Vale sempre a pena recordar (no caso um postal de 2008, neste antro), com uma dedicatória especial à Marina e ao Takitali (aquela simbolizando os novos leitores desta casa; este em representação dos antigos) e votos de um Feliz e Auspicioso ano de 2016 para todos vós.
É, de facto, um dos erros metódicos – e elitoscos – deste país: acreditar que um excelente académico faz um excelente político, ou que uma resma de diplomas e bibliofagias é garante de esplendor cratosófico. A verdade que a vida e a experiência ensinam é, contudo, bem diversa: não basta apenas a pródiga faculdade de produzir belas e prendadas ideias, bem calafetadas a virtude e estofadas a doutrina: é essencial a força de vontade, a resistência moral e a perseverança titânica de as impor, muitas vezes, senão quase sempre, contra as modas do tempo, os torvelinhos cegos e geralmente turvos da correnteza, o eucaliptal das pseudo-elites invariavelmente amesendadas e, em síntese geral, o vórtice sempiterno que induz os estreitos e captos de vista a deduzirem o umbigo do universo no simples ralo de esgoto da História.
Com a agravante de que o paralaxe é duplo: tanto a multidão acredita nestes poços de sabedoria enchida à bomba nos ginásios e aviários da universidade (que é, por seu turno, cada vez mais monomania e monoversão), como cada novo diplomado, mal recebe o canudo, logo se imagina e fantasia investido de todos os super-poderes e brevês legisladeiros deste mundo.
Todavia, os políticos não deviam ser homens como os outros; como os padres, os médicos, os militares, os juízes, os professores, os escritores, os artistas, os artesãos, os pedreiros, os carpinteiros, os lavradores, os pescadores e todos os homens não deviam ser “homens como os outros” – homens ordinários, homens indistintos, amálgama de homens. Nenhum homem devia contentar-se em “ser como os outros”. Todos os homens deviam procurar ser também “cada homem”, ou seja, a realização viva desse extraordinário que em cada qual palpita e aspira, tanto quanto respira e vegeta. Todo o homem, que é kata-holos –conforme o Todo (e daí, por exemplo, o kat-ólico, o universal), não pode abdicar do seu ser kata-ekaston – conforme a cada qual ( e daí o individual, o particular). Pois tanto quanto pertencente e orbital do Mundo imediato, ordinário e próximo, o homem pertence também a algo longínquo, a esse fora do mundo, a esse extraordinário que exorbita de todas as classes, categorias e mesuras. E a que tanto pode chamar-se Deus, como Ser, como “eu mesmo”. Um “eu mesmo”, um “eu próprio” que está nos antípodas da egomania plástica hodierna e cujo conhecimento constituía um dos mandamentos da idade de ouro da civilização. "Conhece-te a ti mesmo", que é como quem diz: Procura-te lá bem no fundo...e encontrarás Deus. Ou seja, encontrarás o Outro. O autêntico.
Com a agravante de que o paralaxe é duplo: tanto a multidão acredita nestes poços de sabedoria enchida à bomba nos ginásios e aviários da universidade (que é, por seu turno, cada vez mais monomania e monoversão), como cada novo diplomado, mal recebe o canudo, logo se imagina e fantasia investido de todos os super-poderes e brevês legisladeiros deste mundo.
Todavia, os políticos não deviam ser homens como os outros; como os padres, os médicos, os militares, os juízes, os professores, os escritores, os artistas, os artesãos, os pedreiros, os carpinteiros, os lavradores, os pescadores e todos os homens não deviam ser “homens como os outros” – homens ordinários, homens indistintos, amálgama de homens. Nenhum homem devia contentar-se em “ser como os outros”. Todos os homens deviam procurar ser também “cada homem”, ou seja, a realização viva desse extraordinário que em cada qual palpita e aspira, tanto quanto respira e vegeta. Todo o homem, que é kata-holos –conforme o Todo (e daí, por exemplo, o kat-ólico, o universal), não pode abdicar do seu ser kata-ekaston – conforme a cada qual ( e daí o individual, o particular). Pois tanto quanto pertencente e orbital do Mundo imediato, ordinário e próximo, o homem pertence também a algo longínquo, a esse fora do mundo, a esse extraordinário que exorbita de todas as classes, categorias e mesuras. E a que tanto pode chamar-se Deus, como Ser, como “eu mesmo”. Um “eu mesmo”, um “eu próprio” que está nos antípodas da egomania plástica hodierna e cujo conhecimento constituía um dos mandamentos da idade de ouro da civilização. "Conhece-te a ti mesmo", que é como quem diz: Procura-te lá bem no fundo...e encontrarás Deus. Ou seja, encontrarás o Outro. O autêntico.
Pois o Homem é essa tensão entre o imediato e o longínquo – esse equilíbrio afinado em que o Todo e a parte coincidem porque se reflectem, donde resulta a harmonia –; ou essa alienação destrambelhada em que se digladiam e se abominam, donde frutifica o ruído. E a ruína.
Não se foge ao Destino. Como não se foge de si próprio. Tornamo-nos no assassino que segue, sombriamente, atrás de nós. Quem foge porque pensa que ninguém vê nem ninguém tece e vai encontrar abrigo ao virar da esquina da ciência ou do mercado, engana-se redondamente. Não vai encontrar a salvação: vai descobrir a desgraça. Melhor dizendo, vai encontrar o Destino, mas à força de catástrofe.
E tanto acontece às pessoas como aos povos. Aconteceu-me a mim e, por isso, sei bem do que falo. E aconteceu-me a mim, notem bem, duplamente: quer enquanto homem, quer enquanto português.
"É, de facto, um dos erros metódicos – e elitoscos – deste país: acreditar que um excelente académico faz um excelente político, ou que uma resma de diplomas e bibliofagias é garante de esplendor cratosófico. A verdade que a vida e a experiência ensinam é, contudo, bem diversa: não basta apenas a pródiga faculdade de produzir belas e prendadas ideias, bem calafetadas a virtude e estofadas a doutrina: é essencial a força de vontade, a resistência moral e a perseverança titânica de as impor, muitas vezes, senão quase sempre, contra as modas do tempo, os torvelinhos cegos e geralmente turvos da correnteza, o eucaliptal das pseudo-elites invariavelmente amesendadas e, em síntese geral, o vórtice sempiterno que induz os estreitos e captos de vista a deduzirem o umbigo do universo no simples ralo de esgoto da História."
ResponderEliminarA mais pura das verdades!
Dragão, que belo e excelente texto.
ResponderEliminarVexa colocou tudo o que é ali! Por isso posso chamá-lo de Dragão Imperador — grelhado deve ser um pitéu...
A brincadeira é, após eu pensar, a minha fuga à comoção que o trecho me deu.
«Procura-te lá bem no fundo... e encontrarás Deus. Ou seja, encontrarás o Outro. O autêntico». É assim, quer se queira, ou não; quer se goste, ou não.
Um grande, apertado, abraço dum rapaz de quase 73 anos (eao).
Como dizia o outro, continua a ser um rapaz mas o invólucro estragou-se com o tempo.
do eao
ResponderEliminarPS (lagarto,lagarto): Já tinha saudades de o ler sem o azedume dos últimos tempos.
«O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz».
«Procura-te lá bem no fundo... e encontrarás Deus. Ou seja, encontrarás o Outro. O autêntico»...
ResponderEliminarEsta é a verdadeira liberdade que qualquer homem deve procurar.
belíssimo , sim . muito obrigado pela pérola.
ResponderEliminarMuitos dos excelentes académicos da quinta fazem-se assim: decorando sebentas, e expondo o que se memorizou em exame. Uma Academia de memorização que não tolere bem quem ponha em causa o que está na Sebenta ou foi enunciado pelo Senhor Professor Doutor. Recordo um Professor de Química Analítica da Univ. de Coimbra, onde raramente os alunos tinham mais de 11 no exame. E mais de metade reprovava. Ora sucedia que com frequência os alunos resolviam correctamente os problemas e respondiam correctamente às perguntas. Mas se as respostas não estivessem tal e qual como figurava na sebenta, e se a resolução não seguisse tal e qual os passos dos apontamentos da aula, havia cortes severos na classificação final. Em Espanha têm saído alguns artigos interessantes sobre os problemas da Universidade espanhola. Um deles é este, a problemática da memorização. Por cá está tudo bem, quem ouve muitos dos nossos doutos professores doutores fica a saber que temos excelentes universidades, das melhores do mundo.
ResponderEliminarTive colegas que eram excelentes alunos, ingressaram no curso com média 19 e durante o curso tinham excelentes notas. Mas eram mentes práticas: memorizavam apenas o necessário para terem boa classificação. Não liam, nada sabiam de História, não acompanhavam o que se passava no país nem no mundo, não tinham bons gostos musicais nem sensibilidade artística. Em Portugal existe um deslumbramento pelos títulos académicos. Contudo um diploma nada diz sobre a qualidade moral do espírito de um político nem sobre a sua formação humanística. E ninguém pode governar bem o seu país se não tiver espírito forte e justo, e conhecimentos da sua História, Geografia, tradições, costumes, em suma, da alma do povo.
ResponderEliminarGrande post. Gostei. Vou imprimir, vai para a biblioteca.
ResponderEliminarAinda noutro dia, noutro blog, estava uma posta sériamente (parecia, sei lá eu ;-) propondo escolher políticos pelo seu "contributo vísivel para o PIB". Um ente murmura para dentro "that's not how any of this works", e passa adiante, que a vida é curta.
ResponderEliminarMas hoje arrancou-me um sorriso esta belíssima resenha da homérica capacidade perdulária de um dos acólitos mais venerados da Santa Liberdade:
"Other People’s Yachts: Churchill and His Money, or Lack of It"
http://www.harrowell.org.uk/blog/2015/12/30/other-peoples-yachts-churchill-and-his-money-or-lack-of-it/
Que maravilha. Essa extraordinára capacidade de desvendar inígmas filosóficos e transmitir a quem o lê vislumbrasse uma pequeníssima parte do que vai no mais profundo da sua alma sensível, é de enternecer o coração do mais estoico. Que o faça mais vezes sem inibições ou excesso de timidez, pois nada é mais gratificante para aqueles com quem partilha essas partículas de intimidade, aqueles que sinceramente o estimam e apreciam, aqueles cuja alma é pura e verdadeira como a sua, aqueles que o lêem e interiorizam as suas belas e sentidas palavras como se fossem eles próprios os seus autores e ao absorvê-las uma a uma se sentissem melhores pessoas e por momentos passassem a encarar o mundo que nos rodeia - um mundo desalmado, cruel e violento - com maior benevolência.
ResponderEliminarConfissões desta natureza chegam até nós como algo de extremamente profundo e apaziguador e é como se por momentos descesse sobre o nosso espírito inquieto, permanentemente em sobressalto à espera de algo que nunca mais chega, um manto diáfano, quase sobrenatural, que nos transmite uma enorme segurança e paz. São nestes breves momentos, ímpares e simultâneamente indefiníveis, em que as belas e sentidas palavras que se extraiem do texto adquirem um significado próximo do Divino (à falta de melhor palavra), aqueles em que a nossa alma se exalta e se enche de felicidade e alegria. São fracções de segundo em que, por analogia, sob os Céus carregados de núvens negras se entrevêem algumas abertas por onde se escapam raios de Sol abençoados, por Deus propositadamente enviados para nos aquecer o corpo e purificar o ar (contaminado) que respiramos, devolvendo-nos por breves momentos uma centelha da esperança desde há muito pràticamente perdida.
Que Deus lhe dê, a si e Família, neste Ano em que já nos encontramos, tudo aquilo que desejar e merece.
Igualmente envio os meus sinceros votos de um Ano Feliz para todos os leitores e comentadores deste magnífico espaço blogosférico.
O comentário anterior é meu. Lá me esqueci d'assinar. É a tal habituação já referida.
ResponderEliminarMaria
Leia-se "... a quem o lê, como que a vislumbrasse, uma pequeníssima parte..."
ResponderEliminarMaria
Que grande surpresa!!!
ResponderEliminarO melhor presente que me deram neste Natal.
… … …
Afinal a amizade é uma “forma de Kung-fu”!
Um Abraço.