"Oh fala tão querida! Oh ouvir ao menos a saudação de um Grego, depois de tanto tempo!"
- Sófocles, "Filoctetes"
Acho que devo começar por alertar os leitores mais sensíveis para um facto áspero mas incontornável: a barbárie e a barbie não são aparentadas, embora, segundo alguns genealogistas mais afoitos, a segunda descenda em longínquo grau da primeira.
Posto isto, começo por dizer que "barbárie" é uma daquelas palavras gregas que atravessaram os tempos, inalteradas na fonia, mas degradadas na semântica. A seu significado mais usual - e aquele que ainda hoje prevalece - é de bárbaro por oposição a civilizado - a bárbarie sendo assim a condição daquele que está fora da civilização. E é um facto que os romanos denominaram assim os outros povos circundantes, sobretudo os germanos. Nessa altura, a barbárie congregava aqueles que não usufruiam e participavam daquilo que constituía, dito na sua vertente mais emblemática, a admninistração do Império Romano. As fronteiras deste coincidiam, destarte,com as fronteiras da civilização. Depois, o romano dará lugar ao cristão e o cimento da administração ver-se-á substituído pela argamassa da Fé. Embora, quanto a estruturas, a Igreja (ortodoxa e católica) assuma e, um tanto ou quanto fantasmagoricamente, perpetue a herança formal do Império. O bárbaro ganhará então novos cambiantes: pagão, infiel, selvagem, entre outros. Aliás, a barbárie, como definição de algo externo dissolve-se num conceito mais global e englobante: o Mal. E o Mal já não será apenas externo, extramuros, estrangeiro -os vickings, os muçulmanos, os piratas, os Hunos- ; não, ele opera e ameaça também internamente - a bruxa, o herege, o judeu. Donde que as forças da civilização passarão, desde então, a coincidir com as "Forças do Bem" e aqueles que se lhes opõem como as "forças do Mal". Durante a primeira Guerra Mundial, e mesmo durante a Segunda, os Ingleses, que se entendiam, à época, como os fiéis depositários e locatários da Civilização, chamaram Hunos aos alemães e moveram rios de propaganda para convencerem o mundo de que os bárbaros eram os outros. Isto prova como em pleno século vinte a questão da Barbárie e de quem a representava não era ainda uma questão de todo insignificante. O Nazismo, ainda hoje, numa das suas denominações mais benevolentes, aparece referido como a "barbárie nazi", o que, por um lado, constitui tremendo insulto aos bárbaros honestos, e por outro conveniente bode expiatório para aquela pseudo-cultura que o engendrou e golfou no mundo. Ao acusar o diabo da paternidade, a mãe tenta assim ilibar-se de todas e quaisquer responsabilidades no aborto. Bem diz o povo que cadelas apressadas parem filhos cegos...
O facto é que tudo isto, somado e acumulado ao longo dos tempos, resulta hoje numa montanha de qualidades e conotações pouco invejáveis para o bárbaro: um bruto, um selvagem, um terrorista, um vândalo, capaz das piores tropelias e sempre a urdir as maiores ameaças e hacatombes, ontem contra o Império Romano, hoje contra o seu sucedâneo da hora a ferver. Os russos já lhe chamam abertamente um "império romano de fancaria" (a propósito do mais recente pro-consulado da Ucrânia).
Mas...e na origem, na verdadeira acepção, para os gregos clássicos, o que significava "barbárie"?
Ora, aí, a coisa é bem mais simples...e honesta. Para o grego, o bárbaro á simplesmente aquele que se exprime numa língua ininteligível, ou, numa terminologia mais fidedigna, numa línguagem anoética. Exprime-se através dum som que não faz sentido, duma phoné (voz) destituída da verdadeira essência O bárbaro é aquele que não sabe o nome das coisas : não sabe que o cosmos é o cosmos, que o caos é o caos, que o logos é o logos.
O que une os Espartanos aos Atenienses e leva aqueles a sacrificarem-se nas Termópilas ? Não é a política, não são os costumes, nem sequer são os heróis padroeiros : é a língua. É ela que define a Hélade. E é ela que permite ao mensageiro fazer-se entender às portas de Atenas, quando disser que os Espartanos se vão imolar em combate pela liberdade de toda a Grécia. Naquele tempo eles tinham noção de que a liberdade é o oposto da escravidão: Não é como hoje em que a primeira em mais nada consiste que no refinamento da segunda. Não liberdade porque todos vivem encarcerados: uns como reclusos, outros como guardas. E não liberdade porque não há indivíduos livres quando o colectivo mergulha na escravidão (e processe-se esta através da ocupação estrangeira (bárbara) de armas militares, económicas, culturais ou do cerco e assédio resultante de todas elas. A liberdade de cada qual radica e principia na liberdade de todos.
Agora reparem: um povo que não respeita a sua própria língua é, por assim dizer, uma horda que se entrega e devota à auto-barbárie. Que se derrota a si próprio, colocando-se à mercê do invasor. É nisso que vamos, não é?
Agora reparem: um povo que não respeita a sua própria língua é, por assim dizer, uma horda que se entrega e devota à auto-barbárie. Que se derrota a si próprio, colocando-se à mercê do invasor. É nisso que vamos, não é?
Muito bem.
ResponderEliminarAinda outro dia falava com um amigo sobre algo relacionado: a qualidade da redacção dos antigos face aos actuais. É comparar qualquer coisa escrita por um Costa/Passos/Sócrates com outra escrita por um Marcello ou um Salazar. Aliás, primeiro deveria cuidar se os Costa/Passos/Sócrates sabem sequer redigir.
Torna-se difícil fugir à conclusão: é o abastardamento impante.
Miguel D
Onde uns aprenderam com S. Tomás e com o Padre António Vieira, hoje educam-se os outros com o Big Brother e a Casa dos Segredos 4 horas por dia.
ResponderEliminarMiguel D
Mas a elite e tao culta... ate ja tivemos um ministro da Cultura que dava o
Eliminarcavaquinho ( no pun intended ! ) pelos Concertos para violino de Chopin , hoho...
Bem, é apenas uma questão de escala.
ResponderEliminar.
Antes muitos não entendiam o que poucos escreviam. Hoje muitos entendem o que muitos escrevem.
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A qualidade de escrita baixou?
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Nada disso. Há mais gente capaz hoje do que ontem. A média é que baixou. Os de baixo subiram...
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Rb
Claro que sim. E o 44 é inocente.
ResponderEliminarInocente não sei.
ResponderEliminarPode é nao ser culpado daquilo que (não) o acusam.
Rb
Pois pode. Tu também podes não ser estúpido.
ResponderEliminarhttp://www.cnbc.com/2015/11/30/russia-bans-george-soros-charity-as-security-threat.html
ResponderEliminarAdivinha:
ResponderEliminarO que tem olhos rasgados, mas ainda não é mongoloide?
O que tem penca mas não é pinóquio?
O que tem beiças mas nem chega a macaco?
O que usa gravata e rouba mais não é considerado ladrão?
O que tem tampa nos cornos mas não é esferográfica?
Excelente o lembrar Espartanos, Atenienses e Termópilas.
ResponderEliminarNaquele tempo as línguas não se ensinavam, eram inatas ao povo. Quem falava a língua, partilhava todos os outros traços da identidade do povo. Era a forma mais rápida da representação da identidade biológica, étnica, cultural, civilizacional e territorial.
ResponderEliminarA língua já era. A língua já não serve de identidade de nenhum povo, apenas contribui.
Por outro lado um povo sem uma língua bem definida está condenado.
Agora qualquer truão aprende uma língua.
Qualquer ricciardi fala uma língua enquanto vela por interesses de outra.
A identidade e fidelidade não se reflectem forçosamente na língua. Já nem mesmo os dialectos estão a salvo, com a emergência das patologias do foro psiquiátrico originadas na tríade médio-oriental: "humaniteira, internacionaleira e traiçoeira".
H.D.F.Kitto
ResponderEliminarOs gregos
3a edição
Tradução do inglês e prefácio: José Manuel Coutinho e Castro
Revisto pela:Dra. Maria Helena da Rocha Pereira (prof. Fac. Letras Coimbra)
Arménio Amado - Editora - coimbra
Colecção stvdivm
"Pelo menos os gregos da época clássica costumavam dividir a família humana em Helenos e bárbaros (empreguei o termo clássico para designar o período que vai aproximdamente dos meados do século VII A.C. até às conquistas de Alexandre, em fins do século IV A.C.) (...) Não se tratava, realmente, de modo nenhum de uma questão de delicadeza. A palavra grega bárbaros não tem o mesmo sentido que lhe damos hoje; não é um termo de repugnância ou desprezo, não significava . Apenas quer dizer: povos que produzem sons no género de , em vez de falarem grego.Quem não falava grego era bárbaro, quer pertencesse a alguma tribo selvagem da Trácia, ou a uma das luxuosas cidades do Oriente, ou do Egipto, que, como os gregos bem sabiam, tinha sido um pais organizado e civilizado muitos séculos antes de a Grécia existir. O termo bárbaros não era necessariamente sinónimo de desprezo.
Muitos gregos admiravam o código moral dos persas e a sabedoria dos egípcios. A dívida-material, intelectual e artística-que os gregos tinham para com os povos do oriente, raramente era esquecida,contudo, estes povos eram barbaroi, estrangeiros, e equiparados aos trácios, citas e outros, embora não confudidos com eles. E isto apenas porque não falavam grego? Não; o facto de não falarem grego representava uma diferença profunda. Significava que nao viviam nem pensavam à maneira grega. Todas as suas atitudes perante a vida pareciam diferentes; e, por muito que um grego admirasse ou até invejasse um bárbaro, por este ou aquele motivo, não podia deixar de dar conta dessa diferença."
H.D.F.Kitto
ResponderEliminarOs gregos
3a edição
Tradução do inglês e prefácio: José Manuel Coutinho e Castro
Revisto pela:Dra. Maria Helena da Rocha Pereira (prof. Fac. Letras Coimbra)
Arménio Amado - Editora - coimbra
Colecção stvdivm
"Pelo menos os gregos da época clássica costumavam dividir a família humana em Helenos e bárbaros (empreguei o termo clássico para designar o período que vai aproximdamente dos meados do século VII A.C. até às conquistas de Alexandre, em fins do século IV A.C.) (...) Não se tratava, realmente, de modo nenhum de uma questão de delicadeza. A palavra grega bárbaros não tem o mesmo sentido que lhe damos hoje; não é um termo de repugnância ou desprezo, não significava ‘pessoas que vivem em cavernas e comem carne crua‘. Apenas quer dizer: povos que produzem sons no género de
‘bar-bar‘, em vez de falarem grego.Quem não falava grego era bárbaro, quer pertencesse a alguma tribo selvagem da Trácia, ou a uma das luxuosas cidades do Oriente, ou do Egipto, que, como os gregos bem sabiam, tinha sido um pais organizado e civilizado muitos séculos antes de a Grécia existir. O termo bárbaros não era necessariamente sinónimo de desprezo.
Muitos gregos admiravam o código moral dos persas e a sabedoria dos egípcios. A dívida-material, intelectual e artística-que os gregos tinham para com os povos do oriente, raramente era esquecida,contudo, estes povos eram barbaroi, estrangeiros, e equiparados aos trácios, citas e outros, embora não confudidos com eles. E isto apenas porque não falavam grego? Não; o facto de não falarem grego representava uma diferença profunda. Significava que nao viviam nem pensavam à maneira grega. Todas as suas atitudes perante a vida pareciam diferentes; e, por muito que um grego admirasse ou até invejasse um bárbaro, por este ou aquele motivo, não podia deixar de dar conta dessa diferença."
Por utilização de sinais não permitidos, o texto anterior não saiu correcto.
A minha dúvida: que nome se dá aos bárbaros que falam a nossa língua?
ResponderEliminar«A minha dúvida: que nome se dá aos bárbaros que falam a nossa língua?»
ResponderEliminarHá vários. Afinal, a nossa língua é rica (ao contrário do espírito da grande maioria dos falantes)...
Mas embora sejam imensos, há um que, parece-me, congrega a essência geral da coisa: papagaio.
E nisso a democracia pode ser ilustrada analogicamente por um eucaliptal: seca tudo à volta e apenas serve para criar e alimentar papagaios.
Ou seja, é uma forma metódica e infecciosa de barbarizar um país. A judaização é uma barbarização? A mais actual e desenfreada de todas.