quinta-feira, julho 23, 2009

Entre o Pinóquio e a Bruxa

Os nomes, de dois perigos medonhos e monstruosos, remontam à Odisseia. A expressão idiomática, essa, já era usada na Grécia Antiga, donde emigrou para a nossa língua, e diz-se ou escreve-se “estar entre Cila e Caríbdis”. Tenho-lhe uma afeição especial, como já devem ter reparado. Estar entre Cila e Caríbdis é estar entre dois perigos a meio da viagem; é estar num dilema – daquele lado tragam-me, deste devoram-me; à direita, estripam-me; à esquerda, esfolam-me.
Como Ulisses, outrora, Portugal está hoje entre Cila e Caríbdis. A diferença –descomunal, assinale-se – é que enquanto o herói homérico se propunha seguir adiante, passando o mais incólume possível entre os dois perigos, Portugal, pelo contrário, como que seduzido pela vertigem do abismo, acomoda-se e abandona-se aos fluxos e refluxos do vórtice, num regime que tem tanto de estúpido quanto de suicida. Assim, onde o grego via uma passagem, o português descobre uma moradia. O resultado está à vista e é fatal, tanto na mitologia quanto na história: Ulisses ultrapassou Cila e Caríbdis e lá foi à vida dele; Portugal anda de Cila para Caríbdis e de Caríbdis para Cila, e não vai a lado nenhum, fora a morte certa e lenta. Para fugir das mandíbulas escancaradas de Cila, corre para Caríbdis; experimentando os horrores voraginosos de Caríbdis, retorna a Cila; e assim sucessivamente, numa espécie de suplício absurdo e colectivo, digno de causar inveja aos Sísifos e Tântalos do antigamente. Ou seja, onde a lucidez e a prudência de Odisseu urdiam escapar, a parvoíce e a toleima portuguesas mandam escolher. Diante de Cila e Caríbdis, a tripulação helénica sabe que tem que evitar ambos e passar adiante; a tripulação lusa o mais que consegue é embasbacar e ir a votos para eleger qual o perigo menor onde se entregar em naufrágio. De tal modo que onde a Odisseia relatava uma viagem, a de Odisseu, a Lusisseia (chamemos-lhe assim, ao naufrágio dos Lusos) transcreve, substancialmente, um regime: o regime alimentar de Cila e Caríbdis. À custa, como é evidente, da tansice, da cegueira e da pusilanimidade dos tais Lusos. Pois, com a regularidade típica das marés, e o intervalo cíclico de quatro anos, os náufragos tontos ora fornecem pasto a Cila, ora propiciam forragem a Caríbdis.

Ao contrário dos portugueses, o idioma, porém, não estagna. Pelo contrário, evolui. Ri-se até deles e da sua prostração demolhada. Daí que “entre Cila e Caríbdis”, um pouco à moda dos sismos, suscite réplicas. Se pensarmos, por exemplo, no sufrágio próximo a decorrer, salvo erro, no mês de Outubro, poderemos dizer, em alternativa ao “estar entre Cila e Caríbdis”, que estamos “entre o Pinóquio e a Bruxa”.

É claro que o que não falta por aí é os que detestam o Pinóquio por amor à Bruxa, e os que execram a Bruxa por amor ao Pinóquio. Mas também, serei eu o último a alvitrar que a estupidez, tanto quanto as corridas de parasitódromo, não constituem, hoje ainda mais que ontem, a mais renhida das competições. Ou o mais frenético dos campeonatos.

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