Começo por uma visita à minha memória, num episódio que se passou comigo. Portanto, não é retórica nem ficção: aconteceu na realidade. No regresso duma operação, cuja aproximação ao objectivo tinha decorrido em moldes particularmente penosos, demorados e cansativos (furtividade e surpresa oblige), seguíamos, eu e o meu grupo de Comandos, em passo acelerado, de modo a chegar a horas ao ponto de heli-recolha. A certa altura, já com uns valentes quilómetros nas pernas, apercebo-me dum burburinho à retaguarda. Ordenei alto e fui averiguar o que se passava. Ora, o que se passava é que o tipo do rádio estava a grunhir com outro sobre a hirsuta questão de quem devia levar o rádio, assaz desconfortável, nos próximos quilómetros. O do rádio estava exausto e o outro baldava-se à combinação prévia (porque no fundo já ia tudo entre exausto e quase exausto). Encarei friamente as duas abetardas e o que acham que fiz? Do alto da minha autoridade de comandante do grupo determinei que fulano assim e sicrano assado? Montei uma tribunal ad-hoc, com jurados, defensor e acusação, para apurarmos a verdade dos factos? Mandei uma coronhada num e um pontapé noutro e rosnei para acabarem com o escarcéu senão era pior? Alguma outra sugestão disciplinadeira?
Bem, nada disso. Aposto que já apostavam na violência, mas a verdade é que, salvo raras excepções, sempre fui mais dado à acção psicológica do que à física. Lá está, os meus conhecimentos avançados de metafísica (e ainda há quem se persigne e empalideça quando eu informo que ao amor à Sabedoria sempre juntei a paixão pela guerra de contra-guerrilha. No fundo, as duas faces da mesma moeda). Mas deixemos estas considerações intempestivas e passemos ao concreto pretérito simples. E neste o que eu fiz, apurada a questiúncula e logo após o olhar duro da praxe, foi ordenar ao que levava o rádio: "Dá cá o rádio!"
Encararam-me ambos, juntando o temor prévio ao espanto actual.
-"O rádio, meu alferes?..." - gagueja, o portador.
- " Pois, ó fulano. O rádio! Dá cá essa merda. Eu levo isso. Não quero é mais barulho nem cenas de gajas! E passo acelerado como deve de ser!..."
Remédio santo. Escândalo instintivo entre as tropas. Nem pensar!... Agora já ambos disputavam o privilégio de levar o rádio. Até o do morteiro, indignado com a pusilanimidade, argumentava que se eles não tivessem vergonha na puta da cara, até ele carregava com o aparelho. Determinei então, salomonicamente que se revezassem, a cada 15 minutos. Porém o radista, doravante pletórico de brio, obstinou-se em levar o rádio até ao fim da jornada, sem abdicar dele por nada deste mundo. E pronto, assunto resolvido; e lá galopou tudo, na santa paz do Senhor até ao ponto de recolha.
Agora imaginem, se fosse hoje, e a fazer fé no episódio dos marujos, como seria?...
O grupo parava, assentava arraiais no descampado, e, presumo, armavam-se duas facções: os que estavam com o do radio e os que estavam com o alferes. 12 no primeiro grupo, com um cabo e um furriel, entre eles; os restantes 12 no segundo. Os primeiros argumentavam que não havia condições para continuar e elencavam os obstáculos inegociáveis: pés inchados e cravejados de bolhas; músculos fatigados e à beira da exaustão; O terreno inóspito e sem qualquer tipo de pavimento propício à marcha; insectos perigosos e animais selvagens emboscados; noite cerrada, propiciadora de tropeções, acidentes e traumas incapacitantes; velocidade de marcha imprópria para pessoas; condições climatéricas adversas; chefia insensível às leis do trabalho e marimbante nos direitos humanos, de perfil autoritário, sarcástico e homérico; etc. Os segundos, entre o indiferente e o resignado, aceitavam ainda assim prosseguir, sobretudo porque tinham fome e queriam tomar banho. Clamores ao bom senso e à disciplina por parte do oficial; inúteis. Queixumes redobrados e listas reivindicativas (com retroacções e coiso e tal), por uma comissão de furriel e cabo, na outra ponta. Em catadupa. Não custa imaginar muito que lá resvalava tudo para um impasse. Desamparado, o alferes comunicava com a Companhia. Atendia-o o capitão e ficava a saber que o grupo de combate não retirava nem saía de cima. O capitão, aflito, após baldados impropérios ao rádio, enviava pedidos lancinantes de socorro ao comando do Batalhão. Deste ao Estado-Maior era um instante. Finalmente, o Chefe do Estado Maior do Exército, acordado e alertado pelos jornalistas, ficava a saber do incidente e vinha em pessoa colocar a tropa nos eixos. Que é como quem diz, nas solas em movimento.
Calculo que estejam a apreciar o ridículo - mais até que o ridículo, a inversão de todos os princípios da hierarquia - de tudo isto. Quer dizer, o patético - uma vez ascendendo na hierarquia, qual fumo fétido - devém obsceno. O problema com o grupo de combate não era um problema do exército: era um problema meu. E o meu dever, a minha responsabilidade, em suma: a minha autoridade era resolvê-lo. Quando o exército me entregou um grupo de homens para comandar, delegou em mim uma quantidade de autoridade inerente ao meu posto na hierarquia. E o meu posto era comandante de grupo de combate. 25 militares, cinco equipas. Ninguém, a não ser eu, dava ordens a esses homens. Eu dava e zelava para que elas fossem cumpridas. Recebia-as de superiores meus, numa cadeia que vinha desde a chefia da Nação até ao último soldado na base. Se os meus subordinados não cumprissem, a responsabilidade (e, a limite, a culpa) não era deles: era minha. Eles podiam até ter sede, ter fome, ter sono, ter medo: mas eu é que não podia. Ali, ao leme, naquele pequeno leme, estava mais que eu: estava um povo e um soberano (como diz o poema do Mostrengo). Ser oficial não é ser uma fancaria qualquer, e é bastante mais que uma mera vaidade, privilégio ou posto numa qualquer burocracia fardada.
Transpondo, então, para o caso da Madeira e da NRP Mondego, vislumbram agora o problema em toda a sua evidência? Não houve falta de disciplina: houve falta de autoridade. O comandante do navio recebeu uma ordem e não foi capaz de fazê-la cumprir pelos seus subordinados. Depois, a responsabilidade imediata é acima dele, do seu comandante directo: que, além de não ter tomado medidas rápidas e eficazes de saneamento da situação, não tratou de contê-la. Se já era mau, o primeiro-tenente não ter resolvido o problema, pior foi que toda a hierarquia acima do primeiro-tenente só parece ter contribuído para criar com ele alarido, alarme e vergonha públicos. Tudo isto culminado por um Almirante péssimo e absolutamente inenarrável, digno da república das bananas, que vai ostentar, numa espécie de gloríola castigadora para deslumbramento das porteiras, taxistas e cabeleireiras da nacinha, a sua completa falta de competência, espírito de corpo e sentido das responsabilidades. Ou seja, foi a auto-desautorização grosseira da hierarquia da Armada - que é o mesmo que dizer, a sua total auto-desresponsabilização. A verdade é que a Armada não foi capaz de fazer sair um determinado navio numa determinada missão. O almirante da farinha Amparo, ao descer, à posteriori, aos embaraços dum mero primeiro-tenente, mandando às malvas a própria cadeia hierárquica, não está a combater a indisciplina nas fileiras: está, outrossim, a fomentá-la, a justificá-la e a celebrá-la com solenidade. No afã de aparecer às câmaras e fazer derriços à opinião pública, esqueceu-se não apenas da farda, mas da própria roupa interior.
PS: É claro que, quando transpus o episódio do meu passado para um imaginário presente, esqueci um detalhe crucial: a certa altura a comissão reivindicadora estava quase a ceder aos argumentos da razão. Só que o furriel agitador calava o apaziguamento com esse argumento irrefutável. "Agora, camaradas, já não é possível voltar atrás! Nem por sombras! Já chamei o Correio da Manhã!...
PS2: Um último assombro do Almirante. Aproveitou a visita estrombólica para segredar orbi et orbi a seguinte pérola retórica: o navio russo andava a espiar os cabos submarinos. Havia, assim, uma razão imperiosa para o navio sair em patrulha oceânica: espiar o navio espião. O que apenas agrava a dimensão da falha. Só que fica por perceber, entretanto, um certo número de coisas. Porque é que os russos, tendo submarinos absolutamente furtivos, não espiam, tranquilamente, com eles. Talvez o almirante, que no currículo até andou pelos submarinos, desconheça o facto: que os russos têm submarinos. Ou então, quem sabe, os submarinos não são o meio mais indicado para explorar as regiões debaixo de água. Já nem falando no caso de os cabos submarinos com interesse estratégico estarem situados no Atlântico Norte, acima dos Açores. E estando alguns navios patrulha estacionados nos Açores, porque raio enviaram o da Madeira? Só para gastar mais combustível e atentar contra o ambiente?...
O capitão Iglo das vacinas que está agora a fazer-se ao peixe (e parece que este anda cheio de mercúrio no nosso mar) para ser um putativo (mais uma puta do regime abrileiro) candidato a PR.
ResponderEliminarImagens colhidas dentro do navio Mondego provam a sua incapacidade para navegar:
https://www.youtube.com/watch?v=CYeOe_m5-8w&t=334s
> afã de aparecer às câmaras
ResponderEliminarPor aí. Dantes queixavam-se da brigada do reumático, agora temos a do croquete da revista Caras.
Pelo menos fica barato, embora saia caro.
Dragão, logo no início deste post eu senti que o senhor iria fazer o que fez.
ResponderEliminarSó pode mandar quem sabe fazer.
Abraço de estima
E ainda andam por aí a perguntar para que É que se fez o 25 A....
ResponderEliminarFoi para isto, para esta inenarrável vergonha de todo um Povo que, para desgraça maior , nem dessa ignomínia se apercebe...
Entrou, definitiva e irreversivelmente, na pseudo-realidade do "entertainment Disney"...
JSP
https://twitter.com/cheburekiman/status/1636248377024483329?s=46&t=7MihXQ20SH3js_gIRmDlfQ
ResponderEliminarhttps://twitter.com/warmonitors/status/1636773647892332575?s=46&t=7MihXQ20SH3js_gIRmDlfQ
ResponderEliminar( Nato vs Russia , é comparar )
ResponderEliminar
ResponderEliminar« Não houve falta de disciplina: houve falta de autoridade. »
No alvo. Falta desde há 50 anos...
(E porque falta a autoridade, falta também a disciplina. )
«Falta desde há 50 anos...»
ResponderEliminarO pior é que, de facto, é há mais de 50 anos: 55, na verdade.
Até porque a autoridade, mais que artificialmente imposta, é naturalmente reconhecida.
"Ler os abrileiros, os republicanos, restante tralha jacobina e revolucionários, condenar os marinheiros que se recusaram cumprir a missão numa casca de noz rota com o motor gripado em situação de mar adversa, dá nojo.
ResponderEliminarQue embarquem eles, não fazem cá grande falta."
"Vou repetir-me, o Almirante Melo mais conhecido como Capitão Iglo das vacinas devia ser demitido ou retratar-se, o que fez ao ir de forma pública com televisões ao lado discursar e injuriar os marinheiros do NRP Mondego atracado no Funchal é um atentado à Justiça, se o caso está a ser investigado e irá ser julgado, o Gouveia e Melo é um prepotente, ditador, autoritário, não tinha nada que insultar os marinheiros publicamente (nem em privado, também cagou na hierarquia), não respeitou o tempo normal da justiça, deve achar que como andou a enfiar vacinas à força a toda a gente, que faz o que lhe apetece.
ResponderEliminarAndaram por aí a vender este tipo como potencial presidente da República! Este fulano já mostrou é que é um burocrata de carreira.
Portugal é uma pocilga."
ResponderEliminar"É certo que na marinha e nas forças armadas em geral, existe um código de conduta militar que exige respeito pela hierarquia e que deve ser cumprido com rigor, mas quando esta criatura - mais conhecida por Capitão Iglo - um lambedor de botas dos socialistas e dos globalistas, que muitos chegaram a apontar como candidato à Presidência da República (Deus nos livre!) decide humilhar e enxovalhar em praça pública os seus subordinados que com legítima razão se recusaram a navegar num barco completamente podre que é negligenciado há anos pelo comado da marinha e pelo Estado Português, em vez de se dirigir a esses homens em privado e deixar que a justiça militar decida o que fazer sobre a tomada de posição desses mesmos homens, fica a certeza de que estamos perante um Almirante que nem para Segundo Grumete presta!
Na foto que ilustra esta minha publicação podemos ver o Capitão Iglo empunhando um «Globo de Merd@» oferecido pela SICLIXO e a atribuição desse «prémio» já nos revela muita coisa sobre o marinheiro em causa, um fulano premiado por ter servido de capacho ao governo socialista para tentar coagir os portugueses a tomarem uma «injecção» contra uma doença inventada pelos globalistas e promovida pelos "media", a mesma «injecção» que agora está a ser revelada no mundo inteiro como causa da morte de milhares de homens, mulheres e crianças que acreditaram nas patranhas que a SICLIXO e a maioria do lixo televisivo mundial nos enfiou pela goela abaixo durante mais de dois anos!
Mas o mais engraçado disto tudo é ouvir (eu ouvi na RTPLIXO) que a embarcação degradada em que os marinheiros portugueses se recusaram a navegar iria controlar um submarino russo que estaria a fazer espionagem nas águas territoriais portuguesas, como se os russos decidissem enviar um submarino para espreitar o que por cá se passa e como se aquilo que no mar dos Açores se passa contasse alguma coisa para os destinos da guerra em curso na Ucrânia!😂
A não ser que o tal submarino russo se tivesse aproximado das costas portuguesas para espreitar e se rir a bandeiras despregadas com o estado degradante e absolutamente caótico em que se encontram as parcas embarcações militares portuguesas que nem sequer têm condições para navegar no Rio Trancão, quanto mais para se fazerem ás vagas do Atlântico..."
Mas que forrobodó:
ResponderEliminar- Ministério Público cancelou audições aos 13 militares do NRP Mondego
https://www.publico.pt/2023/03/20/politica/noticia/ministerio-publico-cancelou-audicoes-13-militares-nrp-mondego-2043042?ref=politica&cx=page__content