Pois comigo é simples: qualquer rei que aceite uma Constituição é um tipo que aceita ser funcionário superior dum harém. Reis eunucos serão bons para povos castrados; reis postiços serão bons para gente de fancaria e para profissionais de decoração, cabeleireiras, merceeiros e outros pensadores de eleição, mas não para homens inteiros. Um rei que aceite uma Constituição, eu não aceito como rei, ponto final parágrafo.
Atrelar um rei a uma Constituição não é coisa de seres racionais, mas duma associação recreativa ou grupo excursionista de cavalgaduras. Dito ainda mais sinceramente: rei que aceite constituição é-me insuportável, a não ser que eu próprio seja esse rei. Como aceitar por soberano um cidadão meu semelhante, um súbdito duma receita lavrada qual catálogo duma teocracia de vermes? Intragável essa soberania promíscua, mais digna de albergue espanhol que de terra portuguesa, em que todos são soberanos do soberano, mas nenhum é soberano de si. Palco sórdido e velhaco onde se canta a liberdade, mas onde até o rei se vê reduzido à vassalagem. Da Constituição, imagine-se. Da democracia da treta e dos seus parasitas sufragados.
Um rei não me representa (senão teríamos, em vez duma teia de representantes múltiplos, uma trama de representante único): um rei simboliza-me, congrega-me, confere-me sentido enquanto povo. Serve de elo vivo entre o passado e o futuro, entre o sagrado e o profano, entre o que nunca muda e o que muda todos os dias, entre os mortos e os vivos, os antepassados e os vindouros. O rei é, não faz de conta. É um algo acima e para além da sua pessoa e de todas as nossas pessoas. A limite, pois, o rei não é derrubável ou cancelável por qualquer surto efervescente de turbamultas mais ou menos orquestradas ou noctiluzes. Não, o que é, de facto, é traível: a começar pela pessoa dele próprio, se aceitar, vilmente, a canga ou a mutilação. Se, em vez de príncipe de homens livres, se degradar ao Primeiro dos escravos da puta da Lei. Rex é regra e a regra está acima, antes e para lá da lei. Ou não está. E depois pode ser atraiçoado por todas essas pessoas que não apenas se proclamam republicanas, como, e se calhar pior um pouco, se apregoam "monárquicas", isto é, adeptas do pseudo-regime. Ora, a república que é ela senão o estado e consequência última da deterioração da monarquia? Aliás, entre nós, que tem sido a república senão um proliferar de pseudo-reizinhos ao colo dum feudalismo de Estado?
E note-se que o drama não começou na vaca da Revolução Burguesa, digo Francesa. Aí, na cloaca obrigatória, desaguou ele. Na verdade, tudo principiou, o trambolhão completo, quando um belo dia um rei, tentado por um qualquer espelho maligno, descortinou: "o Estado sou Eu". Foi o mesmo que dizer: "Eu sou a minha própria negação." Faltou lá um Aristóteles qualquer que lhe ensinasse, do alto daquela autoridade que só a neve dos cabelos brancos confere: "não, infeliz, isso é precisamente o que tu não és, e devias esmagar o quanto antes, como réptil peçonhento que é! Porque se em vez de o pisares, te transformares nele, trazendo-o para dentro de ti, virá o dia em que será ele a dizer: "O Rei sou Eu!"
Infelizmente, esse dia veio e é o dia que, como sombras errantes num Hades mais lúgubre que o original, atravessamos. Esta era em que o superior se submete ao inferior, em que se talha a regra à medida da lei, em que as estrelas do pântano se fazem aclamar como estrelas do céu. E, sobretudo, em que a "ausência de regime" passa por regime e a multiplicidade desarvorada de esquemas faz as vezes de sistema.
Ora, alguns idólatras da formalidade e do verbo fátuo, acreditam que se o réptil adoptar coroa a coisa fica menos sórdida e rastejante. É, assim, a coroa reduzida ao adereço material e o adereço promovido a fontanário de virtudes. Pior, é a Coroa legia nostra.
Todavia, não me parece assim tão difícil de perceber, mesmo para mentes frívolas e salta-pocinhas, a razão simples por que uma monarquia deteriorada e deteriorável não é melhor que a vulgar das repúblicas... É que a diferença entre ambas não reside já na essência mas no tempo. Diferenciam-se apenas enquanto fase, não enquanto processo. Querer regressar à monarquia deteriorada porque esta representa uma fase menos putrefacta do processo, mais que uma impossibilidade conjuntural (essa, contudo, ainda se resolveria), é duma desmioleira tremenda: é voltar de Cila para Caribdis e sentar-se lá à espera que Cila volte, fatalmente. Bem sei que o paradigma de Sísifo preside a esta Época do Absurdo, mas mesmo assim...
Na verdade, não nos compete restaurar monarquias, como não nos está autorizado arreá-las. É poder que não temos. Chamamos revoluções a meras bebedeiras colectivas, mai-las auto-flagelações, vomitórios e folclores decorrentes. O que temos é que restaurar a coluna vertebral, readquirir a postura vertical, a lucidez e a bipedia. Feito isso, a monarquia é o prémio natural, o resultado subsequente. Vem por simpatia. Ou seja, não é a monarquia que temos que restaurar, somos nós próprios. Os reis sempre foram o corolário natural de haver homens, mas jamais foram necessidade ou recompensa de escravos.
Por outro lado, o trono reflecte a cruz. Na monarquia, a de Cristo-rex; na pseudo-monarquia, do naufrágio assistido, a do papelinho anónimo para glória do papelão constituinte. É por isso que na primeira se simboliza o triunfo sobre a urna sepulcral, como na segunda se atesta o triunfo da urna eleitoral. A exacta diferença que medeia entre a vida e a morte lenta dum povo.
Resumindo e concluindo, ou há rei a sério ou sou anarquista. Ora, se há algo que não sou é anarquista. Logo, o rei está lá, onde sempre esteve e há-de estar. Não está sequer ausente: está encoberto. Pelo fumo, pelo ruído e pela névoa suja duma multidão de escravos, de pusilânimes, de sabujos do instante a ferver e, sim, de traidores. Traidores do seu rei, ou seja, das suas raízes, da sua terra, dos seus deuses, antepassados e nobres costumes. Traidores à sua própria natureza. Raquíticos mentais. Escaganifobéticos!
É nesse nevoeiro e contra esse nevoeiro que escrevo. A fogo.E note-se que o drama não começou na vaca da Revolução Burguesa, digo Francesa. Aí, na cloaca obrigatória, desaguou ele. Na verdade, tudo principiou, o trambolhão completo, quando um belo dia um rei, tentado por um qualquer espelho maligno, descortinou: "o Estado sou Eu". Foi o mesmo que dizer: "Eu sou a minha própria negação." Faltou lá um Aristóteles qualquer que lhe ensinasse, do alto daquela autoridade que só a neve dos cabelos brancos confere: "não, infeliz, isso é precisamente o que tu não és, e devias esmagar o quanto antes, como réptil peçonhento que é! Porque se em vez de o pisares, te transformares nele, trazendo-o para dentro de ti, virá o dia em que será ele a dizer: "O Rei sou Eu!"
Infelizmente, esse dia veio e é o dia que, como sombras errantes num Hades mais lúgubre que o original, atravessamos. Esta era em que o superior se submete ao inferior, em que se talha a regra à medida da lei, em que as estrelas do pântano se fazem aclamar como estrelas do céu. E, sobretudo, em que a "ausência de regime" passa por regime e a multiplicidade desarvorada de esquemas faz as vezes de sistema.
Ora, alguns idólatras da formalidade e do verbo fátuo, acreditam que se o réptil adoptar coroa a coisa fica menos sórdida e rastejante. É, assim, a coroa reduzida ao adereço material e o adereço promovido a fontanário de virtudes. Pior, é a Coroa legia nostra.
Todavia, não me parece assim tão difícil de perceber, mesmo para mentes frívolas e salta-pocinhas, a razão simples por que uma monarquia deteriorada e deteriorável não é melhor que a vulgar das repúblicas... É que a diferença entre ambas não reside já na essência mas no tempo. Diferenciam-se apenas enquanto fase, não enquanto processo. Querer regressar à monarquia deteriorada porque esta representa uma fase menos putrefacta do processo, mais que uma impossibilidade conjuntural (essa, contudo, ainda se resolveria), é duma desmioleira tremenda: é voltar de Cila para Caribdis e sentar-se lá à espera que Cila volte, fatalmente. Bem sei que o paradigma de Sísifo preside a esta Época do Absurdo, mas mesmo assim...
Na verdade, não nos compete restaurar monarquias, como não nos está autorizado arreá-las. É poder que não temos. Chamamos revoluções a meras bebedeiras colectivas, mai-las auto-flagelações, vomitórios e folclores decorrentes. O que temos é que restaurar a coluna vertebral, readquirir a postura vertical, a lucidez e a bipedia. Feito isso, a monarquia é o prémio natural, o resultado subsequente. Vem por simpatia. Ou seja, não é a monarquia que temos que restaurar, somos nós próprios. Os reis sempre foram o corolário natural de haver homens, mas jamais foram necessidade ou recompensa de escravos.
Por outro lado, o trono reflecte a cruz. Na monarquia, a de Cristo-rex; na pseudo-monarquia, do naufrágio assistido, a do papelinho anónimo para glória do papelão constituinte. É por isso que na primeira se simboliza o triunfo sobre a urna sepulcral, como na segunda se atesta o triunfo da urna eleitoral. A exacta diferença que medeia entre a vida e a morte lenta dum povo.
Resumindo e concluindo, ou há rei a sério ou sou anarquista. Ora, se há algo que não sou é anarquista. Logo, o rei está lá, onde sempre esteve e há-de estar. Não está sequer ausente: está encoberto. Pelo fumo, pelo ruído e pela névoa suja duma multidão de escravos, de pusilânimes, de sabujos do instante a ferver e, sim, de traidores. Traidores do seu rei, ou seja, das suas raízes, da sua terra, dos seus deuses, antepassados e nobres costumes. Traidores à sua própria natureza. Raquíticos mentais. Escaganifobéticos!
PS - Poderia escrevê-lo com outras palavras, mas estaria a repetir-me. E este até ficou bem alinhavado. Não retiro uma vírgula. Pelo contrário, assinaria integralmente por baixo. E até vem muito a propósito ao próximo capítulo do "Dinheiro - O Poder e a Moeda".
Perfeito!
ResponderEliminarUma vez mais, a importante data de 05 de Outubro em que se celebra a Fundação de Portugal (1143) e a Implantação da República (1910), não foi devidamente comemorada de Norte a Sul do País com toda a pompa e circunstância que estas datas exigem; fruto da censura, deturpação, e cancelamento da cultura, a que o regime liberal/maçónico imposto a 25ABR74 tem aplicado a estas importantes efemérides da História de Portugal e da Identidade Nacional ao longo destes 48 anos.
ResponderEliminarNesta dia de Orgulho Patriótico e Identitário para nós, Portugueses, deixo aqui esta frase proferida pelo Presidente da República Popular da China (RPC), Xi Jinping, que todos devem ler, memorizar, e reflectir:
«...Uma nação que traiu ou abandonou a sua própria história e cultura não só dificilmente se desenvolverá, mas também provavelmente será palco de uma longa série de tragédias históricas. É preciso ter uma posição clara contra o niilismo histórico...»
Um bom Feriado e boas comemorações de mais um 05 de Outubro a todos.
Viva a Fundação de Portugal!
Viva a República!
Viva a Pátria!
«...Desfralda a invicta bandeira,
À luz viva do teu céu!
Brade a Europa à terra inteira:
Portugal não pereceu!
Beija o teu sólo jucundo
O Oceano, a rugir de amor;
E o teu braço vencedor
Deu mundos novos ao mundo!
Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela pátria lutar!
Contra os bretões
marchar, marchar!...»
> mas duma associação recreativa ou grupo excursionista
ResponderEliminarTem graça, porque em inglês os estatutos duma associação recreativa também são "constitution" ...
Bem, os tempos da monarquia absoluta já lá vão. Por alguma razão as monarquias abdicaram do absolutismo. É, pois, necessário percebe-la (s).
ResponderEliminarO poder natural, que outrora residia na força dum individuo ou duma elite, hoje reside na força dum colectivo de pessoas. O poder actual do povo nos dias que correm nem é propriamente o poder de eleger. É mais importante o poder de remover.
Não me desgostaria ter um rei para substituir um PR. Com os mesmos e exactos poderes dos actuais.
Necessariamente atrelado a uma constituição, como não pode deixar de ser numa sociedade que percebeu que é preciso haver limites para todos os poderes.
Caso contrário cai-se na autocracia. Ditadura. E até podemos ter a sorte de nos calhar um ditador porreiro. Mas a probabilidade de nos sair um insuportável é muito maior. Ninguém gosta de estar atrelado toda a vida a alguém perfeitoamente insuportável. Excepto se não tiveres podres absolutos e consiga unir o povo noutras esferas.
Em suma, um ditador acaba sempre por cair duma cadeira, bater a bota, ou mesmo sujeito a uma revolução. Em Portugal ou noutro país qualquer.
Se o rei for absolutista acaba da mesma forma.
As monarquias arranjaram, portanto, um boa forma de sobreviver.
D Miguel
Deixei passar este despejo do Troll acrisolado (um tal Rb), sob disfarce, só para deixar, público e bem patente, o nível de literacia do sujeito.
ResponderEliminarO postal é precisamente contra a "monarquia absoluta", considerando o absolutismo a perversão da monarquia, e a criatura produz o comentário que atrás se lê.
E até ficou bem claro e explicadinho, que diabo:
«E note-se que o drama não começou na vaca da Revolução Burguesa, digo Francesa. Aí, na cloaca obrigatória, desaguou ele. Na verdade, tudo principiou, o trambolhão completo, quando um belo dia um rei, tentado por um qualquer espelho maligno, descortinou: "o Estado sou Eu". Foi o mesmo que dizer: "Eu sou a minha própria negação." Faltou lá um Aristóteles qualquer que lhe ensinasse, do alto daquela autoridade que só a neve dos cabelos brancos confere: "não, infeliz, isso é precisamente o que tu não és, e devias esmagar o quanto antes, como réptil peçonhento que é! Porque se em vez de o pisares, te transformares nele, trazendo-o para dentro de ti, virá o dia em que será ele a dizer: "O Rei sou Eu!"»
As monarquias não abandonaram o absolutismo: o absolutismo, pela dinâmica inerente, transferiu-se para o estado, para a lei, para o papel higiénico constitucional. A partir daí, as monarquias tornaram-se ou supérfluas ou frívolas. Passou-se da "monarquia absoluta", para a estupidez absoluta. Saltou-se do povo com uma cabeça desmesurada (o monarca absoluto), para o povo com cabeça cortada. Do cabeçudo ao acéfalo, com bilhete para nenhures. DE Sade a kafka, para regalo de incertos.
Oh diabo...
ResponderEliminarO Draco já tinha que aturar um "Miguel D" e agora aparece-lhe este "D Miguel"...Gabo-Lhe a paciência, porque esta ave de arribação é insistente como tudo, ahaha
Miguel D
Quanto ao postal, cumpre apenas assinalar: na mouche, como é hábito da tasca.
ResponderEliminarMiguel D
Às vezes pergunto-me se o fulano terá os alqueires bem medidos. Ou então, que sei eu, sente-se auto-destacado pelas forças anglo-sionistas para me fazer marcação cerrada. :O))
ResponderEliminarHá um termo Nietzscheano que caracteriza certo tipo de gente: ressentimento. Vossência, caro Miguel D, que anda a ler o Fred, já deve ter passado por ele. Pelo termo, quero eu dizer. Que pelo sujeito, evite, não vá pisá-lo. Ainda suja o sapato todo. E aquilo agarra-se à sola que só visto. :O)
Um português que escreve um texto destes, especialmente nos dias de hoje, é um verdadeiro rei!
ResponderEliminarRei com Maiúscula!
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