«Mas a vida dum país é mais complexa, mais larga, escapa mais aos órgãos e à acção do poder do que muitos o poderiam julgar: a história duma nação não é apenas a história dos seus conquistadores, dos seus grandes reis; ela é, sobretudo, a resultante do trabalho que o meio impõe aos homens, e das qualidades e defeitos dos homens que vivem nesse meio. Acho salutar para a mocidade que à máxima de Maurras, Politique d'abord, ela oponha a interrogação (que é uma resposta negativa) de Demolins - A-t-on intérêt à s'emparer du pouvouir? Isso a desviaria de pensar que o problema nacional se resolve unicamente com o assalto aos órgãos do Estado. Nós precisamos duma coisa que nunca tivemos e cuja falta sensível tem sido a causa dos nossos altos e baixos: formação das vontades para dar continuidade à acção. De quando em quando, aparece na História de Portugal um rei, um estadista, um chefe, que levanta a Nação, que faz um pedaço de História, e que a deixa cair quando desaparece ou morre. O nosso passado está cheio de beleza, de rasgos, mas tem-nos faltado, no último século, sobretudo, um esforço menos brilhante mas mais tenaz, menos espectaculoso e com maior perspectiva. Tudo quanto seja apelar somente para o heroísmo da raça, sem modificação da mentalidade geral, do nosso modo de fazer as coisas, pode trazer-nos momentaneamente páginas de epopeia, mas queima-nos, nessas labaredas contínuas, entregando-nos, depois, a esse fatalismo doentio, de que o Fado é a expressão musical. É essa a razão por que nós somos um povo eternamente saudoso, longe das realidades por termos vivido demasiado, em certos momentos, uma realidade heróica mas falsa... Para fazer, portanto, obra nova, obra reformadora, é necessário, antes de mais nada, renovar o indivíduo, transformá-lo, pô-lo de acordo com o seu próprio ambiente, com a sua própria terra.»
- A. O. Salazar, in "Entrevistas de António Ferro a Salazar"
Para já, vou deixar os comentários aos leitores. Se acaso lhes interessar.
A frase a negrito revela tacitamente a própria concepção do regime: o Estado Novo vivia através e mormente de Salazar; após o seu desaparecimento, o regime colapsou por si próprio (tal não se deveu à oposição comunista, como a mitologia do PCP pretende incutir aos incautos).Salazar encarou-se como salvador da pátria, embora carregando um cinismo que se tornou histórico. O seu regime preconizou a especificidade da raça lusitana; daí a defesa do ruralismo, característica de um regime anti-moderno, autoritário e católico; que conservou Portugal numa ancestral miséria.
ResponderEliminarIsto é excelente. É mesmo esta a sina. Umas erupções de vez em quando e depois vai-se tudo.
ResponderEliminarO sacana do gajo dizia grandes verdades
ahahahaha
Tu devias ter deixado o texto sem se saber de quem era .Porque aposto que havia uma data de gente a concordar.
ResponderEliminarJá fiz o teste no Cocanha e foi esse o resultado.
Grande texto.
ResponderEliminarA Zazie tem razão...
Agora sem ultramar para arrumar os "administradores"(quem não sabe mete o primo a assessor) é que a situação anda preta para os eleitos.Eles bem alargam aqui as coisas (Câmaras, regiões,AR,um numeroso governo mas é sempre pouco poleiro para tanta galinha...
ResponderEliminarMas isto vai melhorar.A engenharia social anda a labutar para africanizar os insubmissos lusitanos e é sabido como uma sociedade mulata será muito mais dócil... e barata!
Obrigado pela visita e comentário mas...
ResponderEliminarNo mundo dos cavalos que falam, essas nobres criaturas incapazes de mentir, não só as Maxi Puch têm menopausa como os diesel têm carburador!
Cumprimentos,
Afonso Henriques
Zazie, foi o que me aconteceu. Li o texto antes de ver no final quem era o autor e pensei "Este tipo que escreve neste blog até tem razão". Depois de saber quem era não mudei de opinião.
ResponderEliminarVê-se claramente quando o velho profe faz o seu auto elogio denegando o espírito de epopeia, e apresentando o seu "modesto" esforço de feitor abnegado que o homem era precato, pacato, um reformista de chinelas, aliás de botinas, que queria "reformar o indivíduo". Qual? quem? deliciosa abstracção platónica. transformá-lo...teve mais de quarenta anos para o reformar, para o transformar e os resultados estão à vista: um povo de capados, sibilinos, encolhidos, em desacordo com o ambiente e em guerra contra a sua própria terra, que desprezam e estraçalham rasgando-a de auto-estradas.
ResponderEliminarConcomitantemente uma outra ideologia totalitária contemporânea do velho professor, a comunista, pretendia exactamente o mesmo, reformar o indivíduo, transformar o homem, construir o "homem novo". Sabe-se por demais no que deu: gulags, sibéria, Autoritarismo Centralista burocrático - tudo muito parecido ao que se passava em escala mais discreta no país de valores rurais pequeno-burgueses do professor, que entretanto enquanto não consultava os seus cartomantes e astrólogos ia usando os católicos com o maior florentinismo, ou não tivesse lido Maquiavel.
Concordo no entanto com a caracterização que o professor faz do Fado, caracterizando-o como "fatalismo doentio". São os nossos blues urbanos, com pouco mais de um século e será sempre um pouco espúrio e irrelevante fazer a sinonímia do Fado com a Alma nacional, a qual, se existir, é dez vezes em termos temporais mais antiga e infinitamente mais ampla, transcendendo certamente os limites da taberna sentimental.
O voluntarismo schopenhaueriano do "nós precisamos da formação de vontades" soa a uma versão primitiva do "pense positivo" que se ouve nas bombas da Galp. Pois. Bem prega frei Tomás...Mas o certo é que o professor fechou os cordões à bolsa ao ensino escolar primário, nem permitiu que o "bom povo" cultivasse essa vontade, a formasse pelo estudo, pela meditação,pela acção, pelo trabalho que dá o pensamento. Não queria mais pensamento que o dele, supremo Guru da Nação, e essa falta sensível apoiada por um aparelho repressivo minimamente eficaz codificou e formatou as gerações subsequentes.
A visão do professor sobre a conquista do poder é a visão plenamente burguesa de que este se conquista pelo trabalho - no que o professor toca os valores puramente puritanos de redenção pelo trabalho com os quais se calhar involuntariamente se identifica. A história de uma nação a partir destas declarações de Salazar fica aberta a poder ser feita pela burguesia. A desconfiança clerical em relação à espada sobressai neste texto. Eu por mim aviso-me que a espada é muito mais decisiva do que as pequenas elucuburações da mente labirintica burguesa do professor. Por isso considero estas palavras do professor calramente como um manifesto mercantilista digno de um pré cavaco ou outro do estilo. "Un vrai discours de cadavre" pour les cadavres, acrescentaria. Com o brilho chamuscado do provincianismo coimbrão que moraliza a mocidade, como se esta precisasse de estadistas, de chefes - quando tudo o que a eventualmente a faz mover são as chamas, não o bico do gás.
Cristóvão Teles da Sylva
ó Dragão:
ResponderEliminarDá uma espreitadela numa notícia que o Freire de Andrade tem lá no blogue dele. tinha-me passado ao lado mas também fique intrigada.
O que é que os frankenstoinos virão fazer para Mértola?
Apesar de compreender o texto e, em certa medida, concordar acho que os portugueses são românticos demais. Apesar tudo o que se critica em Portugal e no seu povo seja de considerar Portugal é indubitavelmente mais do que aquilo dele pensam e nunca será tudo aquilo que dele esperam.
ResponderEliminarUm país é uma chocadeira de Homens. Enquanto esse país continuar a gerar pessoas que o queiram manter para chocarem mais pessoas o país vive, quando um povo decide que não vale a pena continuar a chocar ali, vem outro povo, mais miserável, e fica com os restos.
O Estado, ou estadistas que se quer e não se tem é coisa de políticos, no que me diz respeito só lhe interessa a eles. As condições que se desejam e não se conseguem é coisa de pedintes. Uns mais pobres que outros, alguns com aspirações mais elevadas que os demais, é certo, mas todos pedincham.
Enquanto Portugal não estiver entregue aos políticos e as suas politiquices e aos seus pedintes e as suas pedinchices, na minha modesta e muito pedante opinião, Portugal terá o seu futuro assegurado. Um grande estadista é sobretudo uma pessoa e enquanto um país gerar pessoas e não coisas do género de pessoas mas que não se lhes assemelham quer substância quer em qualidade ele o terá quando deles assim os precisar.
Reflexos desta desmodernidade onde habitamos:
ResponderEliminar"Que belo assessor tinha Salazar"!
«Para fazer (...)obra reformadora, é necessário(...) renovar o indivíduo, transformá-lo, pô-lo de acordo com o seu próprio ambiente, com a sua própria terra.»»
ResponderEliminarDas duas duas: não só o indivíduo, neste caso A. de O. Salazar, não se conseguiu renovar a ele próprio tendo sido irremediávelmente absorvido pelo arquétipo fantasmagórico nativo, cultivando perseguições, atrasos, arrogâncias de bolso e delações, entre outras espécies endémicas, como a manifesta ausência de "obra reformadora" reduziu Portugal ao que é actualmente. O próprio PREC, com toda a trampa que arrastou consigo, foi uma mera consequência das falta de "acções reformadoras" e da "renovação" dos portugueses propostas, mas nunca protagonizadas, por Sua Luminiscência A. de O. Salazar.
O mito do homem-novo foi retomado pelo Cavaco.
ResponderEliminarAinda está para nascer
Mas esta é uma grande verdade e bem actual:
ResponderEliminar" A-t-on intérêt à s'emparer du pouvouir? Isso a desviaria de pensar que o problema nacional se resolve unicamente com o assalto aos órgãos do Estado."
" A-t-on intérêt à s'emparer du pouvoir?
ResponderEliminaristo diz o Salazar quando está de pedra e cal no poder, aliás de ferro e cal.
A verdade permanente de qualquer enraízado no poder é que : Il n'a pas d'interêt à qu'on s'empare de "son" pouvoir.
O Salazar desconfiava de todos, a curto, a médio e a longo prazo.Toamava medidas nesses sentudo. à Richelieu, dividia, afastava, manipulava, exorciszava. nem sequer precisava de mandar prender. E isto fazia-o aos que o apoiavam. Contudo uma política baseada na suspeita de quem lhe poderia vir a roubar o poder é de facto uma política suspeita.
Quando Salazar percebeu, por razões de idade e de começo de fraqueza física e tédio por tanto tempo de poder, que tinha que ter um herdeiro flipou por completo e foi adiando a sucessão do Estado Novo.
Franco ainda escolheu um delfim que de certo modo perpetuaria, embora com outra leitura ao menos um pouco do seu estilo nacional, antisocialista.
Salazar não conseguiu porque não quis. Après le moi le déluge, e foi.
E isto porque exercia a sua vontade de forma só negadora, defendendo a Sua obra e a Sua Pessoa e a Sua ideia do que devia ser a nação portuguesa. Quebrou pelo Ego, por fim, e ficou mais uma daquelas figuras de sombras em que a História portuguesa é pródiga. Um pensador bem comportado, sempre cheio de medo, infeliz nos amores divididos e pouco duradouros. Um pouco mais de azul...
Fernando Pessoa traça-lhe o perfil como ninguém. Viu-o.
Criistovão Teles da Sylva
Qual foi a data da entrevista?
ResponderEliminarPor acaso não sei. Não sei se já estava de pedra-e-cal. No outro não estava.
Mas como é que ele pode ter dado uma entrevista ao António Ferro no final da idade se ele morreu em 56?
ResponderEliminarAs entevistas são de 32. Estava no poder há 4 anos. A grande máquina de propaganda nem estava ainda em marcha.
ResponderEliminarIsto é o início. E corresponde aquilo que mais ninguém fez. Endireitou mesmo as finanças.
Zazie,
ResponderEliminarTem toda a razão. Ainda não estava de pedra e cal, procurava estar. (O salazar morre depois de 68, dois anos mais ou menos depois). Entretanto nessa altura ainda recente do seu consulado o homem programava a sua estadia para o futuro.
A grande máquina de propaganda nem sei se já se chamava na altura o SNP.
Seja como fôr não ponho em causa nem a inteligência do profesor nem a do Ferro, apenas a forma como a aplicaram.
Ferro era um modernista na acção, tinha passado pela escola de Marinetti, conhecia o Almada, etc. seria ele a imprimir ad usum populum uma certa visão do Salazar e do seu modelo de Estado Corporativo e a atenuar o nacionalismo carregado ainda de algum provincianismo para lhe dar uma dimensão mais cosmopolita.
Era então um tempo de início de nacionalismos, infelizmente, muito fardados, como que numa resposta operária-militar ao avanço do internacionalismo socialista.
Levantou um tema interessante: quantas entrevistas fez o Salazar com o Ferro? Estamos de facto na altura de ter maior perspectiva sobre todas as figuras dessa época e de avaliá-las sem cegueiras partidárias, sobretudo neste momento em que se re-edita um movimento restritivo da acção e do pensamento desta feita levado a cabo pela hoste socialista.
O Dragão também fez bem em lançar esta iniciativa de interrogar, ludicamente, o pensamento que se pode extrair do estilo escrito do Salazar. Contestáveis e controversos fossem, ele tinha pensamento e tinha ideologia, ainda que inspirados discretamente no Maurras e com mais força nos ideólogos do nacionalismo dessa altura.
Também gostaria de saber se o professor Salazar, por exemplo passou pelo barão Julius Evola, esse sem dúvida um pensador da Tradição como houve poucos e com uma abertura à filosofia perene ariana ida beber ao berço, aos princípios dos Vedas hindus.
Cristovão
PS - Peço desculpa a si e aos leitores deste blog pelas gralhas do post anterior.
O interesse nestas "pedaços" de Salazar está mais nas questões pertinentes que formula e que são uma constante da nossa história do que no salazarismo.
ResponderEliminarMas é claro que também penso que nem se conhece sequer o pensamento de Salazar. Porque os 48 de ditadura ainda hão-de dar cobertura a um século que se seguirá de estado de graça. À custa desses famigerados 48, cuja história anda mais mistificada que mitificada.