terça-feira, abril 15, 2008

As Nuvens

« Estrepsíades - Realmente, por Apolo!, com tal argumento provaste muito bem essa coisa... E eu que dantes cuidava que era mesmo Zeus a mijar por um regador!... Mas... Explica-me mais uma coisa: quem é que troveja, que até me põe assim com o rabinho tefe-tefe?
Sócrates - Os trovões são elas a rebolarem-se.»
- Aristófanes, "As Nuvens"


Diz Francisco:

Não se podem fazer transposições assim, de chofre, entre uma perspectiva simbólica do mundo e uma perspectiva utilitária. Os antropólogos explicam-no bem. E soa a novo-riquismo epistemológico. Mas o ponto, para já, não é esse.
O ponto é que argumentação deste estilo conduz e autoriza conclusões inquietantes, como por exemplo:
-"Ah, quer dizer então que a ciência é basicamente uma meteorologia sujeita a sufrágio universal? Ou seja, anda ao sabor do clima e da opinião pública?..."
Curiosamente, às vezes, ao imaginar o que diria o inventor da mesma, o pai Platão, caso fosse confrontado hoje com o produto da sua semente, estou em crer que, antes de ter um colapso cardíaco, bradaria em desespero: "Hiperdoxa! esta filha não é minha" E tombaria fulminado diante da turbo-sofística em todo o seu explendor.
Mas, de todo o modo, fica o pormenor altamente sugestivo:
O Francisco, e grande parte das pessoas ocidentais com ele (e segundo ele) não acreditam em deuses nem dragões, porque acreditam na ciência. Até porque a ciência não lhes oferece apenas uma explicação mais credível: dá-lhes de bónus o pára-raios.

14 comentários:

  1. Amigo Dragao,

    A matematica esta para a ciencia como o lubrificante para um bom enrabanco...
    Tambem vai la mas e um pouco mais dificil.

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  2. Dragão já estás um pouquinho mais cientifíco...O próprio Platão, só pelo facto da existência do Para-raios, haveria de reconhecer a sua filha. Não te parece?

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  3. Olha, e o teu computador, tem andado bem?

    :|

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  4. Caro Dragão,

    «Não se podem fazer transposições assim, de chofre, entre uma perspectiva simbólica do mundo e uma perspectiva utilitária.»

    O que eu afirmei foi no contexto do abandono de uma prática religiosa pelas descrições naturalistas que fazem. Isso leva as pessoas a desconsiderá-las.

    Portanto, estava a reportar-me a uma prática religiosa mais popular em que o mitológico é tomado como real.

    Fi-lo para introduzir o contexto da pergunta que fiz a seguir:

    A tese por detrás de todos estes artigos é a de que a Ciência substituiu o lugar da Mitologia no imaginário ou bagagem apriorística das pessoas em geral?

    «O Francisco, e grande parte das pessoas ocidentais com ele (e segundo ele) não acreditam em deuses nem dragões, porque acreditam na ciência.»

    Eu estava a perguntar-lhe justamente se era isso que defendia e não a justificá-lo.

    Posso, da minha parte, assegurar-lhe que não é por estar obcecado por qualquer ideologia que duvido de que um Abominável Homem das Neves se passeie alegremente por recônditas colinas dos Himalaias.

    Resta saber se, para o resto das pessoas, isso também é assim - ou se, pelo contrário, desconsideram essa crença porque outra crença a isso as obriga. O que pensa disso?

    Eu, sinceramente, não sei. Existem de facto muitas pessoas que ao simples mencionar do adjectivo "científico", e eventualmente expostas a dados que não sabem interpretar apresentados por indivíduos de porte simuladamente rigoroso, aceitam facilmente a mais inacreditável das burlas.

    E já agora, porque é que se referiu a "pessoas ocidentais"?

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  5. «A tese por detrás de todos estes artigos é a de que a Ciência substituiu o lugar da Mitologia no imaginário ou bagagem apriorística das pessoas em geral?»

    Há, de facto, uma mitologia científica, mas a tese não se esgota nisso. Até porque não se pode nem deve reduzir o fenómeno apenas a isso.


    «Resta saber se, para o resto das pessoas, isso também é assim - ou se, pelo contrário, desconsideram essa crença porque outra crença a isso as obriga. O que pensa disso?»

    Existem mecanismos mentais que foram sendo incutidos e cultivados ao longo dos séculos. Estão entranhados a um nível às vezes mais profundo do que se pensa. Será que houve uma "evolução das crenças" - uma espécie de selecção artificial em que crenças mais aptas a determinados objectivos foram suplantando e substituindo outras? O certo é que podemos testemunhar ao longo do percurso humano uma luta permanente pela hegemonia por parte de povos, nações, culturas ou impérios, em que o mais forte não impõe apenas a sua lei- impõe também a sua crença. Esta torna-se, invariavelmente, pilar da nova ordem.
    Não deve ser por acaso que todas as distopias do nosso tempo são científicas. A ciência converte-se em principal arma do Estado concentracionário. É um perigo real cujos augúrios não são exactamente tranquilizadores.

    «E já agora, porque é que se referiu a "pessoas ocidentais"?»

    Bem, porque se você for a África, à Índia, ao Extremo Oriente ou à América Latina repara logo que o ecrã mental ainda é outro. A sua convivência com os milagres da ciência ainda vai no princípio.

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  6. A sua, deles, convivência, naturalmente.

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  7. Caro dragão,

    «Será que houve uma "evolução das crenças" - uma espécie de selecção artificial em que crenças mais aptas a determinados objectivos foram suplantando e substituindo outras?»

    Eu acho que sim. As crenças competem entre si, misturam-se, sofrem alterações e são substituídas, quer pela força das ideias quer pela força de outras circunstâncias que lhes servem de envelope (força militar, número de crentes, etc.).

    «O certo é que podemos testemunhar ao longo do percurso humano uma luta permanente pela hegemonia por parte de povos, nações, culturas ou impérios, em que o mais forte não impõe apenas a sua lei- impõe também a sua crença.»

    Como pode falar de hegemonia cultural quando se fala de Ciência? Tem outra alternativa para explicar o mundo? Existem versões opostas da verdade?

    Acha que afirmar que a Terra orbita em torno do Sol é impôr uma crença sobre os que pensam o contrário? Ou afirmar que os chimpanzés e o ser humano têm um ancestral comum é humilhar a cultura alheia e ultrajar a moral dos que duvidam dos factos?

    A tese de que o conhecimento científico é mais um entre outros chavões civilizacionais que moldam os comportamentos é claramente limitada.

    A Ciência não é só uma ideia. É um processo de conhecer o mundo em que vivemos. Trata de factos que, por qualquer razão, interferiram com a concepção mental que as pessoas têm do Universo.

    Sendo que essas visões incluem, quase sempre, elaborações filosóficas sobre a natureza da coisas que estão vincadamente relacionadas com outras (nomeadamente morais, políticas e éticas) estas podem ser postas em causa. O "é" e o "deve ser" andam juntos na moral quotididana. Se aquilo que achávamos que era deixa de o ser, também surgem questões sobre o que deve ou não deve ser.

    Agora, afirmar que porque a Ciência destroça algumas concepções sobre a natureza do Homem com suas derivações morais então trata apenas de uma hegemonia que se quer substituir a outra é fazer tábua rasa da razão pela qual se faz Ciência.

    «Não deve ser por acaso que todas as distopias do nosso tempo são científicas. A ciência converte-se em principal arma do Estado concentracionário.»

    Isso é alheio à Ciência. Mas talvez seja mais prático discutir isso nos posts mais acima.

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  8. «Como pode falar de hegemonia cultural quando se fala de Ciência? Tem outra alternativa para explicar o mundo?»

    Francisco,
    para explicar o mundo tenho, muitas. Para produzir electricidade é que não.
    Não confunda o utilitário, isto é, o artificial, com o natural - o cósmico.

    Nem confunda progresso material com progresso mental.

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  9. Dragão,

    «Não confunda o utilitário, isto é, o artificial, com o natural - o cósmico.»

    ...o cósmico :')

    Produzes electricidade porque conheces algo sobre a natureza: os electrões. A electricidade não é artificial (presumo que também haja trovoada onde vives), o modo de a produzir é que pode ser.

    Podes é tentar discutir o grau de "cosmicidade" dos electrões, se quiseres :')

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  10. «A electricidade não é artificial»

    Um pândego, este gajo!...

    :O)))

    Leandro, caro amigo, o que é que tu achas que significa "artificial"?... Bruxaria, não?...

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  11. «Um pândego, este gajo!...»

    Havemos de tomar uns copos :')

    :: ARTIFICIAL

    do Lat. artificale

    adj. 2 gén.,
    produzido por arte ou indústria;
    fingido;
    dissimulado;
    postiço;
    que não é natural.

    :: RELÂMPAGO

    1. descarga elétrica que se produz entre nuvens de chuva ou entre uma destas nuvens e a terra.

    A questão que te coloco a seguir é sincera e não tem qualquer tipo de ironia ou cinismo: o que entendes por "artificial" e o que entendes por electricidade, de modo a não a considerares um fenómeno "natural"?

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  12. Natural é algo produzido espontaneamente pela natureza (o raio, por exemplo);
    Artificial -no grego, dizia-se téchné - é algo resultante de técnica ou indústria transformadora humana;

    Se quiseres eu explico-te com todos os detalhes e minúcias como é que se produz electricidade - desde a barragem hidroeléctrica, passando pela sub-estação, até ao teu prato-candeeiro.

    Agora já te estou a imaginar à espera que caia um raio do céu, num dia de trovoada, para te acender a televisão. Só para me demonstrares a bondade da tua fantasia.

    :O))

    E quando se transforma vento ou energia solar em electricidade ainda é mais "natural"...
    Boa malha!...

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  13. Dragão,

    Um relâmpago é uma manifestação de electricidade estática. Uma enguia consegue provocar descargas eléctricas até 400V. O cérebro controla os músculos através de descargas eléctricas.

    Produzir uma corrente eléctrica com propriedades tais que me permitam ligar o portátil é algo artificial, mas para se conseguir fazer isso foi necessário estudar algo que, a julgar pelos exemplos que dei, já existia na natureza: a electricidade.

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  14. O teu problema, aliás, é estares a utilizar o termo "electricidade" incorrectamente. Estás a confundi-lo com "corrente eléctrica".

    Para ligar um aparelho não tens de produzir "electricidade", tens de produzir "corrente eléctrica". E não pode ser uma corrente qualquer, tem de ser uma corrente com características específicas para o aparelho em questão, de modo a alimentar um circuito eléctrico para que este execute as funções para as quais foi desenhado. Mas mesmo no meio disto tudo, só mesmo a produção da corrente eléctrica e o circuito eléctrico é que podem ser considerados artificiais. É que mesmo correntes eléctricas não faltam na natureza: o teu cérebro utiliza-as todos os dias para enviar instruções aos teus músculos.

    Enfim, o que estás a defender faz tanto sentido quanto dizer que antes de se inventar o frigorífico não havia transferências de calor no universo.

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