»O cristianismo envolve três elementos: o dogma, a fé propriamente dita, e a atitude emocional resumida nessa fé. Ora o protestantismo substitui ao dogma a fé. Qual seria a evolução seguinte do cristianismo? A substituição do espírito cristão, puro e simples, à própria fé que o representa. Vimos já que esse espírito cristão é, na sua essência, Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Daí a Revolução Francesa estar na linha da evolução religiosa do cristianismo. Esse movimento segue-se logicamente ao protestantismo. A Revolução Francesa é a Nova Reforma.
As ideias democráticas são cristianismo puro. Como tal pertencem ao espírito cristão. Como tais, são inimigas do catolicismo, que é o dogma, a parte mais dura e rígida do cristianismo; como o protestantismo, erguendo-se pela fé, foi contra o espírito católico.
A Europa é cada vez mais cristã. Cada vez mais abandona a letra do Cristianismo e se aplica ao seu espírito. Todo o fanatismo, toda a intolerância, toda a confusão mental, a sentimentalidade doentia dos democratas, mostram bem a base doentiamente religiosa do seu sistema.
Ora a nossa civilização, se bem que cristã de natureza, repousa sobre uma outra base, que não o cristianismo. Todo o nosso trabalho mental, toda a nossa disciplina de espírito, toda a alma da nossa jurisprudência, o âmago do nosso modo de governar assentam numa base - o espírito pagão - a cultura grega e a administração romana. Nascido, como foi, na decadência do império romano, o cristianismo é um paganismo decadente. Quanto mais cristão se torna, quanto mais se afasta do paganismo - isto é, do catolicismo, que é abundantemente pagão, sobretudo pelo ritual - tanto mais o cristianismo se afirma decadente e doentio.(...)
Na linha da evolução cristã, vimos que estão a Reforma e a Revolução Francesa. A Revolução Francesa resultou da penetração da França pelo espírito protestante, quer através do suíço Rousseau, quer através da furiosa anglofilia do século XVIII em França.»
- Fernando Pessoa , "Páginas de Sociologia Política"
Em resumo, segundo Pessoa, o cristianismo quanto mais "evoluído", mais deteriorado. E a actualidade não parece desmenti-lo. Antes pelo contrário Aliás, um .pouco como o europeu: quanto mais sofisticado, a transbordar modernidade da dentuça para fora, mais fanático, mais intolerante e mais alienado.
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