Sobre as mais recentes proclamações do Che Otelo, vale sempre a pena relembrar um postal antigo (de Agosto de 2007) aqui da casa. Pelos vistos, habita-me o condão da imarcescibilidade... (Só não está plenamente actual porque, entretanto, os gatunos compulsivos deram lugar aos traidores frenéticos).
Segundo um qualquer Pasquim matinal, nas Forças Armadas portuguesas, um estomatologista ganha quase três vezes mais do que o Chefe de Estado Maior General, ou seja, em números concretos, 5183 euros para o general Chefe; 14 716 euros para o caçador de cáries.
Naturalmente, se bem vos conheço, vosselências aguardais um parecer meu sobre tão suculenta matéria. Importa, pois, que não vos desiluda.
Pois bem, acho que tudo isto está um pouco, quiçá até senão mesmo ligeiramente inflacionado. Trocando por miúdos: se por um lado não acho mal que o estomatologista ganhe mais do que o general-Mor - e, já agora, também que o presidente da república (7.262€, fora as alcavalas) , que o primeiro-Ministro e, em cascata sublime, que todos os outros altos dignitários da Nacinha por aí abaixo (afinal de contas, por pouco que seja, o tratador sempre faz qualquer coisa de útil e meritório na vida) -, por outro, parece-me que 14 716 euros raia o exagero. Digamos que com uns 5000 euros para ambos (guardando a justa vantagem para o dentista) fazíamos a festa e ainda recauchutávamos a moral. Pelo menos, os contribuintes não se sentiriam tão descaradamente - já não direi lesados - mas assaltados em cada ano que passa.
Até porque hoje em dia não faz qualquer sentido continuarmos a chamar Forças Armadas àqueles funcionários públicos que paradeiam e nidificam pelos quartéis. Armadas, só se for mesmo em parvas. Basta recordar como na última guerra em que foram chamados a defender o território nacional, entraram como exército e saíram feitos "Movimento de libertação". Não me perguntem porque é que, em vez de acabarem com os terroristas, desataram a emulá-los. A África, que conheço bem, é dada a estes mistérios e feitiços. O certo é que maçados de defender o ultramar, acharam por bem vir atacar a metrópole. A pretexto de a libertarem, escreveram na Ordem de Serviços. E, de modo a ganhar embalagem, começaram por libertar-se a eles próprios de escrúpulos, honra, sentido do dever, coluna vertebral e todo e qualquer respeito pela bandeira e pela farda que envergavam. Assim, devidamente libertos, puderam debandar com quantas ganas e vísceras tinham, mais as hirsutas coifas recém-descobertas, para nos virem libertar a nós - sobretudo duma série de preocupações e anacronismos cansativos, como a independência e a autodeterminação, só para citar as mais insignificantes (a gravata e o escanhoamento merecem, cada qual, todo um tratado à parte). Desde então, guerra não é com eles. Converteram-se em soldados da paz - uma mistura pacóvia de escoteiros internacionalistas e turistas fardados. Por conseguinte, não vejo qual seja a necessidade, ou sequer a justificação para continuarem a ser tratados -e ainda menos pagos - como se de soldados se tratassem. Soldado da paz, que eu saiba, é bombeiro. Pelo que o justo era integrá-los a todos, e duma vez por todas, no Regimento de Sapadores Bombeiros, que passaria a Brigada, ou Divisão se tanto, e o General Chefe a Comandante de Bombeiros (neste caso não já e apenas municipais, mas internacionais). Depois disso, poderiam continuar a mandá-los na mesma fazer de sipaios de aluguer por esse mundo a fora, não vejo qualquer inconveniente nisso. Cada qual é pró que nasce. Mas, claro está e condição sine qua non, desde que fossem de machado, capacete e auto-escada. Assim é que lhes ficava apropriado. Agora submarinos, blindados e outros gadgets que tais não sei que raio de falta façam a bombeiros ou justifiquem fatias do orçamento. Além disso, nos intervalos das viagens de servidão do globo sempre podiam ser empregues em qualquer coisa de prestável ao país, como o combate a incêndios no verão ou a limpeza de matas no inverno.
Quanto à tropa fandanga, ficamos conversados. E é melhor não me puxarem muito pelo badalo.
No que respeita àqueloutros altos dignitários da Nacinha, dado o nível cada vez mais baixo a que essa altura decorre, convém acrescentar alguns detalhes. Que se sintetizam num postulado essencial: parece-me lógico, sem qualquer tipo de hipérbole ou ironia, que essa gente devia pagar para exercer. O presidente da República e o Primeiro-Ministro, especialmente. Pagar (do seu próprio bolso, evidentemente) o alojamento, os carros, as viagens, a alimentação e ainda, a título de indemnização pelos prejuízos colectivos que sistematicamente caucionam e perpetram, o equivalente ao salário actual em prémio a distribuir mensalmente através de lotaria popular (que mecanismo mais democrático, digo e repito, não existe). Talvez se pagassem, começassem a dar valor e a ter algum respeito pela função, já que pelo povo em geral continuo com as minhas dúvidas. E também era sinal de que possuiam bens prévios ao exercício do poder, pelo que só ali estavam para asnear generosamente e não, como é sórdido costume, para asnear e, ainda por cima, enriquecerem à nossa custa, fazendo-se cobrar faustosamente por isso. Delapidarem o érario público a malta ainda desculpa... ainda é como o outro, descontamos à tradição; agora locupletarem-se e fartazanarem-se nele é que nos enfurece. Esbanjar é próprio dum rei, mas pilhar é típico dum gatuno.
Já os deputados ao Parlamento, bem como a generalidade dos autarcas maiores, não bastaria que pagassem monetariamente. Em complemento obrigatório, o castigo físico e o serviço cívico ao domicílio dos cidadãos (também através de sorteio) seria imprescindível. Absolutamente indispensável.
A Santa Casa havia de bater recordes de receita. Era uma destas corridas aos quiosques!... que até desconfio que deixava de ser preciso cobrar impostos.
A Santa Casa é muito sinistra. Os jogos sociais são um esquema do outro mundo!
ResponderEliminarPff, Agosto de 2007...
ResponderEliminarAlguma vez, naquele tempo pensou, que os sorteios se tornariam reais? Com viaturas estrangeiras, e quem sabe, um dia que mais...
A verdade é que na democracia original, a ateniense, o sorteio constituía o método de eleição. E por isso era "democracia", ou "governo pelo povo", pois qualquer um dos homens livres e não-metecos podia ser eleito.
ResponderEliminarCá, até como democracia, é falsa: os partidos e os respectivos caciques de ocasião tiranizam todo o processo. Chamam-lhe "representativa", como os outros grunhos rivais lhe chamavam "popular", mas na verdade (e em ambos os casos) é de pura trampolinice que se trata.
O Dragão sabe bem, que por cá a coisa não se resolve pelos eleitos pelo povo... Só elegendo, mesmo um outro povo! O que fede, não é a politiquice, nem as (des)elites é mesmo a base que elege a populice desmedida... A democracia para funcionar tem que ter alguns requisitos fundamentais, a começar pela qualidade do povo...
ResponderEliminarO binómio elites/povo, na democracia, têm que ser focado na qualidade do segundo sob o primeiro. Noutros sistemas de governação, o oposto pode ser requerido. A partir daqui, que se trace as devidas conclusões...
ResponderEliminarRealmente, valia mais sortear... Podia ser que calhasse um bom de vez em quando, em vez de ser sempre o menos mal dos piores ahaha!
ResponderEliminarEssa história da qualidade do povo tem muito que se diga. Faz-me lembrar o pessoal que diz que a televisão passa o que a malta quer.
ResponderEliminarEu digo: experimentem comer merda todos os dias sem excepção e ver ao fim de quantos a não tomam por manjar...
De resto, parece-me que ainda está por demonstrar que a democracia sequer chegue a funcionar, quanto mais funcionar bem...
ResponderEliminar"Eu digo: experimentem comer merda todos os dias sem excepção e ver ao fim de quantos a não tomam por manjar..."
ResponderEliminarLá está Muja, quantidade não é qualidade... Quanta merda já não comemos, mas certamente não a consideramos por manjar?
Quanto à democracia, pelo pouco que sei, em alguns lugares dá e deu pró gasto, isto é o funcionar. Isso do funcionar bem, em qualquer sistema politico, é uma utopia.
Vamos lá a ver, funcionar, funciona. E se calhar é esse o problema. Funciona para quem?
ResponderEliminarEsmiuçando...
A democracia portuguesa funciona para os portugueses?
SE fosse um sistema político constituíria um meio para os portugueses se organizarem politicamente. Mas como é uma crença religiosa transformou-se em fim: são os portugueses que se degradam a meio para que esse fim se realize, ou seja, não é a democracia que serve à realização de Portugal, mas Portugal que se sujeita à realização da democracia.
Naturalmente, por muito estupidificados que os portugueses sejam e estejam, (e, como sabe, eles são sulfatados noite e dia por pulverizadores mediáticos de estupidez) a certa altura interrogam-se (tal qual os russos diante do socialismo do século passado): mas, afinal, a democracia nunca mais se realiza e nós estamos cada vez mais frustrados e desgraçados?
E aí surge a "democracia" como hagiometria global, isto é, como realização angélica à escala planetária: os portugueses sacrificam-se em prol da felicidade futura de todo o planeta, quando o evangelho do Mercado triunfar dos ursos do ártico aos pinguins da antártida. Onde é que nós já vimos isto da "globalização"?...
E tanto assim é que ex-governadores democratas nossos, após comissão doméstica, partem em missionarismo terreal. Não se trata apenas de gratificação, mas de lógica evangelista. E o mesmo acontece com espanhóis, italianos, franceses, etc...
Portanto, a democracia em Portugal funciona. Só que não funciona para os portugeses. Coloca-os a funcionar para outros fins e interesses. Que a esses d~e imenso jeito que os portugueses disfuncionem é apenas a forma útil que eles têm de pô-los a funcionar.
Confuso? Julgo que não. Até porque não creio estar a dar-lhe novidade nenhuma.
Sabe como é Dragão, novidades, novidades, é no Continente! Passo a pub...
ResponderEliminarJá agora, não tem aqui nada que se coma, de quando o Russel (o Bertrand, claro está) foi visitar o socialismo soviético in persona?
Para o gasto quase todos dão, uns mais, outros menos...
ResponderEliminarDaí o embuste.
No abstracto a vantagem é poder substituir um reles por um melhor.
ResponderEliminarPorém, é necessário perguntar: nesse caso, como é que lá vai parar esse reles à partida? A não ser que o predecessor fosse pior ainda - e, nesse caso, a questão vale recursivamente para ele e os eventuais predecessores cada vez mais reles -, a conclusão é que o sistema já falhou e já lá está um reles que afastou um melhor.
Como? Seja como for, foi por uma qualquer intrujice.
No fundo, no fundo, a democracia é um sistema que assenta na premissa de os intrujas não aprenderem uns com os outros... de não "evoluírem". Ahahah!
Mais a sério, é um sistema que assume sempre que o que está, está mal - e que há sempre melhor. Ou seja, é um sistema incompleto.
Para se completar falta-lhe, como àquela outra sua parenta ideológica, uma mão invisível...
Uma que saiba ver quando está mal e arranje melhor - para si própria, claro. Afinal, é a mão invisível - não é a misericórdia invisível... ahah!
Dragão,
ResponderEliminarnão há confusão nenhuma. Novidades, lá está... só na mercearia.
Por falar em enxertos, já ouviu falar em alt right, NRx, dark enlightenment?
Isto dos sistemas políticos, cá para mim, são como as culturas: todos têm o seu tempo... Semeie-se um talhão de batatas em Fevereiro, vem a geada e queima tudo, semeie-se em Junho e a cultura espiga sem dar quase nada... Em ambos os casos, terá que se esperar um novo ciclo para acertar no timing da cultura. A democracia em Portugal e nos restantes PIG's foi instalada fora de tempo, por antecipação às condições meteorológicas favoráveis. Mas penso que tudo se resolve, se a cultura está perdida há que prepara novamente a terra. Pró lado da Grécia, já o está ser feito, ou muito me engano ou ainda vamos ver na actual geração à preparação dos talhões nacionais através da fresa do fascismo, para arrancar as ervas daninhas que procriaram junto com o batatal democrático. Depois espere-se nova temporada para a plantação de nova cultura...
ResponderEliminarSe a democracia consiste no nivelamento pela base e na recusa de admitir as desigualdades naturais; se a democracia consiste em acreditar que o Poder encontra a sua origem na massa e que o Governo deve ser obra da massa e não do escol, então, efectivamente, eu considero a democracia uma ficção.
ResponderEliminarAntónio de Oliveira Salazar
Muja,
ResponderEliminarmuito cuidado com qualquer anglo-produção. A Filosofia e a língua inglesa são comprovadamente incompatíveis.
Ehehehe!
ResponderEliminarÉ uma curiosidade meu caro. Como no outro dia estava a falar dos enxertos da coisa, lembrei-me destes. Realmente há de tudo.
Se não conhece, veja. Intitulam-se "neo-reaccionários". É muito castiço.
Os Anglos são peritos em vacinas... Ora, a vacinação, como sabe, consiste, muitas vezes, em inocular uma bacilo zonzo no organismo a "profilactar" (acabo de inventar o verbo).
ResponderEliminarNisso, eles são até duma perfídia lendária: de modo a não serem apanhados desprevenidos, engendram, infiltram e monitorizam as próprias ameaças ao seu querido "esquema".
Basta atentar nalgumas das suas "produções fictícias" mais recentes: a Al_Cagada e o Exército Islamofóbico.
> Intitulam-se "neo-reaccionários". É muito castiço.
ResponderEliminarTem graça quando desenterram aqueles textos pre-modernos, onde por contraste se compreende o delírio jacobino em aceleração contínua nos ultimos dois séculos.
Não que haja nada de errado com o delírio jacobino, os nossos donos recomendam-no vivamente para uso do gado, e fartam-se de gastar dinheiro a fazer filmes e livros explicativos.