«De origem urbana, camponesa ou até nobre, são antes de mais [os Goliardos] seres errantes, representantes típicos duma época em que o surto demográfico, o despertar do comércio, a construção das cidades, fazem dar de si as estruturas feudais, atiram para os caminhos e reunem nas encruzilhadas que são as cidades, os marginais, os audaciosos, os infelizes. (...)
Por vezes, para ganharem a vida, tornam-se jograis ou bobos, e daí, sem dúvida, o nome porque são frequentemente tratados. Lembremo-nos, no entanto, de que a palavra joculator, de jogral, é o epíteto lançado, na época, à cara de todo o indivíduo considerado perigoso, que se pretende afastar da sociedade. Um joculator é um "vermelho", um rebelde...
(...) Formam o corpo da vagabundagem estudantil tão característica, ela também, do século XII. Contribuem para lhe dar uma aspecto aventureiro, espontaneista, ousado. Mas não constituem uma classe. De origem diversa, têm ambições diversas. Escolheram, evidentemente, o estudo e não a guerra. Mas os seus familiares foram engrossar as fileiras dos exércitos, as tropas das Cruzadas, vão pilhando pelas estradas da Europa e da Ásia, vão saquear Constantinopla. Se todos criticam, alguns, talvez muitos, sonham identificar-se com os criticados. (...) Sonham com um mecenas generoso, uma renda eclesiástica gorda, uma vida larga e feliz. Parecem querer, sobretudo, tornar-se os novos beneficiados da ordem social; mais do que alterá-la.
(...)
É significativo que a poesia goliarda ataque - muito antes que isso se torne um lugar-comum na literatura burguesa - todos os representantes da ordem estabelecida pela Alta Idade Média: o eclesiástico, o nobre e até o camponês.
(...)
Se o padre, considerado como vítima da hierarquia, confrade na miséria e na exploração, é geralmente poupado pelos Goliardos, o monge é violentamente distinguido nos ataques. Há neles mais do que os tradicionais gracejos relativos aos seus maus hábitos: gula, preguiça, luxúria. Há o espírito secular - próprio do espírito laico - que denuncia, nos monges, concorrentes que roubam aos pobres dos padres rendas, penitentes e fiéis . Voltaremos a encontrar, no século seguinte, esta querela agudizada nas Universidades. E há ainda mais a recusa de uma parte inteira do cristianismo: a que pretende afastar-se do mundo, a que rejeita a terra, a que escolhe a solidão, o ascetismo, a pobreza, a contingência, a ignorância considerada como renúncia aos bens espirituais. Dois tipos de vida; a confrontação, levada ao extremo, entre a vida activa e a vida contemplativa, o paraíso preparado na terra face à salvação persistentemente procurada fora do mundo; é o fundamento do antagonismo existente entre o monge o o Goliardo, e que faz deste o percursor do humanista do Renascimento.»
- Jacques Le Goff, "Os intelectuais na Idade Média"
Estes tipos, filhinhos, estes frenéticos anarquistas, cheios de fome da sobremesa alheia, eram clérigos. E isto, vejam lá bem, passa-se no século XII, em plena Idade das Trevas. Quer dizer, eles já a fazerem Maios de 68 no original, beat-generations avant la lettre, esquerdalhagens cantadeiras em primeira-mão e a malta d'agora ainda a armar ao evoluído. Evoluído? Desbotado, amaricado, frouxo, totó, isso sim.
Não estranhamente, será das fileiras goliardas que emergirá Pedro Abelardo. No dizer (quanto a mim, correcto) de Le Goff, «é a primeira grande figura moderna de intelectual, dentro dos limites da modernidade do século XII. Abelardo é o primeiro professor.»
O mesmo Abelardo que no dia em "que constata que é incapaz de cultivar a terra e que tem vergonha de mendigar", confessa, resignadamente:
«Regressei ao ofício que conhecia; incapaz de trabalhar com as minhas mãos, vi-me reduzido a servir-me da língua.»
Há muito de similar entre a prostituta e o professor (no sentido universitário da funçanata, entenda-se). Parte dessa fatalidade transpira no desabafo inaugural do proto-espécime. Só que, há que reconhecê-lo, o mestre-escola cagão tem uma capacidade - mais até que de entendimento - de atendimento bastante superior à rameira: o que esta só consegue por árdua sucessão, alcança aquele em facunda simultaneidade. Onde uma esfola de guiché, regra geral, indivíduos, avia o outro, de empreitada, às turmas e classes.
De resto, ninguém julgue que é por acaso que a palavra fetiche da esquerda é "educação". Ou, traduzindo: titilar-nos e delamber-nos o juízo até à morte. Com intervalos para, do alto das suas sebentas cátedras, bochecharem uns felatios ao Poder do instante a ferver e debicarem uns annilingus à Verdade em saldo de ocasião.
É sempre bom ler-te Dragão, as tuas filosofias não são simplesmente adquiridas são pensadas :)
ResponderEliminarFico muito contente quando isso acontece...
Espero que tenhas tido umas boas férias
Beijos
Então, Dragão? Já percebi que está a desligar os motores...
ResponderEliminarSe for verdade, vou ter muita pena.
Acredito, no entanto, que vai renascer num romance. Um exemplar já está vendido. Estou à espera.
Isabel
Caríssima Isabel,
ResponderEliminarnão será assim tão drástico, se bem que a ideia já me tenha por diversas vezes ocorrido. Trata-se apenas de absoluta falta de tempo. Além de problemas recorrentes com a ligação à Net por via da guerra PT/Vodafone.
Mais uns dias e isto começa a normalizar. Acho eu.
Entretanto, a cara leitora vá aproveitando o sol e o mar, que não tarda nada está aí o Outono.
"que não tarda nada está aí o Outono"
ResponderEliminare daí ao Natal é um pulinho
":OP
andas muito animador.
Beijocas
a direita andava por esses dias como se sabe entretida a violar camponesas, algumas na noite de casamento, ou com sangue(e ouro) até aos tornozelos em jerusalém.
ResponderEliminar«a direita andava por esses dias como se sabe entretida a violar camponesas, algumas na noite de casamento, ou com sangue(e ouro) até aos tornozelos em jerusalém.»
ResponderEliminarEra escusada essa apologia da direita.
agora sodomizam indiscriminadamente há que reconhece-lo. Não faltam crónicas de cavalaria nos jornais de economia.
ResponderEliminar"agora sodomizam indiscriminadamente há que reconhece-lo. Não faltam crónicas de cavalaria nos jornais de economia."
ResponderEliminarÉpa, grande poeta.