A verdade é que aldrabei no postal anterior. Propositadamente. Porque, de facto, o que o texto original de Hesíodo diz não é "No princípio, gerou-se o Caos". Não, em rigor, o que afirma é: "primeiro que todos surgiu, certamente (ou verdadeiramente), o Caos".
Por conseguinte, sabemos mais qualquer coisa além de que ele foi "o primeiro de todos": sabemos que isso é uma certeza, uma verdade. Que não há dúvida que primeiro que tudo esteve o Caos. E este pormenor da certeza, do não haver dúdida, como devem calcular, é um detalhe extremamente significativo.
Porque esta certeza num caos anterior donde emerge e se resgata um cosmos não mais deixará de presidir ao processo de reencarnação cíclica do mito. Essa certeza no caos, no horror prévio donde brota a beleza celestial, devirá o fundamento invariável de todas as arquitecturas civilizacionais - de todos os "progressos". De tal modo que, transpondo agora aos nossos tempos, a erupção duma nova ordem -pensemos por exemplo no episódio comunista - mais que o nebuloso projecto num céu futuro, funda-se e constrói-se na certeza dum caos precedente. O a-topos (a utopia) celestial radica, assim, e invariavelmente, num a-topos tenebroso.
Quer isto dizer que as novas ordens não vivem apenas da efabulação duma utopia futura: vivem sobretudo do engendramento duma utopia passada. Como sustentáculo para um lugar que não existe ainda no presente (nem acabará por nunca existir no futuro) precisam dum lugar que nunca existiu no passado. À falta dum certeza no futuro, encasulam-se, galvanizam-se e aturdem-se com a certeza no passado - a certeza no caos.
É assim que, citando agora um exemplo próximo e doméstico, a nova ordem do 25 de Abril, muito mais que num qualquer projecto idílico de que percebe e anuncia vagamente os contornos, justifica-se na certeza desse caos anterior, subitamente escancarado, da "longa noite fascista".
Lei fatal: Toda a ordem parte da descoberta dum caos. Uma descoberta que, no caso humano, é predominantemente uma invenção. Tanto quanto uma necessidade arquitectónica. Sem um horrendo caos anterior a sustentá-la, a nova e bela ordem ruíria em três tempos.
Mas ó Dragão - a verdadeira falácia é que eles escolhem o caos que lhes convem.
ResponderEliminarVeja lá se eles gostam, por exemplo, de falar no caos da I republica?
Cabrões, filhos de um cão tinhoso é o que são.
Não é falácia, caro anónimo das 1.32.
ResponderEliminarCada qual fala do caos necessário à sua construção. Desse, da 1ªRã-pública, falamos nós.
O Dragão,estes postes estão excelentes.
ResponderEliminarTens de pensar no 2º volume
";O)