quinta-feira, fevereiro 29, 2024
Berda mer...quê?, ou o Português-novo
quarta-feira, fevereiro 28, 2024
Lemmingdução súbita
«Ameaça de envio de tropas para a Ucrânia mostra que "Macron está em competição com a Alemanha pela liderança da Europa"»
terça-feira, fevereiro 27, 2024
Apagado nas notícias
Aaron Bushnell, de seu nome. Imolou-se pelo fogo defronte da embaixada alienígena, em protesto contra o genocídio em Gaza. O mais surrealista no meio da tragédia humana é um segurança qualquer, perante um corpo a arder, a apontar uma arma... A título de quê? Apenas da mais estúpida brutalidade e desumanidade que imaginar se possa?... Vá lá não ter crivado de balas o corpo em chamas.
Entretanto, um apagão completo nos mass-merdia à notícia. Imaginem se fosse em frente à embaixada russa.
É por isso que eu já só acredito na justiça das catástrofes naturais.
domingo, fevereiro 25, 2024
Anabismotomia da Revolução - 8. Proto-revolução ou Cripto-restauração
«Apoiada por e constantemente apelando para os semiletrados, a revolução social em Münster era decididamente anti-intelectual. Os anabaptistas faziam alarde da sua ignorância dos livros e declaravam que eram os iletrados que tinham sido escolhidos por Deus para redimir o mundo. Quando saquearam a catedral fizeram gala em manchar, rasgar e queimar os livros e manuscritos da sua velha biblioteca. Finalmente, em meados de Março, Matthys baniu todos os livros com excepção da bíblia. Todas as outras obras, mesmo em posse privada, deviam ser levadas para a catedral e lançadas a uma grande fogueira. Este acto simbolizava um corte total com o passado, sobretudo uma completa rejeição do legado intelectual das gerações precedentes. Em particular, privou os habitantes de Münster de todo o acesso a especulações teológicas a partir de Padres, assegurando assim para os chefes anabaptistas o monopólio da interpretação bíblica.»
- Norman Cohn, "Na Senda do Milénio".
Münster, Vestfália. Fevereiro de 1534.
Os Anabaptistas instalam-se na cidade. Uma seita protestante animada por singulares intuitos milenaristas. O seu primeiro grande profeta é Jan Mattys, um alucinado holandês com ideias muito claras e concretas acerca da salvação. Apregoa ter-lhe sido revelado que urge pegar na espada e, desferindo-a solenemente sobre os ímpios, abrir passagem ao Milénio. No seguimento de outras jornadas igualmente sanguinárias, como a de Tomás Müntzer, entretanto executado, os anabaptistas de Münster desencadeiam a violência e a matança como método redentor. Anima-os não apenas o espírito de seita iluminada e incendiária, mas igualmente um ímpeto militante: não se ficam pela visão religiosa; têm também um projecto político, que coincide com um empreendimento social e económico. Trata-se dum apressamento do futuro através dum regresso mirabolante ao passado: Münster é a Nova-Jerusalém. Tal qual os anabaptistas de Matthys protagonizam a nova-tribo delegada do Deus severo, zeloso e vingativo do Antigo Testamento. É o Ihavé tempestuoso, surripiado ao panteão Assírio, que os inspira. Assim, este anabatismo opera algures num limbo desvairado, entre o cristianismo e o judaísmo: negação radical do primeiro que, por natureza intrínseca, não acede, exasperadamente, ao segundo. Cristãos do avesso e judeus de imitação, em resumo.
- Criam milícias armadas, para defesa do empreendimento; todos, homens, mulheres e crianças são chamados ao serviço; fortificam e cavam trincheiras á volta da cidade (até porque o bispo não ficara inactivo e organizara uma expedição punitiva e restauradora da ordem);
- Várias peripécias adiante, por alturas de Janeiro, os sitiantes (as tropas do bispo) encetaram uma nova táctica: bloquear completamente os acessos à cidade e conduzi-la à inanição; seguiu-se uma escassez de víveres e abastecimento;
sexta-feira, fevereiro 23, 2024
A síndrome de RBD (rules based disorder)
A mentalidade entre os neo-conas e os marxistas é a mesma. E a desordem prevalecente nela também. E, de facto, teve origem nas seitas apocalípticas protestantes (sucedâneos e reedições serôdias mas assanhadas duma outra seita mais antiga).
quinta-feira, fevereiro 22, 2024
Chegofobia ou chegojecção?
quarta-feira, fevereiro 21, 2024
O Debilitamento da Rússia (Made in USA)
Neste momento já são, segundo o World Bank, a quinta economia mundial e a maior da Europa, ultrapassando a Alemanha.
A canibalização de máquinas de lavar, esquentadores e secadores de cabelo já alcança extremos intoleráveis...
PS: Uma nova carência total parece estar a flagelar os russos: de bandeiras. Estão a gastá-las a um ritmo assustador.
PS2: Entretanto, o Titterington de trela, sempre belicoso e rosnador, avisa-nos das suas projecções caninas: «Putin quer "destruir" a União Europeia».
Não precisa. De todo. A "União Europeia" já foi destruída e usurpada pela URSSE, uma burrocracia particularmente estúpida e acutilante (aliás, é mesmo o que a sigla enuncia: União das Repúblicas Sociopatas e Singularmente Estúpidas). Que agora, porque também não sabe fazer mais nada, se entrega a duas ocupações exclusivas: Vitaminar a Rússia; e auto-destruir-se.
terça-feira, fevereiro 20, 2024
Pepsoxident, o dentífrico da consciência
«Aprovação de Putin na Rússia é de 81%»
segunda-feira, fevereiro 19, 2024
Coca-Cola Killing (como dizia o outro)
Navalny descambou em asset americórnio. Acabou (se é que acabou) como todos os assets que perderam a utilidade enquanto vivos. Passam-nos então à fase de mártires da propaganda. Tal qual o general Coca-Cola, o Delgado destemido. Nisso, aquela ratazana dos negócios estranhos, o Titterington irremovível, acertou no palpite. Fica-se por um esboço tosco e rasca de elogio a Putin assestando-lhe um paralelismo com Salazar, mas, se o fulano faleceu, decerto que foi segundo a mesma lógica e metodologia do outro: e nem Putin nem Salazar tinham interesse nem necessidade disso. É preciso simplesmente atentar em quem lucra com o passamento.
Para já, a notícia serve para desviar as atenções do desastre de Avdivka. E dos que se seguem, em bom dominó. E de Gaza, sobretudo. Voltou-se agora de supetão ao genocídio ao ralenti na Ucrânia para encobrir o fast-genocídio em modo expresso na Palestina.
Mas a histeria dos nossos anilinguístas oxidentais, no desempenho convulsivo da tarefa, chega a raiar algures entre a anedota e o sepulcro caiado a várias mãos... perdão, cascos.
O Coiote Xavier perorava algures, no dia de ontem:
«No Ocidente "não estamos habituados" a atos como o de Navalny!...»
Pois não, ó coisinho. Vocês, aí, no Oxidente, é mais bolos e Julian Assange.
PS: Este, entretanto, foi mesmo por ordem do Putin:
«Piloto russo desertor encontrado morto em Espanha» (e até admira as carpideiras de plantão não estarem já aos gritos, a arrepelarem cabelos e a debulharem-se the crocodile way).
Do linchistão à cleptagónia
«Montenegro defende facilitação dos licenciamentos para combater corrupção»
domingo, fevereiro 18, 2024
Cavalgadura auspiciosa
«António Costa: "Portugal não cairá nas mãos da extrema-direita»
sexta-feira, fevereiro 16, 2024
Anabismotomia da Revolução - 7. Itinerário do Protesto para o Aero-Plano
Aviso à entrada: Munam-se dum bom fio, para o caso de se perderem...
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«Duas cidades, uma dos justos, outra dos maus, que persistem como entremeadas no tempo até que o julgamento final as separe e que, reunida aos anjos bons sob seu rei, uma obtenha a vida eterna, e a outra, reunida aos anjos maus sob seu rei, seja entregue ao fogo eterno.
(...) Um fio condutor permite, todavia, orientar-se com segurança no dédalo dos textos: é o princípio, muitas vezes proposto por Agostinho, de que as duas cidades de que fala recrutam seus cidadãos unicamente segundo a lei da predestinação divina. Todos os homens fazem parte de uma ou de outra, porque todos os homens são predestinados à bem-aventurança com Deus, ou à miséria com o demónio.»
E. Gilson, in "A evolução da cidade de Deus"
Em Junho de 1520, a bula papal Exsurge Domine, intima a retratar-se, sob ameaça de excomunhão, um frade agostinho, professor das Sagradas Escrituras em Wittemberg, na Alemanha. Chama-se Lutero e, segundo o costume da igreja, é intimado a abjurar das suas 95 teses críticas da hierarquia eclesiástica. Longe de se submeter, queima o documento e extrema as posições, transportando a contestação para fora da Igreja Católica. Chega a disputar a infalibilidade do Papa e do Concílio. Em Abril de 1521, convocado pela Dieta de Worms, Lutero inventa a "consciência", base fundamental do liberalismo. Mais adiante irá mais longe ainda, estabelecerá o dualismo nessa mesma consciência.
«Um cristão é um senhor livre sobre todas as coisas e não é súbdito de ninguém. Um cristão é um servo de todas as coisas e é súbdito de todo o mundo. (...) »
Entenda-se do acima exposto, que, segundo Lutero, o cristão é absolutamente livre na consciência (no nível interno) e submetido à servidão mais completa no mundo (nível externo), isto é, nesta vida terrena. Portanto, o "cristão" é livre na fantasia e servo na realidade. O que resulta disto é que, efectivamente, o cristão é a sua própria negação. Em rigor, este "cristão" equivale àquilo que Aristóteles, na Antiguidade, define como "ferramenta de outro homem", ou seja, o escravo. À data actual, no auge de toda uma evolução eufemística, ostenta o título de "colaborador". Apesar de tudo, permitem-lhe que vote e frequente festivais.
Quando Lutero (que Nietzsche descreve justamente como um germano-labrego) coloca o seu umbigo acima da Igreja não está apenas a dar vazão à sua perversidade intrínseca, está a estabelecer um novo paradigma e a inaugurar toda uma anti-cultura. Anti-cultura, porque, doravante, nenhuma tradição é possível ou, genuinamente, sustentável. Em primeiro lugar, porque esta onfalarquia mascarada de consciência consigna três coisas: a) o egoísmo absoluto - a Igreja sou eu (donde qualquer um, de ora em diante, pode arvorar-se como igreja, papa ou escritura de si próprio - o acesso instantâneo a deus, pelo imediatismo da consciência, cumulado duma Bíblia em edição de bolso para hermenêutica íntima e estojo de viagem, pavimenta e autoriza quaisquer delírios; b) a redução da Igreja ao seu presente e, pior, á sua mundanidade (quando, em rigor, a Igreja é passado, presente e futuro - é Kleros, isto é, herança da Palavra Divina e, nesse sentido, embora participe no mundo, não lhe pertence em exclusivo nem nele se esgota, mas aponta e liga entre o Tempo e a Eternidade, entre o Aquém e o Além; pelo que miniaturizá-la ou afunilá-la a uma qualquer figura papal ou critério purificador (invariavelmente fariseu) da hora ou do capricho a ferver, equivale à birra dum rato contra uma montanha; c) na medida, em que o ego/consciência devém determinante radical, auto-fundamento e critério auto-suficente, então o esquisocrente não apenas talha uma igreja à sua medida, como uma criação e, a limite, um deus a seu gosto: o self-made-man (que o futuro celebrará) culmina fatalmente num self-made-god, (Mercado para os amigos). Em segundo lugar, porque ao atentar contra os fundamentos da própria ordem, vai facilitar, convocar e potenciar toda uma sucessão e proliferação de desordens sucessivas, que funcionam quer como falsificação, quer como desagregação da ordem regular. O ataque à Igreja é. e permanecerá sucessivamente, tanto um ataque a Deus como ao Rei e à família. Nesta, aliás, denota-se de imediato um ponto desintegrante fulcral: o casamento deixa de ser uma união para a vida, no bem e no mal. Tal como na questão da própria Igreja, a essência do matrimónio é deslocada para o plano meramente particular, visto não como plenitude, de passado, presente e futuro (o casamento para a Eternidade), mas estrito expediente casual, sujeito ao interesse do momento e confinado a um presente de conveniência (o divórcio livre, mas altamente oneroso ou vantajoso). Aliás, nesta palavra - "divórcio" resume-se o espírito e a dinâmica protestantes. Divórcio da Igreja, divórcio da comunidade, divórcio do Rei, divórcio da regra e, sobretudo, como se verifica actualmente, decorrido um completo ciclo evolutivo, divórcio da realidade. Convém nunca esquecer, que os calvinistas ingleses, vulgo puritanos, depois de massacrarem um ror de gente e o rei junto com ela, levados do diabo que os animava, embarcaram no Mayflower para as américas. Desembarcaram em péssimo estado, depauperados e moribundos, e não fora a caridade dos indígenas, teriam certamente sucumbido logo ali, miseravelmente, ao empreendimento. Péssima ideia, a dos pele-vermelhas incautos, que a humanidade ainda hoje padece com língua de palmo. Pouco tempo depois, os recompostos puritanos imigrados já estavam a espoliar e a genocidar os indígenas, a pretexto de se tratarem, muito convenientemente, de tribos do diabo. Se levarmos em conta que o diagnóstico era apresentado pela tribo do anticristo, a fazer fé no delírio da mesma, então tratar-se-ia duma briga familiar. Ou então, mais uma vez, novo cisma sectário: agora contra os irmãos mais antigos na demogénese, segundo os psicopatas em processo de auto-canonização.
De qualquer modo, uma boa definição para o percurso da anti-civilização oxidental (deste o século XVI até hoje) seria qualquer coisa como "de divórcio em divórcio até á impotência (e falência) final".
Mas di-verso não é apenas o oposto de uni-verso; é também uma contraposição de con-verso. O protestante desconverte-se, desliga-se, amotina-se. Não apenas inventa e falsifica um novo culto: renega, acusa, julga e sentencia o anterior. Excomungado, demoniza a comunhão; expulso da congregação, proscreve-a para fora da humanidade. A desumanização devém, aliás, um preceito recorrente do "protestante" bem como dos seus sucessivos avatares no tempo. Em primeiro lugar, desumanização/demonização do "católico", do "papista", do "padre". Depois, do "nobre", do "tirano", do "déspota". Mais tarde, todo e qualquer obstáculo à peregrinação, invariavelmente açambarcadora, da altura. Pelo que, na realidade, o di-verso protestante nunca vai mais além do que ao per-verso - isto é, á perversão do catolicismo. Simultaneamente uma caricatura e uma regressão: um refluxo a certas singularidades mais descabeladas do judaísmo - o imitatio propheti. Se bem que, na generalidade dos casos, o alucinado imagina-se não já apenas como um profeta qualquer avulso, mas como um neomessias efervescente e levado de seiscentas urgências. Thomas Múntzer, um famoso arruaceiro que os próprios marxistas canonizarão séculos adiante, vai ao ponto de regurgitar em si o próprio Cristo. À maneira dos dragões, diga-se em abono da verdade, já que auferindo-se poderes incendiários de lançar pela boca.
Müntzer, aliás, é um personagem paradigmático de tudo isto que vimos dilucidando. Intelectual errante, acumulador de estudos e conhecimentos linguísticos, chega a ser ordenado padre e torna-se seguidor de Lutero. Não demora a romper com este e a extremar a análise. Ei-lo a perorar a esmo, agremiando seguidores e basbaques, exaltados quase todos. Um núcleo de fiéis irredutíveis ganha a categoria de Eleitos (onde é que já ouvimos isto?) Cumpre-lhes purgar e desinfectar a eito. As fantasias que animam os projectos redentores deste tresloucado são particularmente impiedosas e sangrentas. Exterminar católicos é prioritário; mas os luteranos também não perdem pela demora. Os Eleitos organizam batidas a mosteiros e conventos, onde frades e freiras passam um mau bocado. A santa destruição propõe-se abrir caminho ao Milénio - na Bíblia de bolso, o Apocalipse em modo readers digest torna-se a leitura de cabeceira destes visionários. Tudo isto decorre numa Alemanha fragmentada em múltiplos principados e bispados, no pós-desmoronamento do Sacro Império Romano-Germânico. O que também firmará, género predisposição fatal, uma receita para qualquer sarrabulho social do futuro: a fragmentação e afrouxamento do estado. Isso e a invariável inflacção demográfica. O excesso populacional ocasionará, sistematicamente, desequilíbrios, migrações, misérias, tumultos... A simultaneidade dos dois fenómenos patentear-se-á fatal. Paris, de 1789, é caso disso. A revolucionite é sempre um praga urbana, instala-se no tecido hospedeiro da putrefacção social resultante das crises em redor das cidades e centros comerciais/industriais. O protestantismo germina inicialmente dum motivo frívolo, em meio supérfluo; mas evolui depois para um transtorno radical, fundamentalista e revolucionário. O fundamentalismo coincide com a imposição abrupta e violenta dum falso-fundamento, ou in-verso , isto é, um aero-plano. Quer dizer, deriva-se duma questiúncula, uma embirração com a topografia vigente para um "novo-mundo", uma "nova-gente", uma a-topia (utopia, como diz o vulgo) - uma deslocalização maravilhosa, redentora e apocalíptica. Este aero-plano (ou projecto volátil, urbe neo-celestial, etc), por oposição à realidade terrena, é justamente aquilo a alegoria swifteana da ilha voadora, donde o soberano alado patrulha o reino, exemplifica. Permitam que abra um parêntesis:
Quando aqui refiro protestantismo, estou à partida a falar dum fenómeno histórico de índole para-religiosa. Mas, depois, essa índole não esgota esse fenómeno, porque o mesmo, rapidamente, ganha outros contornos. De (des)ordem revolucionária, dito com propriedade e rigor. Que irrompe logo no dealbar da coisa, mas também depois ao longo das épocas e episódios. Tanto assim, que já podemos passar a falar em "protestantismo" não apenas como "luteranismo/calvinismo/etc", mas, de igual modo, como acção de protesto e reivindicação tumultuosa ou mais ou menos organizada. Uma espécie de leitmotif histérico. Assim, os manifestantes do nosso tempo são, de algum modo, "protestantes". Protestam. Reclamam. São, não raro, portadores e crentes num aero-plano. Em que urge embarcar para salvação ou redenção de ...... (preencher a gosto). No nosso malfadado caso de Abril de 74, por exemplo, tudo começou num "protestantismo" militar. Uma questiúncula que já aqui esventrei à minúcia em bom tempo. E notem que o enquadramento é supérfluo (um bando de magalas desocupados em pós-comissão) e a questão frívola. De igual modo a demografia tinha disparado nos anos sessenta, com emigrações e migrações a granel, disparo industrial, aceleração mercantil. E claro, tudo se passa à volta da nova babel lisboeta. Porém, num ápice, passou-se duma questão frívola, em ambiente supérfluo (não essencial, entenda-se) para a exigência nem sequer dum novo regime ou sistema governativo, mas dum novo país. Habitado duma nova gente e votado a um novo mundo. De pronto, lavra-se um divórcio: dos protestantes doravante arvorados e amesendados em Estado, com a antiga nação e respectiva história. Demoniza-se o todo anterior e consagra-se a parte triunfante e usurpadora, que rapidamente se atomiza e rompe em zaragata sectária - onde os protestantes iniciais são sucessivamente ultrapassados por protestantes cada vez mais protestadores e alardeando e reclamando em nome de aero-planos cada vez mais delirantes. Quem quer que se recusasse a celebrar ou comprar bilhete para os múltiplos aero-planos era excomungado da nova para-religião e expulso para fora dos novos templos de culto e das sagradas escrituras, da constituição ao palramento, com interdito eleitoral. A heresia ganhou um ápodo de arremesso: fascistas. Na essência, para não variar da "tradição protestativa", eram católicos. Esse, de resto, é aquele ódio primordial que nunca esmorece.
Pois reparem, e para fechar parêntesis, em Paris, numa dimensão muita acima desta liliputante sequela, passou-se algo de extremamente idêntico. Os protestos do princípio, em modo ou tempo algum, reclamavam os resultados do fim. Mas, no entretanto... pois, irrompeu a revolução. Parece que faz parte da dinâmica intrínseca do processo. Que, sendo kafkiano, à sua maneira, descamba geralmente em sádico. Uma avalanche de casos e enredos emblemáticos.
Não obstante, a revolução, como já apontámos, sucedera já com Müntzer e, no rescaldo deste, com os Anabaptistas, em Münster, na Vestfália, deambulou por extremos nada inferiores aos iluministas. Um apocalipse de se lhe tirar o chapéu. Disso falaremos em anexo, mas no próximo postal.
Para terminar, que isto já exorbita, se pegarmos na teoria da predestinação, segundo Agostinho (que servirá de farol em larga medida ao protestantismo) teremos igualmente a pura negação daquilo que se estabelece como a "evolução" cristã em relação ao pensamento grego: a superação do destino e da ausência de liberdade humana na dimensão cósmica. Porque esta predestinação agostiniana (de clara influência maniqueísta - e é preciso não esquecer que Agostinho foi maniqueu antes de se converter ao cristianismo) é ainda mais mecânica e cega do que a Moira grega. De qualquer modo, nem o pensamento grego cerceava tão absolutamente a liberdade humana, nem Agostinho melhorava em relação ao mesmo coisa que se visse. Mais: Era pior no seu pior aspecto e não muito distante no seu melhor.
Se nascemos predestinados, é irrelevante a nossa acção. E esta irrelevância da obra, em Lutero, conduz à tal servidão completa ao nível exterior do homem escorada na liberdade completa ao nível interior, da consciência, ou seja, um servo em concreto, mas livre em abstracto. Calvino irá mais longe e estabelecerá o divórcio total com a Igreja (Lutero propunha-se apenas reformá-la e, de certa forma, empapar-se dela), mas mantendo a predestinação agostineana em absoluto e da forma mais grosseira possível: os sinais de fortuna neste mundo são já sinais da bênção no Além e anteparos da salvação. Só que o que entretanto fica, em forma de suco desta esponja é que o protestantismo (na sua múltipla e transtemporal acepção), significa um individualismo sem indivíduos, em contraponto ao catolicismo: indivíduos sem individualismo. Na História - e no deambular da civilização - o confronto é entre uma arquitectura terrena (a hierarquia) e uma multiplicidade competitiva de aero-planos. E o conflito insanável verifica-se entre uma liberdade autêntica e o liberticídio mascarado de libertação (analysis), ou seja, dissolução, divórcio. A liberdade autêntica dum homem é ser homem e não outra coisa qualquer, geralmente uma besta. Como a liberdade do sol é ser sol. Liberdade é a faculdade de uma coisa ser aquilo que realmente é. Um Sábio da Antiguidade também, em dado momento, deu o nome próprio ao protestantismo: "O teu nome é legião!"
Por fim, dizem que a escreveu com a melhor das intenções, à Civitas Dei. Mas não deixa de ser um grandioso aero-plano. E os aero-planos têm consequências.
quinta-feira, fevereiro 15, 2024
Carnaval da Madeira, ou Regime de Carnaval
Passadas as férias e o entrudo de brincar, voltemos à vaca fria e ao sempiterno carnaval com sentido de estado...
segunda-feira, fevereiro 12, 2024
Chá de arruda
Diz-me o curandeiro, segundo o jargão da tribo, que estarei sob ataque dum vírus. Deve ser feroz, a criatura, dados os efeitos, congeminei. Estas ficções modernas têm que ser sempre levadas com um certo humor e condescendência. Antes um vírus que um basilisco, tornei a congeminar. Afinal, o hediondo monstro ainda congregava em si um sinistro agregado de horrores e faculdades maléficas. Por outro lado, que raio vem a ser um vírus? Nem sequer um organismo é, bacorejam os entendidos. Um nada metido a besta... Um nano-microparasita ao nível celular, segundo a mitologia hodierna. Aí começo a alarmar-me... Será que tenho um milimicra-judeu a conspirar dentro de mim?
Pelo sim, pelo não, vou tomar o chá de arruda. Se funcionava com o basilisco, pode ser que iniba este nanointruso.
Paciência, leitores. Assim que estas dores de cabeça amainarem, vou tentar garatujar qualquer coisa. Neste momento, não consigo. Estou demasiado furioso. É como eu fico quando me atacam. Mas isso também já não é novidade nenhuma para ninguém,
sábado, fevereiro 10, 2024
sexta-feira, fevereiro 09, 2024
Voando sobre um Ninho de Cucos - 4. Em busca do Ghetto perdido
«Algumas obras, como a de Nordau e a de Lombroso, pertencem ao charlatanismo scientifico»
- Fernando Pessoa
Charlatão científico, como a generalidade da sua raça em quase tudo - sobretudo em matérias psiquiátricas, psicológicas, judiciais, económicas, etc -, Max Nordau foi um dos sócios fundadores do Sionismo. O texto que se segue é tremendamente elucidativo da essência do projecto sionista. A implantação artificial dum Super-Ghetto, não já local e sujeito às contingências dessa localidade, mas global, inexpugnável, hermético, completamente calafetado e impregnável. É isso que Israel - a Neo-Israel de fancaria histórica - representa e almeja realizar.
Vou por parágrafos, cada um com a respectiva explicação para português suave. Se bem recordo, o texto faz parte do discurso de Nordau no Primeiro Congresso Sionista, em 1897.
Então, diz ele:
"What did it matter that those values which were prized within the ghetto were despised outside it? The opinion of the outside world did not matter, because it was the opinion of ignorant enemies. One tried to please one's brothers, and their respect gave honorable meaning to one's life.»
quarta-feira, fevereiro 07, 2024
O Ódio ao Extraordinário
Apercebi-me, meio de raspão, e por mera curiosidade mórbida, duma pérola videogravada dum tal Richard Dawkins, um alto reverendo ateísta, presumo. Gabava-se o sujeito que num debate qualquer com um tal Jordan qualquer coisa, este teria ficado encavacado com uma tremenda pergunta que o demopresbítero lhe assestara de chofre; a saber, se acreditava que Jesus tinha nascido de uma virgem. O outro, ao que tudo indica, um pop-sapiens agora muito na berra (nem sempre pelos piores motivos, conceda-se), teria ficado encabulado e sem resposta condigna para a tremenda e cabeluda questão.
Logo à partida, discutir com um ateísta profissional é o mesmo que tentar conversar com um autista espalhafatoso. Certos animais ditos irracionais apresentam mais inteligência ou, pelo menos, superiores rudimentos dela. Depois, isolando a questinha, a resposta é muito simples e facilmente compreensível para seres modicamente equipados de cultura e intelecto activo.
Um homem ordinário não nasce ordinariamente de qualquer ordinária mulher virgem. É necessário intercurso sexual. Ou seja, um homem ordinário nasce de forma ordinária.
Mas um homem extraordinário pode nascer duma mulher extraordinária de uma forma extraordinária. Seria, aliás, uma perfeita aberração ou contrassenso, que algo extraordinário acontecesse ordinariamente.
Se só existisse e sempre tivesse existido o ordinário, então nós nunca falaríamos, ou sequer pensaríamos algo de extraordinário. O extraordinário, por outro lado, não se limita à religião: acontece igualmente na Arte, por exemplo. Bach, entre outros, é prova disso. Bosch também. Uma catedral gótica é igualmente do domínio do extraordinário. E até na filosofia: Aristóteles é extraordinário. Newton também teve um momento extraordinário e ele próprio o reconheceu. O extraordinário é, à nossa dimensão, o contrário do banal, do medíocre, do mundano.
Portanto, a questão do imbecil em questão, no fundo, resume-se a algo que vamos visitar até no próximo postal sobre a Revolução, a propósito do "espírito protestante" (esse super-oximoro) que ajudou à monstruosa gestação; a saber, na descrença não exactamente em qualquer conteúdo específico de ordem religiosa per si (afinal, os ateístas profissionais são ultra-religiosos, fundamentalistas do avesso), mas, outrossim, na descrença, na aversão e na recusa do Extraordinário. Isto é, em vez duma Ordem fundada e orientado pelo e ao Extraordinário (a excelência, o sublime, a perfeição, podem ser considerados seus avatares terrenos), o decreto duma desordem permanente (que no folclore actual se vai fundando numa explosão sideral), mascarada numa evolução progressiva, dirigida e telecomandada pela mais recorrente e retroalimentar ordinarice. Sim, sem tirar nem pôr, o universo de Sade em cena e acção. E nem sequer podendo dizer-se que transposto da ficção para a realidade porque, de facto, é o inverso: a redução, conversão e caricatura da realidade a essa ficção particularmente distópica. Dawkins é um macaco de feira do Marquês, incapaz sequer de articular - além de meia dúzia de memes - uma ficção minimamente apreciável. Contrariamente ao Marquês, que consegue não raro beirar o extraordinário na forma ao mesmo tempo que mergulha no escabro do conteúdo, no primata inferior, de serviço a um realejo da treta, nem a forma nem o conteúdo se aproveitam. Até como fruste tentativa de entretenimento, o despejo concorre, se tanto, com drogas soporíferas. Quer convocar-nos ao espectáculo, ao contorcionismo, à acrobacia, mas nunca vai além do bocejo. Todavia, aufere desse interesse específico para o entomólogo das ideias: reverbera e zumbe toda uma "tradição" epidémica que o precede, equipa e predetermina. Nisso, é prova viva da sua receita evolutiva... pelo menos, tanto quanto uma infecção, ou cancro maligno manifestam evoluir. Do ponto de vista do tumor será seguramente um sucesso - a estrada para o triunfo, quiçá; mas na triste perspectiva da humanidade que o padece, melhor fora que nunca tivesse nascido.
Nada há, pois, de extraordinário em Dawkins. Poderíamos contra-argumentar com uma extraordinária estupidez, mas a estupidez, por muito descomunal que seja, nunca é extraordinária. Não sendo da ordem do dom, pertence ao domínio da ausência. Entramos no universo dos números negativos, abaixo de zero, de nada. Certos números de circo, enfim.