terça-feira, fevereiro 10, 2009

O Triunfo do Labirinto - 2. Duas das cabeças de Cerbero

«Both Marxism and Freudianism were organized religions, with their own churches and sacred texts, and both Marx and Freud were true messiahs insofar as they stood outside time and could not be justified in terms of their own teachings. Marx knew history before History could know itself, and Freud - Buddha-like - was the only human to have achieved spontaneous self-knowledge (trought a heroic act of self-healing that made all future healing possible). Both Marxism and Freudianism adressed the modern predicament by dealing with eternity; both combined the language of science with a promise of deliverance; and both spawned coherent all-purpose ideologies that claimed access to the hidden springs of human behavior. One foresaw and welcomed the violent suicide of universal Mercurianism; the other taught how to adjust to it (because there was nothing else one could do). Neither one survived in Central Europe, where they were born: one went east to become the official religion of a cosmopolitan state that replaced the most obstinate ancien régime in Europe; the other moved to the United States to reinforce democratic citizenship with a much-needed new prop.
(...)
In Marxism, the original sin is in the historical division of labor, which leads to the alienation of labor, the enslavement of human beings by their own creations, and the fall of man into false consciousness, injustice and degradation. The fall itself ensures salvation, however, for History, in its inexorable unfolding, creates a social class that, by virtue of its utter dehumanization and existencial loneliness, is destined to redeem humanity by arriving at full self-realization. Proletarian free will and historical predestination (liberty and necessity) will merge in the act of an apocalyptic revolt against History in order to produce communism, a state in which there is no alienation of labor and thus no "contradictions", no injustice and no Time. This is colective salvation, in that the reconciliation with the world is achieved by the whole of humanity on Judgment Day, but it is also strickingly moder because it results from technological progress and has been prophetesied scientifically. The omnivorous monster of modernety releases his victims by devouring itself.
Freudianism locates the original sin within the individual by postulating a demonic, elusive, self-generating and inextinguishable "unconscious". Salvation, or making the world whole again, amounts to individual self-knowledge, or the overcoming of the alienation between ego and libido and the achievement of inner peace ("mental unity"). This cannot be accomplished by "maladjusted" people themselves, because they are, by definition, possessed by the demon of the unconscious. Only professionally trained experts in touch with their own selves can tame (not exorcise!) the unruly unconscious, and only willing patients ready to open their hearts to their analysts can be healed. The séance itself combines features of both Christian confession and medical intervention but differs from them radically (posdsibly in the direction of greater efficacy) in that the sinner/patient is assumed to possess neither free will nor reason. "The modern malaise is just that - a sickness that can be treated. Indeed, both the sickness and the treatment are perfect icons of the modern condition: the afflicted party is a lone individual, and the healer is a licensed professional hired by the sufferer (in what is the only certifiably rational act on his part). The result is individual, market-regulated, this-worldly redemption.»

- "The Jewish Century", pp.80-81

Duas das principais consequências do Marxismo e do Freudianismo para a concepção europeia (ou seja, greco-cristã) de Homem, traduzem-se, respectivamente, em conceitos muito simples: colectivização do corpo e colectivização da mente. O que isto augura será exaustivamente experimentado no século seguinte e prossegue, sob outras roupagens suavizadas apenas na aparência, nos dias actuais. Sintetiza-se em dois primados: "o teu corpo pertence ao Estado", e a "tua mente pertence à ciência". A Tarefa essencial? Libertar a espécie dos indivíduos. Consciencializar a massa, normalizar o indivíduo. Homogeneização, em suma (pasteurizada, claro está). Na verdade, tanto a sociedade quanto a sua célula base - a família, - (na sua tradição patriarcal) saem estilhaçados. A sociedade está contaminada e o indivíduo doente. Em ambos, há um passado maligno que urge filtrar, através da consciência, e depurar, através da terapia. Sob o fermento da vanguarda partidária e dos psico-exorcistas, resultarão, em devido e abençoado tempo, numa papa automática e liquefeita, mental e fisicamente dócil aos devaneios dos novos demiurgos iluminados. Essa é a realidade, que a cada dia que passa, mais se comprova. Porém, a ficção que serve de cobertura é outra: em nome duma pacificação futura, curam-se os males contraídos no passado, através da conflitualidade no presente. A zaragata de classes para acabar com as classes; a zaragata aos fantasmas e taras para compreendê-los e sublimá-los em formas produtivas úteis ao colectivo. Se o homem antigo, homérico, entendia a guerra como forma de defesa ou afirmação duma comunidade de indivíduos livres, decerto ficaria estarrecido diante deste seu sucedâneo freudo-marxizado: um tipo em guerra com a sua própria comunidade, em guerra com a sua própria família e, ao mesmo tempo, violador e polícia de si próprio, às turras consigo mesmo.
Como explicar o sucesso de tamanhas aberrações? Lembro que os Marxistas 3G, como Marcuse, por exemplo, já se dizem freudo-marxistas. Com delambidelas voluptuosas em Hegel. O Maio de 69 é todo um freudo-marxismo pegado.

Entretanto, poderiam estas novas-torahs germinar de outro húmus mental que não o judaico, onde, por milenar compulsão obsessiva, o primado existencial se submete ao imperativo da "salvação colectiva"? A resposta do autor, não necessariamente a minha, é assertiva: o Marxismo e o Freudismo são produtos tipicamente judeus. Eu talvez dissesse que não é por acaso que os fundadores dessas duas seitas são judeus, como também não será irrelevante a época em que surgiram. Ambos seriam impensáveis, creio, fora da estufa histórico-cultural onde germinaram: a sociedade capitalista do século XIX e a Alemanha do pós-Hegelianismo.

Curiosamente, será um judeu, daqueles de raro e real talento, que fará a melhor descrição do fenómeno: Kafka. Na Metamorfose, abisma isso mesmo, esse pesadelo que alastra à realidade e dela escorre: o amanhecer do novo-homem prometido à engrenagem burocrática. O homem que acorda, toma consciência e descobre que se transformou (ou o transformaram), subitamente... num insecto.

O sujeito da história homérica está reduzido e lamelizado a mero objecto de análise e dissecação - social e mental. Ulisses no microscópio de entomologistas.

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