlim em 1935, ou perguntem-lhe outra vez em Lisboa, em 1974: idem aspas, com descomunal jactância.
É verdade. Antes deles era necessariamente o caos, depois deles, ou sem eles, será sempre o dilúvio, o abismo, o caos recauchutado. É esta a receita. E a sina desta teogonia de pechisbeque, desta génese e batalha cosmética entre deuses de chumbo, deuses de plástico e deuses de lata.
Sem um caos prévio como poderiam eles emergir -melhor, donde brotariam eles? Sem um caos de pedestal onde se poderiam eles plantar em gloriose? Sem o abismo e todos os demónios que lá fermentam e decocam, viriam eles, bombeiros municipais e voluntários do universo, salvar-nos de quê?
E triste de quem não percebe que reside nesta mania "cosmogónica", nesta tara progressista a tradição mais antiga e avassaladora da nossa cultura.
Basta ir perguntar aos cristãos triunfantes do império... "O caos? - Ora essa, que pergunta! - Rir-se-ão. - Antes de nós era o caos!..."
E depois deles, naturalmente, será o dilúvio. Aliás, já foi. Pois, assim como para os outros o mundo, segundo garantem, principiou em 1789, para eles dir-se-ia que acabou.
Percebeis agora a força dos mitos, ó onanistas do conhecimento e da lógica?
A razão é só a pornografia do mito.
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ResponderEliminarEu, pessoalmente, dou vazão a todo o desdém que tenho de essa Razão, enquanto SÓ pornografia do Mito, e ao ardor apologético de todo o jacobino tão oprimente e inquisidor como todos os inquisidores oprimentes de todos os tempos e lugares.
ResponderEliminarNo princípio era o Verbo!
À Diva organização criativa e deliberada do Cosmos correspondeu a opção pela Entropia do Orgulho por parte da nossa Espécie num dado passo da Pré-Hybris-Histos.
Foi preciso reconduzir criativamente essa desobediência e a dessintonia íntima da nossa Espécie com a Divindade, esse decairmo-nos pelos dias: tal foi corrigido, como um AntiCorpo Glorioso-Corporal, na Ressurreição Gloriosa do Deus Cristo Filho, definitivamente inoculada na nossa Espécie-Histos, revertendo o Caos-Ruptura e anulando o Princípio Mortal que nos regia, qualquer Judeu de boa cepa devê-lo-ia reconhecer há muito e reverenciá-lo para não andar por aí perdendo tempo a beijar territórios estéreis, a reproduzir Velhos Ghetos e a aspirar por um Grande e Único Templo onde se voltem a degolar animais cujo valor sacrificial, cujo sangue intercessor será nulo, inútil e ridículo. Havendo todos os dias um outro sangue humano a clamar por justiça!
Fora isso, há anónimos ociosos, não há dúvida!
PALAVROSSAVRVS REX
Fiquei cheio de tusa
ResponderEliminare é caso para isso, ó Onanas da Silva!!!
ResponderEliminaro Joshua anda a converter o Dragão.
já reparaste que nunca mais o Dragão deu porrada na Judiaria?...